domingo, 27 de março de 2022

Dissertação sobre Funções em Loja

Como tem sido hábito nos últimos anos têm sido desenvolvidas algumas reflexões sobre as funções desempenhadas em Loja. Estas reflexões servem para melhor percebermos as  funções que desempenhamos, partilhar alguns conhecimentos com os Irmãos e, claro, receber ensinamentos adicionais quando a própria prancha for lida e comentada pelos irmãos mais experientes. 

Pretendia por isso, este ano Maçónico, efetuar duas pranchas sobre os cargos que exerci/exerço em Loja Tesoureiro e Mestre de Cerimónias. Poderia dizer-se que estas duas pranchas estariam ligadas pois seriam traçadas de seguida e teriam referências comuns. A minha ideia inicial era fazer apenas uma, no entanto, correria o risco de ser muito demorada e não permitir que os M:.Q:.I:. se mantivessem concentrados ou se sentisse cansados de me ouvir. Contudo, o plano foi mudado. Foi publicado recentemente um livro pelo Museu Maçónico sobre Os oficiais da Loja Maçónica. Apesar de ter lido o mesmo não irei transcrever a definição do Livro pois seria um exercício pobre de estudo e aprendizagem não acrescentando nada de novo aos M:.Q:.I:. relativamente ao que podem retirar de lerem o Livro, no entanto sugiro a todos a sua leitura até porque poderão perceber algumas diferenças face ao que praticamos na nossa Loja.

Preferi assim fazer uma análise teórica mais superficial e simultaneamente colocar o meu ponto de vista pessoal sobre as funções, o que serve também para que os M:.Q:.I:. me consigam conhecer um pouco melhor. O meu pedido de desculpa aos mais mais impacientes, pois não será certamente uma audição/leitura de uma leitura de página página e meia.


Tesoureiro

Iniciando este trabalho socorri-me de algumas definições:

Significado de Tesouraria: ela vem de “tesouro”, do Latim THESAURUS, “tesouro, acúmulo de coisas valiosas”, do Grego THESAUROS, “lugar de guarda de bens, tesouro”.

Significado de Tesoureiro: substantivo masculino Indivíduo responsável ou encarregado do tesouro, do dinheiro, das finanças de uma organização, de um banco, de uma empresa e/ou instituição pública ou privada. Funcionário que administra o tesouro, o dinheiro público: tesoureiro-geral. Pessoa responsável pela guarda dos vasos sagrados, dos objetos eclesiásticos.[Por Extensão] Pessoa responsável pela tesouraria, local onde se guarda o tesouro público. Etimologia (origem da palavra tesoureiro). Tesouro + eiro.

António Ventura descreve sucintamente esta função com uma frase simples mas esclarecedora no seu Livro Maçonaria em Portugal: “Tesoureiro: Nono Oficial na Hierarquia da Loja, é o responsável pela cobrança das quotizações e pelas finanças da Loja”.

No entanto esta definição esclarecedora na verdade não o é. Apenas esclarece quem já tem alguma noção das funções, o que faz todo o sentido num livro em venda “corrente” já que apesar de não sermos uma organização secreta faz parte da nossa discrição não difundir todos os pormenores (como temos ouvido recorrentemente).

Oliveira Marques no seu dicionário de Maçonaria Portuguesa vai mais longe: “Tesoureiro: Oficial de Loja, o nono na respectiva hierarquia, entre o Mestre de Cerimónias e o Hospitaleiro. Exerce funções simultaneamente de Tesouraria e Contabilidade, cabendo-lhe receber as quotizações e outros fundos da Loja, pagar as dividas respectivas  e velar pela sua organização financeira. No R:.E:.A:.A:. e no R:.F:. senta-se na Coluna Sul, junto ao Oriente, ao lado do Orador, enquanto no R:.S.. se senta à Esquerda do Venerável, perto do Secretário.

Nos Graus Superiores, o Tesoureiro tem, por vezes, o adjetivo “Grande” anteposto e é também designado por Ecónomo no grau 12º (Grão Mestre Arquiteto). Correspondem-lhe as figuras de Josafat (graus 9º a 10º), Jabulum (graus 13º e 14º) e Mitríades (grau 15º). O cargo de Tesoureiro existe igualmente na Grande Dieta e no Conselho da Ordem, cabendo-lhe, neste ultimo caso, a gerência financeira de toda a obediência.”

