O Preâmbulo:
Existe um vasto acervo de documentos históricos,
profusamente anteriores à fundação da Grande Loja de Inglaterra, que serviram, em
tempos idos, como estatutos e constituições para os denominados Maçons
Operativos, os insuspeitos antecessores da maçonaria especulativa e que de
facto exerciam a nobre profissão de construtores.
Estes escritos são referidos em Maçonaria de distintas
formas, desde Antigos Manuscritos, Antigas Constituições, Lendas da Ordem,
Manuscritos Góticos, Antigos Registos, entre outras; doravante consideremos a
tradução mais próxima da nomenclatura original em língua inglesa de Old Charges e passemos a referir estes egrégios
escritos como Antigas Obrigações.
Estas Antigas Obrigações formam a base das
constituições Maçónicas modernas e portanto da sua jurisprudência, acabando por
estabelecer a continuidade da instituição maçónica por um período superior a
cinco séculos, um testemunho de ancianidade que dificilmente se encontra
noutras instituições. Acredita-se ainda que parte destas Antigas Obrigações eram
utilizadas na iniciação dos maçons operativos e que, em muitos casos,
funcionavam também como carta constitutiva destas lojas de operários.
O seu estudo sistemático começou apenas em meados do século passado, altura em que apenas eram reconhecidos em reduzido número, senão vejamos; em 1872 William Hughan listava 32 peças, em 1889 Gould listou 62 obras, e em 1895, novamente Hughan, tabulou 66 cópias manuscritas, 9 versões impressas e 11 versões perdidas. Esse número foi em crescendo até 1918, quando no Volume XXXI da publicação “Ars Quatuor Coronatorum”, são referenciadas 98 obras. Presentemente, e mantendo soberba controvérsia em torno quer da sua medida quer da sua virtude, as Antigas Obrigações já somam mais de 140 títulos.
Em epítome, a Maçonaria dispõe presentemente de um extenso leque de escritos, provenientes de distintos lugares e épocas, e com características tão variadas como intrincadas; muitos são essencialmente Cristãos, instruindo os deveres dos obreiros para com Deus, enquanto outros se limitam, e perdoem-me o eufemismo, a educar os obreiros sobre os preceitos necessários à sua vida quotidiana e à sua profissão, elucidando-os dos deveres para com seus mestres, do modo de se comportarem nas assembleias, do método remuneratório, entre outros mandamentos.
É no entanto importante referir que, na sua
generalidade, estes documentos carecem de conteúdo filosófico ou esotérico,
distanciando-se em muito dos textos, manuais e rituais da Maçonaria moderna;
pesa o facto de serem profusamente tradicionalistas, e portanto não devem, nem
podem, ser lidos com a leviandade de uma banal história, mas antes ser alvo de
um estudo cuidadoso e crítico, com o intuito de trazer mais luz sobre os
primórdios da Maçonaria.
A História - um primeiro texto:
Mas comecemos como é cabido, isto é, pelo que
julgamos ser o princípio; em 1757, o Rei George II outorgou ao Museu Britânico
uma coleção de cerca de 12.000 volumes, que veio a ficar reputada como “A
Biblioteca Real”. Entre estes livros constava um raro manuscrito de pergaminho,
com 64 páginas de longuidão e com cerca de quatro por cinco polegadas de
grandeza, que um catalogador, David Casley, registrou sob o título: “Um poema
de Deveres Morais: aqui intitulado Constitutiones
Artis Geometrie Secundem”.
Curiosamente, somente após ser redescoberto
por um profano, de nome J. O. Halliwell, é que o até então aglomerado de folhas
passou a ser reputado como um documento maçónico, firmando-se o seu
destino com dois momentos distintos; quando em 1839 é lido um artigo pelo
próprio perante a Sociedade de Antiquários, e quando 1940 é incluída uma sua
transcrição na publicação intitulada História Antiga da Maçonaria na
Inglaterra, também da autoria de J.
