quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Carta ao Egoísmo

Sinto-me distante, e não me refiro a este espaço em particular, mas ao reconhecer-me ostracizado da humanidade em geral, fruto não de um desinteresse fugaz, mas de algo mais profundo e hermético; é resultado do egoísmo de estar centrado em mim, nos meus problemas, nos meus anseios, nos meus temores. 

Este egocentrismo não é introspetivo nem endémico nem fruto das circunstâncias que nos assolam nestas últimas semanas, mas algo muito anterior, profundamente extrospectivo e assustadoramente extenso.

Enquanto penso nesta retórica, toca o telefone e, vocifero para o meu íntimo: mais uma chamada ao trabalho. Errei; era alguém importante, com a importância daqueles indivíduos que na nossa vida são símbolos da força e do otimismo; mas desta vez ouço um homem enfraquecido, onde perpassa o desanimo e o temor; à distância do telefone, vi o medo no seu rosto.

Falhei no propósito tão almejado de lhe transmitir confiança, como antes tantas vezes me tinha sido oferecida; fosse por necessidade ou por conveniência, senti o ceder das pernas e sentei-me, no mesmo assento que tantas vezes usara, mas desta vez soou diferente; sucumbi ao desalento.

Perante novo harpejar do telefone, forcei-me a erguer desta minha poltrona desconfortável, e desta vez o cético em mim não falhou, era trabalho. Granjeadas as matérias laborais, surge inevitavelmente a retórica em torno da pandémica e, quando pensei que nada me iria sobressaltar nesta interlocução, é com assombro que ouço um jovem instruído apregoar a sua revolta pelo facto de os hospitais do seu país estarem a receber enfermos de França e de Itália. Ainda tentei o diálogo em torno da solidariedade, mas fiquei inerte quando retorquiu “…e um dia se não houver camas disponíveis nos nossos hospitais, como trataremos dos nossos?” Esta frase, e em particular a prevalência do vocábulo “nossos”, gerou em mim a consternação da descoberta de uma certeza; a certeza de que solidariedade, igualdade e fraternidade não estão enraizados no íntimo de todos os homens.

Findo o dia, finamente recolho ao meu leito, esforçando-me por afastar do pensamento que este destino é de alguma maneira merecedor desta humanidade que forma indesejada o abraçou.

Como em tantos outros dias, já o descanso pernoitava nas gentes da minha casa, quando por alguma inusitada razão, olhei para a minha companheira de sempre; aquela que constantemente me julga pelo meu ar soturno e negativo mas que desta vez, e talvez pela primeira vez, me fez encontrar nos seus olhos cerrados um singular brilho no olhar, que me transmitiu a mais genuína e singular esperança.

Acordei e procurei junto da janela o desassossego das ruas e o agitar das crianças a caminho da escola, mas nada soava; nada senão o agora ensurdecedor ruido do chilrear dos pássaros que nunca antes havia escutado. Teriam estado sempre ali, no beiral da minha janela, ou terão ocasionalmente despontado a pretexto de uma recém-chegada primavera?

De regresso à agitação possível de quem está confinado à mesma morada, reparo na exuberância com que ecoa nestas quatro paredes o riso e as gargalhadas dos meus gaiatos, enquanto brincam com nada, literalmente com nada; há quanto tempo não sentia tão grande alegria, apenas fruto da mais pura inocência!

Por muito inusitada que seja esta retrospectiva, decidi não me perder em reflexões, até porque não sei se em algum momento no tempo serei capaz de me demitir deste egoísmo que me define; mas soube aprender o significado e alcance dessa mesma palavra, sei revoltar-me contra ela e estou decidido a lutar arduamente contra quem a defende, mesmo sendo eu próprio.

De regresso a esta realidade que chamamos levianamente dia-a-dia, constato o quão antagónica é a vida hoje quando comparada com de um passado que, por estar tão próximo, o mais honesto seria chama-lo de presente; volto a ser egoísta, pois sem o assolo da enfermidade e envolto pelo calor da família e no conforto do lar, infiro sem displicência que já não há dia-a-dia; esta, como tantas outras palavras, perdeu todo o significado para quem está a enfrentar o sobressalto da doença, para quem a reclusão forçada obriga ao distanciamento da família e para quem todos os dias abandona a segurança da sua morada para socorrer os que padecem desta sinistra enfermidade.

E da mesma forma que perdemos uma palavra encontramos outra, no altruísmo destes homens e mulheres; será na abnegação destas homéricas gentes que encontrarei o derradeiro arquétipo de ensinamento para eu derrubar a minha própria muralha de egoísmo?

Experienciamos um momento no tempo de natureza tão notável que as gerações vindouras o irão encontrar inscrito nos livros de história, em páginas e folhas tão extensas como as que emolduram os grandes acontecimentos, aqueles que pela sua dimensão definem a humanidade; a esta distância no tempo, creio que ninguém se atreve a medir o real alcance destas palavras, mas uma coisa podemos dar como certa, o mundo jamais será o mesmo.

É raro não encontrar um escrito de Fernando Pessoa, ou de um qualquer dos seus heterónimos, que não nos proporcione alguma forma de ensinamento, pensamento, consideração ou opinião sobre um qualquer assunto, e esta prosa não poderia terminar com tamanha exceção:

Por mim, o meu egoísmo é a superfície da minha dedicação. O meu espírito vive constantemente o estudo e no cuidado da Verdade, e no escrúpulo de deixar, quando eu despir a veste que me liga a este mundo, uma obra que sirva o progresso e o bem da Humanidade.

Reconheço que o sentido intelectual que esse Serviço da Humanidade toma em mim, em virtude do meu temperamento, me afasta, muitas vezes, das pequenas manifestações que em geral revelam o espírito humanitário. Os actos de caridade, a dedicação por assim dizer quotidiana são cousas que raras vezes aparecem em mim, embora nada haja em mim que represente a negação delas.

Em todo o caso, reconheço, em justiça para comigo próprio, que não sou mais egoísta que a maioria dos indivíduos, e muito menos o sou que a maioria dos meus colegas nas artes e nas letras. Pareço egoísta àqueles que, por um egoísmo absorvente, exigem a dedicação dos outros como um tributo.



Autor: Álvaro de Campos

terça-feira, 9 de novembro de 2021

As Religiões e a Maçonaria

JUDAISMO E MACONARIA

Antes de descrever de forma sucinta algumas semelhanças do simbolismo judaico e maçónico, será importante citar alguns aspetos da cultura judaica, muitas vezes esquecidos ou mesmo ignorados. Começo por citar um texto de Leon Zeldis, Grão-Mestre do Supremo Conselho do R.E.A.A. do Estado de Israel:

"Numa região sacudida pela guerra e pelo terrorismo, profundamente dividida política e pela religião, as lojas maçónicas constituem um oásis de Paz e de Tolerância, onde os homens livres e de boa vontade transcendem as suas diferenças para darem as mãos e o seu espírito, ligados pela aspiração comum de criar um Mundo melhor, aperfeiçoarem-se e de contribuírem para a construção de uma sociedade mais racional, fundada nos princípios da Liberdade, da lgualdade e da Fraternidade."

Existem traços comuns entre rituais, símbolos e palavras judaicas. Um dos Landmarks judaicos é a crença num Deus que criou tudo na nossa existência e que nos deu uma Lei, para ser seguida, incluindo os preceitos morais de relacionamento humano. A crença em Deus (G.A.D.U.), a prece, a imortalidade, a caridade, o agir respeitosamente entre os seus semelhantes fazem parte integrante do ideário maçónico - (maçonaria Teista) - como também no Judaísmo e até na maioria das religiões.

A maçonaria e o judaísmo, tais como os padrões éticos das outras religiões, ensinam­ nos que nos devemos autodisciplinar e manter as nossas paixões em constante contenção. A disciplina ritualística, seja nas sinagogas seja nas lojas maçónicas, auxilia a desenvolver esta virtude.

O judaísmo ensina que todo o ser humano e capaz do bem e do mal, tentando ser fiel a si próprio usando o livre arbítrio para escolher o caminho eticamente correto. A maçonaria ensina aqueles que são moralmente capazes a poderem encontrar a "Luz" na disciplina maçónica, se eles o desejarem por sua própria e livre vontade.

A "Luz" representa um importante símbolo, tanto no judaísmo como na maçonaria. A "Luz " para o maçom é imaterial, ilumina o intelecto e a razão, sendo o objetivo máximo do iniciado maçon que, vindo das trevas, quer caminhar em direção à "Luz ". De igual modo a "Luz" para o judaísmo possui o mesmo significado.

Um dos feriados judaicos é o "Chanukah", a festa da Luz, comemorando a vitória do povo de Israel sobre aqueles que tinham feito da prática da religião um crime punível pela morte (ano 165 da Era Vulgar- os judeus substituem o A.C. e o D.C.).

Outro símbolo compartilhado entre a maçonaria e o judaísmo e o Templo de Salomão. O templo de Salomão representa o "zénite" da religião judaica. Na maçonaria, juntou­ se a figura de Salomão, à construção do Templo, pois os maçons são simbolicamente pedreiros, construtores, geómetras e arquitetos. Os rituais maçónicos estão cheios de lendas sobre a construção do Templo de Salomão. Para os maçons existem, em sentido figurado, três "Salomões": o S. Maçónico, o S. Bíblico e o S. Histórico.

