terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Construtor de Catedrais



Braços entrelaçados 
Em nós de marinheiro,
Nós de amor que atam o mundo inteiro,
Atravessando oceanos como caravelas fossem
Os corações velados que nos unem e dão Força,
Em amarras solidários aos que não vieram,
Por dor ou sofrimento.
Por eles apelamos
Pela chama, pelo fogo, dessa luz que nos alumia,
Pela Beleza de Hermes, o canal da ilusão,
Amarra da Sabedoria dos antigos
Que em ondas de alfa e beta criaram infinitos,
Em braços que se cruzam,
Em mãos que se dão em Cadeia de União,
Forjada pela Força, Sabedoria e Beleza,
Com que nos dotou a natureza.
Em circulo mágico,
Porque magia é tornar cada um naquilo que é,
Um mago, um arquitecto, um construtor de catedrais.

Autor: Jónatas

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

A Resp. Loja Rebeldia na Ditadura do Estado Novo

Decorria o mês de Abril de 1929 quando a sede do Grande Oriente Lusitano foi assaltada por elementos da Guarda Nacional Republicana e da Polícia, com a participação de numerosos civis. Foram presos e identificados todos os maçons que se encontravam no Palácio Maçónico, à excepção dos oficiais das Forças Armadas.
Na altura, foram apreendidos inúmeros documentos e cometidos actos de vandalismo, nos quais se incluiu a destruição dos templos, estatuária vária, documentação, livros, etc.. A partir desse momento iniciava-se uma nova era de obscurantismo em Portugal, inviabilizando, portanto, a livre reunião dos maçons, que passaram para tal a depender do livre arbítrio do Governo Civil de Lisboa.
De Maio de 1929 a Março de 1930 o Palácio Maçónico encerrou as suas portas, voltando mais tarde a realizarem-se nele reuniões, embora limitadas a poucos irmãos, até 1931. Neste ano, as portas foram formalmente seladas pela Polícia e, finalmente, em 1935 a Maçonaria Portuguesa passou à clandestinidade, por ter sido ilegalizada.
Foi neste contexto que um grupo de onze maçons ergueu colunas de uma nova Loja, a Rebeldia, instalada no dia 1° de Maio de 1929, segundo Decreto do Grão-Mestre datado de 11 de Abril desse ano. Inicialmente, fora programado para o dia 20 de Abril, porém, o assalto ao Palácio Maçónico em 16 desse mês, não permitiu a manutenção da data que havia sido aprazada. 

Desta forma e em semi-clandestinidade, a instalação decorreu, em casa do maçon Raul Wheelhouse*, na rua de St° António dos Capuchos, n° 94-2°, no Campo dos Mártires da Pátria, em Lisboa, sendo a primeira reunião de uma Loja lisboeta fora do Palácio Maçónico, depois do governo da Ditadura ter iniciado as hostilidades contra a Maçonaria. Foi seu primeiro Venerável, Luís Gonçalves Rebordão que tinha sido iniciado em 20 de Setembro de 1923, o qual, como Grão-Mestre, teve a seu cargo a chefia da Ordem Maçónica de 1937 a 1974, ou seja, praticamente durante todo o tempo que durou a ditadura salazarista. Desta forma, no dia 1 de Junho de 1929 era iniciado o primeiro maçon nesta Loja, de seu nome, Duarte de Almeida. 

Porém, a origem desta Oficina remonta uns anos atrás. Assim, em 1924, Luís Gonçalves Rebordão Venerável da Respeitável Loja Revolta, de Coimbra, com o acordo dos obreiros da sua Oficina, incentivou os maçons estudantes dos seus Quadros a residir em Lisboa, a fundarem uma Loja nesta cidade, similar à que pertenciam, ou seja, uma loja composta essencialmente por homens ligados às universidades: estudantes e professores.
Foi deliberado que a Loja adoptasse o Rito Francês e que o seu título distintivo fosse o de Rebeldia, como o n° 439 ao Vale de Lisboa. Assumiram cargos na Loja em 1929 os seguintes maçons: Venerável – Luís Gonçalves Rebordão; 1° Vigilante – Júlio Ribeiro da Costa; 2° Vigilante – Alberto Cardoso do Vale; Orador – Alberto Martins de Carvalho; Orador Adjunto – Mário Lopes Pinto Coelho; Secretário – Eurico de Aguiar Cruz; Tesoureiro – Raul Cardoso Madeira; Hospitaleiro – Carlos Soares de Oliveira; Mestre-de-Cerimónias – Manuel Gregório Jr.; 1° Experto – António Augusto Pires de Carvalho; 2° Experto – António Freitas Pimentel; Representante à Grande Dieta – Alberto Martins de Carvalho.