O. Halliwell.
Conhecido como O Halliwell até à
aproximadamente cinco décadas, é nessa ocasião rebatizado por Gould como Regius,
em tributo à Biblioteca Real que desde cedo o acolheu, tomando então, e por fim,
o nome de Poema Regius. Ainda que com elevado grau de incerteza, a maioria
dos especialistas coloca a data de redação deste documento em torno de 1390.
De frisar que em 1889, um fac-símile
deste insigne manuscrito foi publicado no Volume I do Antigrapha da
Loja Quatuor Coronati, evidência que terei todo o gáudio em partilhar.
Este manuscrito não é só único pela sua senioridade
mas também por ser integralmente escrito em verso, substanciando o seu nome de Poema
Regius. Na sua compostura tem cerca de 800 linhas, as primeiras 576 de
conteúdo estritamente Maçónico e as restantes com um semblante sobre deveres
morais, na qual existe uma clara veia Católica Romana, com referências explícitas
aos sete pecados, à Virgem Maria e à água benta, razão pela qual alguns atribuam a sua escrita integral a
um Eclesiástico Católico.
De regresso ao traçado das ditas 576 linhas, o
documento fornece uma lista de quinze pontos e igual número de artigos, que na
prática se traduzem em copiosas instruções sobre a conduta de um artesão, o que
para muitos é considerado como sendo as obrigações de um iniciado à época, e o
que acaba por sobressair como uma das mais relevantes qualidades desta obra.
O Poema Regius, sendo evidentemente
um documento sobre a Maçonaria, levanta no entanto algumas questões
pertinentes, nomeadamente no seu excerto relativo às questões morais; é de
fácil entendimento que estas regras de decoro seriam de todo inaplicáveis aos
maçons operativos dos séculos
XIV e XV, por razões óbvias à época, o que nos levanta imediatamente
uma questão; seriam estes preceitos destinados à própria nobreza do Séc. XIV ou,
por outro lado, terão existido entre os artesãos um certo número de
homens que, não estando envolvidos com o trabalho operativo, seriam o que agora
descreveríamos de especulativos?
Se considerarmos que os eruditos à época se
dedicavam também à arquitetura, não há nenhuma razão para não admitirmos a
existência de membros de famílias nobres entre estes artesãos, ou mesmo que
este conjunto de regras de bem-estar se destinava a preservar o decoro destes artífices
quando assíduos de grandes casas, quer fossem da nobreza quer fossem do clero.
Deixemos esta minúcia da história da Maçonaria a
coberto do seu véu de incerteza.
A História - e um segundo texto:
Ulteriormente ao Poema Regius, o documento
mais pretérito reconhecido é o Manuscrito
de Cooke, publicado por R.
Spencer em 1861, mais uma vez em Inglaterra, e datado pela maioria dos entendedores
entre 1450 e 1490. A origem deste nome não tem qualquer mistério e provém do
facto de ter sido editado no séc. XIX por Matthew Cooke.
Um ingrediente de grande relevo, é o facto deste
manuscrito ter estado na posse do irmão George Payne, enquanto Grão-Mestre, o
mesmo que em 1720 compilou os Regulamentos Gerais, que por sua vez Anderson
incluiu na sua própria versão das Constituições de Anderson publicada em
1723… mas essa é uma história ainda por contar.
À imagem da anterior obra, a Loja Quatuor Coronati republicou este
manuscrito em fac-símile no Vol. II da sua Antigraphaem 1890, documento que providenciarei a quem o ensejar.
Na sua substância, o Manuscrito de Cooke assemelha-se a uma transcrição de um documento ainda
mais provecto e tudo leva a crer que desta vez tenha sido redigido por um Maçom,
considerando que à época havia em circulação múltiplas versões do que se
poderia batizar de As Obrigações dos Maçons.
Também esta peça de encontra faccionada em duas secções;
a primeira presenteia-nos com uns pingos de História da Arte, e a segunda e
última parte, não é mais do que uma versão das referidas obrigações, para muitos conhecedores,
que não é o presente caso, a sua versão mais antiga e pura. O seu texto
menciona nove artigos, que na época seriam tidos como obrigações legais, e nove
pontos adicionais, que muito possivelmente não teriam vínculo jurídico, mas sim
e apenas moral.