A tradição judaica ensina uma obediência de respeito para com os pais e rabinos. A maçonaria ensina desde a Constituição de Andersen de 1723, o respeito para com a autoridade legitimamente constituída.

 

A MAÇONARIA E O ISLÃO

Sempre existiram relações entre o Ocidente e o próximo Oriente Muçulmano, quer tratando-se das Cruzadas, quer do lmpério Otomano ou mais tarde da Colonização, sobretudo dos franceses e dos ingleses.

É no Egito, com a expedição francesa de Bonaparte, que aparecem os primeiros maçons deixando as "sementes" da maçonaria Universal em terras do lslão.

Em 1748 é fundada a primeira Loja maçónica em Alexandria, com a iniciação de Ismail Pacha durante o período da expedição de Bonaparte e a Loja ISIS do rito de Memphis que teve como primeiro Venerável o General Kleber.

No ano de 1830 os maçons italianos que residiam em Alexandria formam a Loja Carbonari seguida da Loja Menes. Com o rito de Memphis adotado (1867) é fundado o Grande Oriente do Egito e nomeado seu Grão-Mestre o Príncipe Halim Pacha.

Em 1890 o maçom Idris Bey Raghib é eleito G.M. do Egito. Sucede-lhe Redige Tawfik como G.M., o que dá origem a grandes conflitos que originam a suspensão do reconhecimento destas lojas egípcias pela Grande Loja de Inglaterra e da Grande Loja da Escócia.

Mais tarde em 1932, sob a égide da Grande Loja do Oriente de França, funda-se a Grande Loja Nacional do Egito. Durante o ano de 1952 com a queda da monarquia egípcia e a abdicação do Rei Farouk, sobe ao poder Abdel Gamal Nasser grande politico, maçom e membro da Ordem Mística do Egito dos Shrinners. (Todos os shrinners são maçons mas nem todos os maçons são shrinners. Os shrinners pertencem à Antiga Ordem Árabe dos Nobres do Santuário Místico, organização ligada à maçonaria. Entretanto, com a Crise do Suez e a politica no período Nasser, a maçonaria é proibida.

Com a ascensão ao poder do Presidente Anouar Sadate as Obediências lnglesas e Francesas desaparecem e funda-se a Grande Loja do Egito. A subida ao poder de Hosni Mubarak, que chegou a ser acusado de pertencer a maçonaria fora Egipto.

Atualmente com o progresso da lrmandade Muçulmana e a instabilidade politica, sabe-se que a maçonaria egípcia atravessa dificuldades na sua reconstrução.

 

LIBANO

O inicio da maçonaria no Líbano no séc. XIX na década de 1850 coincidem com o estabelecimento de fábricas de seda no vale de Chouf, pelos franceses. Inicialmente as lojas são fundadas pelos franceses e aderentes libaneses.

Duas lojas disputam ainda hoje a paternidade da maçonaria libanesa na Loja Palestina, fundada 1861 pela Grande Loja da Escócia e pela Loja Líbano fundada em 1862 pelo Grande Oriente de França.

A maçonaria Libanesa começa a desenvolver-se nos finais do sec. XIX, no momento em que no lmpério Otomano começa a despontar a revolução dos Jovens Turcos em 1908 e que na época o sonho do Grande Reino Arabe. No ano de 1936 funda-se a Grande Loja Libanesa dos Países Árabes pelo filho do Emir Abdel el-Kader onde mais tarde foi iniciado o Rei Hussein da Jordânia Pai do atual Rei.

De 1920 a 1946, ainda sob o mandato Francês, a maçonaria Libanesa e Síria expande-se com a fundação de varias Lojas. Após a grande revolta de 1925, a maçonaria do Levante quer emancipar-se da tutela das Obediências francesas em parte pelo apoio destes a minoria dos cristãos maronitas. (seguidores do Monge Maroun eremita 410D.C fieis à Sta. Sé). É considerado o despertar dos maçons libaneses face à potencia colonizadora Francesa na Síria e Líbano. Nos anos 50, depois a criação do Estado de Israel, foi criado o Grande Oriente Árabe também conhecido por Christian-Muslin Lodge.

Nota curiosa: são os maçons libaneses muçulmanos os primeiros a denunciar "a doença do lslão", lamentando os atentados do 11 de Setembro de 2001.

 

SIRIA

E na cidade de Aleppo em 1738, vinte e um anos depois do nascimento da maçonaria especulativa, que foi fundada a primeira Loja maçónica.

Com a subida ao poder Medhat Pacha fundaram-se varias Lojas uma das quais em 1878, a Loja Luzes de Damasco, frequentada na época pela elite intelectual da capital. No início da primeira Guerra Mundial, as Lojas maçónicas Sírias foram obrigadas a suspender os seus trabalhos.

Durante o ano de 1922, foi fundada em Damasco, a Loja da Síria sob a égide do Grande Oriente de França . Outra Loja importante no panorama maçónico Sírio foi a Loja Qaysun a Oriente de Damasco.

Atualmente a maçonaria está proibida na Siria, embora o pai do Presidente Hafez el Assad tenha pertencido a Loja Al Fatat de Damasco. (citado Rev. Express, Fev.2009).

Na Síria, antes da catástrofe da guerra e do êxodo a que assistimos hoje, existia já claramente um movimento que preconizava que o lslão deve parar no ano 622 e ficar confinado as relações do homem com o seu Criador. (Nova Leitura do Corão). Este movimento influenciado pelas ideias maçónicas de intelectuais como Ziad Hafez e Mohamed Charour.

 

PALESTINA

É pouca a bibliografia sobre a maçonaria palestina. Sabe-se que a Grande Loja o Egito estabeleceu treze Lojas na Palestina.

Em Jerusalém cerca de 1895 fundou-se a Loja Salomon ou Suleiman com apoio da Grande Loja Nacional do Egito mais tarde também apoiada pela Grande Loja do Canada, a Royal Salomon Mother Lodge do R.E.A.A.

A Loja Nur el Hachemat (Luz da Sensatez ) n°125 foi fundada em 1908 em Jerusalém, a Loja tinha os seus trabalhos em árabe. Cessou a sua atividade durante a Primeira Guerra Mundial retomando os trabalhos em 1924 juntando-se mais tarde a Grande Loja da Palestina em 1933.

Em 1951 a Grande Loja da Palestina era composta por judeus, muçulmanos, cristãos e druzos. Com a criação o Estado Judaico esta Loja parece ter sido desmantelada.

Apesar das relações tensas entre as populações árabes e judias, a Grande Loja Nacional da Palestina fazia grandes esforços para manter candidatos de todas as comunidades: Judeus, Árabes Cristãos (Koptas) Arménios e Druzos, assim como várias lojas compostas quase exclusivamente por Árabes.

O Grande Oriente Árabe Ecuménico, em 2010 e a Obediência Maçónica Francesa de Estudos e Pesquisa, trabalha em conjunto no novo Rito Judeo-Cristao e Muçulmano, também chamado Rito Ecuménico.

Em 2003, em plena Intifada palestiniana, a Loja Galileia e a Loja Fraternidade continuaram os seus trabalhos.

 

EM RESUMO

A colonização francesa no Magreb e em quase toda a Bacia Mediterrânica foi a grande impulsionadora da Maçonaria na Argélia, na Tunísia e em Marrocos. A influencia dos maçons ingleses também foi determinante para o estabelecimento dos valores da maçonaria nesta região.

Hoje quando as forças da intolerância e do fanatismo ameaçam os fundamentos da civilização livre e democrática, e imperativo refletir de novo nos valores da maçonaria, na tolerância, na mora e ainda na construção de uma sociedade mais tolerante, mais livre e mais humana, mesmo que esta tarefa seja feita em circunstancias adversas.

Deixarei para uma próxima prancha as relações da maçonaria no lmpério Otomano e as controversas relações entre a maçonaria e a religião Cristã.


Autor: Aquilino Ribeiro

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

Um Especulação sobre a Origem da Maçonaria Especulativa

Esta pequena prancha não teve nenhuma pequisa bibliográfica específica para a sua realização, resultando apenas na destilação das minhas reflexões sobre o assunto e das leituras que fiz sobre o mesmo e assunto adjacentes. Pretendento apenas levantar a questão e ouvir as opiniões dos meus Irmãos, visto que penso que a verdade histórica nunca será conhecida ou comprovada documentalmente.

Quando se entra na Nossa Augusta Ordem, um tema de conversa recorrente é sobre a Grande Loja de Inglaterra, como a primeira instituição maçónica organizada aquando da sua fundação no Verão de 1717, e a sua importânciano desenvolvimento e expansão da Maçonaria. Esta Maçonaria já é especulativa, integrando membros de todas as classes e profissões. Dentro deste contexto, a pergunta que sempre me perturbou foi porque razão se dá em Inglaterra a transição da Maçonaria Operativa para a Especulativa, quando este país até não tinha, quando comparado com outros, grande tradição de pedreiros livres, os construtores das catedrais europeias, que faziam parte da Maçonaria Operativa.

Parece que seria mais lógico que tal desenvolvimento tivesse acontecido na Europa Ocidental, nomeadamente Peninsula Ibérica, França, Península Itálica e Sacro Império Romano, com mais tradições nesse domínio.

Na minha opinião, temos de recuar algumas décadas até 1660 para perceber o que poderá ter acontecido. É nesta altura que se dá a Restauração da Monarquia dos Stuart, família real inglesa de origem escocesa, com o regresso de Carlos II, após dez anos de exílio no seguimento da Guerra Civil Inglesa, da execução de rei Calos I e da experiência “republicana” do Protectorado do puritano Oliver Cromwell.