A titulo de curiosidade, adiciono igualmente de definição de Grande Tesoureiro já que Oliveira Marques nos remete para lá:

1 – Alto dignitário, encarregado de todos os serviços relacionados com a tesouraria e a contabilidade da Obediência. Surge desde a Constituição de 1806, quer como grande Tesoureiro, quer – desde 1886 como Grande Tesoureiro Geral;

2 – Nome dado ao Tesoureiro nas lojas do), 15º (Cavaleiro do Oriente), 32º (Sublime Príncipe do Real Segredo)  e 33º (Soberano Grande Inspector Geral do R:.E:.A:.A...”

3 – Real  Arco”

Este ultimo ponto relacionado com o R:.S:., que pelo meu desconhecimento total sobre o mesmo não irei explorar nesta Prancha, da mesma forma não entrei em detalhe sobre os altos graus uma vez que não sinto ter conhecimentos para os abordar.

Em primeiro lugar verificamos que o Tesoureiro faz parte Comissão de Administração conjuntamente com V:.M:. (que a preside) e Secretário, comissão essa responsável pela Gestão dos Fundos da Loja e por todos os aspectos administrativos internos à oficina e junto da Grande Secretaria Geral.

Este cargo tem incompatibilidades de exercício com outros cargos, ou seja, não pode acumular funções com V:.M:. (incompatível com qualquer outro cargo), Vigilante, Orador, Secretário e Experto, podendo no entanto acumular o cargo com os de Mestre de Cerimónias, Hospitaleiro, Chanceler-Arquivista e Guarda Interno.

Pode, caso necessário, ser eleito um adjunto de Tesoureiro para o substituir nos seus impedimentos e auxiliar no desempenho do cargo. A nível de funções, estas prendem-se essencialmente com:

- O Recebimento das quantias devidas à oficina a qualquer título;

- A guarda dos fundos, valores e títulos pertencentes à Oficina;

- Pagamento das importâncias devidas pela Oficina;

- Ter sempre em dia o pagamento das contribuições devidas;

- Ter sempre atualizado o registo da contabilidade da Oficina;

- Apresentação das contas da Oficina;

O Tesoureiro é um Oficial de 1ª Classe e que o seu lugar é “fora da balaustrada, e próximo ao altar do irmão orador na Coluna Sul (Orador a Sudoeste se assim quisermos já que está no Oriente). Na minha/nossa Loja (e utilizo a palavra minha não com intenção de posse mas com o carinho de quem fala do rio da minha terra) o Orador, Tesoureiro e também o Mestre de Cerimónias (ou 1º Mestre de Cerimónias) estão na Coluna Norte por tradição seguindo a disposição de lugares defendida por Oliveira Marques, situação que não é única no G:.O:.L:.

Adicionalmente ao descrito supra e apesar de não estar escrito no Regulamento expressamente nas funções do Tesoureiro é também a sua função o contacto com os irmãos em falta nas suas obrigações perante a Loja e o alerta ao V:.M:. e ao Hospitalário dessas situações (pois muitas vezes podem ser Irmãos a passar por situações menos positivas em que temos o dever de auxiliar).

O Tesoureiro é identificado pela sua joia que tem como símbolo duas chaves cruzadas.

A nível pessoal fazendo uma reflexão sobre a função em si não posso deixar de fazer um paralelo superficial com a minha carreira profissional, já que foi uma função que assumi na Banca na terceira etapa da minha profissão, entrei como Estagiário em aprendizagem nos processos (Aprendiz), Caixa Puro (Companheiro), Tesoureiro (Mestre). Lembro as Palavras de meu Pai quando passei a ser Tesoureiro na Banca, que era um ótimo sinal, um sinal de confiança em mim e na minha honestidade, sinal que ficaria nos quadros do Banco (coisa que efetivamente acabou por acontecer). Assim senti o assumir dessa função como um sinal de confiança que a Loja de perante a minha condição de Maçon, já que um Maçon terá sempre de ter características que lhe permitam transmitir essa confiança.

