domingo, 26 de novembro de 2023

A Alavanca

Um Símbolo consiste na representação visível de uma ideia ou de uma força nele ocultado. É fundamental procurar em cada símbolo o seu significado maçônico, aquele sentido que nos pode levar ao aperfeiçoamento moral e ético e que nos ajude a ter consciência das imperfeições da Pedra Bruta que somos para que as possamos corrigir.

Foi no decurso da cerimónia de aumento de salário que tomei consciência de que muito pouco ou quase nada sabia sobre a Alavanca, importante símbolo da Maçonaria. Senti então vontade, ou melhor, necessidade de conhecer exaustivamente o significado e tudo o mais que a ele se refere. É, pois, este o resultado do meu trabalho de pesquisa na procura do conhecimento do muito que diz respeito a este símbolo.

Na cerimónia de iniciação, o neófito, renascendo espiritualmente, começa um longo percurso da sua nova vida com a aprendizagem gradual dos segredos maçónicos, saindo da escuridão em que se encontrava passando para a “luz” do conhecimento que até então lhe era vedado.
Nesta celebração o candidato é submetido a três viagens, iniciando um processo de transformação pessoal pelo esforço contínuo de reflexão visando o aperfeiçoamento do conhecimento e da sua mente pela evolução intelectual, moral e espiritual.
O iniciado é sim, o que vive verdadeiramente a iniciação e não apenas o que ritualmente por ela passou.

Agora Aprendiz Maçon, tem como tarefa árdua o estudo e a assimilação do conhecimento referente a todos os símbolos que encontra dentro do Templo. 
O Aprendiz no seu processo de crescimento interior, filosoficamente começa simplesmente por aprender a desbastar a sua Pedra Bruta sendo simultaneamente a matéria-prima, a obra e o seu autor. Funciona assim a psicologia do desenvolvimento maçônico. Simbolicamente, começa por libertar-se de paixões, erros e vícios, passando de Aprendiz a Companheiro, deixando o três para assimilar o cinco.
 Alcançado esse objetivo é proposto para elevação ao grau de Companheiro, o segundo dos três Graus Simbólicos do Rito Escocês Antigo e Aceito. 

Já não sendo Aprendiz e sem ainda ter alcançado a posição de Mestre, como Companheiro assumirá então o importante estatuto de laço de união entre aqueles dois graus.
No ritual de aumento de salário, o recipiendário é acompanhado pelo Irmão Experto em cinco viagens equivalentes aos cinco anos de preparação que os discípulos de Pitágoras (mestre nas antigas iniciações) teriam de ter para que se tornassem capazes de ensinar e serem dignos de serem ouvidos.

Tal como nessas viagens, assim acontece com o nosso percurso   intelectual em direção à Verdade e ao Conhecimento tal como com a marcha moral rumo a um ideal de perfeição, que se revela cada vez   com maior clareza à medida que avançamos na direção que nos conduzirá à sua realização. No início de cada uma delas o recipiendário recebe os respetivos instrumentos que os devolve no final da mesma, sendo-lhe então explicado o seu significado bem como o da viagem então efetuada.

Para a primeira viagem são-lhe entregues o maço e o cinzel, para a segunda o esquadro e o compasso, para a terceira a alavanca e a régua, para a quarta o nível e finalmente para a quinta viagem recebe a trolha. 

Agora no 2º grau maçónico, o Companheiro (etimologicamente é aquele que faz parte de um grupo que reparte entre si o mesmo pão) passou da perpendicular ao nível, conhecendo o esquadro o nível e o prumo. A pedra que era bruta passa nesta fase a ser polida, pois o Aprendiz amadureceu evoluindo para um estado no qual se apresenta pronto a examinar os aspetos mais profundos do seu processo psicológico e da sua própria consciência.

Na terceira viagem de elevação a Companheiro, através de aquisição de conhecimentos científicos é encetado o estudo da Natureza. Nela, o recipiendário recebe para além da Régua e por substituição do Compasso, a Alavanca. Estes dois últimos têm em comum o facto de possuírem três pontos (apoio, a potência e a resistência) que determinam a sua funcionalidade como instrumentos ativos na maçonaria operacional ou filosófica. A Régua, que permite traçar linhas retas que poderão ser prolongadas infinitamente, é o símbolo da lei moral no que ela tem de imutável e rigoroso.
   
Foi, pois, na 3ª viagem da minha Elevação ao 2º Grau da Maçonaria, que tive o primeiro contacto com a Alavanca, instrumento do Grau de Companheiro cujo significado me propus aprofundar.

