Na segunda metade séc. XIX, grande parte da elite do País encontrava-se filiada na Maçonaria, implicando este facto, que em quase todos os sectores da sociedade se encontrassem maçons.
Uma das formas de actuação da Maçonaria no mundo profano, cedo se manifestou através das instituições que foi criando, como as de ensino, de cultura, de beneficência, de socorros mútuos, de direitos do Homem, de relações internacionais e outras. Muitas dessas instituições nasceram a partir da Ordem Maçónica, nomeadamente, a partir do seio de algumas Lojas.
Preconizada desde finais do séc. XIX pelo maçom Bernardino Machado, a chamada Escola Livre (tipo Ferrer), começará a ganhar expressão prática, consubstanciada em escolas como a Escola Oficina, que irão ser progressivamente fundadas por todo o País até à década de trinta do século XX.
Nos sécs. XIX e XX, a Maçonaria será responsável pela criação de imensas escolas primárias, escolas móveis, escolas secundárias, escolas de educação permanente como as universidades livres e grupos ligados ao fomento cultural, guiando-a tão só, o combate ao analfabetismo e a elevação do nível de instrução do povo português, incidindo a sua actuação, fundamentalmente junto das classes mais desprotegidas.
DA ORIGEM À ESCOLA OFICINA N° 1
Em 9 de Junho de 1876, por iniciativa das Lojas Maçónicas José Estevão e Sementeira, é assinada a acta de fundação da Sociedade Promotora de Creches, que dará início ao seu funcionamento no Largo do Outeirinho da Amendoeira, Freguesia de S. Vicente de Fora.
Presentes na sua inauguração, dezoito crianças, que entretanto haviam sido admitidas, bem assim como o rei D. Luís, a rainha D. Maria Pia, e o ministro do Reino, Rodrigues Sampaio.
Em 1877 inicia-se a construção do edifício do Largo da Graça em Lisboa, em terreno cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, de que era Presidente José Gregório da Rosa Araújo, um dos fundadores da Sociedade Promotora de Creches. O projecto foi elaborado e oferecido por Domingos Parente da Silva, igualmente membro fundador. Concluído o edifício em 1878 e transferidos os serviços da primeira creche, passou a denominar-se Creche de Stª Eulália, em homenagem à mãe de Rosa Araújo.
Em 1903 teve de encerrar devido a dificuldades económicas, pelo que o imóvel foi alugado à Provedoria do Asilo Municipal.
Em 26 de Maio de 1904, em Assembleia-geral, são aprovados os novos estatutos alterando a designação de Sociedade Promotora de Creches, para Sociedade Promotora de Asilos Creches e Escolas. Assim, no dia 9 de Fevereiro de 1905 são inauguradas as instalações da Escola-Oficina Nº1, na rua de S. João da Praça, 83-2°, com quatro alunos, que subscreverão a acta de fundação.
Assim, no dia 1 de Janeiro de 1905 foram inauguradas as instalações da Escola-Oficina Nº1, na rua de S. João da Praça, 83-2°, com quatro alunos, que juntamente com os fundadores subscrevem a ata de fundação.
Em 1906 a Escola Oficina transfere as suas instalações para o Largo da Graça n°58, onde se encontra atualmente.
A sua frequência era gratuita, e os custos eram suportados pelo GOL, através das suas Lojas.
Nascida à sombra das relações entre o movimento operário português de expressão anarco-sindicalista e a educação, com base nas práticas educativas libertárias do princípio do século XX em Portugal, a partir do conhecimento de experiências pedagógicas inovadoras além-fronteiras, nomeadamente daquelas que decorriam na Europa e na América, a Escola-Oficina Nº1 irá dar corpo ao chamado modelo educativo libertário, tendo como pano de fundo a Educação Nova, que dava realce ao papel da liberdade da criança em situação educativa, ultrapassando o decadente modelo de ensino oficial saído do período da Industrialização.
Apoiando-se, segundo um projeto pedagógico aproximado do ideal da escola consciencializada pelos anarco-sindicalistas e livres-pensadores da época, esta Instituição de ensino assumir-se em Portugal como pioneira de uma nova conceção de ensino, que procurava aliar o ensino manual ao ensino moral.
Dois traços fundamentais realçam deste projecto:
a) O carácter integral da educação assente na negação da dualidade ensino profissional, ensino clássico, procurando, antes, a sua fusão;
b) Liberdade e não constrangimento das crianças, única maneira (segundo os pedagogos mais avançados da época) de conseguir a formação de homens livres e responsáveis.