Pessoalmente não concordo com o nome do Cargo. Considero que deveria ser Contabilista ou algo simular, já que é um cargo que essencialmente se relaciona com medalha profana, percebo contudo que na altura da denominação da função não existisse melhor definição. Para mim como pessoa livre e de bons costumes pegando no nome do Cargo penso que é quem guarda o Tesouro, faria sentido na Banca ou numa empresa, mas não na nossa A:.O:., para mim o maior tesouro da Maçonaria não é medalha profana, mas sim o segredo que nos une, e esse segredo não é quantificável e não está á guarda de um determinado Irmão, para mim em Maçonaria todos somos Tesoureiros, todos guardamos em nós o nosso Tesouro, todos guardamos juntos o nosso Tesouro.


Mestre de Cerimónias

No seguimento da análise sobre o Cargo de Tesoureiro e de forma a completar o breve estudo sobre os cargos já desempenhados em Loja para os quais fui eleito voltei-me para o cargo de Mestre de Cerimónias.

Em Maçonaria o Mestre de Cerimónias é um Oficial de 2ª Classe. Este cargo tem compatibilidades de exercício com outros cargos, ou seja, pode acumular funções com os cargos de Tesoureiro, Secretário e Experto. O Mestre de Cerimónias tem como funções:

a) Dirigir o Cerimonial das sessões, para que deve conhecer bem o Ritual;

b) introduzir os visitantes no Templo, conforme as indicações do Venerável, e indicar-lhes os lugares que devem ocupar, segundo o seu grau e qualidade;

c)  distribuir as esferas ou boletins de voto, executar a circulação do tronco das proposições e acompanhar os iniciados, visitantes e novos eleitos da Loja nas baterias de agradecimento.”

Em loja têm assento nos extremos norte e sul junto da balaustrada, sendo que o primeiro mestre de cerimónias está na Coluna Sul.

A sua joia tem um Bastão e uma Espada cruzados. Na minha/nossa R:.L:. a Joia do Mestre de Cerimónias é a Régua. Sei que não é alvo de consenso, contudo gosto de a ter, simboliza uma faixa de tempo da Loja em que foi colocada, e todos os Obreiros ativos ou não fazem da Loja o que é hoje. A Régua é considerada como símbolo do méto­do, da retidão, da Lei. Também pode ser considerada símbolo do Infinito, pois uma linha reta não tem começo, nem fim, assim pode representar o aperfeiçoamento que todos perseguimos. Tendo já dedicado uma Prancha a esta alfaia não me ficarei retido mais linhas neste tema.

Especialmente tendo em conta o que vivencio no desempenho de ambas as funções, sendo certo que uma é mais administrativa e outra mais pratica parece-me um pouco redutor termos apenas estas informações.

Chega assim a altura de pesquisar um pouco mais. Vendo uma definição corrente de Mestre de Cerimónias temos:

- pessoa que é anfitrião de um evento formal;

- pessoa que conduz um programa de entretenimento e introduz novos artistas no programa.

- (somente na música rap, abreviado "MC" ou "emcee") um rapper.

Oliveira Marques define como Mestre de Cerimónias: 

“1- Oficial de Loja, o oitavo na hierarquia (entre os Expertos e o Tesoureiro), encarregado da direção genérica do Ritual, incluindo a introdução de visitantes, a introdução e a condução de iniciados, a distribuição de esferas e boletins de voto para as eleições, a circulação do saco das proposições e do tronco da beneficência, etc. Senta-se à cabeça da coluna Norte, em frente do Grande Experto e ao Lado do Hospitaleiro. Tem por insígnias das funções um Bastão.

2- Nome dado ao 2º Vigilante nos capítulos do 11º grau (Sublime Cavaleiro Eleito) do R:.E:.A:.A:..”

Aqui destaco novamente a interpretação diferenciada de Oliveira Marques face ao Ritual que possuímos na colocação do Mestre de Cerimónias (interpretação que seguimos na nossa loja) e da sua insígnia (também interpreta de forma distinta o lugar do Experto, mas isso ficará para um outro dia, ou outro irmão explorar).

