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quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Zeca Afonso - Canção de Embalar




Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será pra ti 
ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô (bis) 
Outra que eu souber na noite escura 
Sobre o teu sorriso de encantar 
Ouvirás cantando nas alturas 
Trovas e cantigas de embalar 
ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô (bis) 
Trovas e cantigas muito belas 
Afina a garganta meu cantor 
Quando a luz se apaga nas janelas 
Perde a estrela d'alva o seu fulgor 
ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô (bis) 
Perde a estrela d'alva pequenina 
Se outra não vier para a render 
Dorme que ainda à noite é uma menina 
Deixa-a vir também adormecer 
ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô (bis)


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Gustavo, apresento-me

A data estava marcada com hora incerta para o momento final. 
No entanto, eram exactamente meio-dia, do dia 24 de Maio de 2002, quando me foi pedido para entrar numa sala e aguardar.
Era a primeira vez, desconhecia por completo aquele ambiente, era como se estivesse de olhos vendados. O lugar era frio, sinistro e deveras impressionante, ambiente propicio a meditação e pensamento. 
Não estava sozinho, mas sentia-me só, estou acompanhado com mais duas pessoas que não conheço mas que esperam pelo mesmo acontecimento. Envolvidos todos na mística que nos rodeia, não conseguíamos disfarçar o nervosismo que impera neste espaço.
Sozinho na minha espera, a ansiedade apoderou-se de mim, pensei por longos momentos, que tudo iria mudar na minha vida e o quanto prestes estava para acontecer. Estou a breves momentos, de triplicar a responsabilidade que faz de mim um homem de bons costumes e com o dever de transmitir aos outros valores sociais tão importantes como a justiça, respeito, honestidade e rectidão. 
Ruídos estranhos e barulhos constantes rompem pelas brechas da porta que me separa da acção, .…. são ecos longínquos que vão despertando os meus medos e receios. 
Algum tempo depois, entra alguém com um formulário de poucas e concretas perguntas para preencher. Sentei-me na mesa colocada de frente do janelão espelhado, aproximando-me do candeeiro com lâmpadas em forma de vela para que a escrita fosse perfeita. Á medida que preenchia a minha mente refugiava-se em Deus e na minha Família. Naquele momento nada era importante, dinheiro, bens materiais e tempo, eram coisas fúteis, a situação assim o proporcionava, era só eu e os meus pensamentos de reflexão para com o mundo, na esperança que tudo corresse bem. 

Tudo o que queria saber, era o que se passava lá fora ou lá dentro, perto do acontecimento, pensava em tudo e em todos, dava a volta ao meu mundo num curto espaço de tempo, como se estivesse a definir e redefinir a minha pessoa. Estava a acusar a responsabilidade de nove meses de preparação para um novo amanhã. 
Também pensava em todas as pessoas do mundo, pessoas com dificuldades, pessoas que nunca lhes foi dado uma oportunidade para sorrir como eu espero sorrir, pessoas que levaram uma vida recta e nunca puderam saborear uma situação fraternal. Enfim, pessoas de outro contexto, com vidas complicadas. 
Estava na eminência de alterar a minha vida, iriam chamar-me a qualquer instante e não sei se estou preparado para agarrar o que me espera ou para o que esperam de mim. Mas naquele momento estava decidido a consolidar tudo o que de bom me ensinaram para ser capaz de o difundir junto dos que amo. O relógio era o objecto, entre os outros da sala, o mais olhado, as horas pareciam intermináveis, tornando-me pequenino por não poder de controlar o momento. São nestas alturas que damos valor ao que temos e ao que queremos manter a todo custo, pois nada é garantido, tudo é efémero. Percebemos que a vida é uma passagem e todas as decisões tomadas definem-te o homem que és. Encontras-te num momento de auto-critica, deveras pesado para quem vai assumir um novo cargo na sociedade. 

Eis que sou chamado, cego pela escuridão e sem noção do espaço pelo qual caminho, aproximo-me daquilo que hoje sei ser, o lugar do acontecimento, trémulo e sem controlo no discurso, fui respondendo e validando as informações que apresentei anteriormente, e tentando discretamente saber o que se estava a passar de forma a confortar-me. 
Sentia um ambiente carregado de pressão sobre mim, como se me estivessem a avaliar na prova da minha vida, e continuavam a não me dar novidades, só queria era que tudo terminasse em bem.
De volta á câmara ou á sala de espera da maternidade, já não tenho posição de estar, os ruídos continuam do outro lado da porta,, e agora sinto que estou perto de o ver, passado algum tempo, a hora da verdade chegou. 

É meia-noite, chamaram-me e mostraram-me a Luz da minha vida.  
Eu tornara-me Pai de um menino que acabou de nascer com 3,4kg de seu nome Gustavo.
Curiosamente, passado 3 anos, passei pela mesma prova de fogo, desta vez de um modo diferente. Fui convidado a nascer de novo, aprendendo a trabalhar espiritualmente e a comungar de uma elite, onde todos os valores que tento transmitir são as colunas do meu carácter, Liberdade, Igualdade e Fraternidade. 
Hoje todos os meus irmãos me reconhecem como …. Gustavo.

Autor: Gustavo

terça-feira, 17 de maio de 2011

Minha Luz

Atravessei um deserto de pó e areia, não foi o dia que iluminou o meu caminho, mas antes a sombra da noite, as estrelas no firmamento nocturno foi o único brilho que os meus olhos viram, a Lua cheia iluminada por uma luz que não vinha dela atenuava a dificuldade da caminhada, e quando ela se escondia na noite e desaparecia do meu olhar eu continuava a andar pois de tantas vezes o ter percorrido já o sabia de cor.

