sábado, 17 de fevereiro de 2024

A Tolerência vs a Liberdade vs o Status Quo

O tema da tolerância tem sido um tema central na nossa sociedade, embora nem sempre pelas razões certas, pois parece que o que se procura é, mais do que obter realmente uma aceitação das diferenças ou do direito à diferença, uma imposição administrativa dessas diferenças ou desses “direitos”.

Vale a pena começar por perceber qual é, em língua portuguesa, o significado, ou significados, da palavra Tolerância. Retirando então os diversos significados relacionados com a Medicina ou a Engenharia, temos então que a Tolerância pode ser:

- ato de admitir sem reação agressiva ou defensiva;

- atitude que consiste em deixar aos outros a liberdade de exprimirem opiniões divergentes e de atuarem em conformidade com tais opiniões; aceitação.

Ora esta última definição faz menção a um outro direito que, sem dúvida, está intimamente ligado à Tolerância, que é a Liberdade. Achei, por isso, que seria igualmente interessante olhar para a definição de liberdade, neste contexto, tendo selecionado os seguintes significados:

direito que qualquer cidadão tem de agir sem coerção ou impedimento, segundo a sua vontade, desde que dentro dos limites da lei;

- capacidade própria do ser humano de escolher de forma autónoma, segundo motivos definidos pela sua consciência; ou ainda,

- garantia que todos os cidadãos têm de não serem impedidos do exercício dos seus direitos, exceto nos casos determinados pela lei.

E é aqui que as coisas se tornam mais complicadas, pois se por um lado qualquer pessoa tem o direito e a liberdade de manifestar a sua forma diferente de estar perante os outros e perante a sociedade, não é menos verdade que quem fica perante essa manifestação de diferença pode igualmente ver a sua liberdade invadida e diminuída se essa manifestação de diferença de alguma forma o perturbar.

Dando exemplos concretos. Se eu me sentir impressionado por ver alguém profusamente coberto de piercings no rosto e com um alfinete de ama de grandes dimensões espetado na bochecha, vou ter uma atitude de afastamento e de eventual repulsa perante essa pessoa, porque fico impressionado, arrepiado, o que lhe quiserem chamar. E agora? Estou a ser intolerante perante uma pessoa que gosta de marcar a diferença mutilando-se, ou tenho a liberdade de me sentir incomodado e impressionado com isso, podendo chegar a manifestar-lhe esse sentimento? É que se o fizer essa pessoa vai dizer que sou intolerante, entre outras coisas.

Um outro exemplo diferente que aconteceu realmente comigo: há uns anos atrás estava à espera de ser atendido numa loja do cidadão quando vejo um indivíduo entrar com uma t-shirt que tinha escrito “Jesus is a cunt”. É claro que me senti profundamente incomodado com aquela frase e interpelei o indivíduo em causa. Onde se aplica a tolerância aqui?

A questão crucial é: teremos nós de aceitar todas as diferenças e afirmações que cada um quiser assumir (de aspeto, de sexualidade, de vestimenta, de abuso de substâncias) só porque a sociedade nos obriga a ser tolerantes em nome do direito à diversidade? E o meu direito pessoal a querer ser diferente dessas pessoas? Não estaremos cada vez mais a caminho de uma ditadura das minorias, em que os governos decretam leis sem o mínimo de lógica, só para que esses grupos, normalmente barulhentos e persistentes na contestação, deixem de se manifestar e não causem perturbação na sociedade?

Mas vamos um pouco mais além e vejamos onde chega esse impingimento da diferença e, para muitos, do mau gosto e do ridículo. Vamos falar um pouco de Cultura.

Durante séculos vários artistas enriqueceram a sociedade ocidental com os seu trabalhos de beleza surpreendente, como a Mona Lisa de da Vinci, a Pietá de Michelangelo, a Ronda Noturna de Rembrandt, o Pensador de Rodin, obras que nos inspiraram, elevaram e nos terão levado até a alguma introspeção. E isto porque estes e outros artistas procuraram os mais altos níveis de excelência, melhorando os ensinamentos dos seus mestres e aspirando à mais alta qualidade possível para os seus trabalhos. E o resultado disso é que ainda hoje, tantos séculos após, ainda nos deslumbramos com alguns desses trabalhos.

