terça-feira, 29 de maio de 2007

Fábula do Camelo

A propósito das questões sobre o Conhecimento, que tão oportuna e judiciosamente aqui têm sido trazidas por alguns Irmãos, gostaria de reforçar a pertinência das mesmas, sobretudo no que concerne ao posicionamento dos Maçons, quer no seio da nossa Ordem Universal, quer enquanto agentes activos e actuantes no mundo profano.

É neste contexto que La Fontaine, se ainda estivesse vivo, poderia ter escrito aquilo a que chamo de “Fábula do Camelo”.

Com efeito, a mãe e o bebé camelo descansavam, quando, de repente, o bebé acomete:
- Mãe, mãe, posso fazer-te umas perguntas?
- Com certeza! Mas porquê, filho? Há alguma coisa que te preocupe?
- Não, mas por que é que os camelos têm bossas?
- Bem, filho, nós somos animais do deserto, precisamos de bossas para armazenar água. Somos conhecidos por sobrevivermos sem água.
- Okay. Então por que é que temos pernas compridas e pés arredondados?
- Filho: são apropriados para caminhar no deserto. Sabes, assim podemos deslocar-nos naquele meio melhor do que qualquer outro.
- Okay. Então por que é que temos pestanas tão compridas? Às vezes até me perturbam a visão!
- Filho: estas pestanas servem-nos de protecção. Ajudam a proteger os nossos olhos da areia e dos ventos do deserto.
- Não compreendo. Se as bossas servem para armazenar água quando estamos no deserto; se as pernas servem para caminharmos na areia; se as pestanas protegem os olhos das tempestades de areia… então que raio estamos nós a fazer aqui no jardim zoológico?
Se isto fosse uma história, poderia terminar aqui. Mas, como é uma fábula, termina com a moral da história: aptidões, saber, capacidade e experiência só têm utilidade se estivermos no lugar certo.

E pronto. É desta forma que pretendo exprimir a minha congratulação e o meu regozijo pelas pranchas que alguns Irmãos têm apresentado. Ao demonstrarem as suas aptidões para o desbastar da pedra bruta, ao evidenciarem o seu saber em questões que são do interesse comum, ao transmitirem a sua capacidade para o cabal desempenho das funções que estão cometidos, ao legarem a sua experiência como forma solidária de partilha e ao fazerem tudo isto entre nós e nos espaços que partilhamos, fazem-nos sentir que estamos, de facto, por opção e sem transigência, no lugar certo para a prossecução de um trabalho que nos conduz a mais elevados patamares de Conhecimento, quer em termos absolutos quer de nós próprios – afinal um dos primeiros e últimos objectos da Maçonaria.

É, aliás, a predisposição para trilhar com firmeza o caminho do Conhecimento, um dos maiores desafios que se colocam ao iniciado, até porque se trata de um combate sem tréguas contra o obscurantismo que pauta, ainda hoje, muitos dos actos que regem a sociedade em que vivemos e que conduzem, eles também, às mais diversas formas de fundamentalismos.

Por outro lado, o Conhecimento é o melhor conselheiro para que o recipiendário das luzes maçónicas enverede também pela senda da prudência que deve marcar as suas acções e os seus pensamentos, não se deixando conduzir pela irracionalidade dos ímpetos nem por juízos precipitados.

Perdoem-me, pois, se me socorri de camelos para falar do Conhecimento. É que são eles os principais habitantes dos desertos, onde cada grão de areia se junta aos outros em perfeita justaposição, todos semelhantes como irmãos que se unem num imenso espelho que reverbera a luz do Sol nascido no Oriente. E todos tão semelhantes como os bagos das romãs, que derramam a fraternidade à entrada dos templos onde o Conhecimento constitui o elo que liga os homens livres e de bons costumes por toda a face do universo. No lugar certo.

Autor: Álvaro

sábado, 12 de maio de 2007

Grande Oriente Lusitano 1802 – 2007 * 205 anos da Maçonaria Portuguesa

O Grande Oriente Lusitano (GOL) foi criado em 1802, tendo o tratado de reconhecimento sido assinado em 12 de Maio desse ano, pela Grande Loja de Inglaterra. Em 1806 foi possível aprovar a sua primeira Constituição.

