terça-feira, 29 de abril de 2008

A Pedra

O distraído nela tropeça.
O bruto usa-a como projéctil.
O empreendedor utiliza-a para construir.
O camponês, cansado da lida, dela faz assento.
Para os meninos, é brinquedo.
Com ela David matou Golias.
Miguel Ângelo dela extraiu a mais bela escultura.
Em todos esses casos, a diferença não está na pedra, mas no Homem.
Não existem pedras no caminho de um Maçon que ele não possa aproveitar para o seu próprio crescimento.

Elaborado por: Álvaro

terça-feira, 22 de abril de 2008

As noites de Inverno são longas

Os anos já lhe pesavam nas pernas e o tempo húmido e frio não ajudava nada. Mas ele não era dos que desistem facilmente. Com passos vagarosos ia subindo a rua. Há muito que a noite tinha estendido o seu manto negro sobre a cidade. Não se via muita gente nas ruas. As molas de um velho autocarro chiavam com os solavancos do piso irregular. Dava para perceber que o motorista evitava os carris do eléctrico, pois aí o perigo de derrapagem aumentava ainda mais. Lá dentro, meia dúzia de passageiros olhava distraidamente para a rua.
Teve de parar um pouco para respirar. Havia contudo outro motivo para a sua paragem. Queria certificar-se de não estar a ser seguido. No passeio por onde subia a íngreme rua não se via ninguém a caminhar na mesma direcção. Ficou mais descansado. No entanto, mal pôde, dobrou uma esquina e depois de caminhar alguns metros, voltou a parar olhando discretamente para trás. Retomou a marcha, mas pelo sim pelo não, depois de voltar a mudar de rua repetiu a paragem.
À medida que caminhava, vinham-lhe à memória cenas que gostaria de nunca mais voltar a viver. Ele que criticava todas as ideologias radicais, ele que apenas queria que no seu país houvesse justiça, liberdade de expressão e menos pobreza, tinha sido expulso do ensino público só porque tinha sido um dos subscritores de um abaixo-assinado. Ao fazê-lo entrava para a lista negra dos “perigosos comunistas” e passava a ter de viver com os magros proventos das explicações que dava.
Pensou nos amigos que o esperavam. Um tinha sido desterrado para centenas de quilómetros da cidade alentejana onde tinha nascido e onde sempre tinha vivido e exercido a profissão. Só de lá tinha saído para estudar direito. Motivo: ter-se assumido como republicano num país que oficialmente continuava a ser uma república! Agora, reformado, sempre que podia vinha à capital para se encontrar com os amigos.
Apesar da idade, o médico ainda tinha de trabalhar. Não tendo direito a qualquer reforma, se não fosse dando as suas consultas não teria forma de se sustentar a ele e à mulher que a diabetes tinha cegado.
Quem lhe tinha feito mais confusão era o graduado da polícia. Fazia uma vida dupla. De dia fingia ser o mais fiel dos seguidores do ditador. De noite, reunia-se com os resistentes. De início receavam-no, mas depois de anos de convívio, tinham total confiança nele, até porque por mais de uma vez os tinha avisado da eminência de mais alguma vaga repressiva.
O velho marujo era o que mais vezes sentia o maravilhoso sabor da liberdade… a ditadura não conseguia proibir o vento de trazer o cheiro a maresia. Tinha andado num seminário, mas fartara-se e o chamamento do mar tinha sido irresistível. Já o tinham tentado apanhar com as artimanhas em que o regime era fértil, mas sem sucesso. A última tinha sido a de obrigar os seus homens a irem a uma manifestação favorável ao regime que se tinha sentido em perigo com a candidatura de um general sem medo. Habituado a lidar com as fúrias do oceano, lá se conseguiu escapar airosamente: teve de zarpar na véspera da manifestação “espontânea” devido a um aviso meteorológico…
Não bastando a mais do que evidente cumplicidade da alta hierarquia da Igreja nacional com o ditador, há muito que as ordens de Roma eram claras: nenhum crente podia pertencer a uma organização como aquela que os unia sob pena de excomunhão. Mas o padre João não se preocupava e dizia que respondia directamente perante o Criador. Só queria que o pesadelo em que o país estava mergulhado havia décadas acabasse. E ele bem sabia do que falava, pois passava a maior parte do tempo a tentar acudir aos mais necessitados. Mas era tão pouco o que tinha para lhes dar…
É verdade que naquele grupo predominavam os “doutores”, por isso os dois que pouco mais sabiam do que ler e escrever eram especialmente acarinhados. Um era motorista da Carris e o outro ferroviário. Homens calejados pela vida desejavam um futuro mais justo para os filhos e os netos.
Pensou no que iriam falar nessa noite. Havia muitos boatos, mas parecia certo que a polícia política tinha armado uma cilada ao General e que o teria assassinado. À hora combinada chegou a casa do amigo. Desta vez calhava-lhe a ele ser o último. Tinham de chegar um a um, discretamente. Subiu com esforço até ao primeiro andar. A cada degrau, as artroses dos joelhos causavam-lhe dores.
Pareceu-lhe que havia um silêncio mais pesado do que era habitual. Devia ser impressão sua. Como sempre, deu três discretas pancadas na velha porta. A voz que ouviu fez-lhe parar o sangue: «é só um momento».
Dez minutos depois aqueles homens bons e honrados que apenas queriam que o seu país vivesse em paz e que no mundo inteiro reinassem a liberdade, a igualdade e a fraternidade, lá iam a caminho de uma masmorra…

