terça-feira, 21 de outubro de 2008

A circulação da palavra

Mais uma vez circulou entre o Templo a total liberdade de pensamento e de expressão que constitui uma das maiores riquezas do enorme espólio maçónico na nossa Ordem.
Sem condicionamento outro que não seja o exercício da sua característica de homens livres e de bons costumes, todos os que o desejaram puderam, como sempre podem, expressar-se, deixando o pensamento fluir no sentido do livre arbítrio que caracteriza o trabalho em Maçonaria.
Com efeito, a Maçonaria, concedendo uma relevância muito específica ao livre arbítrio, confere ainda maior dignidade à expressão do pensamento, porquanto, ao fazê-lo de pé os obreiros adoptam uma postura que contribui para controlar as paixões e as emoções profanas e que, ao proporcionar considerável amplitude ao livre arbítrio, mantém-no, todavia, nos limites das liberdades individuais de cada membro.
Neste magnífico espaço de liberdade protagonizado pela nossa Augusta Ordem, e no cumprimento de uma ritualística cada vez mais aperfeiçoada, os trabalhos decorrem, pois, de forma justa e perfeita!

Autor: Álvaro

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Grande Arquitecto do Universo

Quando se pretende assimilar plenamente o espírito maçónico é necessário conhecer cada um dos símbolos usados pela Maçonaria e meditar sobre eles. De todos esses símbolos, o Grande Arquitecto do Universo (GADU) é não só um dos mais importantes como um dos mais difíceis e delicados de abordar, pois, mais do que qualquer outro, interfere com aspectos do foro íntimo das pessoas, ou seja, com as suas crenças.
Na minha opinião as dificuldades de um tema não nos devem fazer fugir dele e menos ainda nos devem levar a esconder a cabeça na areia. Pelo contrário, tornam de primordial importância ponderá-lo serena e cuidadosamente. Julgo que, no caso do GADU será mesmo uma excelente forma de avaliarmos a nossa capacidade de diálogo e tolerância, virtudes que os maçons devem cultivar.
A avaliar pelos trabalhos que tenho lido, sejam eles de maior ou menor profundidade, a análise directa do tema é em geral evitada, mas é por demais evidente que o conceito não é igual para todos os maçons. De facto, é frequente encontrar trabalhos onde são dirigidas preces mais ou menos fervorosas ao GADU (nalguns casos expressamente a Deus). Mas também não é raro encontrar trabalhos onde são feitas apenas referências genéricas, do género «à glória do GADU», ou até em que não lhe é feita qualquer alusão.
Por outras palavras, parece-me que, independentemente de se referirem ou não ao GADU nas seus trabalhos, a maioria dos maçons evita fazer uma análise frontal sobre o significado da expressão.
Ao procurar textos dedicados ao tema encontrei de tudo um pouco. Por exemplo, no Dicionário de Termos Maçónicos de José Castellani, essa entrada nem sequer existe; já no “dicionário maçónico” um trabalho anónimo com grafia típica do Brasil e que me foi oferecido na altura da minha Iniciação, o GADU é definido como «Título da Divindade Suprema em todos os Ritos e Sistemas maçónicos de todo o mundo, significado de DEUS, o criador de todas as coisas».
Há contudo quem apresente perspectivas muito diferentes e certamente mais abrangentes. É o caso do Irmão José Martins Jurado no seu livro Introdução ao Rito Adonhiramita e que passo a citar também textualmente: «O G.A.D.U. não é senão uma fórmula, quase um símbolo, quase uma frase. Uma ideia para que cada ser aprove uma medida de sua inteligência, de sua concepção deísta, ou puramente literária, ou intui­tiva; por isso não a definimos. Tanto é assim que G.A.D.U. pode ser uma ideia, um princípio. Para uns, a Revolução. Para outros, a Evolução. Para todos, a encarnação do próprio pensamento de cada um, sem forma nem figura; sem culto nem adoração; sem amor nem te­mor; sem esperança nem dissolução.»
Também o Irmão René Guenon se refere ao assunto dizendo: «O Grande Arquitecto do Universo constitui unicamente um símbolo iniciático, que se deve tratar como todos os outros símbolos, e do qual se deve acima de tudo procurar criar uma ideia racional; ou seja, que esta concepção nada pode ter em comum com o Deus das religiões antropomórficas, que é não só irracional, mas inclusivamente anti-racional. No entanto, se pensarmos que cada um pode dar a este símbolo o significado da sua própria concepção filosófica ou metafísica, estamos longe de o associar a uma ideia tão vaga e sem significado como "o Incognoscível" de Herbert Spencer, ou, noutros termos, ao "que a ciência não pode alcançar"; e também é certo que, como diz com razão o Irmão Nergal, "se ninguém contesta que existe o desconhecido, absolutamente nada nos autoriza a pretender, como alguns fazem, que esse desconhecido represente um espírito, uma vontade".»