Aprendi a contar as horas com os grãos de areia e o tempo tornou-se no meu melhor amigo de tantas vezes conversar com ele. No silêncio aprendi que existem mil caminhos para o coração, neste e em todos os mundos sob todas as formas.
A noite, a sombra, a luz das estrelas, a luz reflectida na Lua vinha de algum lugar, senti-la era tudo o que eu queria, pedi aos deuses a forma e a oportunidade, mas Eles pareciam não me ouvir….
De tanto ter olhado a lua tornei-me nela, de tanto ter dormido sob as estrelas conheci a alma das coisa, de tanto ter vivido na noite tornei-me sombra, de tantas horas de mãos dadas como tempo, tornei-me nele e ele tornou-se meu, de tantas vezes ter ouvido o deserto e ter caminhado nele tornei-me em areia e pó.

Mas afinal os deuses ouviam-me, e aquele lugar de sombra estava a abrir um lugar de Luz à minha frente, pois foi na sombra e no silêncio que aprendi a escutar a alma do mundo e a senti-la, ser humano é tão simples como um sorriso de criança, ser humano engloba tudo o que o Universo tem de mais simples, porque é simples olhar para o lado e ver a nossa humanidade espelhada no outro, embora saiba que por vezes o que está sublimemente desenhado dentro de nós difere daquilo que na realidade é praticado, mas basta um pouco de luz numa gruta escura para fazer toda a diferença.

Mas os deuses deram-me muito mais que aquilo que lhes pedi…
Um dia inesperadamente as tuas mãos luminosas tomaram para si o orvalho da madrugada e o pó em que eu estava transformada, em todos os silêncios, em todas as sombras e moldas-te o meu corpo em conformidade com a minha alma, e aí tornei-me inteiramente Lua, renascida, recriada na medida Justa e Perfeita de mulher.

A minha Lua anseia pelo teu Sol
A minha Sombra anseia pela tua Luz
A minha alma e a tua são Sombra e Luz no Universo, desde o início dos Mundos que Lua e Sol, Sombra e Luz dão continuidade á Vida
Tu seguras a Espada Flamejante eu seguro o Cálice e assim se cumpre o ciclo da Vida, meu Senhor. Sim! Meu Senhor é a palavra Justa e Perfeita
Teu corpo cheira a Acácia em flor, eu disse-te - cheiras bem!

Disseste - Tu adoras-me…
Sim é verdade adoro tudo em ti, adoro a alegria dos teus 10 anos, adoro a Sabedoria, o Fogo, a Força, dos teus 52 anos, adoro os dias em que tens 80 anos, adoro os teus dias de Sombra, de Luz, de Silêncios, os teus dias de desilusão, de tristeza, os teus dias de alegria em que te apetece cometer loucuras e brincar com o mundo!
Aprendi que jamais devemos de deixar de dizer o que sentimos hoje, porque amanhã podemos não ter a oportunidade de dizer, o amanha poderá não existir e muito pode ficar por dizer, e nada deve ficar por dizer, só assim podemos perante o Universo ser testemunha um do outro!

Autor: Ba

terça-feira, 14 de abril de 2009

O homem que não morreu

Naquele tempo era perigoso contrariar o mandato dos céus, e o deus que havia protegia os poderosos. A religião dos homens e a lei dos fortes eram defendidas por velhos sacerdotes e severos juizes. Bastava uma palavra infeliz, um acto qualquer incompreendido e a justiça haveria de encontrar um criminoso. O homem que tinha sido julgado sem dúvida cometera uma ofensa grave, mas não podia recordar-se do seu crime. Um outro deus era o seu, mas esse outro amaldiçoara-o a cumprir um calvário de sangue. Nenhum deus ama a liberdade, e o que está escrito tem que ser seguido. Também o seu deus tinha fracassado perante os destinos inexoráveis. O homem que tinha sido condenado deixara de acreditar no seu deus, e apenas lamentava o tempo perdido dos que o tinham escutado. Homens e mulheres comuns que seriam perseguidos por causa da sua palavra.
O homem que tinha sido condenado sabia demais e via para além do seu deus. O seu deus era casmurro e malicioso o suficiente para cumprir as escrituras. Um velho nojento e embevecido ainda com a sua imagem nos confins do universo. A vaidade corrompe os deuses, e até os homens mais próximos e amigos. Mas nada disso interessava já, nem o tempo em que procurou o sentido da festa. Cedo demais tinha julgado o seu deus diferente e a humanidade disponível para a alegria. Cedo demais, repetia para si. Qual tinha sido o seu primeiro milagre, o seu primeiro erro? Agora estava morto ou julgá-lo-iam como tal. A injúria dos homens é irreparável. Para quê regressar? O corpo foi entregue a José que o cobriu com um lençol fino que comprara, trataram-no como a um morto e como deveria ser. Também o centurião que certificou a sua palidez julgou estar perante um cadáver.

Acordou naquela manhã envolto em ligas e o rosto coberto por um sudário. Apenas podia mexer as mãos, e foi assim que se sentiu vivo. Enjoado com o lento despertar numa gruta fria, o homem que não morreu contemplou outros corpos enfaixados e inertes a seu lado. A morte é uma coisa estranha, uma forma suprema de quietude e silêncios. Por fim aceitou a consciência de que estava vivo, a luz do sol brilhava lá fora e pressentia que outra vida o esperava. Mover a pesada pedra estava fora das suas possibilidades, o homem que tinha sido condenado rastejou para a fresta que o religava ao mundo e à realidade dos vivos, escavando com tempo o seu triunfo inútil. Voltou a questionar a sensatez de um regresso. Quem quererá morrer duas vezes?
Entre arbustos próximos retirou as ligas que o apertavam, nódoas de sangue e suor. O homem sentiu o sol percorrer a sua nudez, reparou como eram horrorosas as suas chagas. Como viver uma vida honrada, ser apenas um homem mais e sem mistérios? Estranhou a sensação da água num riacho próximo, um outro baptismo de vida. Não podia arriscar-se a ser descoberto. Regressou cauteloso, era como se não conhecesse mais mundo que o espaço para onde tinha rastejado. Fazer a viagem da morte para a vida é uma oportunidade única e não conseguiu dormir na noite após a sua ressurreição.