Mas ao longo do século XX algo aconteceu. O profundo, o inspirador e o belo foram substituídos pelo novo, o diferente e o feio. Hoje, o ridículo, o sem sentido e o puramente ofensivo é tido como o melhor da arte moderna. Lembro-me, por exemplo de uma exposição subordinada ao tema “O Cu é Lindo” que esteve em exposição há uns anos no Centro Cultural de Belém, só para dar um exemplo. Michelangelo esculpiu a sua estátua de David a partir de uma única pedra. Em contrapartida o Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles tem exposta uma pedra com 340 toneladas como sendo uma obra de arte. E não esqueçamos a Petra, do escultor alemão Marcel Walldorf que representa uma mulher polícia de choque agachada a urinar, com direito a poça de urina e tudo, que ganhou um prémio da Academia de Belas artes de Dresden em 2011. Estes são alguns exemplos de como os nossos padrões de exigência e qualidade baixaram. Mas como é que isto aconteceu? Como é que a busca milenar da perfeição artística e da excelência se perdeu?

Na verdade foi forçada a desaparecer. No final do século XIX um grupo denominado de Impressionistas rebelou-se contra a Academia Francesa de Belas Artes, que seguia os padrões clássicos. Qualquer que fosse a sua intenção, estes novos modernistas lançaram as sementes do relativismo estético: “A beleza está nos olhos de quem vê”. De acordo com esta corrente, na pintura as cores e tonalidades não devem ser obtidas pela mistura das tintas na paleta do pintor. É o observador que, ao admirar a pintura, combina as várias cores, obtendo o resultado final. A mistura deixa, portanto, de ser técnica para ser óptica. Na escultura a obra inacabada é o exemplo ideal do processo criativo do artista. Ora se alguns dos primeiros seguidores do impressionismo produziram trabalhos de grande beleza, como Monet, Degas ou Renoir, a cada nova geração os padrões de qualidade foram baixando até deixarem de existir.

Tudo o que restou foi a arte reduzida à expressão pessoal. O historiador de arte Jakob Rosenberg disse uma vez que “A qualidade na arte não é meramente uma questão de opinião pessoal, mas em grande parte analisável objetivamente”. Eu estou de acordo. Mas a ideia de um padrão universal na arte é atualmente muito contestado, quando não ridicularizada abertamente. Mas sem padrões estéticos não é possível determinar a qualidade ou a inferioridade.

Muitos dos artistas da atualidade apenas usam a sua “arte” para fazer declarações, frequentemente sem qualquer outra intenção a não ser chocar. Os artistas da antiguidade também faziam afirmações através do seus trabalhos, mas nunca à custa da excelência visual do seu trabalho. Mas não são os artistas os culpados por este estado de coisas. A culpa é sobretudo da chamada “Comunidade Artística”: os curadores de museus, proprietários de galerias e os críticos, que encorajam e financiam a criação deste lixo artístico. São eles os “reis nus” da arte, pois quem mais gastaria 10 milhões de dólares numa pedra de 340 toneladas e lhe chamaria arte?

E é aqui que voltamos de novo ao tema da tolerância. Porque é que temos de ser vítimas de todo este mau gosto? Não temos! Ao não frequentar estas exposições, ao não comprar ou promover estas obras estamos a expressar a nossa opinião, pois uma galeria de arte é um negócio como qualquer outro e a continuidade de um museu também assenta nas receitas que obtém dos seus visitantes. Se o produto não vender deixa de ser produzido. E também podemos fazer pressão para que as escolas ensinem padrões de qualidade visual que se perderam por terem sido abafados por este nova vaga de modernismo. No entanto esta minoria da “Comunidade Artística” tenta condicionar-nos e obrigar-nos a mudar os nossos gostos e os nossos padrões estéticos ao ponto de cairmos no ridículo por não apreciarmos uma peça de arte contemporânea que esteja na berra. Mais uma vez uma minoria está a condicionar a liberdade dos demais.

