terça-feira, 29 de maio de 2012

Lei n.º 1901, de 21 de Maio de 1935 - Consequências e Reacções

Monumento Homenagem
Gomes Freire Andrade
 Lisboa
Origem  
No clima político vivido em Portugal com a implantação do Estado Novo, o deputado José Cabral, então director-geral dos serviços prisionais, monárquico e antigo nacional-sindicalista apresenta, em 19 de Janeiro de 1935, na Assembleia Nacional, o projecto de lei n.º 2, visando a extinção das associações secretas. O projecto adoptava uma definição de associação secreta que tinha em vista atingir a Maçonaria e a Carbonária, sendo que esta última provavelmente já não existiria.  
O projecto de lei sobre as associações ditas secretas, também previa sanções aos que pertencessem a qualquer tipo de "associação secreta" independente das finalidades da organização.  
No discurso que proferiu na Assembleia Nacional, em 5 de Abril de 1935, argumentando em prol da ilegalização da Maçonaria, José Cabral afirmou a dado passo: "Eu sei de Estados que a não toleram. Estados de características idênticas ao nosso: Estados fortes, autoritários, norteados apenas pela noção firme do bem comum e, assim, sei que a Maçonaria foi exterminada pelo Estado fascista que declarou incompatível com a sua própria existência. Nós temos uma doutrina e somos uma força, disse Salazar, e das mesmas fronteiras, com a doutrina e com a força da Maçonaria".

Reacções  
As reacções não se fizeram esperar. Em 31 de Janeiro desse ano Norton de Matos, então Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano escreve uma carta aberta a José Alberto dos Reis, então presidente da Assembleia Nacional e antigo maçon, protestando contra o projecto de José Cabral.  
Em 4 de Abril seguinte, Norton de Matos, apresenta a demissão de Grão-Mestre e renova em prancha a ordem de triangulação. Sucede-lhe, como Grão-Mestre interino, Maurício Costa, até 19 de Maio de 1937, quando falece.

Reacção de Fernando Pessoa
 
Fernando Pessoa então com 47 anos, conhecido pela sua obra literária, mostrava grande interesse pelo ocultismo sendo um conhecedor da astrologia, chegando a desenvolver horóscopos e mapas astrais, e tinha, por via destes seus conhecimentos, uma grande simpatia pelos ideais liberais e espirituais da maçonaria. Em 4 de Fevereiro de 1935, reage publicamente num artigo, que lhe trouxe muitas críticas, publicado no Diário de Lisboa, contra o projecto de lei apresentado no mês anterior por José Cabral:

"Fui sempre fiel, por índole, mais reforçado ainda por educação - a minha educação é toda inglesa - aos princípios essenciais do liberalismo, que são o respeito pela dignidade dos homens e pela liberdade do espírito, ou, em outras palavras, o individualismo e a tolerância, ou ainda, em uma só palavra, o individualismo fraterno".  
Porém não era maçon como afirma no próprio artigo, justificando assim, a sua isenção ideológica ao defender a maçonaria: "Não sou maçom, nem pertenço a qualquer ordem semelhante ou diferente. Não sou porém anti-maçon pois que sei do assunto me leva a ter um idéia absolutamente favorável da Ordem Maçónica".

Depois de situar o leitor em relação ao conteúdo do projeto de lei, questiona a falta total de conhecimento por parte do Parlamentar sobre a causa por ele defendida, seja sobre a maçonaria em si ou inclusive sobre autores anti-maçons. Depois de deixar claro sua neutralidade em relação à maçonaria, parte para especulações sobre a possível aprovação da lei. Chega a conclusão que a proibição da maçonaria seria um acto inútil, tendo em vista a comparação de experiências com tentativas semelhantes feitas na Alemanha, Itália e Espanha (em nenhum desses países a proibição legal da maçonaria conseguiu bani-la de seu território).