Contemplou um amanhecer inteiro pela primeira vez, sem uma missão a cumprir. Não podia ocultar-se eternamente. Arrepiava-se diante daquela palavra… eternidade! Como poderia ter mentido tantas vezes sobre a bondade do seu deus? Estava perdido nestes pensamentos quando um grupo de mancebos desviou a pedra da entrada para roubar os panos de linho aos cadáveres. Não se moveu, porque não é crime roubar quem não precisa. Além disso as questões da lei nunca lhe interessaram, ou não tivesse violado o sábado ao curar enfermos e a colher espigas para comer diante dos fariseus. Recordava-se agora dos seus pecados. Enquanto os mancebos disputavam o linho, o homem que tinha sido condenado pensava que o amanhecer é sempre belo, e olhou para a estrada e as anémonas cor de púrpura por onde os mancebos escapavam, atravessando mais adiante os loureiros bravos.

O homem que tinha saudado a luz de um novo dia notou então que três mulheres se aproximavam, silenciosas como se viessem chorar a morte de alguém. Custava-lhe ainda enfrentar a luz de um novo dia, mas reconheceu Madalena. Atrás seguiam a mãe de Tiago e Salomé. Não quis falar-lhes, tinha que desabituar-se de transmitir esperanças. Era melhor que a morte fosse tida como natural e inevitável, o elo que falta entre os homens e os deuses. Sem a morte, pensou, a arte e todas as religiões seriam improváveis como coisas humanas.
Mas o seu corpo não estava na gruta, na verdade ele estava vivo e não podia contrariar a sua ressurreição. Não queria voltar a morrer apenas para fazer a vontade dos homens e do seu deus, mas não sabia como viver. Não sabia para que servia a vida. Apenas não queria ser descoberto pelos soldados. Nem pelos discípulos. Poderia falar com Madalena, pedir auxílio e um esconderijo temporário mais seguro que uns arbustos. As três mulheres repararam na pedra movida e no lugar vago do seu corpo. Mas o homem que não morreu tinha que manter o mistério do seu desaparecimento, ninguém o encontraria.

Apenas Madalena, a beleza que o surpreendeu junto a um poço de água. Deveria, pois, saciar a sua sede? Amar a beleza num corpo mortal que envelhece. Amar sem o propósito de salvar a humanidade inteira para fugir à responsabilidade de um único beijo. O filho de deus saberia amar? Suportaria conhecer o amor, e o remorso que fica sempre depois do amor? O deus que fora o seu nada sabia do sofrimento humano porque lhe ordenara que morresse na cruz, por um amor sem substância e sem fim.
Deveria agora esgueirar-se por caminhos sombrios, amar é o maior perigo que pode acontecer a um homem! Madalena estava só na sua tenda, queria libertar-se da memória daquele homem solitário que a tinha olhado de maneira diferente. Entre o mistério e o pranto, aguardava sem saber. O homem que não morreu entrou sem alarde, e olhou para Madalena como quem desperta de um sono profundo. Sou apenas um homem, disse-lhe. Madalena reconheceu-o e voltou a tratar-lhe das feridas.
O homem que não morreu encontrou o tempo para chorar ser filho de um deus que não queria. Beijou lentamente os pés de Madalena, abraçou-se às suas delicadas coxas e permaneceram calados, enquanto Madalena lhe afagava os cabelos. O amor não precisa de palavras nem de orações. Sentiu o sangue latejar quando se deitou com Madalena. As mãos percorreram os rostos, e descobriu que os humanos fazem amor conservando mútuo o olhar. Dar a outra face é isto mesmo, partilhar o êxtase e o segredo dos afectos. O filho de deus tinha finalmente ressuscitado da morte de não amar.

Autor: Adriano Rosa (A David Herbert Lawrence, porque escreveu a novela intitulada The man who died).

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A carroça

Certa manhã, meu pai convidou-me a dar um passeio. Em dada altura deteve-se e, depois de um pequeno silêncio, perguntou-me:
- Além do cantar dos pássaros nas árvores, ouves mais alguma coisa? Apurei os ouvidos durante mais alguns segundos e respondi:
- Sim, oiço uma carroça.
- Isso mesmo – disse o meu pai. É uma carroça vazia.
Perguntei-lhe:
- Como sabes que está vazia, se ainda não a vimos?
- Ora – respondeu-me. É muito fácil saber que uma carroça vai vazia por causa do barulho. Quanto mais vazia, mais barulho faz.
Tornei-me adulto e, até hoje, quando oiço uma pessoa a falar demais, a gritar, a intimidar, a tratar o próximo com grosseria, prepotente, a interromper as conversas de toda a gente e a querer demonstrar que é a dona da razão e da verdade absoluta, parece que ainda me ecoa nos ouvidos a voz do meu pai:
- Quanto mais a carroça está vazia, mais barulho faz.
E a sabedoria dessa voz, que o tempo não consegue esbater, junta-se ao conforto que sinto a partir do momento em que franqueei as colunas da nossa Augusta Ordem, por onde perpassam o silêncio sábio, a fraternidade, a tolerância no sentido da compreensão, a igualdade entre todos os Irmãos, a procura dos caminhos da verdade que antecipadamente sabemos não poder alcançar mas que porfiadamente perseguimos.