Mas não deixo de concordar que o Status Quo, ou o Establishment, podem também eles ser nefastos para a nossa perceção do que é certo, aceitável e defensável, versus o que devemos evitar ou condenar. E num vídeo recentemente partilhado no nosso grupo de whatsapp, retirado de um episódio de uma série da RTP, pude ver isso bastante bem explicado e demonstrado de uma forma inequívoca. Para quem não se lembre, a cena passava-se numa escola e o professor falava de três candidatos a uma eleição, perguntando aos alunos quem escolheriam:

- o primeiro candidato está parcialmente paralisado com poliomielite, tem hipertensão, anemia e uma série de outras doenças graves. Mas segue a sua ideologia e consulta astrólogos sobre a sua política. Engana a mulher, fuma muito e bebe demasiados martinis;

- o segundo tem peso a mais, já perdeu três eleições, sofre de depressão, teve dois enfartes, é irascível e fuma charutos sem parar. À noite quando regressa a casa bebe grandes quantidades de champanhe, conhaque, Porto e whisky, e toma dois comprimidos para dormir;

 - o terceiro é um herói de guerra muito condecorado, trata as mulheres com respeito, gosta de animais, nunca fumou e bebe uma cerveja em raras ocasiões.

Obviamente que todos os alunos votavam no terceiro candidato, não sabendo eles que estariam a rejeitar Franklin D. Roosevelt (o primeiro candidato) e Winston Churchill (o segundo), ambos estadistas marcantes, estando a colocar o seu voto em Hitler.

Sabemos que o mundo nunca é como esperamos, mas isso é algo que temos de aceitar. A veleidade que os humanos têm de que podem mudar o mundo não passa disso mesmo, uma boa intenção utópica, especialmente se a nossa forma de o fazer é chocando os outros e obrigando-os a aceitar tudo o que fazemos, pois estamos eventualmente a tirar-lhes também a sua liberdade de serem como são. Há uma frase feita que diz “Todos Iguais, Todos Diferentes”, mas o facto de sermos diferentes não implica que tentemos impor aos outros essas diferenças, que tentemos quebrar regras, em nome de uma suposta liberdade pessoal que todos devem ser obrigados a respeitar.

A ausência de luz produz as trevas, a ausência de calor causará o frio, sem o bem instalar-se-á o mal, sem amor grassará o ódio e sem regras passaremos a viver o caos.

Autor: António Egas Moniz

terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Fio de Prumo

Em mais este passo de caminhada para o Conhecimento, a tarefa que me foi atribuída foi a de vos trazer uma prancha sobre um dos Símbolos da Nossa Ordem.

A simbologia é de importância fundamental, estando presente em todos os rituais e objectos usados. Eles contêm um significado próprio e não imediato, que os torna representações de conceitos mais profundos e ricos. O estudo dos nossos símbolos é assim primordial para aceder aos conhecimentos ancestrais em que se assenta a Nossa Ordem e que nos guiam na caminhada em que procuramos rectificar a Pedra Bruta de que somos constituídos na almejada Pedra Cúbica.  

Devo dizer que a escolha foi imediata: o Fio de Prumo.

Razão: porque, ainda sem mais pesquisa nem entendimento simbólico, associava este símbolo ao conceito de verticalidade de carácter, que pretendo ser característica da minha forma de estar.

Dito isto, falhei redondamente nesta tarefa.

Com efeito, ao buscar mais conhecimento sobre este Símbolo e seus significados, percebi que não só ele só pode ser entendido na plenitude quando associado ao Nível, como, olhando mais atentamente, percebemos que ele é um elemento do próprio Nível, já que este Símbolo é composto de um Fio de Prumo e um Esquadro.

Assim, optei por alargar o traçado desta prancha, alcançando a descrição e o meu entendimento sobre cada um deles e o seu efeito combinado. Reconhecendo que qualquer deles são símbolos de um Grau que ainda não atingi, assumo que está limitada a minha capacidade para aceder à plenitude do entendimento sobre os mesmos, mas permitam-me que, não obstante estes constrangimentos, me lance a esta obra, a qual irei maturar e evoluir à medida que aceda a mais e melhor conhecimento sobre cada um destes símbolos.