Prossegue dissertando sobre as consequências que tal lei traria nas relações externas de Portugal, mostrando primeiro ao leitor todo seu conhecimento sobre a actuação e a relação entre as diversas obediências maçónicas, pega no exemplo da Grande Loja Unida de Inglaterra e do Grande Oriente de França, que cortaram relações em 1877, relações essas que se mantêm cortadas até a data da publicação do artigo, demonstrando assim a ausência de um governo central da maçonaria, mas reforçando a ideia que são todas unidas espiritualmente: "As obediências maçónicas são potências autónomas e independentes, pois não há governo central da maçonaria, que é por isso menos "internacional" que a "igreja romana"".

Continua, citando o caso da Hungria e como grandes lojas, sem relacionamentos ou com estes cortados se unem quando uma se encontra ameaçada e como isso poderia prejudicar o Estado português: "Aqui há anos, pouco depois da guerra, o governo Húngaro decretou a suspensão da maçonaria no seu território. Pouco depois negociava um empréstimo com os Estados Unidos. Estava o empréstimo praticamente feito quando veio da América a indicação final de que ele não seria concedido se não se restabelecessem "certas instituições legítimas". O Governo Húngaro percebeu e viu-se obrigado a entrar em negociações com o Grão-Mestre, disse-lhe que autorizava a reabertura das Lojas com a condição (que parece do Sr. José Cabral) de que nelas pudessem assistir profanos. É escusado dizer que o Grão-Mestre recusou. O Governo manteve, portanto a "suspensão" das Lojas… e o empréstimo não se fez".

No decurso do seu artigo este cita o nome de alguns maçons influentes da Grande Loja Unida de Inglaterra como os três filhos do Rei então governante, o Principe de Gales, Grão-Mestre Provincial de Surrey, o Duque de York, Grão-Mestre Provincial de Middlesex, e o Duque de Kent, antigo Primeiro Grande Vigilante entre outros, e refere que os três grandes jornais conservadores ingleses, o Times, o Sunday Times e o Daily Telegraph "são ao mesmo tempo maçónicos".

Outro argumento consiste no facto da maçonaria, girar em torno da idéia de tolerância, ou seja, não impor dogma algum, permitindo ao maçon pensar como bem entender e dá exemplos da variedade de pensamento dos maçons que "vão desde o panteísmo naturalista de Oswald Wirth até ao misticismo cristão de Arthur Edward Wayne", continua referindo que as opiniões dessas pessoas são meramente suas e a maçonaria nada tem a ver com elas: "Ora o primeiro erro dos anti-maçons consiste em tentar definir o espírito maçónico em geral pelas afirmações de maçons particulares, escolhidas ordinariamente com grande má fé".

Outro erro, que este aponta aos anti-maçons é o de tentarem generalizar o comportamento dos Grande Orientes, no tempo e no espaço, ignorando a união espiritual e a divisão material da maçonaria no mundo: "A sua ação social varia de país para país, de momento histórico para momento histórico, em função das circunstâncias do meio e da época, que afetam a Maçonaria como afetam toda a gente. A ação social varia, dentro do mesmo país, de Obediência para obediência, onde houver mais que uma, em virtude de divergências doutrinárias - as que provocam a formação dessas obediências distintas - pois, a haver entre elas acordo em tudo, estariam unidas. Segue de aqui que nenhum acto político ocasional de nenhuma obediência pode ser levado à conta da maçonaria em geral, ou até dessa Obediência particular, pois pode provir, como em geral provém de circunstâncias políticas de momento, que a maçonaria não criou".