Esta época, considerada por alguns como um era dourada, é caracterizada por uma renovação e libertação da sociedade inglesa com grande dinamismo no desenvolvimento das artes e ciências. Em 28 de Novembro de 1660 é fundada a Royal Society, a primeira academia de ciências do mundo, por filósofos naturais, como eram chamados os cientistas da altura. Nas lendas da sua fundação é mencionado como inspiração o colégio invisível, termo que aparece em diversos pamfletosrosicrucianos do início do século XVII, que por sua vez parece retirar ideias da Casa de Salomão, descrita na obra Nova Atlântida do famoso filósofo Francis Bancon, um dos fundadores Empiricismo e do Método Científico moderno. Ainda hoje, é uma instituição muito respeitada, e contou entre os seus membros Robert Boyle, Robert Hooke, Isaac Newton, Christopher Wren, Kelvin, Faraday, Maxwell, JJ Thomson, Stephen Hawking e bastantes laureados com o Prémio Nobel.

Um segundo acontecimento relevante foi o Grande Incêndio de Londres ocorrido entre 2 e 6 de Setembro 1666, que se estima que tenha destruído as habitações de mais de 85% da população da cidade, incluindo também a velha catedral de S. Paulo. Esta grande devastação levou certamente que um grande número de pedreiros livres tivesse sido contratado para efectuar a reconstrução da cidade.

A junção temporal destes dois eventos leva-me a concluir, que terá havido, no tempo e nos espaço, uma grande concentração de pedreiros livres e a nova vaga de filósofos naturais que fundaram a Royal Society, e que certamente terá havido contactos entre eles.

A minha especulação começa aqui. Este grupo de filósofos naturais, alguns precussores do Iluminismo do século XVIII, contaram entre os seus membros figuras ilustres que a História consagrou, e numa quantidade invulgar para o mesmo intervalo temporal. Penso que eles terão ficado fascinados com o método simbólico que a Maçonaria usava para a transmissão de conhecimentos e valores. Não nos esqueçamos que, por exemplo, Isaac Newton foi um estudante entusiástico dos mistérios da Alquimia.

É assim natural que os valores maçónicos da Igualdade, Liberdade, Fraternidade, Rectidão e Justiça, e os seus respectivos símbolos seriam muito apelativos a esta geração de homens esclarecidos. E sendo eles homens de ciência, todo o conhecimento antigo de geometria e engenharia que os pedreiros livres possuiam, também deve ter contribuído para esse fascínio.

O respeito e admiração entre os dois grupos deve ter sido mútuo, pelo que devem ter começado a ter reuniões conjuntas, chegando ao ponto dos maçons operativos terem aceite membros fora da sua profissão nas suas Lojas, onde as discussões filosóficas devem ter sido fascinantes. O proxímo passo terá sido certamente, a criação de Lojas Maçónicas puramente especulativas. Tendo Isaac Newton sido presidente da Royal Society entre 1703 e 1727, precisamente na altura se forma a Grande Loja

de Inglaterra, a minha especulção é que ele terá sido uma das figuras mais impulsionou a criação da Maçonaria Especulativa, utilizando o Método Simbólico de transmissão de conhecimentos da Maçonaria Operativa. Apesar de haver provas documentais de que Newton era um adepto da Alquimia e dos Mistérios Antigos Iniciáticos, não existem provas que ele tivesse sido iniciado ou pertencido a alguma Loja Maçónica.No entanto a minha especulação mantém-se: terá sido Newton, juntamente com outros comtemporâneos da Royal Society, incluindo o arquitecto da nova Catedral de S. Paulo, Christopher Wren, os criadores da Maçonaria Especulativa, e na Inglaterra? E terá Newton criado o cálculo diferencial e integral, a teoria clássica da mecânica e da gravidade, tão importantes no desenvolvimento tecnológico da sociedade actual, com base em conhecimentos mais antigos transmitidos pelos pedreiros livres, guardões da altura da Sabedoria Antiga? Ficam as especulações


Autor: Imhotep

segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Silêncio e a Contemplação dos Reflexos da Luz

Desde que iniciei com a ajuda dos meus Q:. I:. o caminho para a Luz fui incentivado a observar e absorver o decorrer dos trabalhos nas sessões em Loja, tendo atenção ao Ritual, aos Cargos, participando no que me é possível e sempre que solicitado.

No inico do meu percurso numa das nossas confraternizações um dos nossos irmãos sugeriu que um tema que um dia pediria a um A:.M:. ou C:.M:. que viesse a acompanhar seria o tema Silêncio, tendo desde essa data esse tema ficado latente nas pesquisas e leituras que fui encontrando e fazendo a minha reflexão.

A primeira questão com que me deparei e que numa primeira fase pareceria mais simples, não o foi. O que é isto do Silêncio? É estar calado? Ou mais que isso?

Recorrendo-me de um dicionário verificamos que si·lên·ci·o provém do latim silentium e é um substantivo masculino que define o estado de quem se abstém ou para de falar, a cessação de som ou ruído, a interrupção de correspondência ou de comunicação, a omissão de uma explicação, o sossego, quietude, calma, o segredo, sigilo, o Toque nos quartéis e conventos, depois do recolher e frequentemente utilizada a palavra como interjeição numa expressão usada para impedir de falar ou pedir que alguém se cale.

Definida a palavra, importa detalhar de forma semiótica a mesma para perceber a sua significação na relação com a Maçonaria. Neste processo de análise levantam-se duas questões que para mim e no trabalho que tenho desenvolvido no desbaste da pedra bruta como A:. e no polimento como C:. têm significados distintos:

- O que é o Silêncio Maçónico?

- O que é Silêncio em Maçonaria?

Começando na demanda da primeira questão, a interrogação remete-me para o significado associado ao Silêncio de Segredo. O nosso Q:.I:. António Arnaut define a nossa A:.O:. como “ discreta” e não secreta já que nada tem a esconder e os Rituais podem ser facilmente encontrados num qualquer alfarrabista, assim é reservada já que por ser iniciática não está aberta ao público e reserva apenas aos M:. o conhecimento de certas práticas e saberes, o que poderá ser considerado o segredo maçónico. Como exemplo de não sermos uma associação secreta temos as recentes eleições em que mutos nos nossos I:. tiveram conhecimento dos resultados na imprensa e não pela nossa A:.O:.

Podemos claro considerar que a Maçonaria como associação de homens livres, de bons costumes, onde seus membros se dedicam ao aperfeiçoamento moral e social através do trabalho constante já foi alvo de diversas perseguições com consequências graves para todos os M:. pelo que a manutenção do Segredo sobre as praticas da Maçonaria eram uma questão de sobrevivência.

Actualmente no caso de Portugal, se podemos considerar que não é fisicamente uma ameaça ser M:., pode ser ainda prejudicial profissionalmente, esta situação é causada pelo desconhecimento e preconceito que o mundo profano tem da nossa A:.O:. e será também aqui importante a nossa acção diária nos nossos actos com Cidadãos e até como G:.O:.L:. para desmistificar esses preconceitos junto do mundo profano o quanto baste para assumirmos o nosso papel tantas vezes esquecido e muitas vezes manchado pela má conduta de alguns M:. ou pela calunia sobre terceiros utilizando a nossa A:.O:. até como uma arma contra um nosso I:. ou profano que até poderá nunca ter sido iniciado.

Vivendo num mundo em constante mutação e com equilíbrios por vezes muito frágeis é importante também manter uma forte vertente discreta para que não seja dado por garantido que não teremos de nos manter vigilantes para a necessidade de estarmos sempre preparados a retornar a práticas mais Clandestinas ou apoiar essas mesmas práticas nos locais onde a Republica e a Democracia estão postas em causa ou já não exista para que não se percam os nossos valores fundamentais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Finalmente e ainda sob a ideia de Segredo temos o nosso juramento que não divulgaremos o que se passa na nossa A:.O:., em todas as sessões prometemos ao nosso V:.M:. não revelar a M:. ou profano algum o que se passou na sessão, o que não serão apenas palavras lidas num Ritual, pois este nosso compromisso é um dos alicerces da nossa união. É nesta componente do Segredo Maçónico que pela confiança mutua exercitamos a nossa fraternidade pelos símbolos, hábitos e costumes que partilhamos e ensinamos aos I:. que a Loja acolhe no seu seio.

Então e além do Segredo Maçónico o que poderá ser igualmente o Silêncio em Maçonaria?

Reflectindo sobre esta questão o meu pensamento vai para o silêncio quase absoluto em que o A:.M:. e o C:.M:. estão confinados nas sessões, o que numa primeira análise não seria uma pratica muito Maçónica pois não estão num patamar de igualdade para com os I:.M:.M…

Para compreender esta discrepância na utilização da palavra fui relembrar o conceito de A:.M:., C:.M:. e M:.M:. socorrendo-me das definições dadas pelo nosso Q:. I:. António Ventura:

A:.M:., - “Titulo do 1 grau de todos os ritos maçónicos. Representa aquele que começa a aprender, o “estagiário”, o Homem na sua primeira infância, carente de protecção, apoio e ensino que trabalhará no desbaste da «Pedra Bruta», de forma a conhecer-se a si próprio e a libertar-se progressivamente dos preconceitos da vida profana”.