Começando então com o Fio de Prumo, é provavelmente o mais singelo dos instrumentos de um Maçon. Bastará atar um qualquer objecto pesado que sirva de pêndulo na ponta de um cordel e a força da gravidade tratará de nos garantir a preciosa indicação da vertical, fundamental à construção de um edifício sólido. Menos óbvio, mas igualmente importante é o facto de o Fio de Prumo nos dar a projecção de um ponto do edifício ao plano horizontal, também isso fundamental para garantir um edifício justo e perfeito (referes-te ao Nosso plano interior?).

Do ponto de vista simbólico este símbolo da joia que adorna o 2º Vigilante representa a profundidade do conhecimento e sua verticalidade, bem como a relação como o Alto, nessa ligação entre a profundeza de onde emana a força gravítica, até à vastidão da Abóboda Celeste (conforme encontramos em A Simbólica Maçónica - Jules Boucher). É com a orientação do Fio de Prumo que poderemos descer à profundeza do nosso interior para nos descobrirmos, onde devemos buscar o aperfeiçoamento, para de seguida poder subir aos altos graus de conhecimento e espiritualidade.

Existe também uma conotação com verticalidade de carácter que se espera de um Maçon que, como disse atrás, foi a razão inicial para a escolha deste símbolo para esta prancha.

Olhando agora ao Nível, ele é constituído por algo que permita assentar em dois pontos de uma recta, com um fio de prumo a mostrar que ambos estão nivelados quando o mesmo encontra na em ângulo recto com a linha definida pelos pontos onde o nível está assente. 

Esta configuração permite aferir a horizontalidade dos pontos em que está assente, sendo de fundamental importância para o correcto alinhamento das superfícies durante a sua construção.

A representação varia consoante a bibliografia, mas a que considero mais rica do ponto de vista simbólico é a que se faz através da conjugação do Esquadro de braços iguais e do Fio de Prumo. É, de resto, essa que podemos encontrar, por exemplo, na escadaria do nosso Palácio Maçónico ou na joia que adorna o 1º Vigilante. 

Do ponto de vista simbólico, ele representa a Igualdade, não do que somos, pois existe sempre o espaço à individualidade, mas dos direitos e responsabilidades que temos enquanto seres humanos e Maçons (Plantageneta citado por Jules Boucher em A Simbólica Maçónica).

É para mim interessante que seja este o símbolo da joia que adorna o 1º Vigilante. 

Existe uma corrente, expressa pelo autor já citado, que defende que, pelo facto de conter ele próprio um Fio de Prumo, o Nível é um instrumento mais completo, logo mais adequado a adornar o único em Loja que pode substituir o V∴ M∴ na ausência deste.  

Ainda que sem ter encontrado referências, depreendo que, por ser uma combinação das joias que adornam 2º Vigilante (o Fio de Prumo) e o Venerável (Esquadro), ele representa a síntese une as três principais luzes da Loja  num contínuo.  

Interrogo-me também se a escolha do símbolo da igualdade não estará ligada ao exemplo a passar aos Companheiros que o 1º Vigilante acompanha, os quais, estando a avançar no seu caminho de conhecimento, não podem deixar de vista a humildade de lembrar que, na base somos todos iguais e todos os Homens merecem o mesmo respeito, independentemente do caminho que seguem e das oportunidades que têm.

Analisados que estão estes dois símbolos individualmente, queria olhar para eles de forma combinada. 

A vertical e horizontal, associadas a cada um destes símbolos, são exemplos das polaridades universais que, sendo opostas, interagem entre si e se complementam. 

Assim acontece com os símbolos que as representam; juntando os dois, vemos que é formada uma Cruz, a qual carrega todo um simbolismo que irá para além daquilo que me proponho traçar nesta prancha. É no entanto um símbolo que transmite a noção de equilíbrio, conjugando os conceitos de igualdade e verticalidade num todo que representa o Homem.