Viva o 25 de Abril





Autor: Carl Sagan

Memórias de uma rua

Desde pequeno que eu adorava lá passar uns bocados. Por vezes, eram mesmo várias horas. Até porque, para além da agradável companhia de pessoas da família, tinha oportunidade de ler (de borla!) as revistas de banda desenhada acabadas de sair… Além disso, dali podia sentir o burburinho da cidade, ver as pessoas a passar. Havia sempre tanta gente! Da porta da minúscula loja eu avistava facilmente a Praça da Liberdade e até a Torre dos Clérigos. E quando lá estava com o meu avô, era garantido que, mal chegasse o meu tio para o substituir, se seguia um petisco na rua sombria que ladeia a estação de S. Bento.
Já me não lembro quando me terão ensinado o nome da rua, mas não tardei a sentir que havia ali algo de estranho. De facto havia muita gente que se enganava e lhe chamava 31 de Janeiro. Cá por mim, tanto me fazia, afinal o nome Santo António dizia-me tanto como aquela data. Acabaram por me dizer que, todos os anos nesse mesmo dia, a minha avó queria a loja fechada mais cedo por causa da tinta azul. Tive de insistir para que me explicassem o que era isso da tinta azul. Lá fiquei a saber, no maior dos segredos, que era a polícia que atirava jactos de água com tinta azul às pessoas que eram do “contra”. E a água, para mais com tinta, estragava as revistas e os jornais… Além disso, as pessoas, ao fugirem apavoradas, podiam esconder-se na loja e, se os polícias lá entrassem, o mais certo era partirem tudo e baterem em toda a gente. Por isso estava decretado: «31 de Janeiro, dia de fechar cedo».
Também me lembro do meu tio, impressionado, descrever ao meu pai a violência com que a polícia batia nas pessoas que lá na rua gritavam «Viva a República». Fiquei calado, mas confuso. Então Portugal não era uma República? Até tinha um Presidente. É verdade que, quando davam os discursos dele na televisão, ninguém prestava a menor atenção… Havia qualquer coisa que não batia certo, mas eu, com os meus 10 anos, tinha mais com que me entreter.
Um dia, já eu era mais crescido, ia a descer a rua, quando notei alguma agitação. Motas da polícia abriam caminho e, logo atrás, ia um carro muito grande. Lá dentro, o tal Presidente. Nunca me esquecerei de que muitos transeuntes, só de o verem, começaram a bater palmas. Eu, que nada percebia de política, achei que não tinha qualquer lógica aplaudir só porque um sujeito ia a passar… Quando contei isto à minha avó, ela disse-me que era melhor a gente bater palmas, porque nunca se sabia quem nos estava a ver. Isto ainda me impressionou mais…

Viva o 25 de Abril

Autor: Carl Sagan

terça-feira, 15 de abril de 2008

Gonçalves Ledo

Fazer a interiorização deste nome, não me foi difícil pois, como disse estou a falar de sangue do meu sangue, nas suas virtudes que se superiorizam, pelo carácter, pelo agente libertador de certezas, pelo agente libertador do seu povo, pela sua brilhante frontalidade com actos e palavras, com o seu carácter de homem de bons costumes, pela sua lisura e transparência, mas sempre amigo do amigo. É isso que me faz sentir perto deste homem, que de forma marcante lutou pela libertação do seu povo da opressão da monarquia, que tanto escravizou um povo notável como o povo brasileiro irmão. Muito me honra falar deste homem, responsabilizando-me ainda mais sobre esta querida sociedade maçónica, passando-me o seu legado para dele fazer aqui fazer jus.
Traçar linhas acerca de Gonçalves Ledo é uma tarefa agradável, tendo em vista a importância deste estadista e Maçom na Independência do Brasil. Nome esquecido nos meios académicos, não podemos deixar de render-lhe estas homenagens e dar-lhe, na História do Brasil, o papel que lhe é devido. As datas que aqui transmito podem não ser as exactas, porque na pesquisa histórica levada a cabo, elas são contraditórias, peço por isso desculpa caso exista alguma imprecisão.