Em Física, a alavanca é uma máquina simples constituída por um objeto rígido que, utilizando um ponto fixo de apoio (fulcro), consegue multiplicar a força mecânica que é aplicada (força potente) a um outro objeto (resistência / força resistente).   Esta forma de aumento de força constitui o conceito de ”vantagem mecânica”.

Dependendo da relação espacial destes três pontos (fulcro, força aplicada e resistência), assim se classificam os tipos de alavancas: interfixas, interpotentes e inter-resistentes. Quando o ponto de apoio (fulcro) está entre a força aplicada e a força resistente, a alavanca é interfixa (exemplo: tesoura). Se a força resistente estiver entre o ponto de apoio e a força aplicada, a alavanca é inter-resistente (exemplo: quebra nozes). Caso a força aplicada esteja entre o ponto de apoio e a força resistente, então a alavanca é interpotente (exemplo: pinça).

O ponto de apoio deve ser tão ou mais resistente que a própria alavanca para que não comprometa o processo por ineficácia. Da mesma forma é de fundamental importância a Força Potente, força esta que é exercida em determinado ponto da alavanca para que a Força Resistente seja vencida.

“Deem-me um ponto de apoio e moverei a Terra”, terá sido dito   por Arquimedes no século III a.C. ao compreender a Lei da Alavanca. Trata-se duma manifestação filosófica que salienta a enorme importância e valor do "ponto de apoio".

A palavra Alavanca (do latim levare) refere-se ao início da ação de levantar alguma coisa. Tem como princípio básico a possibilidade de poder mover grandes cargas pela aplicação de pequenas forças utilizando sempre um ponto de apoio.

Se na primeira e na segunda viagens o Maçon desbastou a pedra bruta, criando a partir desta, peças mais perfeitas e passíveis de se adaptarem, é na terceira viagem, com a ação da Régua e da Alavanca (instrumento de colocação a par da trolha) que as pedras já se podem unir, começando assim verdadeiramente a edificação do Templo. 

A Alavanca pode representar o desenvolvimento da nossa inteligência e consequente compreensão para regular e dominar a inércia da matéria, levantando-a e movendo-a em direção ao lugar que lhe está destinado na construção do nosso Templo Individual. 

Metaforicamente a Alavanca representa a energia criadora do Homem, a força do trabalho e da vontade, que através da sapiência é posta ao serviço de toda a humanidade. Simboliza o controlo e o domínio da força em ação, movimento que permite vencer os obstáculos, a resistência moral ou material, assim como ultrapassar medos e fraquezas, sempre na condição de ser capaz de encontrar o seu ponto de apoio.   

Na Maçonaria cada irmão constitui um “ponto de apoio”, e todos unidos representam a Alavanca e a sua força. Há pois, que aprender a usar esse enorme poder que a Maçonaria proporciona.

Tendo sempre presente o significado metafórico da Alavanca, os maçons deverão ser resolutos, decididos e persistentes no seu esforço permanente visando ultrapassar os desafios que surgem constantemente, perante os quais é imprescindível exercer a flexibilidade na prática contínua da Tolerância.


Autor: João Bosco

sábado, 11 de novembro de 2023

O Nível

É largamente consensual que a Maçonaria especulativa tem a sua origem na Maçonaria operativa e que foi ganhando expressão à medida que a última ia perdendo fulgor. As lojas operativas deixaram de ser compostas exclusivamente por pedreiros livres e começaram a receber cada vez mais profissionais e pensadores oriundos de outras disciplinas do saber.

A essência destas lojas mistas deixou progressivamente de ser a partilha de técnicas de construção de edifícios monumentais e de templos para se transformar na partilha de técnicas de construção do templo interior, presente em cada um dos irmãos que as compunha.

Durante esta conversão progressiva das lojas operativas em especulativas, muitos dos costumes e ferramentas foram tomados de empréstimo, mas revestidos de uma nova e enorme carga simbólica. O Nível, tema desta prancha, não é excepção.

No mundo profano, o Nível pode ser definido como o “instrumento que serve para determinar a horizontalidade de algo…”, ou ainda como a “linha ou conjunto de pontos que define um plano horizontal” . Era este o uso que lhe era destinado pelos maçons operativos.

Passemos agora ao mundo ritualístico da Maçonaria especulativa. O Nível é a jóia do Primeiro Vigilante e uma das jóias móveis da loja, em conjunto com o Esquadro e o Prumo.

O Nível é habitualmente representado por um triângulo isósceles, com um prumo suspenso no vértice oposto à sua base. O prumo divide, desta forma, o triângulo em dois pequenos esquadros.

A um olhar minimamente atento não passará com certeza despercebido que o Nível, a jóia do Primeiro Vigilante, é formada pelo conjunto das jóias do Venerável Mestre - o Esquadro - e do Segundo Vigilante - o Prumo.

