sábado, 11 de novembro de 2023

O Nível

É largamente consensual que a Maçonaria especulativa tem a sua origem na Maçonaria operativa e que foi ganhando expressão à medida que a última ia perdendo fulgor. As lojas operativas deixaram de ser compostas exclusivamente por pedreiros livres e começaram a receber cada vez mais profissionais e pensadores oriundos de outras disciplinas do saber.

A essência destas lojas mistas deixou progressivamente de ser a partilha de técnicas de construção de edifícios monumentais e de templos para se transformar na partilha de técnicas de construção do templo interior, presente em cada um dos irmãos que as compunha.

Durante esta conversão progressiva das lojas operativas em especulativas, muitos dos costumes e ferramentas foram tomados de empréstimo, mas revestidos de uma nova e enorme carga simbólica. O Nível, tema desta prancha, não é excepção.

No mundo profano, o Nível pode ser definido como o “instrumento que serve para determinar a horizontalidade de algo…”, ou ainda como a “linha ou conjunto de pontos que define um plano horizontal” . Era este o uso que lhe era destinado pelos maçons operativos.

Passemos agora ao mundo ritualístico da Maçonaria especulativa. O Nível é a jóia do Primeiro Vigilante e uma das jóias móveis da loja, em conjunto com o Esquadro e o Prumo.

O Nível é habitualmente representado por um triângulo isósceles, com um prumo suspenso no vértice oposto à sua base. O prumo divide, desta forma, o triângulo em dois pequenos esquadros.

A um olhar minimamente atento não passará com certeza despercebido que o Nível, a jóia do Primeiro Vigilante, é formada pelo conjunto das jóias do Venerável Mestre - o Esquadro - e do Segundo Vigilante - o Prumo.

Quanto ao simbolismo associado ao Nível, vejamos o que diz o Segundo Vigilante ao ainda Aprendiz, durante a cerimónia de aumento de salário a Companheiro.

“Meu irmão, o nível de que fostes portador nesta viagem simboliza a igualdade social. Esta igualdade não consiste somente na paridade dos direitos e na equivalência dos deveres entre os membros da sociedade: implica o levantamento dos fracos, o melhoramento dos deserdados da sorte e dos desgraçados.” 

Deduzimos, então, da anterior citação que o Nível representa simbolicamente a igualdade social.

Recuemos agora ao momento da nossa iniciação maçónica. Nesse dia, cada um de nós jurou o solene compromisso de constantemente aperfeiçoar a arte da transformação da pedra bruta em pedra cúbica. Iniciámos esse trabalho, focados na pedra, enquanto Aprendizes, com o auxílio do maço, do cinzel e da régua de 24 polegadas.

Progredimos nesse trabalho enquanto Companheiros. O desafio é diferente. Não estamos concentrados numa pedra, na unidade, mas sim no seu conjunto e - de forma a garantirmos que são construídas superfícies estáveis, niveladas e equilibradas - socorremo-nos de uma nova ferramenta, do Nível. 

Retiramos daqui que o Nível também está associado ao equilíbrio. O equilíbrio é uma consequência do atingimento da igualdade, pois, na prática, só atingimos o equilíbrio se conseguirmos garantir a igualdade entre duas forças antagónicas.

Nada melhor do que este antigo texto maçónico, de cerca de 1790, para nos ajudar a compreender o verdadeiro sentido dado pela nossa Ordem à igualdade:

“Entre nós o que há mais agradavel, além de contar com tantos Irmãos, quantos Mações, he a igoaldade que se observa, e que se simboliza ao Nivel. Luiz 14, Frederico, e Ganganelli tinhão entre nós o mesmo lugar que qualquer outro. Á meza tinhão a mesma obediencia. Cantavão, se os mandavão, e bebião a saude que se lhes propunha com a mesma allegria, sem soberania, nem distinção. Todos somos igoais. (...)

E em breve vos tenho dito tudo o essencial da Maçonaria; de resto tudo são acidentes, de graos, e significações, que embelezão mas que não mudão a Substancia: por isso ouvireis falar de grao de Mestre Companheiro etcª que não são mais que adições de mais brilhante ornato, e distinção, e que alguns factos celebres da historia lhe derão origem, mas que tudo recorre em ser o Maçon hum homem honrado, e verdadeiro Irmão dos seus Irmãos.” 

O Nível deve inspirar-nos a agir de “... forma imparcial, tolerante e harmoniosa, mantendo a rectitude e igualdade entre todos obreiros perante as leis e morais maçónicas (apesar das funções ou “qualidade” que estes detenham, pois tudo é efémero!), vivenciando estas com cordialidade no trato, carinho, educação e respeito entre todos, seja entre aquele que de momento ocupa o mais elevado grau na Ordem, seja sobre aquele que ainda agora foi iniciado nos nossos mistérios… Desta forma o Nível relembra que ninguém deve dominar outrem.

– Até porque todos nós teremos o mesmo fim. Tempus fugit… -.” 

Mas porquê esta prancha sobre o Nível, sobre a igualdade e o equilíbrio? Porque até a pessoa mais desatenta constata que, na actualidade, estes valores estão a ser relegados para um qualquer plano muito irrelevante. Estamos numa época de decadência civilizacional, que se manifesta num retrocesso em muitos campos. O mundo está cada vez mais desigual. Temos de parar, reflectir e corrigir o rumo.

É necessário recolocarmos valores inalienáveis como estes no centro das preocupações e cada Maçon pode e deve fazer a diferença. Não nos esqueçamos que, ao longo dos tempos, Irmãos Nossos verdadeiramente iluminados assumiram papéis determinantes na luta pelas igualdades. Cabe-nos agora a nós, os maçons de hoje, esse dever.

É somente através da igualdade, proporcionada pelo respeito e pela aceitação, que a verdadeira fraternidade é possível de ser alcançada.

Tomo de empréstimo as palavras de Balzac, com as quais ele nos transmite que “A igualdade pode ser um direito, mas não há poder sobre a Terra capaz de a tornar um facto”.

Jurámos trabalhar incessantemente para alcançarmos um mundo cada vez mais justo, melhor e mais igualitário. Mas este trabalho não pode aguardar uns dias, tem de ser feito ontem. Mãos à obra!


Autor: Abílio Mendes 

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