Tratando-se dos Símbolos que adornam ambos os Vigilantes, principais auxiliares do Venerável na condução da Loja, a correlação de ambos é também expectável. Ambos trabalham em conjunto pelas mesmas causas olhando por colunas ortogonais entre si, e assim complementando-se, um representado pelo Vertical (Activo) e outro pelo horizontal (Passivo), também aqui com a representação das polaridades opostas. 

Por fim, e uma vez que o Esquadro aparece como elemento constitutivo do Nível, quero debruçar esta análise sobre este símbolo que adorna o Venerável Mestre, completando assim a tríade que dirige os trabalhos da Loja. 

Composto por dois segmentos de recta formando um ângulo de 90º, o Esquadro é, segundo Ragon, o instrumento que permite tornar os corpos quadrados. 

Ele representa Matéria (daí ser um símbolo passivo) e a acção do Homem sobre a mesma para a rectificar, com um directo paralelo para a acção do Homem sobre si mesmo com o objectivo de caminhar no sentido de se tornar justo e perfeito.

Esta joia é a que adorna o Venerável Mestre, pois representa a missão deste ajudar os maçons da loja na busca da melhoria no caminho nunca alcançado da perfeição, pelo que é necessário a rectidão providenciada pelo Esquadro para permitir desbastar a Pedra Bruta para a transformar em Pedra Cúbica. 

Nesta joia os braços do esquadro não são iguais, antes têm uma relação de três por quatro, que alude directamente ao Triângulo Pitagórico, ficando o lado mais comprido para o lado direito para simbolizar a predominância do activo (lado direito) sobre o passivo (lado esquerdo).

É igualmente interessante observar que com dois esquadros podemos formar uma Cruz ou um Quadrado, mas estes são temas que, como atrás mencionado, não irei aprofundar nesta prancha

Certo de que não terei trazido nada de fundamentalmente novo, ficarei satisfeito se este traçado tiver servido para reavivar nos Vossos espíritos a riqueza deste símbolos.  É com a utilização combinada deles que se consegue erguer um templo mais alto, belo e sólido, capaz de enfrentar os abalos do mundo exterior. E se assim é na representação do que é a nossa Loja, também o é, necessariamente, no nosso Templo Interior. 

Autor: Damião de Goes

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

Quem foi José Liberato Freire de Carvalho

José Liberato Freire de Carvalho, nasceu na Quinta de Monte São, freguesia de S. Martinho do Bispo, próximo de Coimbra, em 20 de Julho de 1772, era filho do Dr. Aires António Antunes Freire, Mordomo-Mor da Universidade de Coimbra,  e de sua esposa Maria Joaquina Freire de Carvalho.

Por influência de seus pais, mas também de seu irmão D. António da Visitação Freire de Carvalho, ingressou em 1787, com 15 anos de idade, na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, no Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, onde estudou Filosofia e Teologia, contudo manteve-se atento ao que acontecia na Europa, nomeadamente aos ecos da Revolução Francesa, através do contacto com um seu irmão frade do Convento de Grijó.

Sem particular vocação para a vida monástica, pediu e obteve transferência para o Mosteiro de Refoios do Lima, um ambiente bem menos disciplinador.

Terminados os estudos teológicos em 1795, recebeu em Braga as primeiras Ordens Sacras, sendo oficiante D. Frei Caetano Brandão, e adoptando o nome religioso de D. José do Loreto.

Permaneceu no Mosteiro de Refoios do Lima, até ao ano de 1800, ano em que foi nomeado professor de Lógica na escola anexa ao Mosteiro de São Vicente de Fora, em Lisboa.

Esta nomeação foi conseguida por influência de seu irmão D. António da Visitação Freire de Carvalho, que era ali professor.

Chegado a Lisboa ganhou acesso à excelente biblioteca do Convento de São Vicente de Fora, estabeleceu contactos com a melhor da intelectualidade da época, tendo privado, entre outros, com Gomes Freire de Andrade, Bento Pereira do Carmo e Manuel Maria Barbosa du Bocage.

As suas ideias libertárias levaram-no a integrar-se nos círculos pró-liberais e maçónicos, filiando-se na Loja Fortaleza do Grande Oriente Lusitano, onde significativamente, adoptou o nome simbólico de Spartacus.