A 11 de Dezembro de 1769, nasce no Brasil, Joaquim Gonçalves Ledo, filho de comerciante abastado e já destinado a ser doutor em Leis. Em 1800, parte para Portugal, para estudar em Coimbra, sendo que, por força da morte de seu pai, volta ao Brasil, interrompendo os seus estudos. Em 15 de Novembro de 1817 é instalada no Rio de Janeiro a Loja Maçónica Comércio e Artes, sendo certo que, em 1818, havia enviado uma carta a seu irmão, que estudava medicina em Londres, afirmando a sua intenção de fundar no Brasil a primeira Loja, "que será o centro de propaganda liberal do Brasil". Gonçalves Ledo foi iniciado na Loja Comércio e Artes, a Primaz do Grande Oriente do Brasil, não podendo haver uma precisão de datas em virtude da destruição de documentos à época. Em 30 de Março de 1818, D. João VI, por Decreto, proíbe a existência das "sociedades secretas" e, com isso, são encerradas as actividades da Loja.
Relativamente à participação de Gonçalves Ledo no processo de independência do Brasil e na Maçonaria, narra-se o seguinte: «…F. Soares, representante da Maçonaria em São Paulo, descreve a "Joaquim Gonçalves Ledo, Venerável da Loja Comércio e Artes", os acontecimentos, daquele dia, quando os Maçons paulistas depuseram João Carlos Augusto Oyenhausen, presidente de São Paulo, que representava o governo português: "A confiança que V. S. depositou no Conselheiro, e nos Coronéis Lázaro, Lobo, Inácio e outros, foi imerecida. O novo governo já começou, como primeiro acto, a perseguição aos maçons que não concordaram com o Conselheiro José Bonifácio. Reunimo-nos na casa do patriota José Inocêncio Alves Alvim. Tanto ele, como o irmão Ledo, foram fiéis até o último instante e, por isso são alvos dos outros que são traidores…”
Apesar de problemas nacionais e outros envolvendo Irmãos, a 24 de Junho de 1821 é reinstalada a Loja Comércio e Artes, tendo como Venerável Mestre o Irmão Ledo. Até a Proclamação da Independência do Brasil, Ledo teve em mente esta ideia, podendo, sem dúvida alguma, ser considerado um dos principais responsáveis por este facto histórico. Em Julho de 1821, trocava ele correspondência com o Cónego Januário da Cunha Barbosa, afirmando a necessidade de lançar o “Revérbero Constitucional”, que seria o clarim das ideias de liberdade nacional. O primeiro número do periódico, quinzenal, surge em 15 de Setembro deste mesmo ano, com redacção de Ledo e do Cónego Januário. Foi este periódico que em muito contribuiu para a Independência do Brasil. Em 16 de Fevereiro de 1822 Ledo é nomeado Conselheiro e Secretário de Estado e, a 30 de Abril, novo exemplar do “Revérbero Constitucional” é lançado, elogiando Dom Pedro e clamando pela independência.
Em 01 de Junho é eleito Procurador Geral pela Província do Rio de Janeiro e, no dia seguinte, instalado o Conselho de Estado, fazendo parte dele Ledo. Em 17 de Junho de 1822 é fundado o Grande Oriente Brasiliense, tendo sido seu Grão Mestre José Bonifácio, por nítida influência de Ledo, que seria seu 1º Grande Vigilante e verdadeiro dirigente da Instituição. Ledo foi atacado, por diversas vezes, de conspirar contra a Monarquia, porque a desejava constitucional. No entanto, não sabem os historiadores informar, se por ciúmes ou vinganças pessoais, atacavam-no de republicano.
Em 14 de Outubro D. Pedro oferece a Ledo o título de Marquês da Praia Grande, mas este recusa a honraria, posto entender que não poderia aceita-lo, mas aceitaria de grande prazer o título de patriota brasileiro. Dom Pedro, como era de costume em momentos de ira, desferiu palavras ásperas a Ledo, afirmando que o mesmo não tomaria assento na Câmara. Diversos factos fazem com que Ledo seja obrigado a embarcar para Buenos Aires com uma ligeira passagem por Portugal e refugia-se uns meses no Alentejo, porque a "tarja" de republicano poderia levar-lhe a própria vida.

Absolvido das acusações impostas, Ledo retorna ao Brasil, em 1833, é agraciado, em 17 de Fevereiro de 1834, pelo Imperador, com a Ordem do Cruzeiro do Sul, mas, assim como tinha recusado o título de Marquês, ele recusa. Em 1845 consta entre os Deputados da Assembleia Provincial do Rio de Janeiro. Neste mesmo ano abandona a política e a Maçonaria, indo recolher-se na sua fazenda, em Sumidouro, vindo a falecer, a 19 de Maio de 1867, de ataque cardíaco.