Por fim termina o artigo pedindo que se faça justiça aos maçons e "beijem-lhe os Jesuítas as mãos, por lhes ter sido dado acolhimento e liberdade na Prússia, no século XVIII - quando, expulsos de toda a parte, e os repudiava o próprio papa - pelo maçon Frederico II. Agradeçamos-lhe a vitória de Waterloo, pois que Wellington e Blücher eram ambos maçons. Sejamos-lhe gratos por ter sido ela quem criou a base onde veio a assentar a futura vitória dos Aliados - a Entente Cordiale, obra do maçom Eduardo VII. Nem esqueçamos, finalmente, que devemos à Maçonaria a maior obra da literatura moderna - o Fausto, do maçon Goethe", e deixa claro que há completa ignorância do assunto por parte Sr. José Cabral, advertindo que se fosse aprovado o projeto por ele proposto, além de inútil e estéril, seria injusto, cruel e um malefício para Portugal ao nível das relações internacionais.

Outras reacções  
As reacções vieram de muitos quadrantes um dos maiores críticos do artigo de Pessoa, o escritor Tomás Ribeiro Colaço que era pró-Salazar e que morreu em 1965 exilado político no Brasil. 
Fernando Pessoa viria a falecer 8 meses depois. Devido a isso e à censura, não pode responder publicamente às inúmeras críticas de que o seu artigo foi alvo.

Consequências
 
Através da Lei n.º 1950, de 18 de Fevereiro de 1937, os bens das sociedades abrangidas pela Lei n.º 1901 passaram para a Legião Portuguesa.  
O Grande Oriente Lusitano mantém clandestinamente as actividades, tanto o Grémio Luso-Escocês como a Jurisdição Portuguesa do Direito Humano aceitam submeter-se à determinação da lei ou porque não teriam número de membros para continuar, ou porque, os seus membros já estariam presos, desterrados ou no exílio e as suas Lojas abatem colunas.

Assiste-se então a um longo e penoso caminho dos maçons do Grande Oriente Lusitano que, na clandestinidade, ainda resistem e que se mantêm activos fazendo apenas esporádicas sessões regulares por ano e mesmo assim sob fortes medidas de segurança, sendo que as outras reuniões eram feitas informalmente em cafés ou restaurantes ao abrigo de convívios de amigos.  
Sabe-se que pelo menos duas Lojas em Lisboa e uma de Coimbra nunca abateram colunas, esta última tendo como seu membro o médico Fernando Valle, o Maçon que mais anos esteve em actividade continua.

Revogação  
Em 7 de Novembro de 1974, alguns meses depois do 25 de Abril de 1974, é publicado o Decreto-Lei n.º 594/74, que, através do seu artigo 18.º, revoga expressamente a Lei n.º 1901, de 21 de Maio de 1935.

Quase quarenta anos decorridos, a liberdade de associação regressou a Portugal e, com ela, a Maçonaria volta a ter permissão legal de funcionar.

Autor: Júlio Verne
Fontes: MARQUES, A. H. de Oliveira. A Maçonaria Portuguesa e o Estado Novo. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 3.ª ed., revista e aumentada, 1995, e consulta Internet.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Lei n.º 1901, de 21 de Maio de 1935 - Associações Secretas

Nos tempos conturbados que correm e na manifesta privação do mais elementar direito cívico e constitucional, a Liberdade, é urgente e imperioso recordar o famoso decreto da ditadura que coarctava o direito à livre associação e que iniciou o período negro da perseguição e da clandestinidade.

Bem hajam todos que bravamente lutaram pela reconquista da Liberdade!

Artigo 1.°
As associações e institutos que exercerem a sua actividade em território português, são obrigados a fornecer aos governadores civis dos distritos em que tenham sede, secções ou delegações, cópia dos seus estatutos e regulamentos, relação dos seus sócios com indicação dos cargos sociais e pessoas que os desempenhem, e a dar quaisquer outras informações complementares acerca da respectiva organização e actividade, sempre que, por motivo de ordem ou de segurança pública, lhes sejam requisitadas por aqueles magistrados.
§ 1.º — As pessoas que exerçam funções de direcção ou representação nas associações ou institutos, referidos neste artigo, são obrigadas a fazer a comunicação, dentro do prazo de cinco dias a contar da data em que tenha sido notificada a requisição.
§ 2.º— Os infractores do preceito estabelecido no § 1.º serão punidos com a pena de prisão correccional nunca inferior a três meses, multa não inferior a 3000$ e suspensão dos seus direitos políticos por cinco anos.
§ 3.º — Se intencionalmente forem prestadas informações falsas ou incompletas, a pena será de prisão correccional não inferior a um ano, perda de funções públicas, se as exercer, de pensão de aposentação ou reforma, se a tiver, multa não inferior a 6000$ e incapacidade para exercer funções publicas pelo período de cinco anos.