Nos anos imediatos, dedicou-se com afinco aos estudos filosóficos, lendo os autores contemporâneos e desenvolvendo as suas capacidades intelectuais. Para além da Lógica passou a ensinar Retórica e Eloquência. Este processo foi interrompido em 1804 pela doença e morte do seu irmão D. António da Visitação, vítima de uma pneumonia. Este acontecimento causou-lhe grande consternação e obrigou-o a uma estadia com familiares em Coimbra e na Figueira da Foz, onde fez uma cura de banhos de mar.

Regressado a Lisboa, assumiu as funções de Grande Orador do Grande Oriente Lusitano, que entretanto se organizara para enquadrar as Lojas maçónicas existentes.

Em 21 de Novembro de 1804 foi feito sócio da Academia Real das Ciências de Lisboa, sucedendo no lugar ao seu falecido irmão, contudo, a sua permanência em Lisboa foi curta, pois o seu relacionamento com Hipólito José da Costa, acabou por atrair as atenções da Santa Inquisição e foi obrigado a abandonar o Mosteiro de São Vicente de Fora e recolher-se no Mosteiro de Grijó, em cujo Convento permaneceu até 1808, exilado por ordem da Intendência da Polícia de Lisboa, apesar das inúmeras diligências feitas junto dos poderes políticos e mesmo junto do Príncipe Regente D. João.

Desencadeada a Guerra Peninsular com a invasão de Portugal pelas tropas francesas e tendo ocorrido a transferência da corte portuguesa para o Brasil (1808-1821), foi finalmente autorizado a regressar a Lisboa, onde encontrou o Mosteiro de São Vicente de Fora a servir de alojamento a numerosos oficiais franceses.

Conhecedor da língua francesa, teve um papel importante no relacionamento entre a Ordem e as autoridades de ocupação francesas, relacionamento este, que criou a fama de ser pró-francês, razão pela qual após a Convenção de Sintra, o obrigou a procurar refúgio junto dos seus familiares em Coimbra, onde permaneceu até 1810, alegando doença, ano em que, por ser membro da maçonaria foi incluído na lista dos presos da “Setembrizada” em que foram embarcados e desterrados para a Ilha Terceira, contudo ficou impedido de regressar a Lisboa temendo ser preso e deportado.

No entanto após a Batalha do Buçaco foi feito refém em Coimbra pelas forças do general Massená e forçado a acompanhar o exército francês até Pombal e Condeixa, conseguindo em finais de Março de 1811 fugir aos seus captores quando pernoitava em Foz de Arouce.

Pouco tempo depois foi preso e encarcerado na Prisão da Universidade de Coimbra, acusado de ter acompanhado os franceses, após ter sido libertado passou a viver com os seus familiares em Coimbra, mas pouco tempo depois volta a ser preso por ordem da Regência do Reino e colocado incomunicável no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra até 1813, aproveitando o tempo a fazer uma tradução portuguesa dos Anais de Tácito.

Em Agosto de 1813, sem nunca ter sido julgado, foi mandado para o Mosteiro de Refoios do Lima e proibido de contactar qualquer pessoa fora da comunidade de frades que ali habitava.

Quando passava pelo Porto a caminho do Mosteiro, por sugestão e com a ajuda de José Pinto Basto, recebeu um passaporte passado em nome de um pretenso criado de um negociante inglês e com ele chegou à Corunha onde embarcou com destino a Londres.

Na Corunha havia recebido um novo passaporte passado pelo Cônsul Britânico, escolhendo então o nome de José Liberato Freire de Carvalho, nome que conservaria para o resto da vida. A adição do nome de Liberato marcou a sua alforria, que acompanhou pelo abandono dos títulos eclesiásticos, considerando-se daí em diante desobrigado dos seus votos e do nome de D. José do Loreto.

Em Londres dedicou-se ao jornalismo e em 1814 passou a ser redactor de “O Investigador Português em Inglaterra”, um periódico de grande influência entre os emigrados portugueses no Reino Unido e mesmo junto das elites portuguesas. Quando o Duque de Palmela pretendeu fazer do periódico o órgão oficial do governo português no exilio, recusou, o que levou á suspensão da comparticipação que o mantinha. Fundou então o Campeão Português, um periódico que ganhou extrema importância durante o período que antecedeu a Revolução Liberal do Porto.