Em Portugal, a Maçonaria teve sempre um papel muito importante na sociedade civil. Foi assim que esteve na linha da frente nas lutas liberais, no século XIX, e na fundação da Primeira República em 1910. Deve-se-lhe a criação das leis de separação das Igrejas do Estado, do Registo Civil, de um grande número de escolas, orfanatos, centros republicanos e muitas mais realizações de cariz sócio-cultural.

Em 1935, o ditador Salazar mandou votar a Lei n.º 1901 que proibiu as Sociedades Secretas, ou seja a Maçonaria, tendo confiscado os seus bens, assim como os das sociedades de beneficência criadas por ela. O Palácio Maçónico, sede do GOL, adquirido em 1869, pelo Grémio Lusitano, a face profana da Maçonaria, foi também ocupado pela Legião Portuguesa, a milícia do Estado Novo.

Depois de 25 de Abril de 1974, data da Revolução dos Cravos, a Junta Militar que ocupou provisoriamente o poder, restituiu as instalações do Grémio Lusitano. Na mesma linha, o Primeiro Governo Constitucional, chefiado por Mário Soares, fez votar a Lei n.º 929/76, de 31 de Dezembro, que atribui uma indemnização para reparação da destruição que ocorreu durante a ocupação.

O Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa, designação oficial retomada em 1982, manteve sempre as luzes acesas, mesmo durante os períodos mais sombrios da história do país. O GOL orgulha-se também de ter dado a Portugal alguns dos nomes mais prestigiados da sua história em sectores tão diferentes como a política e a administração, a ciência, a religião, as forças armadas, a cultura, as artes e a música, o teatro, o movimento feminista, o desporto, o mundo económico e o movimento social e operário.

O regresso da democracia permitiu que algumas Lojas adormecidas tenham retomado a actividade e que muitas Lojas novas tenham erguido colunas. Actualmente, o GOL tem federadas cerca de sessenta Lojas, entre as quais uma em Macau (China). Os Ritos Escocês Antigo e Aceite e Francês ou Moderno são praticados com toda a fraternidade e harmonia.

O Museu Maçónico, sedeado no GOL, está aberto ao público e regista um crescente número de visitantes. Pela sua qualidade e prestígio estás prestes a integrar a rede nacional de museus.

Pautando o seu comportamento pelo rigoroso respeito do princípio de não ingerência nas lutas políticas partidárias e reconhecendo naturalmente aos irmãos a liberdade total de opinião, de espiritualidade e de religião, o Grande Oriente Lusitano - Maçonaria Portuguesa pode afirmar-se como sendo uma escola de valores éticos, que não esquece as tradições iniciáticas que constituem o cimento da nossa Obediência.

A Liberdade, a Igualdade e Fraternidade, bem mais que uma máxima, são a razão de trabalho permanente, que permite aos nossos Irmãos aperfeiçoarem-se, na procura de uma sociedade mais justa, que se paute pelo respeito dos Direitos Humanos, para instituir a harmonia na Humanidade.

Autor: Júlio Verne

terça-feira, 8 de maio de 2007

Homenagem aos Maçons na Clandestinidade

O Grande Oriente Lusitano, por altura da realização do 1.º Encontro Internacional de Lisboa e do 205.º aniversário da sua fundação, decidiu homenagear os 7 (sete) irmãos que restam neste momento em actividade e que foram iniciados durante o período em que a Maçonaria esteve forçada a trabalhar em clandestinidade, entre 1935 e o 25 de Abril de 1974.

Para o efeito, foi atribuído a estes 7 irmãos um título Honorário pelos serviços prestados à Ordem maçónica durante o período de clandestinidade, simbolizando nestes irmãos, todos os Irmãos que durante a ditadura, com perseverança, abnegação e risco da própria vida, mantiveram a Maçonaria activa, permitindo assim, que após o 25 de Abril de 1974, a Ordem fosse retomando força e vigor e se apresente hoje como uma pujante Potência Maçónica com expressão na vida nacional e plenamente integrada na Comunidade Maçónica Internacional.

Esta homenagem serve, também, para nos recordar que o nosso país viveu um período negro da sua História e com consequências nefastas para os Portugueses, bem como quão importantes e fundamentais são a Liberdade, os Direitos Humanos, a Justiça Social, os Direitos de Cidadania.