C:.M:. – “Titulo do 2 grau de todos os ritos maçónicos. Já está suficientemente instruído para poder acompanhar o mestre na maioria dos trabalhos. Representa o homem na sua juventude espiritual, com iniciativas, mas ainda pouco consciente das virtualidades que possui” (…) “Trabalha simbolicamente no polimento da «pedra bruta», já desbastada pelo aprendiz.”

M:.M.. – “Titulo do 3.º grau de todos os ritos maçónicos. Já possui faculdades para trabalhar por si e para ensinar os outros. Representa o homem maduro, consciente das suas responsabilidades. Só neste grau o maçon atinge a plenitude, pode intervir na Loja, eleger e ser eleito para todos os cargos.”

Lendo estas três definições sou imediatamente remetido para o desenvolvimento cognitivo entre o profano e o M:.M:.

Este desenvolvimento inicia-se na Câmara de Reflexões, na iniciação onde uma da inscrições contem as letras V.I.T.R.I.O.L., estas além de darem o nome a uma Associação paramaçónica, significa Visita Interior Terrae Rectificando que Invenies Occultum Lapidem (Visita o Interior da Terra e Rectificando Encontrarás a Pedra Oculta). Aqui somos transportados para uma certeza, temos de meditar sobre nós próprios e nessa introspecção encontrarmos um exercício que não cessará. Iremos de forma constante procurar formas dentro de nós mediante as experiências que temos de nos melhorarmos como indivíduos e consequentemente como grupo.

Esta perspectiva remeteu-me para as diversas teorias existentes de desenvolvimento sendo que das leituras que fiz a que me pareceu mais alinhavada com o meu pensamento sobre o tema foi a Teoria Cognitiva, esta apesar de já ser datada para alguns estudiosos do tema, ajuda-nos a perceber a nossa forma de aprendizagem cognitiva pois surge na década de 50 com um complemento das teorias comportamentais em que a aprendizagem era apenas efectuada por condicionamento, ou seja estimulo-resposta.

Assim, na teoria cognitiva vemos a definição do termo cognição como o conjunto de habilidades mentais que desenvolvemos para a construção do nosso conhecimento do mundo. Os processos cognitivos envolvem, portanto, as capacidades relacionadas ao desenvolvimento do pensamento, raciocínio, fala, introspecção etc, tendo inicio na infância e estando directamente relacionados com a aprendizagem.

Não pretendo nesta prancha detalhar as diversas correntes cognitivistas defendidas por Piaget, Wallon e outros, pois cada uma delas é digna de um trabalho académico para o qual confesso não tenho formação adequada, no entanto apesar das diferenças entre estas correntes todas procuram compreender como a aprendizagem ocorre no que se refere às estruturas mentais do sujeito e sobre o que é preciso fazer para aprender, num processo de construção de um esquema de representações mentais que se dá a partir da participação activa do sujeito e que resulta na transformação em conhecimento.

Assim e transpondo este processo de aprendizagem para a Maçonaria temos no silencio uma ferramenta fulcral. Estamos no processo de nascer de novo para o mundo, de nos contruirmos novamente e iniciamos assim o processo de caminhar para o conhecimento, o que se faz primeiro por observação depois por repetição e finalmente ao desenvolver o nosso trabalho, podemos fazer aqui um paralelismo com os três primeiros graus maçónicos e os diferentes estágios da aprendizagem da infância à idade adulta tão patente nas viagens da iniciação. Verificamos assim que o silencio em maçonaria é mais que não falar, não é na verdade sequer ser proibido de falar, é ter o direito a ouvir atentamente e meditar sobre o que foi ouvido, num exercício disciplinado que nos permite como A:. e C:. M:. ver coisas que posteriormente teremos menos disponibilidade para ver.

Anteriormente referi que têm surgido questões ao longo do meu caminho no desbaste da pedra bruta como A:.M:. e no polimento como C:.M:., o mesmo sucederá aos M:.Q:.I:. M:.M:. pois todos nós procuramos a verdade num caminho que será eterno. Orgulhosos todos por em determinados momentos nos silenciamos na contemplação dos reflexos da Luz que nos motiva e fortalece os nossos propósitos pois no trabalho estarmos todos os dias um dia mais perto da construção de um Mundo mais justo e perfeito.

Finalmente deixo-vos com uma consideração sobre este tema que me parece pertinente remetendo para a definição de M:.M:. “só neste grau o maçon atinge a plenitude”, pois bem, tal e qual como no mundo profano, sendo o A:.M:. e o C:.M:. remetidos aos silencio não estão efectivamente num patamar de igualdade para com os I:.M:.M:., estão sim num patamar que se poderá dizer até superior pois num gesto de grande fraternidade estes permitem que os primeiros aprendam e evoluam, tendo mais tempo para conseguir contemplar os reflexos da Luz antes de se dedicarem ao trabalho e ensino dos I:. que os seguem.

Na Maçonaria silenciar-se é ouvir.

 

Autor: Armindo Matias

domingo, 22 de agosto de 2021

A loja maçónica ou os 12 trabalhos de Hércules

A loja maçónica é o elemento base da maçonaria, onde se produz o trabalho maçónico. E todos os obreiros, seja qual for o cargo que ocupem, ou mesmo não ocupando nenhum, devem à loja o melhor do seu trabalho. Como é sabido, nós glorificamos o trabalho e não distinguimos trabalho manual de trabalho intelectual. 

E quando falamos em trabalho vêm-nos logo à memória as doze tarefas que Euristeu deu a Hércules para agradar a Hera. Ora, existe uma analogia entre os trabalhos de Hércules e os trabalhos em Loja.  

Tal como não se cria uma hierarquia em relação aos doze trabalhos de Hércules, também não deve haver uma hierarquia relativamente aos trabalhos em loja, pois todos dignificam o obreiro que os executa. 

Trabalhos em Loja que são, aliás, comparáveis aos trabalhos de Hércules, senão vejamos: 

A hidra de Lerna: A hidra de Lerna era uma serpente colossal que amedrontava a região de Lerna, no Peloponeso, destruindo rebanhos e plantações. A hidra possuía nove cabeças, mas cada vez que se decepava uma nasciam duas no seu lugar. Para levar a termo o seu trabalho, Hércules contou com a ajuda do seu fiel amigo Iolaus. Para evitar o contínuo ressurgimento Hércules decepava-as e Iolaus cauterizava com fogo o local, impedindo o aparecimento de novas cabeças. Após eliminar todas as cabeças mortais, Hércules levantou um enorme rochedo e com ele esmagou a última cabeça da hidra, queimando-a depois para que não ressurgisse. Livrar a loja de toda e qualquer hidra, quaisquer que sejam as cabeças que tenha, é trabalho do Venerável.

O leão de Nemeia: Um gigantesco leão aterrorizava a população da região de Nemeia, assustando e matando gado e pessoas. Como o animal se acoitava numa caverna com duas saídas, era muito difícil embosca-lo. Os caçadores da região pediram ajuda ao rei Euristeu, pois o animal revelava-se invulnerável, e este enviou Hércules para exterminar o leão. Este fechou uma das saídas da caverna, obrigando o animal a abandoná-la pelo outro lado. Então, desferiu-lhe um violento golpe com a sua clava, e percebendo que o animal ficara tonto, em rápida acção montou sobre ele, estrangulando-o até à morte. Decepou, depois, uma das garras do leão, e com ela conseguiu arrancar a dura pele do animal, passando a usar o seu resistente couro como capa protectora. Tal tarefa é assimilável à tarefa do Primeiro Vigilante. Tarefa difícil, a deste, que para além da direcção da loja, em conjunto com o Venerável e com o Segundo Vigilante, tem também o dever de substituir aquele nas suas faltas e impedimentos, tendo ainda a seu cargo a coluna dos companheiros. A sua tarefa é, sem dúvida, equiparada à de lidar com um leão difícil de esfolar.

Javali de Erimanto: Um javali aterrorizava as vizinhanças do monte Erimanto. Enorme e feroz, ele matava quem cruzasse o seu caminho. A tarefa era capturá-lo vivo. Ao fatigá-lo após persegui-lo durante horas, Hércules cercou-o e dominou-o. Euristeu, ao ver o animal ao ombro do herói, teve tamanho medo que se foi esconder dentro de uma ânfora de bronze.Com a coluna dos aprendizes a seu cargo, e dirigindo a loja em conjunto com o Venerável e o Primeiro Vigilante, bem fatigante é a tarefa do Segundo Vigilante, como se carregasse um javali às costas.

A corça Cerinéia: A corça de Cerinéia, animal lendário com chifres de ouro e pés de bronze, que corria com assombrosa rapidez e nunca se cansava, era Taígete, ninfa que foi transformada em animal por Artémis para fugir da perseguição de Zeus. Como ela tinha uma velocidade insuperável, Hércules perseguiu-a incansavelmente durante um ano até que um dia, exausta, a corça parou para beber água num riacho. Foi quando Hércules, aproveitando a oportunidade, lançou uma flecha certeira que atingiu a corça na pata dianteira, aprisionando-a de seguida. Correr a loja com pés de bronze, sem nunca se cansar, eis o trabalho do Mestre-de-Cerimónias.