Após a implantação do regime liberal em Portugal, chegou a Lisboa em 1821, sendo convidado para ingressar na carreira diplomática. Não aceitou, optando por um lugar de adido no Ministério dos Negócios Estrangeiros, cargo que manteve por pouco tempo. Entretanto reingressou no Grande Oriente Lusitano, adoptando o nome simbólico de “Camarino Dirceu” .

Fundou em Lisboa o periódico que intitulou de O Campeão Português em Lisboa, manifestando grande independência editorial. Nele deu voz ás suas criticas ás circunstâncias que haviam conduzido a independência do Brasil e ao papel que nelas tivera o Príncipe D. Pedro de Bragança, futuro D. Pedro IV.

Feito deputado para as Cortes de 1822-1823, pelo círculo de Viseu, tendo prestado juramento em 22 de Novembro de 1822. Contudo na sequência da Vilafrancada foi enviado para a sua casa da Quinta de Monte São, em São Martinho do Bispo, com residência fixa. Foi indultado em 1824, mas recusou qualquer participação na vida política até 1826. Retomou o lugar no Ministério dos Negócios Estrangeiros e foi nomeado redactor da Gazeta de Lisboa, órgão oficial do governo português.

Com a subida ao poder do Rei D. Miguel, foi obrigado a passar á clandestinidade , mantendo-se assim até 1828, ano em que conseguiu regressar ao exilio em Londres, dedicando-se ao jornalismo e assumindo um papel determinante na mobilização dos emigrados liberais em Inglaterra no período inicial da Guerra Civil (1828-1834. Passou depois na companhia de Saldanha, a Paris, tendo integrado as forças liberais que vieram a reforçar os liberais sitiados no Porto, onde chegou em princípios de 1833.

Terminada a Guerra Civil, regressou a Lisboa, onde foi nomeado 2º. Grão-Mestre Interino do Oriente de Saldanha, ou Grande Oriente Lusitano da Maçonaria do Sul, de aliança “Saldanhista”, cargo que exerceu nos anos de 1834-1835. Em 1835 passou a ser membro da Sociedade Patriótica Lisbonense. Simultaneamente foi eleito deputado ás Cortes pelo círculo da Madeira para a legislatura que começou em 15 de Agosto de 1934 e terminou a 4 de Junho de 1836. Nesta legislatura destacou-se na discussão da lei de liberdade de imprensa, recusando a interferência dos poderes públicos no jornalismo e foi encarregado de redigir o Auto de Exclusão de D. Miguel.

Até á Revolução de Setembro de 1836, foi arquivista da Câmara dos Pares do Reino, sendo nomeado por Passos Manuel, presidente da Comissão Administrativa da Imprensa Nacional, cargo que exerceu até 1838. Após a revolução, foi eleito deputado ás Cortes Constituintes (1837-1838) pelo círculo de Lisboa, tendo participado activamente na discussão da Constituição Portuguesa de 1838, votando com a fracção mais radical.

Apesar de ter sido eleito deputado pelo círculo de Lisboa para a legislatura de 1838-1840, a partir de 1838 retirou-se progressivamente da vida pública, dedicando-se ás letras e á Academia Real das Ciências de Lisboa, de que foi um dos mais assíduos académicos. Ainda Assim, subscreveu com outros deputados setembristas, uma proposta de lei visando alterar a lei eleitoral vigente.

Destacando-se pela sua independência e desapego aos bens materiais, rejeitou todas as prebendas e vantagens  que lhe foram oferecidas tendo morrido pobre em Lisboa aos 82 anos de idade,  no dia 31 de Março de 1855.

Deixou uma vasta obra histórica, política e autobiográfica, sendo considerado como um dos principais ideólogos do primeiro liberalismo português, particularmente pela sua influência sobre a imprensa durante a fase da emigração liberal para Inglaterra e França.

Autor: Fernando Valle