Artigo 2.º
São considerados secretos, devendo ser dissolvidos pelo ministro do Interior:
a) As associações e institutos que exerçam a sua actividade, no todo ou em parte, por modo clandestino ou secreto;
b) Aquelas cujos sócios se imponham por qualquer forma a obrigação de ocultar à autoridade pública, total ou parcialmente, as manifestações da sua actividade social;
c) Aquelas cujos directores, ou representantes, depois de solicitados, nos termos do artigo 1.º ocultarem à autoridade pública os seus estatutos e regulamentos, a relação dos seus sócios, com a indicação dos diferentes cargos e das pessoas que os exercem, o objecto das suas reuniões e a sua organização interna, ou prestarem intencionalmente informações falsas ou incompletas sobre tais assuntos.
§ 1 ° — As pessoas que, mediante remuneração ou sem ela, exerçam funções de direcção, administração ou consulta, das associações ou institutos a que se refere este artigo, serão punidas com prisão correccional nunca inferior a um ano, perda de funções públicas, se as exercerem, de pensão de aposentação ou reforma, se a tiverem, multa não inferior a 6000$ e suspensão dos direitos políticos por cinco anos.
§ 2.º — Os simples associados destas associações e institutos serão punidos com prisão correccional nunca inferior a seis meses, perda das funções publicas, se as exercerem, pensão de aposentação ou reforma, se a tiverem, multa não inferior a 2000$ e suspensão dos direitos políticos por cinco anos, salvo se provarem que desconheciam o carácter secreto da associação ou instituto.
§ 3.° — Os reincidentes nas infracções previstas nos §§ 1.º e 2.° incorrerão nas penas previstas nestes parágrafos e serão expulsos do território da República sem limitação de tempo ou por tempo certo, ou entregues ao Governo, conforme ao juiz parecer mais adequado à situação do infractor.

Artigo 3.º 
Nenhuma pessoa pode ser provida em lugar público, civil ou militar, do Estado, ou dos corpos e corporações administrativas, sem ter apresentado documento autenticado, ou termo lavrado perante o chefe do respectivo serviço, com a declaração, sob compromisso de honra, de que não pertence, nem jamais pertencerá a qualquer das associações e institutos previstos no artigo 2.°
§ 1.º — Os funcionários e contratados do Estado e dos corpos e corporações administrativos são obrigados, sob pena de demissão ou de cessação do contrato, a declarar, dentro do prazo de trinta dias a contar da publicação desta lei, sob compromisso de honra, e por escrito, que não pertencem, nem jamais pertencerão, a qualquer das associações ou institutos previstos no artigo 2.°
§ 2.° — A falta da declaração a que se refere o § 1.º é considerada e punida como abandono do lugar, nos termos do artigo 36.° do regulamento de 22 de Fevereiro de 1913.
§ 3.º — As declarações a que se refere o presente artigo e seu § 1.º serão incorporadas no processo de admissão do respectivo funcionário; e, no caso de extravio, serão substituídas por outras nos mesmos termos, e datadas, a primeira, de um dos cinco dias anteriores ao diploma ou acto de nomeação e a segunda de um dos dias do prazo fixado no referido § 1.º
§ 4.° — No caso de falsidade das declarações a que se refere este artigo e seu § 1.°, aplicar-se-á ao declarante, em processo disciplinar, a demissão, e, em processo penal, a pena cominada no artigo 238.° do Código Penal.