A História - muitos outros textos:
O repertório de documentos não sessa nem sequer atenua
com os anos e tão é extensa como impossível de analisar e até de detalhar neste
texto, mas salientam-se ainda assim: o Manuscrito de Dowland de 1500, o
Manuscrito de Landsdowne de 1560, o Manuscrito da Grande Loja de 1583, o
Manuscrito de York nº1 de 1600, o Manuscrito de Harleian nº 2054 de 1625, o
Manuscrito de Sloane nº 3848 de 1646, o Manuscrito de Sloane nº 3323 de 1659, o
Manuscrito de Harleian nº 1942 de 1660, o Manuscrito de Aitcheson-Haven de 1666,
o Manuscrito de Edinburgh-Kilwinning de 1670, o Manuscrito de York nº 5 de 1670,
o Manuscrito de York nº 6 de 1670, o Manuscrito Lodge of Antiquity de 1686, o
Manuscrito de York nº 2 de 1693, o Manuscrito de Alnwick de 1701, o Manuscrito
de York nº 4 de 1704, o Manuscrito de Papworth de 1714, entre muitos, muitos
outros.
Ainda antes de circunscrever este tópico, e viajando
para a geografia dos Estados Unidos da América, há que mencionar uma das mais relevantes
de todas as versões das ditas Antigas Obrigações; em rigor, não se trata verdadeiramente
de um original antigo, mas antes uma edição impressa publicada em 1722, e
conhecida como Roberts, que se crê ser uma cópia de um documento pretérito,
tal como havia sucedido com o Manuscrito de Cooke. Este
pequeno volume é sem dúvida uma das mais valiosas propriedades literária da
Maçonaria dos Estados Unidos da América, onde reside, no acervo na biblioteca
da Grande Loja de Iowa.
O seu texto reveste-se de sublime importância pois
acredita-se ter tido uma influência decisiva sobre a literatura e a
jurisprudência Maçónicas, em boa parte por ter surgido num dos períodos mais
interessantes e ricos da nossa Augusta Ordem, mais concretamente entre 1717,
ano da organização da primeira Grande Loja, e 1723 ano da publicação das já
anteriormente mencionadas Constituições de Anderson.
Um Desfecho:
E é precisamente nesta data de 1723, que
encontramos o tão ensejado desfecho desta história de mais de uma centena de
anos a coligir escritos com mais de seis séculos de ancestralidade; é pois o
momento de esgrimir algumas palavras sobre as já por duas vezes supramencionadas
Constituições de Anderson.
Composto o nome da obra, é prudente referenciar antes
de mais o seu homónimo autor, James Anderson; sobre o próprio sabe-se pouco,
até mesmo se terá sido o verdadeiro autor; acredita-se que tenha sido nato, educado e iniciado na Escócia,
tendo-se estabelecido mais tarde em Londres como padre presbiteriano. A
primeira referência real à sua existência Maçónica é apenas a quando dos
Procedimentos da Grande Loja de Inglaterra de 29 de Setembro de 1721, no ato da
sua nomeação pelo Grão-Mestre John Montagu, para examinar, revisar e organizar a história, as obrigações e as
regras da Antiga Fraternidade, ofício
esse anuído pela Grande Loja de Inglaterra em 29 de Setembro de 1723, ano em
que James Anderson exercia o cargo de Segundo Grande Vigilante, já sob o Grão
Mestrado de Philip, Duque de Wharton.
O post-scriptum
foi subscrito pelos mais notáveis dignatários, entre os quais o próprio Grão-Mestre,
o Vice-Grão-Mestre, os Grandes Vigilantes e pelos Veneráveis Mestres e
Vigilantes das então 20 Lojas existentes; nele se pronuncia que Anderson, para
realizar a hercúlea tarefa de que fora incumbido, esquadrinhou cópias várias de
documentos manuscritos, com proveniências tão diversas como Itália, Escócia e
Inglaterra assim como de vários outros antigos arquivos maçónicos.