A função de Mestre de Cerimónias é no seu essencial uma função prática, talvez a mais “operativa” durante a sessão (em conjunto com o Secretário, que tendo uma função mais silenciosa por vezes será mais árdua pois tem de tirar boas notas para formular corretamente as atas, acresce que este ultimo vai acumulando funções nas sessões e administrativas fora delas).

Conforme referi anteriormente na parte relativa ao cargo de Tesoureiro sugiro a leitura do livro editado pelo Museu Maçónico, destaco as diferenças entre o descrito no livro e as praticadas na minha/nossa Loja, nomeadamente sobre a abertura e encerramento dos trabalhos.

Mais uma vez optei por não replicar o livro, optei por descrever “de cor” o papel de Mestre de Cerimónias que tenho vindo a aprender tendo desempenhado muitas vezes a função por diversas contingências simultaneamente com a de Experto, o que tem acrescentado algum sentimento adicional da minha parte às Sessões. Este exercício tem-me feito viver a função de uma outra forma, ganhando maior segurança em cada sessão com o apoio de todos os M:.Q:.I:., como me disse o nosso Soberano Grande Comendador numa sessão em que desempenhei com algum nervosismo a função antes de lhe dar entrada em loja “quem sabe desculpa e apoia, quem não sabe não percebe”.

O Mestre de Cerimônias ter pleno conhecimento dos Sinais, Toques e Palavras de todos os Graus. Deve também dominar o cerimonial Maçônico em qualquer tipo de Sessão, pois embora não seja um dos Dignitários da Loja, tem uma grande responsabilidade no decorrer dos trabalhos.

De todas as funções que já desempenhei ou por eleição ou por necessidade de determinada Sessão é a que mais me faz sentir parte da Sessão.

 

Algumas notas finais (ou não, talvez sejam declarações de intenções)

Devido a alguma limitação de tempo disponível acredito que muitos de nós lutamos com uma grande dificuldade em desempenhar com o brilhantismo exemplar as respectivas funções, contudo estou certo que damos a todo o momento tudo o que podemos, e como nas equipas que liderei profissionalmente é o que peço que seja feito.

Sei que estamos numa Loja exigente, e sei que assim o é, pois quando visito outras Lojas sinto que não trabalham mais ou melhor que nós.

Quando me pergunto qual a função que gostaria de desempenhar em Loja ou na nossa A:.O:. de qualquer função possível, a resposta que me vêm sempre é simples. A mais importante de todas, a de Irmão.

Quem teve a sorte de crescer com um Irmão (de sangue ou não), principalmente nos casos de idade mais próxima sabe que é uma relação impar, sendo certo que nessa relação se cultivam as primeiras contendas e competições, é também nesta que se aprende a amar desmesuradamente alguém com quem competimos, torna-se na primeira competição saudável que temos e que nos faz crescer. É nesta relação que muitos aprendem a guerrear, a elogiar, a defender, a ser sinceros, a chamar a atenção, a ter paciência, a discutir, argumentar, a ter uma preocupação mútua e desinteressada,  cumplicidade, trabalho em equipa, levantar quando vemos o nosso irmão cair, enfim tudo, até perdoar quando o nosso irmão falha, nos ofende e magoa física ou mentalmente sem que isso nos impeça de lhe dar nota e até apontar o dedo, mas a um irmão numa relação saudável conseguimos mutuamente fazer as pazes e avançar (não fosse uma das ferramentas que mais gosto a Trolha, mas a isso já dediquei no passado uma Prancha e não irei abordar essa ferramenta essencial aos nossos trabalhos, mas cujo significado sugiro exploração para quem ainda não visitou o tema).

Existem claro, casos onde a relação não é saudável como a representada por Abel e Caim, contudo penso que sejam em muito menor número que as relações saudáveis. Eu sendo o mais novo habituei-me a admirar o Irmão mais velho pela sua experiência, pela sua destreza, tive a sorte de ter um Irmão com capacidades cognitivas excepcionais que sei potenciaram a minha própria.

Dito isto, não é fácil ser Irmão, aprender a dividir, ganhar alguns complexos quando somos piores e muitas vezes, no meu caso, estas situações foram tudo menos pacificas. Aristóteles diz-nos que “as contendas e ódios mais cruéis são os dos irmãos, porque os que muito se amam muito se aborrecem”, é muito acertado, já que na minha vivência toda a competição, frustração é largamente compensada com tudo o de bom que se retira dessa relação.