Artigo 4.º 
Os bens das associações e institutos dissolvidos, nos termos do artigo 2.°, serão arrolados e vendidos em praça e o seu produto reverterá para a assistência pública.

Artigo 5.º 
O Ministro das Colónias aplicará às províncias ultramarinas, nos termos preceituados no artigo 28.° do Acto Colonial, a doutrina desta lei.

Publique-se e cumpra-se como nela se contém.
Paços do Governo da República, 21 de Maio de 1935. — ANTÓNIO ÓSCAR DE FRAGOSO CARMONA — António de Oliveira Salazar — Manuel Rodrigues Júnior.

Diário do Governo n.º 115, 1.ª série, de 21 de Maio de 1935.
Revogada pelo Decreto-Lei n.º 594/74, de 7 de Novembro de 1974 (artigo 18.º).

terça-feira, 8 de maio de 2012

Reflexões sobre a Iniciação


A Maçonaria é uma verdadeira escola de iniciação. Não é, como frequentemente circula nos meios profanos, uma associação fraterna com fins mais ou menos políticos. Ela é uma associação universal, sujeita às leis de cada país. Não se trata de uma sociedade secreta, mas de uma sociedade que tem um segredo. Um segredo que reside essencialmente no simbolismo dos ritos, sinais, emblemas e palavras. Um segredo cuja arquitetura sustenta simbolicamente o Templo de Salomão e a procura da palavra perdida. A arte de construir o Templo Ideal é o objetivo primordial a que se propõe a Maçonaria. Este Templo é em primeiro lugar o Homem e em seguida a Sociedade em que se insere.
Ao entrar na Maçonaria procuramos a fraternidade que nos falta no mundo profano. Descobriremos em seguida novos horizontes e o reconhecimento daquilo que somos e daquilo que é o Grande Arquiteto do Universo o que nos conduzirá a estados superiores de consciência.

A Iniciação Maçónica é uma cerimónia que consagra a admissão do candidato ao grupo ou ao grémio de que ele tem direito de fazer parte, admissão para a qual possui a idade e as qualidades requeridas. É um profano livre e de bons costumes que pede voluntariamente a sua entrada no Templo. Um profano já educado nos princípios básicos da Maçonaria, agindo portanto em plena consciência. Não nos tornamos Maçons como nos tornamos membros de uma sociedade profana porque a qualidade de ser Maçon é adquirida para a vida.  
É a mais importante cerimónia maçónica e o ato mais relevante da vida de um maçon. A sua origem não é apenas simbólica, mas resultou da necessidade que as antigas sociedades secretas sentiram de conservarem em rigoroso sigilo os seus mistérios e de propagar as suas doutrinas. As iniciações Maçónicas têm sido associadas ao longo dos anos aos chamados Antigos Mistérios. Os mistérios de Mitra, de Ceres, dos Essênios, têm sido colocados na base das iniciações Maçónicas. A iniciação é um processo contínuo que tem como finalidade proporcionar o desenvolvimento da identidade do Maçon. Nenhum Irmão deve pensar que a partir do momento do cerimonial, passa de Neófito para Maçon. A iniciação não é um processo de revelação espontânea. É o início de um caminho de aprendizagem através do tempo em direção à Luz efetuado por cada um dos Irmãos através de sinais cuja compreensão está no mais íntimo de nós. Cada Irmão descobre o seu caminho, partilhando ideais comuns. É deste modo que nos vamos aperfeiçoando até nos tornarmos verdadeiros maçons.  
Na iniciação maçónica, o profano, “ao receber a luz”, facto que jamais será poderá ser apagado da sua consciência, torna-se aprendiz maçon; o seu trabalho principal consiste em “debastar a pedra bruta” e para isso bastam-lhe dois instrumentos: o malho e o cinzel. Aliás o caminho do aprendiz é marcado por etapas bem precisas: o despojamento dos metais; a permanência na câmara de reflexão; a passagem pela porta baixa; as três viagens; a luz, a aprendizagem silenciosa. Portanto desde o início, o seu caminho parece traçado e tudo lhe é sugerido.  
O abandono ou despojamento dos metais é uma etapa breve do caminho do aprendiz. Significa o abandono das ligações profanas e de todos os preconceitos acumulados ao longo dos anos. Os metais representam tudo aquilo que brilha e na simbologia maçónica quem aspira a uma iniciação verdadeira precisa aprender a separa-se de coisas fúteis, dos fogachos da vaidade e de todos os sinais de fortuna.