O documento per si, principia com uma dedicatória ao Past Grão-Mestre, o Duque de Montagu, elaborada pelo Vice-Grão-Mestre em exercício, John Teophilus Desaguliers, e sobrevém com um artigo dedicado à História da Maçonaria, a que se apensam as alíneas devotadas às Obrigações dos Maçons e às Regras Gerais, cessando com um post-scriptum, com a aprovação e finalmente com letras e pautas musicais de odes maçónicas.
A fração dedicada à história da Maçonaria, não é
mais do que uma compilação de documentos da maçonaria operativa, coligida e
emendada por Anderson; a conclusão, dedicada à toada, hoje pouco mais interesse
tem do que o de curiosidade; a dedicatória, o post-scriptum e a aprovação são textos quase exclusivamente protocolares.
São os capítulos dedicados às Obrigações dos
Maçons e às Regras Gerais que se revestem de particular interesse; o seu
folhear e estudo profundo permite neles detetar não só muitos dos escritos
provenientes das Antigas Obrigações,
como também a origem de profusas variantes dos chamados Landmarks, ou princípios fundamentais da
Maçonaria, assim como de algumas das regras ainda hoje em uso prático no seio
da nossa Augusta Ordem.
O que este extenso opusculo teve de relevo ao longo dos tempos, não deveu à sua imutabilidade; logo em 1738, ano imediatamente anterior à morte de James Anderson, surge uma segunda edição do próprio, sobejamente modificada e ampliada, e em 1756 surge uma terceira edição, desta vez por intermédio de John Entick, e assim por diante até 1888, ano em que já se contabilizavam vinte e duas variantes.
Com tanto de primordial como de controverso,
esta obra serve até hoje como base de inúmeras Constituições das Grandes Lojas da
Maçonaria Simbólica, e por isso o seu estudo é de capital importância, ou não
estivessem muitas das falsas conceções da Maçonaria diretamente relacionadas
com a sua má interpretação, intencional ou não.
Sem tirar grandeza ao escrito nem ao seu literato, há absoluta necessidade de enquadrar as Constituições de Anderson na época e contexto em que foram redigidas; não que as qualidades e virtudes nela inscritas sejam mutáveis com passar dos anos, mas devemos compreender que se trata de uma narrativa que reproduz factos históricos de confiabilidade relativa, mas que, em boa parte devido ao prestígio quer do autor quer dos signatários do texto, acabaram por ser aceites pelas gerações seguintes.
Fica desde já o repto para um próximo trabalho
dedicado em exclusivo a este escrito, não invalidando a sua leitura interessada
no Volume VII do Antigrapha da Loja Quatuor Coronati, de 1790.
O recomeço da história:
Concluído este ensejo de factos, referências e
documentos históricos, de certo modo universalmente aceites no seio da
Maçonaria, recuemos a 1248, à cidade de Bolonha, onde no acervo do Arquivo de
Estado da Cidade se encontra um curioso documento intitulado Statuta Ordinamenta Societatis Magistrorum
Tapia et Lignamiis ou mais vulgarmente Carta
de Bolonha; consta ter sido redigido originariamente em latim por um
tabelião, por édito do Magistrado da cidade de Bolonha, Bonifacii De Cario, no
dia 8 de Agosto de 1248.
A saber, à época todo corpo de ofício tinha a
obrigação de publicar os seus estatutos de forma a lograr o reconhecimento do
poder público, e a Carta de Bolonha conferia
essa condição à sociedade dos Mestres da Construção e da Carpintaria,
retratando fielmente a sua forma organizativa, com o intuito não só de proporcionar
a enunciada existência legal, como de escudar o ofício nos planos financeiro,
ético e moral.