Aves de Estínfale: Havia um pântano que era assolado por aves negras que possuíam asas, garras e bicos de ferro. O herói, primeiramente, usou um címbalo para as atrair e imediatamente todas as aves surgiram acima do pântano, bloqueando a luz do sol, transformando o dia em noite. Então Hércules acendeu uma tocha que chamou a atenção das aves, que começaram a descer violentamente contra ele para o atacar. Era o que ele pretendia, começando então a disparar flechas venenosas contra elas e abatendo a sua maioria. As que escaparam fugiram para países longínquos. O Orador é o nosso archeiro, cujo dever de fazer cumprir a lei é sagrado, nem que para isso tenha de usar dos meios mais persuasivos.

O touro de Creta: Poseidon, o Senhor das Águas, ofereceu a Minos, rei da ilha de Creta, um belíssimo touro branco, o qual se tornou furioso porque o rei não o ofereceu em sacrifício a Deus. O touro devastava os campos da região e Hércules foi até lá para dominá-lo. Após controlar o touro, montou-o e levou-o até Euristeu. O Secretário, como no trabalho do touro de Creta tem de organizar a devastação da linguagem oral, organizando-a de forma sintética e objectiva no relato do ocorrido em cada sessão.

Cavalariças de Áugias: Áugias, rei de Élida, tinha uma grande coudelaria de cavalos mas não cuidava dos seus estábulos, que acumularam uma colossal quantidade de estrume ao longo dos anos e que exalavam um cheiro mortal. Hércules conseguiu lavá-los num só dia, usando a água de dois rios cujos cursos desviou com a sua força. Bem tem de usar a sua força, neste caso força de organização, o Chanceler Arquivista, para manter devidamente conservados e catalogados os bens da oficina, com o correspondente inventário em dia. Mau arquivista será o que se portar como Áugias.

Éguas de Diomedes: Neste caso, tinha Hércules de ir até Diomedes, filho de Ares e rei da Trácia, para domesticar os seus terríveis cavalos carnívoros, que soltavam fogo pela boca. Como todos os filhos de Ares, Diomedes era um homem cruel que tinha como diversão lançar qualquer estrangeiro para servir de alimento aos seus cavalos. O herói seguiu em direcção a Trácia, onde procurou por Diomedes. Este lançou contra ele, de imediato os seus cavalos, que Hércules capturou. Mas, notando que estavam famintos serviu-lhes como refeição o próprio Diomedes. Ora a alimentação, seja do corpo seja do espírito, e quer simbolicamente represente alimentar os homens à custa dos animais ou alimentar os animais à custa dos homens, é o que compete ao irmão Hospitaleiro.

Cinto de Hipólita: Hipólita era a rainha das amazonas – tribo de mulheres guerreiras descendentes de Ares, as quais odiavam os homens. Grandes guerreiras, elas cortavam um dos seios para melhor manejar o arco e a flecha. Hipólita tinha um belo cinturão que lhe fora dado por Ares, seu pai. Este trabalho de Hércules era obter esse cinturão, desejado por Admete, filha de Euristeu. Hipólita, seduzida pelo belo e musculado herói entrega-lhe o objecto (noutra versão, o cinto é obtido depois de Hércules ter raptado a irmã de Hipólita, Menalite, pedindo o cinto como resgate). Mas a velha inimiga de Hércules, Hera, disfarçada como amazona, incita as mulheres a ataca-lo fazendo correr o boato de que este está lá para raptar a sua rainha. A deusa consegue cegar de raiva as mulheres e começa uma batalha feroz e sangrenta contra os heróis. Hipólita tenta intervir mas a ira e o tropel dos cavalos atrapalham as suas ordens. As amazonas então atacam Hércules, que tem de matar todas para fugir com o cinto. Lutar até ao fim pelos bens da loja, cobrando o que haja a cobrar, com objectividade, e defendendo o seu património, eis o trabalho do Tesoureiro.

Bois de Gerião: Gerião era um gigante, com três torsos num único par de pernas e possuía um numeroso rebanho de bois, que eram guardados por um pastor monstruoso, Eurítion, e seu cão de duas cabeças, Orto. Hércules facilmente matou esta dupla, mas foi surpreendido pelo próprio Gerião. Isso, porém, não causou nenhum temor ao herói, que após uma longa batalha percebeu que da cintura para baixo o gigante era exactamente como ele. Então, utilizando um poderoso golpe, atingiu uma das pernas do monstro e derrubou-o no chão, esmagando então, sem piedade, todos os três corpos do gigante, assim vencendo a batalha. Também o experto tem de perceber a qualidade dos visitantes que pretendam aceder ao templo, assegurando-se das suas qualidades maçónicas, observando com atenção quem seja exactamente como ele, maçons, ainda que com diferente grau ou qualidade.

O guardião de Hades: Cérbero, um cão de três cabeças e cauda de serpente, guardava a entrada de Hades, o mundo dos mortos, permitindo a entrada de todos mas não deixando ninguém sair. Hércules desceu o Hades e capturou-o, mas após tê-lo mostrado a Euristeus devolveu-o ao inferno para continuar a sua função de guardião. Como Cérbero, o Guarda Interno, qual guardião de Hades, há-de guardar o templo e preservá-lo de inimigos e de estranhos, sendo sua obrigação lutar até ao limite das suas forças para que o Templo não seja profanado.

Pomos de ouro: Euristeu queria as maçãs de Ouro que nasciam no jardim das Hespérides. Estas eram filhas de Atlas, um dos titãs que lutou contra os deuses e, depois de derrotado, foi condenado a carregar eternamente o Mundo nas suas costas. Hércules não conseguia encontrar os frutos e estava prestes a desistir, mas encontrou Atlas, a quem perguntou a localização da árvore. O titã, porém, não quis ceder a informação gratuitamente e então o herói ofereceu-se para carregar o mundo no seu lugar, enquanto ele fosse buscar os frutos dourados.

Depois de algum tempo carregando o Mundo às costas, Hercules sentiu como devia ser horrível a vida do titã, e finalmente viu-o retornar com as maças douradas, depois de matar o dragão que as guardava. Porém Atlas, sentindo-se aliviado, não se mostrava tentado a retomar o Mundo nas suas costas. Hercules teve de fingir que concordava, pedindo apenas que o deixasse acabar a sua missão de levar as maçãs a Euristeu. Atlas concordou, retomou o Mundo nas suas costas e Hércules foi-se embora com as maçãs e nunca mais voltou. Os irmãos nas colunas, temporariamente sem cargo, devem à loja o seu trabalho, os seus pomos de ouro, e têm tanto a obrigação de os ir buscar como a obrigação de ficar a carregar com o mundo às costas, com sacrifício, quando seja a vez de outro irmão ir colher os pomos de ouro. 

Moral da história: Esta parábola pretende destacar que numa loja maçónica não se compete por cargos, devendo antes trabalhar-se com afinco maçónico naquilo que é nossa função e obrigação em cada função em cada momento.

Agora que se aproximam eleições, e em que dos candidatos aos mais altos cargos nos vêm exemplos tão perturbadores de ocultas virtudes e falsas modéstias, esta prancha tenta contribuir para que todos pensemos naquilo que prometemos na nossa iniciação e nas virtudes a que estamos adstritos, como homens de bons costumes.


Autor: Bocage


quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Cordão Nodoso

Depois de muito procurar, finamente encontrei a resposta sobre qual o símbolo deveria ser objeto de pesquisa e reflexão mais profunda nesta fase de aprendizagem da minha vida. Foi então que quase instantaneamente se fez luz e cresceu em mim um enorme entusiasmo para aprender sobre o cordão nodoso (corda com nós) que rodeia os templos maçónicos.

É pois, o Cordão Nodoso o tema desta minha prancha. Uma corda é um conjunto de fios de cânhamo, sisal ou de qualquer matéria filamentosa, torcidos ou entrelaçados juntos uns sobre os outros oque lhes aumenta a resistência. A corda é pois, o sinónimo de força obtida pela união.

Desde o seu aparecimento, a corda a que se acrescentavam nós equidistantes, foi usada como instrumento de medida por vários grupos profissionais incluindo os construtores. 

A medida utilizada era a distância que separava os vários nós (o côvado, por exemplo, que corresponde à distância entre o cotovelo e a extremidade do terceiro dedo, é mencionado na Bíblia a propósito das medidas do templo de Salomão).

A corda com nós servia também para obter relações de proporcionalidade na geometria como o demonstrou Pitágoras. A corda também é mencionada no Corão como elemento do socorro que qualquer crente pode pedir a Deus. Em Maçonaria o Cordão Nodoso delimita o templo na sua parte superior correspondente à base ou início da abóboda. Começa sobre a porta do ocidente, torneando-o pelo norte, oriente e sul, e regressa ao ocidente onde termina na mesma porta.

Tanto no princípio como no fim, a corda tem nas suas extremidades, borlas. Estas borlas terminam em franjas que lembram os fios que envolviam os capitéis ornamentados com romãs e com lótus no topo das colunas “J” e “B” à porta do templo de Salomão.

A abertura da corda com as referidas borlas posicionada na porta do templo, significa que a maçonaria está sempre disponível ao acolhimento de novos integrantes. A Maçonaria é pois dinâmica e progressista estando aberta a novas ideias que possam contribuir para o progresso do Homem e para a evolução racional da Humanidade.

O Cordão Nodoso é assim constituído por uma corda terminada em borlas e com um número variável de nós. Esses nós ou Laços de Amor representam os maçons unidos através do amor fraterno que deve existir entre todos mantendo contudo a sua individualidade. Podem igualmente ser entendidos como símbolo das dificuldades que a vida apresenta.