Desde o dia 1° de Maio até Dezembro desse ano, foram efectuadas sete iniciações, destes, Manuel Augusto Rosa Alpedrinha, um bom e assíduo obreiro, pouco tempo permaneceu na Oficina uma vez que teve de optar entre esta e o Partido Comunista do qual era militante. Foi perseguido pela ditadura, passando longos anos nas prisões, de entre elas, o Tarrafal. Não obstante as perseguições, entre os anos de 1929 e 1935 a Loja Rebeldia conseguiu recrutar e iniciar muitos estudantes universitários e outros que se vieram a distinguir na vida profana. Instalou também um triângulo numa aldeia da Beira.
É de justiça que se refira, os cinquenta primeiros Obreiros da Respeitável Loja Rebeldia, sofreram torturas, prisão e degredo por delito de opinião. De salientar, que mesmo correndo os maiores riscos, se efectuaram reuniões e até iniciações, durante os anos de clandestinidade, servindo as instituições para-maçónicas como a Escola Oficina n.º 1, para reuniões em segredo. 

Na sequência do 25 de Abril de 1974 e após a recuperação do Palácio Maçónico, finalmente, em Liberdade, no dia 15 de Março de 1975 teve lugar na sede do Grémio Lusitano, a primeira reunião do Grémio Rebeldia, em 1.ª convocatória, com a presença de nove dos seus doze obreiros no activo, nomeadamente Luís Gonçalves Rebordão, Henrique Corte Real, Adelino da Palma Carlos, José Neves Sales Grade, Daniel Neves Sales Grade, José Maria Bastos, Júlio Ribeiro da Costa, José Souto Teixeira e José Marques Simões. 
Justificaram as suas ausências José Alves da Cruz Ferreira, Virgílio Rebordão e Raul Cardoso Madeira. Chamados maçons que se encontravam a coberto, caso de Pereira Crespo, último Ministro da Marinha do anterior regime, pediu escusa com uma carta delicada; Henrique de Barros, não obstante ter sido convidado através de mais que uma carta, nunca respondeu.
Em 1981, devido ao envelhecimento e morte de alguns dos Obreiros da Oficina, esta acabou por abater Colunas. Só decorridos três anos e meio voltaria a erguê-las de novo.

In Loja Rebeldia http://lojarebeldia.blogspot.com/2007/10/blog-post.html


* Raul Weelhouse, foi Maçon e Obreiro da Respeitável Loja Estrela D'Alva

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

Bocage


Depois de uma das maiores alegrias da minha vida, que foi ter sido iniciado na Augusta, Benemérita e Venerável Loja Estrela D’Alva, foi com imenso prazer que tive a oportunidade de escolher, para nome simbólico, o daquele que é um dos homens que mais admiro.

São várias as razões pelas quais me identifico com Bocage. A primeira é o facto de ser um permanente injustiçado: um dos melhores, senão o melhor talento da literatura portuguesa é popularmente conhecido por uns chistes de gosto mais que duvidoso e de humor grosseiro. Tal facto dever-se-á, sem dúvida, ao repentismo dos seus versos e ao facto de se ter dedicado à poesia erótica e satírica às claras e sem rebuço, ao contrário do que sucedia com os outros autores da época. Mas é precisamente a sua coragem de assumir a sua liberdade de expressão e de criação naqueles tempos que eu mais admiro. Bocage foi um homem livre quando era perigoso ser um homem livre. 
Admirador de Camões, foi para o Oriente, onde esteve em Goa e Damão. Desertou desta última cidade, aparecendo em Macau. Seria ainda o desejo de imitar Camões e de visitar todos os lugares que este percorrera? Não se sabe. Cheio de saudades da Pátria, chega a Lisboa em Agosto de 1790, ao mesmo tempo que os ecos da Revolução Francesa de 1789. Homem livre e de bons costumes que era, imediatamente abraçou os ideais da Revolução, cantando contra o despotismo de Pina Manique, que apodou de “sanhudo”, “inexorável”, “monstro que em pranto, em sangue, a fúria ceva”. 