A Câmara de Reflexão é lugar e símbolo de meditação. Ao isolar o profano num local subterrâneo, iniciam-se as cerimónias de iniciação. Este isolamento lembra aquele que precede as cerimónias tradicionais. O candidato é isolado no meio de objetos que lhe lembram a morte e a simbologia maçónica. 
A permanência nesta câmara constitui a primeira das purificações, a purificação pela terra. V.I.T.R.I.O.L. – Visita Interiora Terrae Rectificando Invenies Occultum Lapidem – é precisamente o convite feito ao candidato para descer ao fundo de si mesmo, morto de alguma maneira para a vida profana, prepara-se para uma vida nova.

O Templo é uma imagem do mundo. Mas do mundo sacralizado pelo Grande Arquiteto do Universo, por referência a Salomão. A primeira vez que o neófito entra no Templo é através da “porta baixa”. Esta entrada marca a passagem do mundo profano ao mundo sagrado. A partir desse momento, o mundo será apenas um grande templo que o neófito terá de decifrar e descrever.  
No Templo, as viagens simbólicas acompanhadas de provas que são ao mesmo tempo instrumentos de purificação. Purifica-se por etapas sucessivas. Mas ele ainda se encontra nas trevas e aspira à Luz. A Luz é o símbolo da Consciência, o símbolo do acesso ao Conhecimento e à Verdade última. As purificações que acompanham estas viagens recordam que o homem nunca está suficientemente puro para frequentar o Templo da filosofia, da sabedoria e do conhecimento.

Mas a Iniciação é mais do que uma cerimónia simbólica. Requer-se do profano adesão e empenhamento. O profano deve ligar-se voluntariamente à Ordem Maçónica por compromissos que correspondem ao essencial do espírito maçónico: respeitar a lei do silêncio, ajudar os Irmãos, ser assíduo e trabalhar no seu aperfeiçoamento.
Se o rito de iniciação se define como um rito de passagem – um profano torna-se um maçon – é preciso não esquecer que a cerimónia de iniciação transformou-se também em última análise numa cerimónia de acolhimento. Um novo Irmão foi reconhecido, aceite e finalmente acolhido pelos membros da sua Loja, escola de ensino mútuo, assim como por todos os outros Maçons da sua Obediência e da Maçonaria universal.

Autor: Louis Pasteur


Fernando Pessoa - Iniciação

Não dormes sob os ciprestes,
Pois não há sono no mundo.
O corpo é a sombra das vestes
Que encobrem teu ser profundo.
Vem a noite, que é a morte,
E a sombra acabou sem ser.
Vais na noite só recorte,
Igual a ti sem querer.
Mas na Estalagem do Assombro
Tiran-te os Anjos a capa:
Segues sem capa no ombro,
Com o pouco que te tapa.
Então Arcanjos da Estrada
Despem-te e deixam-te nu.
Não tens vestes, não tens nada:
Tens só teu corpo, que és tu.
Por fim, na funda caverna,
Os Deuses despem-te mais.
Teu corpo cessa, alma externa,
Mas vês que são teus iguais.
A sombra das tuas vestes
Ficou entre nós na Sorte.
Não 'stás morto, entre ciprestes.

Neófito, não há morte!