Os Laços de Amor estão nas cordas de doze e de oitenta um nós que delimitam os templos maçónicos e na corda do painel dos graus simbólicos.

A corda de doze nós tem feitos em si doze nós direitos que representam cada um o signo do zodíaco, enquanto imagem do universo e no seu conjunto representam o infinito. Marcam igualmente os solstícios de verão (festa do Conhecimento) e de inverno (Esperança) e os equinócios de outono e de primavera.

Desta corda também conhecida como corda dos druidas, existe uma variante com treze nós, seis de cada lado dum nó situado no oriente sobre o Venerável Mestre.

Na Corda de oitenta e um nós, o nó central fica por cima do trono do venerável, e representa o Número 1, a Unidade Indivisível, símbolo do GADU, princípio e fundamento do Universo. Os  demais distribuem-se nas duas laterais, quarenta nós equidistantes de cada lado, terminando em duas borlas caídas junto aos batentes da porta do templo. Estas borlas representam cada uma, Temperança, Coragem, Justiça e Prudência.

O número oitenta e um tem grande significado pois é um múltiplo de três e o quadrado de nove, números com um elevado simbolismo maçónico. A corda é mencionada nos rituais em vários graus simbólicos. Representa pois a união fraterna entre os maçons, a cadeia de união que os liga indissoluvelmente.

Em Maçonaria, o cordão nodoso surge ainda noutros contextos: Assim, a corda é usada na cerimónia de iniciação no rito escocês antigo e aceito em que o candidato a traz ao pescoço como símbolo de humildade e do estado de submissão ao mundo anterior em que ainda como profano se encontrava até receber a luz na altura em que é iniciado na ordem maçónica.

Quando o painel da loja era desenhado no chão costumava-se fazer o seu contorno com uma corda na qual se davam vários nós, em oito simples ou laços de amor, terminada em borla nas extremidades.

Esta corda é interpretada como elemento protetor do próprio templo separando as dimensões do profano e do sagrado cuja passagem era simbolicamente permitida através do espaço que separava as extremidades da corda.

Atualmente a corda que surge em torno do painel da loja apresenta um número variável de nós consoante o grau em que se realizam os trabalhos (no grau de aprendiz em número de três, no grau de companheiro cinco e no grau de mestre sete) e simboliza a cadeia de união espiritual que protege o templo.

A família única que todos os maçons da Terra devem formar é representada não só pelo Cordão Nodoso mas também pelo Pavimento Mosaico, pelas Romãs e pela Cadeia de União. O Pavimento dos templos, chão feito de mosaicos em xadrez de quadrados pretos e brancos, representa a diversidade do globo e das raças unidas pela maçonaria. Simboliza também a oposição dos contrários (bem/mal, espírito/corpo, luz e trevas). Este pavimento pode terminar em linha reta ou em cercadura / borda / orla dentada constituída por triângulos brancos e negros alternados. Esta borda dentada tem o mesmo significado que o cordão nodoso, que é a já referida cadeia de união espiritual que protege o templo.

A Romã é o símbolo dos maçons no mundo, unidos num ideal comum em perfeita harmonia, solidariedade e prosperidade entre eles, mas separados na sua individualidade e personalidade. Em número de três, as romãs decoram a parte superior do capitel das colunas “J” e “B”, e também surgem representadas no painel de loja no grau de aprendiz.

A Cadeia de União tem como representação material e permanente o cordão nodoso à volta do templo. Esta, é um ritual praticado em loja que tem lugar no encerramento das sessões ou nas sessões de iniciação, elevação ou exaltação de grau e que simboliza a união de todos os maçons. A Cadeia de União une-nos, maçons, no tempo e no espaço. Vem-nos do passado e tende para o futuro. Por ela nos ligamos aos Irmãos que outrora a formaram e por ela se devem unir todos os maçons de todos os países. 

A Cadeia de União é o único momento do ritual maçónico em que todos os Irmãos são verdadeiramente iguais entre si, em que a hierarquia deriva apenas da própria execução da Cadeia. Através da execução da referida Cadeia de União consegue-se o Laço Místico sendo este pois, a união entre os maçons que a compõem.

A Cadeia de União é assim a manifestação da verdadeira amizade comungada pelos obreiros que nela participam representando a “Lei do Amor Fraternal” base de toda a filosofia Maçónica. A Fraternidade, emblema da própria Ordem Maçónica, é como tal anunciada na abertura dos trabalhos mediante a aclamação em sintonia por todos os presentes: «Liberdade, Igualdade, Fraternidade».

A nobreza dos ideais maçónicos é indiscutível e os seus símbolos interrelacionam-se de tal forma que é impossível falar de cada um deles isoladamente, como acabou de acontecer.


Autor: João Bosco

quarta-feira, 14 de julho de 2021

As Antigas Obrigações e a Carta de Bolonha


O Preâmbulo:

Existe um vasto acervo de documentos históricos, profusamente anteriores à fundação da Grande Loja de Inglaterra, que serviram, em tempos idos, como estatutos e constituições para os denominados Maçons Operativos, os insuspeitos antecessores da maçonaria especulativa e que de facto exerciam a nobre profissão de construtores.

Estes escritos são referidos em Maçonaria de distintas formas, desde Antigos Manuscritos, Antigas Constituições, Lendas da Ordem, Manuscritos Góticos, Antigos Registos, entre outras; doravante consideremos a tradução mais próxima da nomenclatura original em língua inglesa de Old Charges e passemos a referir estes egrégios escritos como Antigas Obrigações.

Na sua fisionomia são encontrados na forma de papel manuscrito, rolos de pergaminho, laudas costuradas em forma de livro, e mesmo no formato impresso mais contemporâneo. Divergem em data de 1390 até o primeiro quarto do século XVIII, estando a sua maioria à guarda do Museu Britânico e da Biblioteca Maçónica de West Yorkshire, ambos em Inglaterra.

Estas Antigas Obrigações formam a base das constituições Maçónicas modernas e portanto da sua jurisprudência, acabando por estabelecer a continuidade da instituição maçónica por um período superior a cinco séculos, um testemunho de ancianidade que dificilmente se encontra noutras instituições. Acredita-se ainda que parte destas Antigas Obrigações eram utilizadas na iniciação dos maçons operativos e que, em muitos casos, funcionavam também como carta constitutiva destas lojas de operários.

O seu estudo sistemático começou apenas em meados do século passado, altura em que apenas eram reconhecidos em reduzido número, senão vejamos; em 1872 William Hughan listava 32 peças, em 1889 Gould listou 62 obras, e em 1895, novamente Hughan, tabulou 66 cópias manuscritas, 9 versões impressas e 11 versões perdidas. Esse número foi em crescendo até 1918, quando no Volume XXXI da publicação “Ars Quatuor Coronatorum”, são referenciadas 98 obras. Presentemente, e mantendo soberba controvérsia em torno quer da sua medida quer da sua virtude, as Antigas Obrigações já somam mais de 140 títulos.

Em epítome, a Maçonaria dispõe presentemente de um extenso leque de escritos, provenientes de distintos lugares e épocas, e com características tão variadas como intrincadas; muitos são essencialmente Cristãos, instruindo os deveres dos obreiros para com Deus, enquanto outros se limitam, e perdoem-me o eufemismo, a educar os obreiros sobre os preceitos necessários à sua vida quotidiana e  à sua profissão, elucidando-os dos deveres para com seus mestres, do modo de se comportarem nas assembleias, do método remuneratório, entre outros mandamentos.

É no entanto importante referir que, na sua generalidade, estes documentos carecem de conteúdo filosófico ou esotérico, distanciando-se em muito dos textos, manuais e rituais da Maçonaria moderna; pesa o facto de serem profusamente tradicionalistas, e portanto não devem, nem podem, ser lidos com a leviandade de uma banal história, mas antes ser alvo de um estudo cuidadoso e crítico, com o intuito de trazer mais luz sobre os primórdios da Maçonaria.

  

A História - um primeiro texto:

Mas comecemos como é cabido, isto é, pelo que julgamos ser o princípio; em 1757, o Rei George II outorgou ao Museu Britânico uma coleção de cerca de 12.000 volumes, que veio a ficar reputada como “A Biblioteca Real”. Entre estes livros constava um raro manuscrito de pergaminho, com 64 páginas de longuidão e com cerca de quatro por cinco polegadas de grandeza, que um catalogador, David Casley, registrou sob o título: “Um poema de Deveres Morais: aqui intitulado Constitutiones Artis Geometrie Secundem”.

Curiosamente, somente após ser redescoberto por um profano, de nome J. O. Halliwell, é que o até então aglomerado de folhas passou a ser reputado como um documento maçónico, firmando-se o seu destino com dois momentos distintos; quando em 1839 é lido um artigo pelo próprio perante a Sociedade de Antiquários, e quando 1940 é incluída uma sua transcrição na publicação intitulada História Antiga da Maçonaria na Inglaterra, também da autoria de J. O. Halliwell.

Conhecido como O Halliwell até à aproximadamente cinco décadas, é nessa ocasião rebatizado por Gould como Regius, em tributo à Biblioteca Real que desde cedo o acolheu, tomando então, e por fim, o nome de Poema Regius. Ainda que com elevado grau de incerteza, a maioria dos especialistas coloca a data de redação deste documento em torno de 1390.