Conto simbólico por: Álvaro

terça-feira, 15 de julho de 2008

A cor dos sonhos

O pequeno Nianzu vivia numa pequena aldeia que deuses e homens fizeram plantar num dos imensos vales que se aninham submissos nos sopés das montanhas dos Himalaias.
A necessidade de sobreviver e a perda precoce da família fizera-o percorrer o caminho pedregoso das montanhas para chegar ao mosteiro budista mais próximo, que o destino lhe fizera escolher como recurso na vontade. Os pequenos olhos escuros percorriam atentos todo o espaço à entrada do templo, como duas pequenas rodas dos desejos, que as faces rosadas faziam elevar como dois pequenos altares da descoberta do mundo. Naquele dia, ele era um entre outros que como ele, procuravam ingressar no templo que a vida fizera como a opção que à maioria seria negada, fosse na sorte ou na vocação.
Na sala onde se encontrava e fora conduzido por um jovem monge de cabeça rapada, haviam sido colocadas tintas de várias cores, pincéis e folhas de papel pardo, que o monge fizera distribuir cerimoniosamente no respeito antecipado e igual. Entre o silêncio que dava a mesma cor às palavras e aos pensamentos daquelas caritas de olhar brilhante, deu entrada na sala o lama, que a idade aparente procurava acompanhar na sabedoria que se lhe adivinhava na expressão e modos que ia dispensando a todos e a cada um dos presentes. Sentados e acomodados, convidou o lama que cada criança pintasse a folha de papel que lhe fora distribuída, com a cor que aquela achasse ser a dos sonhos. De imediato, cada criança tomou nas mãos uma folha de papel e o pincel, escolhendo entre as cores das tintas à disposição e pouco foi o tempo quanto demorou que diante delas repousassem folhas de papel de cores diversas como uma pequena roda multicolor em torno do velho lama que olhava atento cada uma das obras expostas diante dele.

Perguntando a cada criança o porquê de cada cor escolhida, entre tantas que faziam justiça fosse ao sol, ao céu ou à neve e às montanhas, não tardou que fosse chegada a vez do pequeno Nianzu justificar a sua escolha. Diante dele repousava uma folha onde várias eram as cores, entre as quais imprimira noutras tantas a sua mão.
- De que cor são dos teus sonhos ? Perguntou o sábio lama.
- São da cor das minhas mãos. Respondeu o pequeno Nianzu.
O velho lama, baixou-se diante dele e numa reverência simples tomou-lhe o pincel e na cor da vontade lhe ensinou a escrever aquele que lhe reconhecia no verdadeiro nome ancestral, “Zhiqiang” lembrando que “a vontade é forte” e que assim, os sonhos não são mais que a realização dos nossos desejos pelas mãos.

Conto Simbólico por: Sheikh

terça-feira, 1 de julho de 2008

O Aprendiz

É aquele que aprende, e sempre em aprendizagem vai tirando as suas conclusões:
Aprendi.... que ninguém é perfeito
Aprendi....que a vida é dura mas eu sou mais que ela!!
Aprendi que...as oportunidades nunca se perdem, aquelas que desperdiças... alguém as aproveita
Aprendi que...quando te importas com rancores e amarguras a felicidade vai para outra parte.
Aprendi que...devemos sempre dar palavras boas...porque amanhã nunca se sabe as que temos que ouvir.
Aprendi que...um sorriso é uma maneira económica de melhorar o teu aspecto.
Aprendi que... não posso escolher como me sinto...mas posso sempre fazer alguma coisa.
Aprendi que...quando o teu filho recém-nascido segura o teu dedo na sua mão têm-te preso para toda a vida
Aprendi que...todos querem viver no cimo da montanha...mas toda a felicidade está durante a subida.
Aprendi que...temos que gozar da viagem e não apenas pensar na chegada.
Aprendi que...o melhor é dar conselhos só em duas circunstâncias...quando são pedidos e quando deles depende a vida.
Aprendi que...quanto menos tempo se desperdiça...mais coisas posso fazer.

Autor: Gonçalves Lêdo

terça-feira, 29 de abril de 2008

A Pedra

O distraído nela tropeça.
O bruto usa-a como projéctil.
O empreendedor utiliza-a para construir.
O camponês, cansado da lida, dela faz assento.
Para os meninos, é brinquedo.
Com ela David matou Golias.
Miguel Ângelo dela extraiu a mais bela escultura.
Em todos esses casos, a diferença não está na pedra, mas no Homem.
Não existem pedras no caminho de um Maçon que ele não possa aproveitar para o seu próprio crescimento.