Eu e meu irmão passámos de ser Irmãos em permanente guerra para vizinhos na idade adulta, numa cidade distinta da qual em que crescemos, quase numa busca de conforto, nunca tivemos uma relação de grandes palavras, o que contam são os atos, mas sei a importância que a sua presença próxima tem para mim (deve ser de família já que o nosso Avô, de onde origina o meu nome simbólico deslocava-se para ir ver o irmão, tocava à campainha e perguntava “Estás bom?” e se estivesse, recebia a sua resposta, despedia-se e voltava para casa). Em resumo, para mim os nossos Irmãos potenciam a nossa evolução, e é essa a grande importância desta relação. Passa-se o mesmo em Maçonaria.

Ao ser iniciados nesta Família que se escolhe, passamos a ser o Irmão A:.M:., subimos de salário, Irmão C:.M:., depois Irmão M:.M:., vem uma eleição Irmão Tesoureiro, ou Irmão Mestre de Cerimónias, ou Irmão Experto, ou Irmão Guarda Interno, ou Irmão Venerável, ou Poderoso Irmão de outra função ou Irmão Sapientíssimo Grão Mestre, o que quiserem. É nesta igualdade que vem a importância desta função, relação ou condição como lhe quiserem chamar se tiverem necessidade de fazer alguma definição.

Estranho por isso sempre muito quando depreendo que algum Irmão tem uma intenção carreirista na N:.O:.A:., pois não reconheço na Hierarquia da Loja ou do G:.O:.L:. um grau de importância superior entre Irmãos, para mim essa hierarquia é uma necessidade puramente funcional de forma a permitir um normal processo orgânico, evolutivo e nada mais. Reconheço sim, uma admiração profunda pelos Irmãos mais vividos (o que não está relacionado com os anos desde a iniciação ou o Grau que obtiveram), irmãos com vontade de partilhar as suas vivências e experiências, os Irmãos que nos ajudam a evoluir e a trabalhar melhor. Talvez seja da minha condição de nascimento de Irmão mais novo (que já referi), que sempre percebeu que o Irmão mais velho é mais experiente e que lhe abriu caminho para ter um percurso menos acidentado, enfim que nos dará ferramentas para melhor trabalha a nossa pedra bruta.

Assim, de todos os lugares que ocupei ou irei eventualmente ocupar há dois indicados para mim:

1º- o que for mais importante para a Loja num determinado momento;

2º- as Colunas, caso não tenha valor a acrescentar face a outro Irmão mais competente, ou com mais disponibilidade de tempo, ou mais interesse numa função ou que irá ganhar mais competências aproveitando assim melhor a sua vivência numa qualquer função e assim evoluindo mais, pois pela evolução dos nossos irmãos evoluímos nós próprios.

Resumidamente mais importante que a função, o lugar mas adequado para mim será sempre com os meus Irmãos, numa relação saudável como parte de uma forte e inquebrável Cadeia de União, onde sinto a falta física de todos que não estão fisicamente, mas que comigo ou através de mim estarão sempre presentes quando unirmos as nossas mãos.


Autor: Armindo Matias

domingo, 13 de março de 2022

O Guarda Interno

Quando fui instalado na nossa loja no cargo de Guarda Interno, tentei, digamos que por dever de ofício, estudar a função e os deveres que me ficaram confiados. Surpreendentemente, constatei que é o único cargo em Loja ao qual o Regulamento não estipula qualquer função, pelo menos expressamente.

Tive, pois, de recorrer a outras fontes, tendo ficado surpreendido com algumas descobertas que fiz, pelo que venho partilhá-las com os meus queridos irmãos.

Aprendi desde logo que é ao Guarda do Templo que se confia preponderantemente a eficácia do 15º Landmark: nenhum visitante desconhecido aos irmãos de uma Loja pode ser admitido a visitar, sem que antes de tudo seja examinado, conforme os antigos costumes.