Autor: Gonçalves Ledo

quinta-feira, 10 de abril de 2008

A Maçonaria na RTP

No passado dia 09 de Abril, a RTP apresentou um pequeno programa sobre a Maçonaria, na rubrica “Grande Reportagem”. As diversas intervenções são merecedoras de alguma apreciação.
Destaca-se em primeiro lugar as ideias expressas por um importante membro do clero da Igreja Católica. Depois de se referir da forma a que estamos habituados à actividade da Maçonaria e de ter feito a afirmação assombrosa de que durante o Estado Novo o ensino em Portugal foi dominado pelos maçons, as suas palavras finais foram uma surpresa. Penso que terá sido a primeira vez que ouvi um bispo católico português sugerir um diálogo entre a Maçonaria e a Igreja, dizendo que o mesmo se justifica pelo estado actual da nossa sociedade. Espero que não se trate de mera retórica, mas de uma proposta honesta. Foi também importante o depoimento de um historiador a mostrar que a Maçonaria nada teve a ver com o regicídio de 1908.
A intervenção do Grão Mestre do Grande Oriente Lusitano foi simultaneamente firme e moderada, transmitindo uma ideia muito clara do papel e dos objectivos da Maçonaria ao longo da história e dos tempos. As câmaras puderam registar imagens de um dos Templos do Palácio e do corredor onde estão expostos os retratos dos anteriores Grão Mestres, mas logicamente não lhes foi permitido proceder a filmagens de qualquer sessão maçónica.
Também pudemos assistir a uma intervenção do Grão Mestre da Grande Loja Tradicional de Portugal (GLTP) sobre os critérios de admissão de candidatos na sua Obediência. Lamentavelmente, ao longo do programa foram sendo mostradas cenas dos trabalhos de uma Loja dessa mesma Obediência, incluindo todos os pormenores do início solene, da entrada ritual de um aprendiz e da cadeia de união. Também não faltou o juramento final de guardar segredo sobre os trabalhos! Está visto que a GLTP tem especial apetência pela apresentação televisiva das suas sessões rituais. No entanto, é inacreditável que se mostre a Venerável da Loja a jurar segredo de tudo o que se passou durante os trabalhos e uma parte significativa dos mesmos tenha sido mostrada ao grande público. Que noção terão os obreiros dessa Loja sobre o significado de palavras como “juramento” e “perjúrio”?
Também é de gosto muito duvidoso ter sido mostrado o interior de uma câmara de reflexão, pois ao ser especialmente destacada uma caveira, haverá decerto muitas pessoas que irão tirar ilações do género de que a Maçonaria se dedica a actividades diabólicas ou a bruxarias.

Em resumo: as intervenções de um historiador e do Grão Mestre do GOL por um lado e a de um membro do clero católico por outro, teriam decerto constituído um programa muito útil e eventualmente frutuoso. Já o “tempero” do programa com as cenas oferecidas uma vez mais pela GLTP foi absolutamente lamentável.

Autor: Carl Sagan

terça-feira, 1 de abril de 2008

O meu nome simbólico

O meu nome simbólico é uma homenagem ao meu Avô Paterno – José Francisco Esteves, nascido em Bragança nos finais do Séc. IXX (1884 ou 85).

Inicialmente, quando pensei qual o nome simbólico a adoptar, ocorreu-me de imediato Manuel Fernandes Tomás, figura ímpar da luta pela Pátria e pelos valores humanitários, que muito admiro. Marcou-me também pela sua maneira de estar na vida pública, defendendo sempre os interesses do bem comum, sem buscar para si os “louros” da vitória. Nessa reflexão, lembrei-me de muitos mais. Grandes figuras, grandes nomes. Não fazia ideia se eram maçons. Sabia (e sei) muito pouco sobre a nossa Augusta Ordem. Vou sabendo ao longo desta ainda curta aprendizagem, que muitos desses grandes nomes que admiro, eram maçons. Não me enganei na porta!

Porquê o meu Avô José Francisco? Não faço ideia se era maçom, mas pelo que conheci e me contam, era-o por princípios e actos. Foi, como se diz agora, um self made man, com apenas a instrução primária, foi um autodidacta brilhante. Correu Mundo, criou uma Família extraordinária, incutiu nos filhos e nos netos o gosto pela leitura e pela cultura de uma maneira geral, fundou com o cunhado a primeira grande livraria e papelaria de Bragança. Era um Cidadão de bons princípios, defendia a Igualdade a Liberdade e a Fraternidade. Contava-me o meu Pai, que durante a Guerra Civil de Espanha era incapaz de recusar ajuda a quem precisasse.
Não sendo católico, reconhecia como irmão o seu semelhante.

É por estas razões e mais outras do coração, que aqui me apresento com o nome simbólico de José Francisco Esteves.

Autor: José Francisco Esteves