Elaborado por: Álvaro

terça-feira, 22 de abril de 2008

As noites de Inverno são longas

Os anos já lhe pesavam nas pernas e o tempo húmido e frio não ajudava nada. Mas ele não era dos que desistem facilmente. Com passos vagarosos ia subindo a rua. Há muito que a noite tinha estendido o seu manto negro sobre a cidade. Não se via muita gente nas ruas. As molas de um velho autocarro chiavam com os solavancos do piso irregular. Dava para perceber que o motorista evitava os carris do eléctrico, pois aí o perigo de derrapagem aumentava ainda mais. Lá dentro, meia dúzia de passageiros olhava distraidamente para a rua.
Teve de parar um pouco para respirar. Havia contudo outro motivo para a sua paragem. Queria certificar-se de não estar a ser seguido. No passeio por onde subia a íngreme rua não se via ninguém a caminhar na mesma direcção. Ficou mais descansado. No entanto, mal pôde, dobrou uma esquina e depois de caminhar alguns metros, voltou a parar olhando discretamente para trás. Retomou a marcha, mas pelo sim pelo não, depois de voltar a mudar de rua repetiu a paragem.
À medida que caminhava, vinham-lhe à memória cenas que gostaria de nunca mais voltar a viver. Ele que criticava todas as ideologias radicais, ele que apenas queria que no seu país houvesse justiça, liberdade de expressão e menos pobreza, tinha sido expulso do ensino público só porque tinha sido um dos subscritores de um abaixo-assinado. Ao fazê-lo entrava para a lista negra dos “perigosos comunistas” e passava a ter de viver com os magros proventos das explicações que dava.
Pensou nos amigos que o esperavam. Um tinha sido desterrado para centenas de quilómetros da cidade alentejana onde tinha nascido e onde sempre tinha vivido e exercido a profissão. Só de lá tinha saído para estudar direito. Motivo: ter-se assumido como republicano num país que oficialmente continuava a ser uma república! Agora, reformado, sempre que podia vinha à capital para se encontrar com os amigos.
Apesar da idade, o médico ainda tinha de trabalhar. Não tendo direito a qualquer reforma, se não fosse dando as suas consultas não teria forma de se sustentar a ele e à mulher que a diabetes tinha cegado.
Quem lhe tinha feito mais confusão era o graduado da polícia. Fazia uma vida dupla. De dia fingia ser o mais fiel dos seguidores do ditador. De noite, reunia-se com os resistentes. De início receavam-no, mas depois de anos de convívio, tinham total confiança nele, até porque por mais de uma vez os tinha avisado da eminência de mais alguma vaga repressiva.
O velho marujo era o que mais vezes sentia o maravilhoso sabor da liberdade… a ditadura não conseguia proibir o vento de trazer o cheiro a maresia. Tinha andado num seminário, mas fartara-se e o chamamento do mar tinha sido irresistível. Já o tinham tentado apanhar com as artimanhas em que o regime era fértil, mas sem sucesso. A última tinha sido a de obrigar os seus homens a irem a uma manifestação favorável ao regime que se tinha sentido em perigo com a candidatura de um general sem medo. Habituado a lidar com as fúrias do oceano, lá se conseguiu escapar airosamente: teve de zarpar na véspera da manifestação “espontânea” devido a um aviso meteorológico…
Não bastando a mais do que evidente cumplicidade da alta hierarquia da Igreja nacional com o ditador, há muito que as ordens de Roma eram claras: nenhum crente podia pertencer a uma organização como aquela que os unia sob pena de excomunhão. Mas o padre João não se preocupava e dizia que respondia directamente perante o Criador. Só queria que o pesadelo em que o país estava mergulhado havia décadas acabasse. E ele bem sabia do que falava, pois passava a maior parte do tempo a tentar acudir aos mais necessitados. Mas era tão pouco o que tinha para lhes dar…
É verdade que naquele grupo predominavam os “doutores”, por isso os dois que pouco mais sabiam do que ler e escrever eram especialmente acarinhados. Um era motorista da Carris e o outro ferroviário. Homens calejados pela vida desejavam um futuro mais justo para os filhos e os netos.
Pensou no que iriam falar nessa noite. Havia muitos boatos, mas parecia certo que a polícia política tinha armado uma cilada ao General e que o teria assassinado. À hora combinada chegou a casa do amigo. Desta vez calhava-lhe a ele ser o último. Tinham de chegar um a um, discretamente. Subiu com esforço até ao primeiro andar. A cada degrau, as artroses dos joelhos causavam-lhe dores.
Pareceu-lhe que havia um silêncio mais pesado do que era habitual. Devia ser impressão sua. Como sempre, deu três discretas pancadas na velha porta. A voz que ouviu fez-lhe parar o sangue: «é só um momento».
Dez minutos depois aqueles homens bons e honrados que apenas queriam que o seu país vivesse em paz e que no mundo inteiro reinassem a liberdade, a igualdade e a fraternidade, lá iam a caminho de uma masmorra…

Viva o 25 de Abril





Autor: Carl Sagan

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

As três peneiras

Mais uma jornada na construção do Templo terminara. Cansado por mais este dia, Mestre Hiram recostou-se sob o frescor do Ébano para o tão merecido descanso. Eis que, subindo em sua direcção, aproxima-se o seu Mestre Construtor predilecto, que lhe diz:
"-Mestre Hiram...Vou lhe contar o que disseram do segundo Mestre construtor...
Hiram com a sua infinita sabedoria responde:
- Calma, meu Mestre predilecto, antes de me contares algo que possa ter relevância, já fizeste passar a informação pelas "Três peneiras da Sabedoria"?
- Peneiras da sabedoria? Não me foram mostradas, respondeu o predilecto!
- Sim... Meu Mestre! Só não te ensinei, porque não era chegado o momento;
Escuta-me com atenção: tudo quanto te disseram de outrém, passa antes pelas três peneiras da sabedoria. E na primeira, que é a Verdade, eu te pergunto:
-Tens certez a de que o que te contaram é realmente a verdade?
Meio sem jeito o Mestre respondeu:
- Bom, não tenho certeza realmente, só sei que me contaram...
Hiram continua:
-Então, se não tens a certeza, a informação vazou pelos furos da primeira peneira e repousa na segunda, que é a peneira da Bondade. E eu te pergunto:
-É alguma coisa que gostarias que dissessem de ti?
-De maneira alguma Mestre Hiram... Claro que não!
-Então a tua história acaba de passar pelos furos da segunda peneira e caiu nas cruzetas da terceira e última; Faço-te a derradeira pergunta:
- Achas mesmo necessário passar adiante essa história sobre teu Irmão e Companheiro?
-Realmente Mestre Hiram, pensando com a luz da razão, não há necessidade...
-Então ela acaba de vazar os furos da terceira peneira, perdendo-se na imensão da terra. Não sobrou nada para contar.

-Entendi poderoso Mestre Hiram. Doravante somente as boas palavras terão caminho em minha boca.
-És agora um Mestre completo. Volta a teu povo e constrói os teus templos, pois terminaste a tua aprendizagem.

Porém, lembra-te sempre: As abelhas, construtoras do Grande Arquitecto do Universo, nas imundíces dos charcos, buscam apenas flores para suas laboriosas obras, enquanto as nojentas moscas, buscam em corpos sadios as chagas e feridas para se manterem vivas."

terça-feira, 23 de outubro de 2007

A Criança

Quis nascer um dia novamente, esquecer o passado e ser criança na sua plenitude.
Nasci como quis, com as virtudes e pureza da criança mas com a sabedoria e o conhecimento para moldar o meu eu, sendo contido nos meus actos e sabendo guardar segredo sempre que saio de casa e quando estou em casa.
Sim pensar com arte, dentro da arte de pensar.
Haverá alguém que se compare a uma criança no seu estado de pureza, despida de preconceitos, de vaidades, que busca a verdade e partilha o seu conhecimento sem limites, bem como a cumplicidade com quem se identifica, sempre com o sentido da responsabilidade?
Certamente, que sim.
Como toda a criança aprendi a ganhar firmeza nos meus passos, viver o presente, com o olhar no futuro, resguardando-me dos estranhos, embora os trate com respeito.
Sou uma criança que ignoro a vaidade e a arrogância mas defendo a verdade, o saber e a justiça.
Quero crescer e ser forte para ajudar os Homens a encontrarem a criança que existe dentro deles.
Como toda a criança ainda que me aliciem guardarei sempre o segredo que me foi confiado, pois, saberei sempre estar no meio sem me imiscuir com o meio, como aprendi no exercício da arte de pensar, enquanto corria livremente pelos campos e prados, tentando tocar a linha do horizonte, sem nunca desistir.
Bem Haja