Ora, se na maçonaria operativa cabia aos guardas do Templo zelar para que ninguém perturbasse a sessão (e daí o porte das espadas e a sua presença na joia representativa do cargo), na maçonaria especulativa o Guarda Interno, ou simplesmente o Guarda do Templo (dada a ausência de Guarda Externo) limita-se a dar entrada aos irmãos que chegam após a abertura dos trabalhos, para além do ritual em que informa o Primeiro Vigilante que o Templo está coberto, ajudando-o assim no seu primeiro dever.

Não obstante, a função não é despicienda, e é muitas vezes entregue ao Venerável Mestre que sai (embora não no mandato logo subsequente, em que deve ocupar o lugar de past-Venerável, à direita do novo Venerável, como sinal de solidariedade e ajuda, pondo a sua experiência ao serviço do auxílio ao novo Venerável, alegadamente inexperiente), mas logo no mandato seguinte, se a Loja dele não carecer para outro cargo. Há quem refira que ao ir ocupar este cargo, pretensamente subalterno, está a sinalizar a humildade que todo o bom maçon deve possuir, mas a verdade é que também, em certas circunstâncias, é necessária uma profunda experiência e um grande conhecimento do ritual para (quando seja caso disso), “telhar” um pretendente a entrar na Loja, que tem de ser interrogado por sinais, palavras e toques, para constatar, pelas suas respostas, se ele é mesmo maçon e se o seu grau corresponde ao grau para o qual trabalha a Loja. Para isto, é necessário que o Guarda do Templo conheça todos os membros da sua Loja, todos os sinais, todas as palavras de passe, todas as senhas e as peculiaridades de cada grau. É verdade que no Rito Escocês Antigo e Aceito, a competência para telhar é do Experto, e, na sua ausência, do Guarda Externo.

Não obstante, é hoje vulgar não haver Guarda Externo, sendo já relativamente frequente algumas Lojas prescindirem do Experto. Por outro lado, mesmo havendo Experto, pode este ter faltado e não ter havido irmãos em número suficiente para o exercício daquele cargo. Neste caso, a competência para aquela função cabe ao Guarda Externo, que tem de a saber executar.

Em todo o caso, posso assegurar, por experiência própria, que a falta de experiência maçónica para o exercício deste cargo necessita de um árduo trabalho para ser compensada e para que o cargo possa ser exercido com a mínima competência. Ainda assim, se os erros cometidos por este Guarda Interno fossem pequenos confettis que caíssem para o chão, seria necessária uma vassoura no final de cada sessão para varrer o Átrio do Templo.

A expressão “telhar”, que se tem vindo a utilizar, é a tradução do nome dado ao Guarda do templo nas diversas línguas, sempre em sinónimo de “telha”. Em inglês, “tiler” (de tile); em francês ”tiler” de tile); em italiano, “tegolatore” (de tegola). Na verdade, na maçonaria operativa o Templo era fechado, no final da sua edificação, pondo-se lhe as telhas, e verificando-se que a construção ficava assim abrigada de que, no seu interior, não penetrassem, água, humidades ou quaisquer impurezas. Se o Templo não ficava bem coberto com as telhas a água entrava. É por isso que estando um profano infiltrado entre irmãos dizemos “chove”. Se chove no Templo significa que este foi mal “telhado”, ou seja, mal coberto. Porque cobre o Templo, o seu Guarda é também chamado “Cobridor”. E por extensão, cobrir o Templo passou também a significar “sair”.

Como em tudo na Maçonaria, há por vezes dúvidas em relação ao cumprimento do ritual em relação àquilo que nos parecem contradições. Apurei que há Lojas do nosso rito em que o Guarda do Templo não participa na Cadeia de União com o argumento de que não pode abandonar o seu lugar, deixando o Templo sem proteção.

A esta dúvida responde PEDRO JUK de forma aparentemente sensata: se a cadeia de união ocorre após o encerramento, senão dos trabalhos, pelo menos da ordem do dia, a Loja já não está aberta em laboração, pelo que nela participa também o cobridor, seja ele o Guarda Externo, quando exista, seja ele o Guarda Interno, quando nessa função. Deve, portanto, formar-se a Cadeia de União após o fecho da Loja, ou pelo menos, da Ordem de Trabalhos, depois de o Orador já ter tirado as conclusões da sessão.