Obrigado, Queridos Irmãos, bem hajam!

Autor: Júlio Verne

sábado, 5 de maio de 2007

1.º Encontro Internacional de Lisboa - Religiões, Violência e Razão

Com mais de cem participantes inscritos, realizou-se no dia 5 de Maio, o 1.º Encontro Internacional de Lisboa, convocado pelo Grande Oriente Lusitano – Maçonaria Portuguesa e organizado pelo Grémio Lusitano, subordinado ao tema “Religiões, Violência e Razão”.
Estiveram presentes delegações dos seguintes países: França, Grécia, Brasil, Itália, Bélgica, Suiça, Estados Unidos da América, Turquia, Espanha e Portugal, representando as respectivas Potências Maçónicas.
Foram proferidas 25 intervenções, e confirmando a importância dos temas em debate, muitos credos religiosos fizeram-se representar: cristãos (católicos e protestantes), muçulmanos (sunitas e xiitas), judeus, budistas, bem como laicos.

Professor Doutor António Reis, Grão Mestre do GOL, deu as boas-vindas com o discurso de abertura do Encontro, seguindo-se a Comunicação do Professor Doutor Eduardo Lourenço.

Nos Painéis sobre “As Religiões e a Maçonaria no séc. XXI”, intervieram:
Claude Gueydan; Fernando Catroga; Ina Piperaky; Anselmo Borges; Michel Miaille; Luís Vaz; Paulo Mendes Pinto; Paulo Borges; Francisco Alves Teixeira; António Costa Pinto; Dimas de Almeida; Marco Oliveira e Durval de Oliveira.

Nos Painéis subordinados ao tema “As Religiões e a Violência”, intervieram:
Adelino Maltês; João Rocha Pinto; Luís Mateus; Olivier Maendly; Can Arinel; Abel Pinheiro; Sheik Munir; António Matos Ferreira; Faranaz Keshavjee; Joshua Ruah e Maria Belo.

Encerrou o Encontro o Grão Mestre do GOL.

“Embora nos tempos antigos os maçons fossem obrigados, em cada País, a ser da Religião, qualquer que ela fosse, desse País ou Nação, julga-se agora mais conveniente obrigá-los apenas àquela Religião com a qual todos os Homens concordam, deixando a cada um a sua opinião particular, isto é, serem Homens bons e verdadeiros, ou Homens de Honra e Honestidade, quaisquer que sejam as denominações ou crenças que os possam distinguir”. As Constituições dos Franco-Maçons, 1723.
Num mundo dramaticamente marcado por práticas de violência guerreira e mesmo terrorista, exercidas em nome de crenças de natureza religiosa entrecruzadas com objectivos de natureza política, e num tempo em que o racionalismo humanista herdado das Luzes sofre o assédio do relativismo pós-moderno, impunha-se, com efeito, uma reflexão aprofundada sobre um conjunto de questões que preocupam sobremaneira crentes e não crentes, profanos e maçons, no sentido de conseguir algumas respostas susceptíveis de nos orientarem no desbravamento dos caminhos da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.

Autor: Júlio Verne

terça-feira, 1 de maio de 2007

Vitrúvio

Já se tem falado do séc. XX como de uma nova idade das trevas. Ao obscurantismo dogmático religioso medievo corresponderia o obscurantismo dogmático científico pelo qual tudo o que não tivesse cabal leitura científica não seria verdadeiro. Todos sabemos das grandezas e limitações da ciência, e que o que é verdade hoje pode não sê-lo amanhã, a própria formulação do principio de Heisenberg, prémio Nobel da física e um dos fundadores da mecânica quântica estabelece a incerteza ao afirmar que não é possível medir simultaneamente a posição e velocidade de um objecto quântico. Hoje como no passado o problema são as manipulações que se fazem a pretexto de um qualquer ideal e a visão redutora de se tomar a parte pelo todo. À desconsideração pela ciência veio opor-se a desconsideração pelo espiritual esquecendo que só no encontro do ser espiritual com o ser material se pode encontrar o equilíbrio.
Neste sentido é com satisfação e esperança que vejo um novo interesse pelas obras clássicas. Têm vindo a ser editadas obras cujas traduções nos honram pela consideração internacional que têm vindo a merecer e pelo acesso a fontes que nos têm vindo a proporcionar. Falo da Divina Comedia traduzida por Vasco Graça Moura, da Ilíada e Odisseia traduzidas por Frederico Lourenço, mas também das notáveis edições de Vitrúvio, tradução do original latino por Justino Maciel, e da tão esperada por nós tradução de ”As Constituições dos Franco Maçons” de James Anderson por Salvato Telles de Menezes.