Em suma, parece haver uma considerável variedade de formas de entender a noção de GADU e em maior ou menor grau essa noção parece depender da crença de quem fala. No entanto o Irmão Jurado assume-se logo de início como cristão, mas mostra claramente que a sua crença religiosa não determina a sua forma de abordar o conceito de GADU.
Considerando que o espírito da Maçonaria é aberto e tolerante, parece-me que a noção de GADU deve ser suficientemente vaga para ser unificadora de todas as crenças e de todas as maneiras de pensar e sentir. Do mesmo modo, seria completamente alheio ao espírito maçónico que o nosso ideal de Liberdade fosse descrito como sendo o de um qualquer partido político. A Maçonaria, deve ser um navio cuja rota o leva a um mundo melhor onde reinem a Justiça, a Paz, o Amor e a Liberdade e da qual não deve ser desviado por ventos de cariz religioso ou político.

Autor: Carl Sagan

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A pedra em Maçonaria

Quando cada um de nós franqueou as portas desta Augusta Obediência tinha da pedra o conhecimento profano: uma expressão do reino mineral que se apresenta de forma ora extremamente rígida ora singularmente moldável.
Na altura de recebermos as Luzes e de termos feito simbolicamente o nosso primeiro trabalho na Pedra Bruta, apercebemo-nos então que esta é dura como o granito, pois só assim poderá servir de alicerce sobre o qual repousa a construção do Templo Iniciático.
Todavia, se relancearmos o olhar para os primórdios da história da humanidade logo nos apercebemos que cedo o homem viu na pedra um precioso instrumento, primeiro para a sua sobrevivência, depois para o seu desenvolvimento.
Ao ser proposto a cada Maçom o nobilitante objectivo de limar as arestas da pedra imperfeita, está-se a significar que ele tem em si capacidades, por vezes até então ocultas, para progredir no caminho do conhecimento, da justiça, da liberdade.
Cada um de nós deve constituir exemplo, para a comunidade maçónica e para si própria, de obreiro incansável na prossecução da árdua e interminável tarefa de desbastar a pedra bruta.
Os trabalhos da Resp.'. L.'. Estrela D'Alva têm-no atestado de forma iniludível, pelo que se faz Maçonaria!