O Guarda Interno, ou mais propriamente o seu lugar em Loja, também tem outro significado simbólico. É consensual o entendimento de que os oficiais se situam, perfeitamente, nos braços de uma estrela de seis pontas, ou “Selo de Salomão”, o Venerável e os dois Vigilantes formando o triângulo ascendente, ou o Triângulo da Espiritualidade e o Orador, o Secretário e o Guarda do Templo formando o triângulo descendente, ou o Triângulo da Materialidade. Deste modo, no vértice superior, o Venerável representará o Espírito, e no vértice inferior o Guarda do Templo representa a matéria densa do corpo físico. Espiritualidade e materialidade. Uma dúvida que se põe é como essas espiritualidade e materialidade se comunicam. Para comunicar que o Templo está coberto o Guarda Interno comunica com o Primeiro Vigilante, visto que essa verificação é o primeiro dever deste em Loja. Porém, se batem à porta, deverá o Guarda Interno informar o Venerável Mestre diretamente? Parece que não. Se para pedir a palavra não só o Guarda Interno como qualquer obreiro tem de o fazer pelo Vigilante da sua coluna, para aquela incidência também o Venerável Mestre terá de ser informado através do respetivo Vigilante, neste caso o Segundo. O Venerável, por sua vez, é que tem o direito de lhe responder como entender – diretamente ou através do segundo Vigilante – porque esse é um seu privilégio regulamentar, não sendo necessária a complicação adicional que por vezes existe e que eu vi assim escrita: “O Venerável comunica-se com o Guarda do Templo por meio do Segundo Vigilante, significando isto que o Espírito não atua diretamente na matéria densa do corpo físico, senão que por intermédio da inteligência influi no duplo etérico, embora uma vez realizada a investigação, a mente possa influir no duplo etérico para que comunique o assunto diretamente ao espírito. Para simbolizar isto, há em algumas Lojas o costume de dizer o segundo Vigilante, ao dar a ordem: Irmão Guarda do Templo, vede quem solicita a entrada e comunicai-o ao Venerável”.

Meus queridos Irmãos sei que por minha natureza não sou tão exotérico quanto desejaria, mas estes teosofismos não me quadram e não creio que não se possa ser um bom maçon prescindindo de tais zelos, tão ciosamente preservados. No meu caso, garanto-vos que aceitei e exerço com humildade o cargo de Guarda Interno, mas recuso-me a ser o “duplo etérico”, seja lá isso o que for.

Em todo o caso, a Maçonaria é isto mesmo, é ousar, é sobretudo ousar pensar diferente, desde que para aperfeiçoamento pessoal e na procura de progresso para todos e de harmonia para o Mundo.

Para terminar, gostaria de partilhar que encontrei referências a algumas práticas que nunca vi na nossa Loja, mas que me pareceram adequadas. Por exemplo: batendo um obreiro maçonicamente à porta (três pancadas), se o Cobridor não lhe puder imediatamente dar ingresso responderá com outras três pancadas no lado interno da porta. Deste modo, o obreiro do lado de fora compreenderá que está a ter lugar um acto demorado (uma votação ou a leitura duma prancha) e não ficará na dúvida acerca se foi ouvido.

Outra novidade, para mim, foi a forma como há quem anuncie que o Templo está coberto. No caso de haver Guarda Interno e Guarda Externo, aquele bate pelo lado interno da porta, respondendo-lhe estepelo lado externo. Dados estes sinais, o Guarda Interno faz a comunicação ao Primeiro Vigilante. Na situação de não haver Cobridor Externo, o Interno, na oportunidade, de espada empunhada, faz a verificação abrindo a porta e averiguando a situação no átrio. De retorno, ele fecha a porta e dá na mesma a batida com o punho da espada na porta, antes de comunicar com o Primeiro Vigilante. Trata-se de um sinal simbólico, que indica que a sua resposta foi precedida do cumprimento do respetivo dever.

Assim me venho preparando, com estas pesquisas, para o exercício do meu cargo, e agradeço aos Meus Queridos Irmãos que tenham partilhado comigo estas considerações.

 

Autor: Bocage