Quanto ao simbolismo associado ao Nível, vejamos o que diz o Segundo Vigilante ao ainda Aprendiz, durante a cerimónia de aumento de salário a Companheiro.

“Meu irmão, o nível de que fostes portador nesta viagem simboliza a igualdade social. Esta igualdade não consiste somente na paridade dos direitos e na equivalência dos deveres entre os membros da sociedade: implica o levantamento dos fracos, o melhoramento dos deserdados da sorte e dos desgraçados.” 

Deduzimos, então, da anterior citação que o Nível representa simbolicamente a igualdade social.

Recuemos agora ao momento da nossa iniciação maçónica. Nesse dia, cada um de nós jurou o solene compromisso de constantemente aperfeiçoar a arte da transformação da pedra bruta em pedra cúbica. Iniciámos esse trabalho, focados na pedra, enquanto Aprendizes, com o auxílio do maço, do cinzel e da régua de 24 polegadas.

Progredimos nesse trabalho enquanto Companheiros. O desafio é diferente. Não estamos concentrados numa pedra, na unidade, mas sim no seu conjunto e - de forma a garantirmos que são construídas superfícies estáveis, niveladas e equilibradas - socorremo-nos de uma nova ferramenta, do Nível. 

Retiramos daqui que o Nível também está associado ao equilíbrio. O equilíbrio é uma consequência do atingimento da igualdade, pois, na prática, só atingimos o equilíbrio se conseguirmos garantir a igualdade entre duas forças antagónicas.

Nada melhor do que este antigo texto maçónico, de cerca de 1790, para nos ajudar a compreender o verdadeiro sentido dado pela nossa Ordem à igualdade:

“Entre nós o que há mais agradavel, além de contar com tantos Irmãos, quantos Mações, he a igoaldade que se observa, e que se simboliza ao Nivel. Luiz 14, Frederico, e Ganganelli tinhão entre nós o mesmo lugar que qualquer outro. Á meza tinhão a mesma obediencia. Cantavão, se os mandavão, e bebião a saude que se lhes propunha com a mesma allegria, sem soberania, nem distinção. Todos somos igoais. (...)

E em breve vos tenho dito tudo o essencial da Maçonaria; de resto tudo são acidentes, de graos, e significações, que embelezão mas que não mudão a Substancia: por isso ouvireis falar de grao de Mestre Companheiro etcª que não são mais que adições de mais brilhante ornato, e distinção, e que alguns factos celebres da historia lhe derão origem, mas que tudo recorre em ser o Maçon hum homem honrado, e verdadeiro Irmão dos seus Irmãos.” 

O Nível deve inspirar-nos a agir de “... forma imparcial, tolerante e harmoniosa, mantendo a rectitude e igualdade entre todos obreiros perante as leis e morais maçónicas (apesar das funções ou “qualidade” que estes detenham, pois tudo é efémero!), vivenciando estas com cordialidade no trato, carinho, educação e respeito entre todos, seja entre aquele que de momento ocupa o mais elevado grau na Ordem, seja sobre aquele que ainda agora foi iniciado nos nossos mistérios… Desta forma o Nível relembra que ninguém deve dominar outrem.

– Até porque todos nós teremos o mesmo fim. Tempus fugit… -.” 

Mas porquê esta prancha sobre o Nível, sobre a igualdade e o equilíbrio? Porque até a pessoa mais desatenta constata que, na actualidade, estes valores estão a ser relegados para um qualquer plano muito irrelevante. Estamos numa época de decadência civilizacional, que se manifesta num retrocesso em muitos campos. O mundo está cada vez mais desigual. Temos de parar, reflectir e corrigir o rumo.

É necessário recolocarmos valores inalienáveis como estes no centro das preocupações e cada Maçon pode e deve fazer a diferença. Não nos esqueçamos que, ao longo dos tempos, Irmãos Nossos verdadeiramente iluminados assumiram papéis determinantes na luta pelas igualdades. Cabe-nos agora a nós, os maçons de hoje, esse dever.

É somente através da igualdade, proporcionada pelo respeito e pela aceitação, que a verdadeira fraternidade é possível de ser alcançada.

Tomo de empréstimo as palavras de Balzac, com as quais ele nos transmite que “A igualdade pode ser um direito, mas não há poder sobre a Terra capaz de a tornar um facto”.

Jurámos trabalhar incessantemente para alcançarmos um mundo cada vez mais justo, melhor e mais igualitário. Mas este trabalho não pode aguardar uns dias, tem de ser feito ontem. Mãos à obra!


Autor: Abílio Mendes