De frisar que em 1889, um fac-símile  deste insigne manuscrito foi publicado no Volume I do Antigrapha da Loja Quatuor Coronati, evidência que terei todo o gáudio em partilhar.

Este manuscrito não é só único pela sua senioridade mas também por ser integralmente escrito em verso, substanciando o seu nome de Poema Regius. Na sua compostura tem cerca de 800 linhas, as primeiras 576 de conteúdo estritamente Maçónico e as restantes com um semblante sobre deveres morais, na qual existe uma clara veia Católica Romana, com referências explícitas aos sete pecados, à Virgem Maria e à água benta, razão pela qual alguns atribuam a sua escrita integral a um Eclesiástico Católico.

De regresso ao traçado das ditas 576 linhas, o documento fornece uma lista de quinze pontos e igual número de artigos, que na prática se traduzem em copiosas instruções sobre a conduta de um artesão, o que para muitos é considerado como sendo as obrigações de um iniciado à época, e o que acaba por sobressair como uma das mais relevantes qualidades desta obra.

Poema Regius, sendo evidentemente um documento sobre a Maçonaria, levanta no entanto algumas questões pertinentes, nomeadamente no seu excerto relativo às questões morais; é de fácil entendimento que estas regras de decoro seriam de todo inaplicáveis aos maçons operativos dos séculos XIV e XV, por razões óbvias à época, o que nos levanta imediatamente uma questão; seriam estes preceitos destinados à própria nobreza do Séc. XIV ou, por outro lado, terão existido entre os artesãos um certo número de homens que, não estando envolvidos com o trabalho operativo, seriam o que agora descreveríamos de especulativos?

Se considerarmos que os eruditos à época se dedicavam também à arquitetura, não há nenhuma razão para não admitirmos a existência de membros de famílias nobres entre estes artesãos, ou mesmo que este conjunto de regras de bem-estar se destinava a preservar o decoro destes artífices quando assíduos de grandes casas, quer fossem da nobreza quer fossem do clero.

Deixemos esta minúcia da história da Maçonaria a coberto do seu véu de incerteza.

 

A História - e um segundo texto:

Ulteriormente ao Poema Regius, o documento mais pretérito reconhecido é o Manuscrito de Cooke, publicado por R. Spencer em 1861, mais uma vez em Inglaterra, e datado pela maioria dos entendedores entre 1450 e 1490. A origem deste nome não tem qualquer mistério e provém do facto de ter sido editado no séc. XIX por Matthew Cooke.

Um ingrediente de grande relevo, é o facto deste manuscrito ter estado na posse do irmão George Payne, enquanto Grão-­Mestre, o mesmo que em 1720 compilou os Regulamentos Gerais, que por sua vez Anderson incluiu na sua própria versão das Constituições de Anderson publicada em 1723… mas essa é uma história ainda por contar.

À imagem da anterior obra, a Loja Quatuor Coronati republicou este manuscrito em fac-símile no Vol. II da sua Antigraphaem 1890, documento que providenciarei a quem o ensejar.

Na sua substância, o Manuscrito de Cooke assemelha-se a uma transcrição de um documento ainda mais provecto e tudo leva a crer que desta vez tenha sido redigido por um Maçom, considerando que à época havia em circulação múltiplas versões do que se poderia batizar de As Obrigações dos Maçons.

Também esta peça de encontra faccionada em duas secções; a primeira presenteia-nos com uns pingos de História da Arte, e a segunda e última parte, não é mais do que uma versão das referidas obrigações, para muitos conhecedores, que não é o presente caso, a sua versão mais antiga e pura. O seu texto menciona nove artigos, que na época seriam tidos como obrigações legais, e nove pontos adicionais, que muito possivelmente não teriam vínculo jurídico, mas sim e apenas moral. 

 

A História - muitos outros textos:

O repertório de documentos não sessa nem sequer atenua com os anos e tão é extensa como impossível de analisar e até de detalhar neste texto, mas salientam-se ainda assim: o Manuscrito de Dowland de 1500, o Manuscrito de Landsdowne de 1560, o Manuscrito da Grande Loja de 1583, o Manuscrito de York nº1 de 1600, o Manuscrito de Harleian nº 2054 de 1625, o Manuscrito de Sloane nº 3848 de 1646, o Manuscrito de Sloane nº 3323 de 1659, o Manuscrito de Harleian nº 1942 de 1660, o Manuscrito de Aitcheson-Haven de 1666, o Manuscrito de Edinburgh-Kilwinning de 1670, o Manuscrito de York nº 5 de 1670, o Manuscrito de York nº 6 de 1670, o Manuscrito Lodge of Antiquity de 1686, o Manuscrito de York nº 2 de 1693, o Manuscrito de Alnwick de 1701, o Manuscrito de York nº 4 de 1704, o Manuscrito de Papworth de 1714, entre muitos, muitos outros.

Ainda antes de circunscrever este tópico, e viajando para a geografia dos Estados Unidos da América, há que mencionar uma das mais relevantes de todas as versões das ditas Antigas Obrigações;  em rigor, não se trata verdadeiramente de um original antigo, mas antes uma edição impressa publicada em 1722, e conhecida como Roberts, que se crê ser uma cópia de um documento pretérito, tal como havia sucedido com o Manuscrito de Cooke. Este pequeno volume é sem dúvida uma das mais valiosas propriedades literária da Maçonaria dos Estados Unidos da América, onde reside, no acervo na biblioteca da Grande Loja de Iowa.

O seu texto reveste-se de sublime importância pois acredita-se ter tido uma influência decisiva sobre a literatura e a jurisprudência Maçónicas, em boa parte por ter surgido num dos períodos mais interessantes e ricos da nossa Augusta Ordem, mais concretamente entre 1717, ano da organização da primeira Grande Loja, e 1723 ano da publicação das já anteriormente mencionadas Constituições de Anderson.

  

Um Desfecho:

E é precisamente nesta data de 1723, que encontramos o tão ensejado desfecho desta história de mais de uma centena de anos a coligir escritos com mais de seis séculos de ancestralidade; é pois o momento de esgrimir algumas palavras sobre as já por duas vezes supramencionadas Constituições de Anderson.

Composto o nome da obra, é prudente referenciar antes de mais o seu homónimo autor, James Anderson; sobre o próprio sabe-se pouco, até mesmo se terá sido o verdadeiro autor; acredita-se que tenha sido nato, educado e iniciado na Escócia, tendo-se estabelecido mais tarde em Londres como padre presbiteriano. A primeira referência real à sua existência Maçónica é apenas a quando dos Procedimentos da Grande Loja de Inglaterra de 29 de Setembro de 1721, no ato da sua nomeação pelo Grão-Mestre John Montagu, para examinar, revisar e organizar a história, as obrigações e as regras da Antiga Fraternidade, ofício esse anuído pela Grande Loja de Inglaterra em 29 de Setembro de 1723, ano em que James Anderson exercia o cargo de Segundo Grande Vigilante, já sob o Grão Mestrado de Philip, Duque de Wharton.

O post-scriptum foi subscrito pelos mais notáveis dignatários, entre os quais o próprio Grão-Mestre, o Vice-Grão-Mestre, os Grandes Vigilantes e pelos Veneráveis Mestres e Vigilantes das então 20 Lojas existentes; nele se pronuncia que Anderson, para realizar a hercúlea tarefa de que fora incumbido, esquadrinhou cópias várias de documentos manuscritos, com proveniências tão diversas como Itália, Escócia e Inglaterra assim como de vários outros antigos arquivos maçónicos.

O documento per si, principia com uma dedicatória ao Past Grão-Mestre, o Duque de Montagu, elaborada pelo Vice-Grão-Mestre em exercício, John Teophilus Desaguliers, e sobrevém com um artigo dedicado à História da Maçonaria, a que se apensam as alíneas devotadas às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais, cessando com um post-scriptum, com a aprovação e finalmente com letras e pautas musicais de odes maçónicas.

A fração dedicada à história da Maçonaria, não é mais do que uma compilação de documentos da maçonaria operativa, coligida e emendada por Anderson; a conclusão, dedicada à toada, hoje pouco mais interesse tem do que o de curiosidade; a dedicatória, o post-scriptum e a aprovação são textos quase exclusivamente protocolares.

São os capítulos dedicados às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais que se revestem de particular interesse; o seu folhear e estudo profundo permite neles detetar não só muitos dos escritos provenientes das Antigas Obrigações, como também a origem de profusas variantes dos chamados Landmarks, ou princípios fundamentais da Maçonaria, assim como de algumas das regras ainda hoje em uso prático no seio da nossa Augusta Ordem.

O que este extenso opusculo teve de relevo ao longo dos tempos, não deveu à sua imutabilidade; logo em 1738, ano imediatamente anterior à morte de James Anderson, surge uma segunda edição do próprio, sobejamente modificada e ampliada, e em 1756 surge uma terceira edição, desta vez por intermédio de John Entick, e assim por diante até 1888, ano em que já se contabilizavam vinte e duas variantes.

Com tanto de primordial como de controverso, esta obra serve até hoje como base de inúmeras Constituições das Grandes Lojas da Maçonaria Simbólica, e por isso o seu estudo é de capital importância, ou não estivessem muitas das falsas conceções da Maçonaria diretamente relacionadas com a sua má interpretação, intencional ou não.