De acordo com Manuel Roque de Azevedo: (...) a criança era deixada completamente à vontade. Não existia o terror do mestre, o decorar do livro, ou a estúpida emulação. Os alunos davam frequentes passeios fora da escola, para contacto com a natureza (…).
Em 1910, o Governo Provisório da República reconhecia e louvava publicamente: «(...) os valiosos serviços prestados ao progresso do ensino e da educação em Portugal (...)», desta instituição. «Pelo que manda o governo provisório da República Portuguesa, pelo Ministro do Interior, que aquela Sociedade seja publicamente louvada pelos seus valiosos serviços prestados ao progresso do ensino e da educação em Portugal». In Diário do Governo, de 31 de Dezembro de 1892.
Além do mais, sem dúvida que, uma plêiade de bons professores contribuiu para o elevado nível alcançado pela Escola nos primeiros anos. De entre eles, será justo realçar Luís da Matta, Adolfo Lima, António Lima, e José Carlos de Sousa.
Por volta de 1910, a população escolar era constituída por alunos de ambos os sexos, num total de 48 alunos e, segundo a Acta do Conselho Escolar já referida, os alunos a admitir no ano seguinte não deveriam ir além de 70 e deviam ser analfabetos. Tendo sido ainda decidido nessa reunião que 50% dos alunos tivessem educação gratuita, situação que virá a ser extensiva à totalidade dos alunos com o Regulamento de 1914.
Quanto à idade de admissão na Escola, era de 7 anos, e saíam 5 ou 6 anos depois. O limite de frequência ia até aos 17 anos. Em conformidade com o que virá a ser regulamentado em 1914 e nesta altura já posto em prática, só eram admitidas crianças cujos pais reconhecidamente não pudessem pagar a sua educação. A matrícula era gratuita e após exame médico feito na Escola, vedando-se a admissão de crianças com graves anomalias físicas ou psíquicas. Por outro lado, a criança ficava provisoriamente matriculada por três meses, encontrando-se nesse meio tempo sujeita a um regime de observação médico pedagógico.
Como inovação pedagógica mais evidente, é de salientar que não havia exames. Os professores tomavam as suas notas em função da análise aos alunos durante o ano. Em função dessa análise, na reunião do Conselho Escolar cada professor levava o seu parecer a fim de concluir os resultados e afixar em pauta, dos que tinham e dos que não tinham passado. Nesta avaliação entravam os trabalhos individuais dos alunos, a expor no final de cada ano lectivo. De salientar, que nenhum aluno podia repetir mais de uma vez qualquer grau ou classe de grau. Não havia diplomas. A Escola passava certificados que habilitavam os alunos a entrar no liceu.
A breve resenha histórica que apresentamos foi elaborada com base no espólio documental da Escola Oficina N°1, apoiado por bibliografia e artigos diversos, que referem esta instituição, os seus criadores, os membros dos corpos sociais, o corpo docente e os alunos.
Esta Instituição de ensino conheceu um período brilhante desde a sua fundação até 1926, iniciando-se a partir daí a sua decadência.
Efetivamente, após o golpe de estado militar em 28 de Maio desse ano, a Escola, que recebia um subsídio oficial para o seu funcionamento, por ter sido considerada de utilidade pública pelo Governo Provisório da República, viu cortada essa subvenção, ao mesmo tempo que começaram a rarear as contribuições pecuniárias voluntárias.
Acresce, que outras limitações lhe foram impostas, tal como a proibição da coeducação dos sexos, regime em que a Escola funcionava desde 1913. Por outro lado, a falta de perspectivas pedagógico-sociais, fenómeno aliás, extensivo nesse período aos países onde o modelo de Educação Nova se havia implantado, irá obrigar a mudanças pedagógicas e curriculares, transformando-a, com o decorrer dos anos, numa pálida imagem do que havia sido e para o fim que tinha sido criada.
Com o decorrer dos anos, sobretudo após a implantação do Estado Novo, muitas destas instituições foram perdendo o cordão umbilical que as ligava à Maçonaria, que de resto – convém frisar – desde sempre lhes concedeu plena liberdade. Obra da Maçonaria, a Escola Oficina N°1, tal como o Internato de S. João no Porto e o Internato de S. João em Lisboa, estes, fundados na segunda metade do séc. XIX, são, actualmente, as únicas Instituições paramaçónicas que mantêm o cordão umbilical com a sua criadora.
Autor: Pedro Manuel Pereira