O texto em si compõe-se de 61 artigos que descrevem detalhadamente as atividades e deveres daquela sociedade e dos seus membros nominando, entre outros preceitos, as regras de ingresso na sociedade, as sansões, os direitos, deveres e relações sociais entre os seus membros, a forma de divisão de tarefas, o comportamento nas assembleias, o tempo necessário ao grau de aprendiz, a escolha dos dirigentes e dos cargos, as contribuições pecuniárias e respetivas multas, os locais de reunião (na época aprazado como a Igreja de São Pedro, catedral de Bolonha), assim como um conjunto de regras quase de âmbito moral, contemplando a forma de auxílio na doença e na morte, a forma de homenagem aos membros falecidos, entre outros.
Uma minudência intrigante, prende-se com o facto
de estes estatutos obrigarem os membros da associação a manter um caderno,
deixando claro que estes possuíam a mestria dos instrumentos de escrita, elemento
de proeminente relevo se considerarmos que à época a maioria da população seria
iletrada.
Estabelecendo um traçado cronológico, estes estatutos
de 1248 foram sucedidos pelos de 1254/1256, publicados somente em 1262, e
posteriormente pelas revisões de 1335 e de 1336; este último documento teve uma
longevidade extraordinária, mantendo-se em vigência e sem ser adulterado até 1797
na Sociedade dos Mestres Maçons, ano
em que esta é enfim extinta por Napoleão Bonaparte.
A verdade é que a Carta de Bolonha é ignorada de forma quase incompreensível pelos
estudiosos da história da Maçonaria, até que em 1899 esta acaba por ser finalmente
publicada por A. Gaudenzi no nº 21 do
Boletim do Instituto Histórico Italiano, sob o título As Sociedades das Artes de Bolonha - seus Estatutos e seus Membros.
Consciente da mais que provável relevância histórica
deste documento, Eugenio Bonvicini, um Maçon, publica em 1982 o seu texto integral,
inserido num ensaio de sua autoria, tendo inclusive formalizando a sua
apresentação ao universo Maçónico no Congresso
Nacional dos Sublimes Areópagos da Itália do Rito Escocês Antigo e Aceito, reunido
naquele ano em Bolonha.
O conteúdo da Carta de Bolonha acaba por ser amplamente difundido através de três
momentos distintos no tempo; em 1984 surge na Revista Pentalfa de Florença, mais tarde em 1986 desponta numa publicação
de Carlo Manelli sob o título Maçonaria
em Bolonha e em 1988, novamente pela mão de Eugenio Bonvicini, se inscreve numa
publicação sob o título Maçonaria do Rito
Escocês.
Em suma, e ainda que não formalmente
reconhecido, a Carta de Bolonha aparenta
ser o mais antigo documento maçónico sobre a Maçonaria Operativa, antecedendo em
142 anos o Poema Regius e em quase
200 anos o Manuscrito Cooke.
Para ao mais ousados, perdura uma transcrição
integral deste manuscrito, adornada com retratos do documento original, num
livro intitulado Em Bolonha, Arte e
Sociedade, desde suas Origens até ao Século XVIII, publicado em 1981 pelo Collegio dei Costruttori Edili di Bologna,
exemplar que poderei partilhar com todos os Irmãos.
Uma Conclusão:
Como sinopse, eis-nos defronte de um manuscrito,
a citada Carta de Bolonha, com tanto
de profuso valor histórico, como de questionável validade Maçónica, que antecede
em quase um século e meio aos mais antigos documentos de referência até então
conhecidos, e que não só comprova a existência da Maçonaria Operativa e a sua
evolução histórica, como também ilustra a sua evolução social.
Será pois que este documento deva ser
considerado como uma Antiga Obrigação,
e muito em particular como a mais secular conhecida?
Fazendo uma análise com
tanto de crítico como de especulativo, fica claro pelo conteúdo da Carta de Bolonha que a Maçonaria
Operativa em Itália, além de ser muito vetusta e profundamente tradicional,
continha uma sólida estrutura hierárquica; estando Bolonha a pouco mais de
300Km de distância de Roma, haverá alguma razão para duvidarmos de que essa
antiga Associação de Construtores de Bolonha não possa ser a evolução natural de
uma das Guildas Romanas?