Autor: Salomão

terça-feira, 10 de julho de 2007

Sons do Silêncio

Certo dia um rei mandou o seu filho estudar no templo de um grande mestre, com o objectivo de prepará-lo para ser uma grande pessoa.
Quando o príncipe chegou ao templo, o mestre mandou-o sozinho para uma floresta. Ele deveria voltar um ano depois, com a tarefa de descrever todos os sons da floresta. Quando o príncipe voltou ao templo, após um ano, o mestre pediu-lhe que descreve-se todos os sons que conseguira ouvir.
O príncipe disse: - Mestre, pude ouvir o canto dos pássaros, o barulho das folhas, o alvoroço dos beija-flores, a brisa batendo na floresta, o zumbido das abelhas, o barulho do vento cortando os céus...
Quando terminou o seu relato, o mestre pediu ao o príncipe que volta-se à floresta, para ouvir tudo o mais que fosse possível.
Apesar de intrigado, o príncipe obedeceu à ordem do mestre, pensando: "Não entendo, eu já distingui todos os sons da floresta..."
Por dias e noites, ficou sozinho, ouvindo, ouvindo, ouvindo...mas, não conseguiu distinguir nada de novo, além daquilo que havia dito ao mestre.
Porém, certa manhã, começou a distinguir sons vagos, diferentes de tudo o que ouvira antes. E quanto mais atenção prestava, mais claros os sons se tornavam. Uma sensação de encantamento tomou conta do rapaz. Pensou: "Esses devem ser os sons que o mestre queria que eu ouvisse..."
Sem pressa, ficou ali, ouvindo, ouvindo, pacientemente. Queria ter a certeza de que estava no caminho certo.
Quando voltou ao templo, o mestre perguntou-lhe que mais conseguira ouvir.
Paciente e respeitosamente, o príncipe disse: - Mestre, quando prestei atenção, pude ouvir o inaudível som das flores se abrindo, o som do sol nascendo e aquecendo a terra, o som da floresta a beber o orvalho da noite...
O mestre sorrindo, acenou com a cabeça, em sinal de aprovação, e disse: - Ouvir o inaudível é ter a calma necessária para se tornar uma grande pessoa.

Nesta fábula, fica como moral da história, que apenas quando se aprende a ouvir o coração das pessoas, os seus sentimentos mudos, os seus medos não confessados e as suas queixas silenciosas, uma pessoa pode inspirar confiança ao seu redor, entender o que está errado e atender às reais necessidades de cada um.
A morte do espírito começa quando as pessoas ouvem, apenas, as palavras pronunciadas pela boca, sem atentarem no que vai no interior das pessoas para ouvir os seus sentimentos, desejos e opiniões reais.
É preciso, portanto, ouvir o lado inaudível das coisas, o lado não mensurado, mas, que tem o seu valor, pois é o lado mais importante do ser humano.

Autor: Júlio Verne

terça-feira, 12 de junho de 2007

Na escada

A entrada do prédio era escura. Dia e noite tinha uma lâmpada acesa que lutava ingloriamente contra a escuridão. De dia mal se via se estava ou não acesa devido à luz que vinha da rua. Durante a noite o seu papel poderia ser mais eficaz, mas não era. Atravessava-se a estreita e longa passagem mais por a conhecer do que por aí se ver fosse o que fosse.

Tinha uns dezasseis anos e vinha de assistir a uma corrida de ciclismo. Tinha levado a chave de casa da avó, o que o fazia sentir que já era um homem!
Passava da meia-noite quando chegou à entrada do prédio. Como sempre, a porta estava apenas encostada. Foi percorrendo com cuidado o escuro corredor de entrada. Por fim a escada que deveria subir e que a luz da cidade iluminava vagamente através da suja clarabóia lá bem no alto do edifício. Adivinhava-se, mais do que se via.
Ao virar a esquina e colocar o pé no primeiro degrau, ouviu uma voz lamentosa de mulher. Estava deitada nos degraus e ergueu-se um pouco com a sua chegada. Parecia estar enrolada num cobertor. As únicas palavras que proferiu eram uma súplica: «oh meu senhor, deixe-me ficar aqui». Não sabia como responder. Nunca teve facilidade em responder de repente a coisa alguma. Para mais sentiu uma emoção desconhecida embargar-lhe as palavras. Por fim conseguiu articular: «fique descansada». Confuso e atormentado, subiu as escadas escuras.

Quando entrou já todos dormiam. Também ele foi para a cama, mas demorou muito até que o sono lhe chegasse. Revia a mulher deitada na escada, tentava imaginar os motivos que a levariam a estar ali, sem ter o seu próprio tecto e as dores que os degraus lhe causariam no corpo. Como seria possível dormir em tais condições? Pensou que, se fosse dono da casa, lhe arranjaria uma cama. Mas não era e não convinha acordar a avó que se levantava antes das seis.

A sua imagem do mundo começava a sofrer rombos. Até então acreditava estar no melhor dos países, no melhor dos regimes, com o mais sábio dos governantes que nos tinha livrado dos horrores da II Grande Guerra, onde tudo estava bem e ia ficando cada vez melhor apesar dos terroristas lá na Guiné, Angola e Moçambique.
Também lhe tinham ensinado que nem um só cabelo cai da cabeça das pessoas sem que Deus o saiba. Melhor ainda, cada um de nós tinha o seu anjo da guarda. Afinal havia quem tivesse de dormir numa escada... Onde estavam os anjos? Os do céu e o da terra?