Enquanto esteve filiado na Arcádia Lusitana, para onde entrou em 1791, não sofreu especiais perseguições. Mas em 1793 sai em ruptura com os seus colegas, com quem troca epigramas violentíssimos (Luís Correia Amaral França, o Abade de Almoster, Joaquim Franco de Araújo Barbosa, Caldas Barbosa e o seu ódio de estimação, o Padre José Agostinho de Macedo) – Vós, Franças, Semedos, Quintanilhas, Macedos e outras pestes condenadas… Coincidência ou não, começa nesta altura a ser perseguido pelo regime despótico. Pouco acautelado na manifestação das suas crenças políticas e religiosas, possuindo sentimentos liberais, acabam por prendê-lo no Limoeiro em 1797, após a sua denúncia como autor do poema em modelo clássico “Pavorosa Ilusão da Eternidade”, o qual, por ironia, talvez seja o melhor texto escrito em Português no Séc. XVIII. 
Sofreu tratos inumanos na prisão civil até que, por intercessão de alguns amigos, e posto que a principal acusação ao poema era este ser “ímpio”, o processo passa das justiças civis para a Inquisição, onde é acelerado. Deste modo, em Fevereiro de 1798 passou ao mosteiro de São Bento da Saúde, de Lisboa, e daí, em Março, ao hospício de Nossa Senhora das Necessidades, dos clérigos de São Filipe Néri. Repare-se: um hospício. Ser livre-pensador era, nestes tempos, uma doença mental! 
Compreender-se-á, neste momento, a segunda das razões da minha identificação com Bocage: a sua luta pela liberdade de ideias e de expressão das mesmas, com sacrifício da sua liberdade e fortuna é muitíssimo inspiradora. 
Como fosse, os frades não lhe acharam desvio mental de monta, e em poucos meses recuperou a liberdade, embora nunca mais terminassem as perseguições religiosas e políticas. Em 23 de Novembro de 1802 foi denunciado por uma beata, Maria Teodora Severiana Lobo Ferreira, ao Santo Ofício como pedreiro livre, mas o processo foi arquivado. 

Esta a terceira razão para ter escolhido o nome simbólico de Bocage. Bocage foi um cultor do verso clássico e tinha um conhecimento extraordinário das mitologias  grega e romana, que levaram o escritor Reis Brasil, grande estudioso da sua obra, a exclamar: “ – O Homem é infernal. É capaz de escrever um poema acerca de um deus que deu um pontapé no outro. E nós depois é que temos de estudar afincadamente a mitologia até encontrarmos tal excêntrico episódio”.
Está tudo dito. Para não deixar, porém, a história a meio, faltará dizer que após a morte do pai, Bocage veio para Lisboa com a sua irmã Maria Francisca, residir para a casa da Travessa André Valente, que todos conhecem. 
Os últimos cinco anos de vida viveu-os praticamente a expensas do seu grande amigo e admirador, José Pedro da Silva, ou José Pedro das Luminárias, dono do café das Parras, no Rossio, que ainda se não chamava “Nicola”, razão pela qual se demonstra como as anedotas respeitantes a este café são apócrifas. No final da sua vida a sua miséria é tão grande que alguns dos seus inimigos, antigos árcades, se reconciliam com ele, assistindo-o nos últimos momentos. Um deles é o Padre José Agostinho de Macedo. O outro é Filinto Elísio, com quem a ruptura não foi muito grande. Teve oportunidade ainda de lhe dedicar um poema, cujo final constitui o título de um quadro hoje em exposição no Café Nicola: Fadou-se o grão Filinto, um vate, um nume. Zoilos tremei, posteridade és minha. 

Morre na miséria e é António Feliciano de Castilho que em 1865, no seu centenário, apresenta nas salas do Clube Fluminense do Rio de Janeiro uma proposta para uma subscrição pública para se lhe erigir um monumento. Mas como o próprio poeta dizia, o seu Fado era desafortunado. Uma violenta crise na Praça (Bolsa) do Rio de Janeiro provoca a perda de grande parte do dinheiro, salvando-se muito pouco. António Feliciano de Castilho, porém, continua a empenhar-se e, já em Portugal, consegue que a 22 de Novembro de 1861 que a Câmara Municipal de Setúbal coloque a primeira pedra no monumento que veio a ser inaugurado a 21 de Dezembro. Nenhuma outra homenagem veio a ser prestada a Bocage, o que não é de estranhar no período da monarquia e do estado Novo, mas que é bizarro no período da Primeira República, aliás todo ele eivado de bizarrias. Apenas depois do 25 de Abril se lhe veio a prestar homenagem relevante, tornando-o efígie para uma série das notas de cem escudos. 
Espero desta forma ter justificado as razões pelas quais escolhi o nome simbólico, que espero e desejo poder vir a honrar como merece. 

Autor: Bocage