“Utilitas, Firmitas, Venustas” são os três princípios enunciados por Vitrúvio como base para o primeiro tratado de arquitectura, os “Decem Libri” livro fundacional e sempre copiado.
Lembremo-nos que desde os Gregos o número três é o número associado à ciência, porquê? Porque o três é o número resultante da soma das duas proposições com a conclusão, princípio da lógica, ou misticamente a resolução da dualidade pelo seu equilíbrio, também o triângulo é a primeira das formas geométricas planas (que antecede o quadrado ou como o número está para o que se segue, as pirâmides egípcias não são tetraedros mas sim pirâmides de base quadrangular o que faz com tenham ainda cinco vértices ou faces).
Em maçonaria três são as colunas do Templo, (ou quatro...) ou indo às origens, na Bíblia as personagens ligadas à construção do Templo de Salomão personificariam as três colunas, Hiran Habif seria a Beleza, enquanto Hiran, rei de Tiro, seria a Força, e Salomão a Sabedoria (segundo notas de Salvato Menezes).
Vitrúvio não só foi referencial para todos os tratadistas desde o renascimento até ao neoclassicismo (quem não reconhece a interpretação feita por Leonardo das medidas Vitruvianas do homem) como esteve na base da renovação da arquitectura moderna iniciada em Paris e depois consagrada na “Carta de Atenas”.

Mas já agora o que sabemos de Vitrúvio? Pouco e essencialmente pelos seus próprios escritos nos preâmbulos dos dez livros, de resto não há certeza do seu nome completo Marco Vitrúvio Polião, que provavelmente se deve a confusões com outros Vitrúvios, já que só aparecem referidos em textos a partir do séc. XV. A redacção da obra terá acontecido entre 35 e 25 a.C. podendo a entrega ao Imperador Octávio César Augusto ter decorrido por volta de 20 a.C., tudo isto se depreende da leitura da própria obra que poderá não ter sido toda escrita ao mesmo tempo. Sabemos que terá estado ao serviço de Júlio César nas suas campanhas e seria protegido de Octávia irmã do Imperador. Os sete primeiros livros tratam da Arquitectura propriamente dita aos quais terá juntado mais três sobre Hidráulica, Astronomia e Mecânica para obter o número ideal Pitagórico de dez.
Mas citemos o próprio Vitrúvio. “O princípio da solidez estará presente quando for feita a escavação dos fundamentos até ao chão firme e se escolherem diligentemente e sem avareza as necessárias quantidades de materiais. O da funcionalidade, por sua vez, será conseguido se for bem realizada e sem qualquer impedimento a adequação do uso dos solos, assim como uma repartição apropriada e adaptada ao tipo de exposição solar de cada um dos géneros. Finalmente, o princípio da beleza atingir-se-á quando o aspecto da obra for agradável e elegante e as medidas das partes corresponderem a uma equilibrada lógica de comensurabilidade.”

Vitrúvio foi também o nome simbólico do irmão Joaquim Possidónio Narciso da Silva arquitecto e arqueólogo, fundador do Museu Arqueológico do Carmo, iniciado entre 1838 e 1842 numa das lojas Regeneração de Lisboa, do Grande Oriente Irlandês tendo vindo a ser Grão-Mestre desta obediência entre 1851 e 1853.

Para terminar, como comecei, com livros, homenagem a Bocage e Ovídio. Quem não se deleitou com a sua tradução das Metarmofoses, infelizmente interrompida por motivos de saúde, tão mais poética mas menos exacta que a finalmente tão esperada, se bem que ainda incompleta tradução, de Francisco Lucas (está para sair o segundo volume).

É que uma civilização que esquece o passado é uma civilização que hipoteca o futuro.

Autor: Éolo