Autor: Carl Sagan

terça-feira, 29 de maio de 2007

Fábula do Camelo

A propósito das questões sobre o Conhecimento, que tão oportuna e judiciosamente aqui têm sido trazidas por alguns Irmãos, gostaria de reforçar a pertinência das mesmas, sobretudo no que concerne ao posicionamento dos Maçons, quer no seio da nossa Ordem Universal, quer enquanto agentes activos e actuantes no mundo profano.

É neste contexto que La Fontaine, se ainda estivesse vivo, poderia ter escrito aquilo a que chamo de “Fábula do Camelo”.

Com efeito, a mãe e o bebé camelo descansavam, quando, de repente, o bebé acomete:
- Mãe, mãe, posso fazer-te umas perguntas?
- Com certeza! Mas porquê, filho? Há alguma coisa que te preocupe?
- Não, mas por que é que os camelos têm bossas?
- Bem, filho, nós somos animais do deserto, precisamos de bossas para armazenar água. Somos conhecidos por sobrevivermos sem água.
- Okay. Então por que é que temos pernas compridas e pés arredondados?
- Filho: são apropriados para caminhar no deserto. Sabes, assim podemos deslocar-nos naquele meio melhor do que qualquer outro.
- Okay. Então por que é que temos pestanas tão compridas? Às vezes até me perturbam a visão!
- Filho: estas pestanas servem-nos de protecção. Ajudam a proteger os nossos olhos da areia e dos ventos do deserto.
- Não compreendo. Se as bossas servem para armazenar água quando estamos no deserto; se as pernas servem para caminharmos na areia; se as pestanas protegem os olhos das tempestades de areia… então que raio estamos nós a fazer aqui no jardim zoológico?
Se isto fosse uma história, poderia terminar aqui. Mas, como é uma fábula, termina com a moral da história: aptidões, saber, capacidade e experiência só têm utilidade se estivermos no lugar certo.

E pronto. É desta forma que pretendo exprimir a minha congratulação e o meu regozijo pelas pranchas que alguns Irmãos têm apresentado. Ao demonstrarem as suas aptidões para o desbastar da pedra bruta, ao evidenciarem o seu saber em questões que são do interesse comum, ao transmitirem a sua capacidade para o cabal desempenho das funções que estão cometidos, ao legarem a sua experiência como forma solidária de partilha e ao fazerem tudo isto entre nós e nos espaços que partilhamos, fazem-nos sentir que estamos, de facto, por opção e sem transigência, no lugar certo para a prossecução de um trabalho que nos conduz a mais elevados patamares de Conhecimento, quer em termos absolutos quer de nós próprios – afinal um dos primeiros e últimos objectos da Maçonaria.

É, aliás, a predisposição para trilhar com firmeza o caminho do Conhecimento, um dos maiores desafios que se colocam ao iniciado, até porque se trata de um combate sem tréguas contra o obscurantismo que pauta, ainda hoje, muitos dos actos que regem a sociedade em que vivemos e que conduzem, eles também, às mais diversas formas de fundamentalismos.

Por outro lado, o Conhecimento é o melhor conselheiro para que o recipiendário das luzes maçónicas enverede também pela senda da prudência que deve marcar as suas acções e os seus pensamentos, não se deixando conduzir pela irracionalidade dos ímpetos nem por juízos precipitados.

Perdoem-me, pois, se me socorri de camelos para falar do Conhecimento. É que são eles os principais habitantes dos desertos, onde cada grão de areia se junta aos outros em perfeita justaposição, todos semelhantes como irmãos que se unem num imenso espelho que reverbera a luz do Sol nascido no Oriente. E todos tão semelhantes como os bagos das romãs, que derramam a fraternidade à entrada dos templos onde o Conhecimento constitui o elo que liga os homens livres e de bons costumes por toda a face do universo. No lugar certo.

Autor: Álvaro

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

A areia e a pedra

Diz uma lenda árabe que, quando dois amigos viajavam pelo deserto, num determinado ponto da viagem discutiram acaloradamente, até que um esbofeteou o outro.
O ofendido, sem pronunciar palavra, escreveu na areia: “Hoje, o meu melhor amigo bateu-me no rosto.”

Seguindo viagem, chegaram a um oásis, onde resolveram banhar-se. Imprevidente, o que havia sido esbofeteado quase se afogava, quando foi salvo pelo amigo.
Ao recuperar, pegou num estilete e escreveu numa pedra: “Hoje, o meu melhor amigo salvou-me a vida.”
Intrigado, o amigo perguntou: “Por que é que depois de te bater escreveste na areia e agora escreves na pedra?
Sorrindo, o companheiro de viagem respondeu: “Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever na areia, para que o vento do esquecimento e do perdão se encarreguem de apagar. Porém, quando nos faz algo de sublime, devemos gravar na pedra, que é a memória do coração, onde nenhum vento chega para apagar a gravação.


É evidente a analogia entre esta lenda e aquele que configura ser o comportamento de um maçom. A agressão é algo de profano, que deve ficar registado na areia, isto é, que deve ser deixado à porta do Templo. Ao contrário, os valores da harmonia, da paz, da beleza, da fraternidade e da solidariedade são cultivados e multiplicados, de dentro para fora. De dentro do Templo para a sociedade que nos rodeia. De dentro de nós para os nossos familiares, para os nossos amigos, para os nossos conhecidos e até para os nossos adversários. Devem, em suma, ser gravados na pedra, para que nada os apague e para que ninguém os esqueça. Trata-se, no fundo, de utilizar convenientemente os instrumentos que ajudam a desbastar a pedra bruta, procurando dar-lhe a forma da perfeição.

Em síntese, o verdadeiro maçom “escreve na areia” tudo quanto seja de irrelevante e de profano. Porque a areia está no exterior do Templo e porque é também no exterior do Templo que sopra o vento – inexistente no interior, uma vez que nem é ele que apaga as velas, símbolos das luzes que orientam os trabalhos.