Autor: Álvaro

domingo, 5 de outubro de 2008

Da madrugada libertadora à noite sangrenta

Machado Santos era lisboeta, dum meio social modesto, nasceu a 10 de Janeiro de 1875, ali, na velha rua da Inveja, entre a Mouraria e o Campo Sant’Ana, filho de D. Maria de Assunção de Azevedo Machado Santos e Maurício Paula Vitória Santos. Aos 16 anos, em 1891, o nosso António Maria de Azevedo Machado Santos (e não “Machado dos Santos” como em geral é ortografado o seu nome) alista-se na Marinha, fazendo posteriormente carreira na administração naval. Ei-lo sucessivamente 2.º comissário em 1892, 3.º comissário em 1895 e 2.º tenente, posto que detinha na altura da Revolução.
Começou por militar nas fileiras dos “dissidentes” de José Alpoim, o grupo de “esquerda” monárquica que progressivamente se ia arredando das hostes da realeza para se aproximar das fileiras republicanas. O seu feitio intrépido valera-lhe já, por parte dos camaradas de escola, a alcunha de “Presidente da República do Cartaxo”… a sua adesão à causa republicana e a sua rápida e fulgurante carreira de conspirador e carbonário resultaram da oposição à ditadura franquista, iniciada em 1907 e rematada com o regicídio de 1 de Fevereiro de 1908. Pela mão de um oficial chamado Serejo Júnior entra para a Carbonária Portuguesa ficando logo em contacto com os chefes máximos da conspiração que se avolumava, entre eles Cândido dos Reis e João Chagas. Machado Santos, introduz por seu turno, centenas de recrutas, civis, nas lojas carbonárias, as chamadas “choças” onde os “bons primos” tramam activa e tenazmente a insurreição armada geral.
Membro da Alta Venda Carbonária, o comissário naval esteve na preparação de toda acção conspirativa contra o regime monárquico nestes dois anos que se seguiram. Nas vésperas de se ordenar o início da acção revolucionária, está ausente da reunião decisiva, por considerar que o desentendimento entre os chefes levaria a uma resistência acobardada ou a um novo adiamento inglório, por isso, prepara-se para encetar sozinho o plano combinado.
Veste-se de uniforme de gala como quem vai para uma festa ou para a morte. Chegado ao centro republicano de Santa Isabel, ali encontra os revolucionários que aguardam o começo da acção. Encabeça o grupo de carbonários civis que caminham para o seu objectivo, tomar o quartel de Infantaria 16. De madrugada, o quartel é tomado sem grande dificuldade. Com uma centena de soldados de Infantaria 16, dirige-se então para o segundo objectivo – O Regimento de Artilharia 1, de Campolide, sublevado pelo capitão Pala. Com estas forças conjuntas, a coluna revoltosa segue para a “Rotunda da Avenida da Liberdade” e é doravante aqui, como no Tejo, que se há-de jogar o essencial do duelo entre monárquicos e republicanos.
Uma vez na Rotunda, os revoltosos preparam-se para ser atacados, com as noticias que a revolução tinha falhado, os oficiais tomam a decisão de abandonar o campo fortificado, deixando Machado Santos na chefia dos revoltosos. Efectivamente assim foi, ao mandar tocar a sargentos, quando se viu privado de oficiais, condensou num punhado de civis, de sargentos, de cadetes, de praças, de marujos e de soldados rasos, o nó inquebrantável duma determinação popular que se iria traduzir, no dia seguinte, pela queda da monarquia.
Triunfante o regime republicano, a vida daquele que o fundara foi cheia de vicissitudes, rematando a sua curta carreira terrena, aos 46 anos de idade, alvejado pelas espingardas do “comando” de um outro marujo, o cabo Abel Olímpio, O Dente de Oiro, criminoso a soldo de monárquicos que não perdoaram a Machado Santos a madrugada redentora do 5 de Outubro de 1910. O marujo que vencera a monarquia na Rotunda pagava com a sua própria vida o ter feito baquear o rei. Um comando monárquico, fazendo-se transportar na “camioneta fantasma” durante a “noite sangrenta” que sucedeu à revolução radical de 19 de Outubro de 1921, procedia a algumas liquidações de proeminentes figuras republicanas como o herói da Rotunda, António Granjo e Carlos Maia. Levado de casa Machado Santos foi fuzilado no Largo do Intendente, sendo o seu cadáver transportado depois para a Morgue de Lisboa!

Como disse o seu honrado pai, que, ao irem dizer-lhe, no dia 4 de Outubro, quem comandava as tropas da Rotunda, encolheu os ombros, sorrindo, teve esta frase profética: - Então temo-la tramada, porque quando ele se mete numa coisa leva-a ao fim… Mas é maluco, o meu António, porque, ou deixa lá a pele, ou vai servir de degrau aos outros, pensando em todos e esquecendo-se de si.

Autor: Júlio Verne - Baseado em: Machado Santos, o republicano recalcitrante, por João Medina, História Crítica, Lisboa 1980