Sem tirar grandeza ao escrito nem ao seu literato, há absoluta necessidade de enquadrar as Constituições de Anderson na época e contexto em que foram redigidas; não que as qualidades e virtudes nela inscritas sejam mutáveis com passar dos anos, mas devemos compreender que se trata de uma narrativa que reproduz factos históricos de confiabilidade relativa, mas que, em boa parte devido ao prestígio quer do autor quer dos signatários do texto, acabaram por ser aceites pelas gerações seguintes.

Fica desde já o repto para um próximo trabalho dedicado em exclusivo a este escrito, não invalidando a sua leitura interessada no Volume VII do Antigrapha da Loja Quatuor Coronati, de 1790.


O recomeço da história:

Concluído este ensejo de factos, referências e documentos históricos, de certo modo universalmente aceites no seio da Maçonaria, recuemos a 1248, à cidade de Bolonha, onde no acervo do Arquivo de Estado da Cidade se encontra um curioso documento intitulado Statuta Ordinamenta Societatis Magistrorum Tapia et Lignamiis ou mais vulgarmente Carta de Bolonha; consta ter sido redigido originariamente em latim por um tabelião, por édito do Magistrado da cidade de Bolonha, Bonifacii De Cario, no dia 8 de Agosto de 1248.

A saber, à época todo corpo de ofício tinha a obrigação de publicar os seus estatutos de forma a lograr o reconhecimento do poder público, e a Carta de Bolonha conferia essa condição à sociedade dos Mestres da Construção e da Carpintaria, retratando fielmente a sua forma organizativa, com o intuito não só de proporcionar a enunciada existência legal, como de escudar o ofício nos planos financeiro, ético e moral.

O texto em si compõe-se de 61 artigos que descrevem detalhadamente as atividades e deveres daquela sociedade e dos seus membros nominando, entre outros preceitos, as regras de ingresso na sociedade, as sansões, os direitos, deveres e relações sociais entre os seus membros, a forma de divisão de tarefas, o comportamento nas assembleias, o tempo necessário ao grau de aprendiz, a escolha dos dirigentes e dos cargos, as contribuições pecuniárias e respetivas multas, os locais de reunião (na época aprazado como a Igreja de São Pedro, catedral de Bolonha), assim como um conjunto de regras quase de âmbito moral, contemplando a forma de auxílio na doença e na morte, a forma de homenagem aos membros falecidos, entre outros.

Uma minudência intrigante, prende-se com o facto de estes estatutos obrigarem os membros da associação a manter um caderno, deixando claro que estes possuíam a mestria dos instrumentos de escrita, elemento de proeminente relevo se considerarmos que à época a maioria da população seria iletrada.

Estabelecendo um traçado cronológico, estes estatutos de 1248 foram sucedidos pelos de 1254/1256, publicados somente em 1262, e posteriormente pelas revisões de 1335 e de 1336; este último documento teve uma longevidade extraordinária, mantendo-se em vigência e sem ser adulterado até 1797 na Sociedade dos Mestres Maçons, ano em que esta é enfim extinta por Napoleão Bonaparte.

A verdade é que a Carta de Bolonha é ignorada de forma quase incompreensível pelos estudiosos da história da Maçonaria, até que em 1899 esta acaba por ser finalmente publicada por A. Gaudenzi no nº 21 do Boletim do Instituto Histórico Italiano, sob o título As Sociedades das Artes de Bolonha - seus Estatutos e seus Membros.

Consciente da mais que provável relevância histórica deste documento, Eugenio Bonvicini, um Maçon, publica em 1982 o seu texto integral, inserido num ensaio de sua autoria, tendo inclusive formalizando a sua apresentação ao universo Maçónico no Congresso Nacional dos Sublimes Areópagos da Itália do Rito Escocês Antigo e Aceito, reunido naquele ano em Bolonha.

O conteúdo da Carta de Bolonha acaba por ser amplamente difundido através de três momentos distintos no tempo; em 1984 surge na Revista Pentalfa de Florença, mais tarde em 1986 desponta numa publicação de Carlo Manelli sob o título Maçonaria em Bolonha e em 1988, novamente pela mão de Eugenio Bonvicini, se inscreve numa publicação sob o título Maçonaria do Rito Escocês.

Em suma, e ainda que não formalmente reconhecido, a Carta de Bolonha aparenta ser o mais antigo documento maçónico sobre a Maçonaria Operativa, antecedendo em 142 anos o Poema Regius e em quase 200 anos o Manuscrito Cooke.

Para ao mais ousados, perdura uma transcrição integral deste manuscrito, adornada com retratos do documento original, num livro intitulado Em Bolonha, Arte e Sociedade, desde suas Origens até ao Século XVIII, publicado em 1981 pelo Collegio dei Costruttori Edili di Bologna, exemplar que poderei partilhar com todos os Irmãos.

 

Uma Conclusão:

Como sinopse, eis-nos defronte de um manuscrito, a citada Carta de Bolonha, com tanto de profuso valor histórico, como de questionável validade Maçónica, que antecede em quase um século e meio aos mais antigos documentos de referência até então conhecidos, e que não só comprova a existência da Maçonaria Operativa e a sua evolução histórica, como também ilustra a sua evolução social.

Será pois que este documento deva ser considerado como uma Antiga Obrigação, e muito em particular como a mais secular conhecida?

Fazendo uma análise com tanto de crítico como de especulativo, fica claro pelo conteúdo da Carta de Bolonha que a Maçonaria Operativa em Itália, além de ser muito vetusta e profundamente tradicional, continha uma sólida estrutura hierárquica; estando Bolonha a pouco mais de 300Km de distância de Roma, haverá alguma razão para duvidarmos de que essa antiga Associação de Construtores de Bolonha não possa ser a evolução natural de uma das Guildas Romanas?

Dos vários anexos da Carta de Bolonha, conserva-­se uma Lista de Matrícula, registrada em 1272, e que contém 371 nomes de Mestres Maçons, dos quais 2 eram escrivães públicos, outros 2 eram frades e 6 eram nobres; será esta uma aparente ser uma prova histórica, ainda que algo difusa, de que em pleno século XIII, já emanava algo de Especulativo de dentro da maçonaria Operativa? Seja como for, é um sussurro que indubitavelmente reforça a importância deste texto.

Mas a grande controvérsia em torno da Carta de Bolonha prende-se talvez com as razões pelas quais esta foi ignorada e desconsiderada no seio da Maçonaria moderna; poderá a verdade relacionar-se com o facto de este documento parecer indiciar que, e contrariamente ao que está escrito, a Maçonaria pré‐especulativa não teria surgido em Inglaterra, mas sim em Itália, país que não sofreu a desconstrução protestante e se manteve essencialmente Católico. Terá sido com o propósito de reforçar a origem Anglo Saxónica da maçonaria que a Carta de Bolonha foi esquecida todos estes séculos? Fica a incerteza.

Mas a sua importância não cessa na sua antiguidade; por casualidade, ou talvez não, o conteúdo da Carta de Bolonha acaba por ratificar vários pontos das Constituições de Anderson de 1723; recordemos que Anderson asseverou então tê-las redigido depois de consultar provectos documentos e regulamentos da Maçonaria Operativa de distintos países, incluindo Itália de onde a nossa carta é originária.

Reunindo os factos, parece ser evidente que não só a Carta de Bolonha é um dos documentos históricos mais importantes da nossa Instituição, como também fica patente a presença dos Aceitos na Maçonaria dos Antigos e Livres à pelo menos 800 anos, denote-se, em coexistência com a Ordem Templária.

 

Uma Contestação

Mas como bons especulativos, façamos agora uma análise crítica e mais aprofundada das Antigas Obrigações, pelo menos daquelas que são reconhecidas como tal, em antinomia com a Carta de Bolonha.

Os primeiros são manuscritos redigidos durante a Idade Média que contêm a história lendária e os regulamentos mais provectos dos Maçons Operativos. Neles encontra-se um grande número de interessantes informações sobre o quotidiano do trabalho na Idade Média, assim como muitas frases e expressões que têm claro paralelo nos rituais modernos.

Já a Carta de Bolonha parece estabelecer as regras a serem seguidas pelos mestres pedreiros e carpinteiros, pois a sociedade era formada por ambos os ofícios, pressagiando penalidades monetárias para os infringentes. No seu artigo sétimo, colidimos com o facto de que qualquer correspondente mestre pedreiro ou carpinteiro tinha direito de ingresso na sociedade, mediante o descomplicado emolumento de dez salários de Bolonha para os moradores da cidade ou do condado, e de vinte salários para aqueles que não o fossem, ficando isentos os descendentes dos já filiados na sociedade.

O facto de permitir a admissão a qualquer mestre artesão, de imiscuir as referências aos segredos profissionais da ordem, que indubitavelmente existiriam, assim como o facto de segregar uma qualquer história lendária do ofício, limitando-se a regulamentar o trabalho dos seus obreiros, poderá levar alguns a desclassificar este documento como uma Antiga Obrigação; tal conjetura é também perfeitamente válida.

  

Um Pensamento

Em maçonaria não há verdades absolutas, ou não fosse a maçonaria composta de homens, homens que anuem, cogitam, opinam, acertam e erram; homens que acima de tudo conjeturam, e talvez por isso o desfecho desta prosa deva ficar velado no arbítrio de cada um dos seus leitores.

Sejamos livres-pensadores, com a despretensão que deve caraterizar qualquer homem livre e de bons costumes, na forma das palavras de Álvaro de Campos na sua poesia maior Tabacaria:

 

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Autor: Álvaro de Campos