Dos vários anexos da Carta de Bolonha, conserva-se uma Lista de Matrícula, registrada em 1272, e que contém 371 nomes de Mestres Maçons, dos quais 2 eram escrivães públicos, outros 2 eram frades e 6 eram nobres; será esta uma aparente ser uma prova histórica, ainda que algo difusa, de que em pleno século XIII, já emanava algo de Especulativo de dentro da maçonaria Operativa? Seja como for, é um sussurro que indubitavelmente reforça a importância deste texto.
Mas a grande controvérsia em torno da Carta de Bolonha prende-se talvez com as
razões pelas quais esta foi ignorada e desconsiderada no seio da Maçonaria
moderna; poderá a verdade relacionar-se com o facto de este documento parecer
indiciar que, e contrariamente ao que está escrito, a Maçonaria pré‐especulativa
não teria surgido em Inglaterra, mas sim em Itália, país que não sofreu a desconstrução
protestante e se manteve essencialmente Católico. Terá sido com o propósito de reforçar
a origem Anglo Saxónica da maçonaria que a Carta
de Bolonha foi esquecida todos
estes séculos? Fica a incerteza.
Mas a sua importância não cessa na sua
antiguidade; por casualidade, ou talvez não, o conteúdo da Carta de Bolonha acaba por ratificar vários pontos das Constituições de Anderson de 1723;
recordemos que Anderson asseverou então tê-las redigido depois de consultar
provectos documentos e regulamentos da Maçonaria Operativa de distintos países,
incluindo Itália de onde a nossa carta é originária.
Reunindo os factos, parece ser evidente que não
só a Carta de Bolonha é um dos
documentos históricos mais importantes da nossa Instituição, como também fica
patente a presença dos Aceitos na Maçonaria
dos Antigos e Livres à pelo menos 800
anos, denote-se, em coexistência com a Ordem Templária.
Uma Contestação
Mas como bons especulativos, façamos agora uma
análise crítica e mais aprofundada das Antigas
Obrigações, pelo menos daquelas que são reconhecidas como tal, em antinomia
com a Carta de Bolonha.
Os primeiros são manuscritos redigidos durante a
Idade Média que contêm a história lendária e os regulamentos mais provectos dos
Maçons Operativos. Neles encontra-se um grande número de interessantes
informações sobre o quotidiano do trabalho na Idade Média, assim como muitas
frases e expressões que têm claro paralelo nos rituais modernos.
Já a Carta de Bolonha parece estabelecer as regras a serem seguidas pelos mestres pedreiros e carpinteiros, pois a sociedade era formada por ambos os ofícios, pressagiando penalidades monetárias para os infringentes. No seu artigo sétimo, colidimos com o facto de que qualquer correspondente mestre pedreiro ou carpinteiro tinha direito de ingresso na sociedade, mediante o descomplicado emolumento de dez salários de Bolonha para os moradores da cidade ou do condado, e de vinte salários para aqueles que não o fossem, ficando isentos os descendentes dos já filiados na sociedade.
O facto de permitir a admissão a qualquer mestre
artesão, de imiscuir as referências aos segredos profissionais da ordem, que indubitavelmente
existiriam, assim como o facto de segregar uma qualquer história lendária do ofício,
limitando-se a regulamentar o trabalho dos seus obreiros, poderá levar alguns a
desclassificar este documento como uma Antiga
Obrigação; tal conjetura é também perfeitamente válida.
Um Pensamento
Em maçonaria não há verdades absolutas, ou não
fosse a maçonaria composta de homens, homens que anuem, cogitam, opinam,
acertam e erram; homens que acima de tudo conjeturam, e talvez por isso o
desfecho desta prosa deva ficar velado no arbítrio de cada um dos seus
leitores.
Sejamos livres-pensadores, com a despretensão
que deve caraterizar qualquer homem livre e de bons costumes, na forma das palavras
de Álvaro de Campos na sua poesia maior Tabacaria:
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