Ao contrário, o verdadeiro maçom “escreve na pedra” tudo quanto contribua para o seu aperfeiçoamento e para o aperfeiçoamento da irmandade em que se insere. Porque, ao “escrever na pedra” estará, também e assim, a trabalhar a pedra bruta e a contribuir, lenta mas seguramente, para a polir, até que a mesma tenha a perfeição suficiente para fazer parte integrante e indissociável do Templo Supremo da Maçonaria Universal.


Autor: Álvaro

segunda-feira, 25 de dezembro de 2006

Um conto de Natal

Pegadas na neve

O céu cinzento cor de chumbo tomara a cor branca como se fosse o tecto de uma sala imensa do tamanho do horizonte, toda atapetada com um espesso manto de neve alva onde enquanto caminhava em passos lentos e firmes, uma figura encolhida do frio imprimia os passos que dava.

Dirigiu-se à janela da primeira das muitas casas que ladeavam a avenida, onde luzes trémulas de Natal enfeitavam as árvores que dançavam ao som do vento, que lhes arremessava pequenos flocos brancos, saturando-lhes as pernadas que sacudia em golpes de tempestade.
Espreitou pela vidraça. Um sorriso ondulou-lhe os lábios confundindo-os com os longos cabelos brancos que se fundiam na barba da mesma cor. Lá dentro uma criança brincava junto à lareira, iluminada por esta, a que se juntavam os olhares dos pais como que a acariciá-la.

Aquecido na alma com aquele quadro familiar, seguiu adiante onde através de uma janela pequena, uma luz ténue fazia-se sentir num apelo que atravessava a vidraça embaciada. Uma figura pequena e dobrada pela idade aconchegava-se envolta por um xaile de lã que denunciava os anos de uso, mal cobrindo o magro corpo que se aninhava junto ao braseiro. Este solidário, aquecia a cafeteira de café, que lhe servia de consolo e de companhia. Os olhos daquele homem, que antes sorriam, agora juntavam-se tristes à solidão. As mãos dedilhavam os botões que lhe fixavam o manto do corpo, que agora retirava e colocava na maçaneta da porta daquela casa, onde batera antes de se afastar.

Continuou o caminho, no mesmo silêncio dos que caminham sós, até que um barulho de vozes lhe interrompeu o pensamento. Dirigiu-se aonde vinham as vozes, que mais perto, denunciavam uma discussão. Um casal sentado à mesa, mantinha os pratos vazios apesar da mesa farta, anunciando que era a alma a quem faltava o alimento que o desentendimento recusava. Ao lado da janela por onde assistia, num pequeno jardim resistiam as últimas rosas onde gotas de orvalho se transformaram em pequenos diamantes que o frio fabricara. Rapidamente colheu duas delas, deixando-as junto da porta do casal com dois pequenos bilhetes de papel que escrevera de improviso na soleira da porta. Tocou a sineta e regressou apressado ao caminho, enquanto as vozes se calaram na surpresa do toque.

De volta ao silêncio da caminhada, continuou lento, olhando para uma janela, esta um pouco mais iluminada que as restantes. Espreitou furtivo para o candelabro que iluminava intensamente um pequeno oratório, onde uma mãe ajoelhada erguia as mãos, como se buscasse a toalha de linho invisível que lhe enxugasse as lágrimas que lhe corriam pelas faces. Adiante, sentado estava um pai de cabeça tombada que encostava às mãos, que tomara nas suas, de um filho enfermo e febril. Cá fora a expressão do rosto daquele homem fazia coro com as daqueles pais que observava, enquanto colocava as palmas das mãos abertas sobre as vidraças, como se projectasse a bênção que a sorte desconhecera até então e que o sorriso inesperado da criança anunciava agora discreto.

A volta ao trilho por onde viera fez-se serena, como mansa era a neve que cobria tudo por onde passara e seguia agora. Um choro baixo mostrava-se discreto, escutado talvez, apenas por aqueles ouvidos treinados pela experiência de ouvir os que clamam em silêncio. Assomou à janela que só ouvindo se apercebia da pouca luz que as vidraças teimavam em deixar ver. Dois rostos ladeavam uma mesa vazia onde uma jarra de flores tomava digna, o lugar que a refeição não ocupava, deixando espaço a dois pares de mãos que pousavam solidárias sobre a toalha branca como a neve. As vestes eram simples e os remendos gritavam mudos de orgulho os cuidados que recebiam apesar do uso, agora menos intenso na actividade, provavelmente por falta de trabalho que atormentava quem aquelas vestiam. Apressado, o homem retirou dos bolsos um embrulho enrugado, onde guardava a refeição seguinte que contava como sua e que o corpo agora recusava. Juntou-lhe algumas moedas que recebera como pedreiro livre e pedinte e deixou no parapeito da janela onde batera no momento de se afastar.

Continuou a caminhar, agora dirigindo-se a um vulto que o acaso lhe fizera encontrar, encolhido na soleira de uma porta, por onde o calor se deixava escapar sorrateiro sob a porta pesada duma casa igualmente imponente e aquecida, reforçando o calor que pedaços de cartão a custo asseguravam delicadamente, como se embalassem o mais frágil dos seres. Com o cuidado de não acordar o homem que dormia quase inconsciente no frio, tirou-lhe as roupas velhas e o calçado roto que rápida e furtivamente trocou pelas suas, como se na troca ganhasse o melhor dos tesouros.

Voltou ao caminho que tomara antes, apoiado num bordão feito de madeira de acácia, perseguindo os passos que agora eram mais leves enquanto a iluminação de Natal se inclinava diante do brilho que levava nos olhos e o sorriso dos lábios calava o silêncio na noite e as mãos abertas acalmavam o vento e o frio. Olhava para si mesmo, feliz com os braços abertos de contentamento que a parca indumentária que agora tinha tomava lugar em vez das vestes vermelhas que usara como uniforme na noite de Natal. Não ia de trenó nem eram as renas que o transportavam. Era felicidade o que sentia enquanto a dava também aos outros. Era isso que o fazia sentir-se o verdadeiro Pai Natal em gestos e sinais que só ele entendia.

Autor: Sheikh