terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

As Luzes da Loja


Na Maçonaria existem “luzes” fundamentais divididas em dois “grupos”, que são as três luzes do templo e as três luzes emblemáticas da maçonaria. As três luzes do templo são respectivamente o Venerável Mestre, o 1º Vigilante e o 2º Vigilante, sendo por esta ordem as maiores autoridades na direcção dos trabalhos. Cada um com suas atribuições, formando um todo que deve funcionar em harmonia. Cada um deles tem a sua simbologia e as suas responsabilidades.

O Venerável Mestre é a dignidade máxima do templo. Ele representa a Natureza em todas as suas manifestações. Deve, pois, presidir os trabalhos com absoluta justiça e retidão, agindo de acordo com a Lei e de forma imparcial. Assim, deve traduzir a expressão dos sentidos de justiça, equidade e igualdade, ao abrir e presidir os trabalhos em loja. Está associado ao planeta Júpiter, que simboliza a sabedoria, e era considerado o rei dos deuses na mitologia romana e representante do dia. Com assento no altar colocado no oriente do templo, e no eixo da loja, é o referencial moral e intelectual da loja, é o guardião do equilíbrio que deve reinar entre maçons.
A ele está associado o esquadro, símbolo da sabedoria e rectidão das suas acções, pautadas pela justiça. O esquadro tem um ramo mais curto que o outro, tal como um triângulo rectângulo, ou triângulo de Pitágoras. O ramo mais longo, deverá estar voltado para o lado direito no peito, para salientar a preponderância do activo (direito), sobre o passivo (esquerdo). Ele tem também o significado de equidade, equilíbrio e justiça e transmite a ideia da imparcialidade e da plenitude de carácter. É o guia, o referencial, a primeira luz. As suas acções e características influenciarão, na aprendizagem e na vida maçónica, os restantes elementos da loja.

O 1.º Vigilante, associado ao planeta Marte, que era o senhor da guerra, simboliza a força. Em ordem hierárquica, ele secunda o Venerável Mestre, podendo em alguns ritos substituí-lo em caso de impedimento. Em regra, senta-se no Ocidente do templo, junto à coluna norte, e tem a seu cargo a coluna sul, a inspecção e vigilância dos companheiros, além de seus deveres fundamentais, que são dois: verificar se o templo está a coberto de profanos e se todos os presentes são maçons.
Tem como símbolo o nível, que representa a igualdade. Como instrumento, ferramenta do construtor, do pedreiro medieval, o nível sempre foi de fundamental importância. O nível maçónico é, contudo, diferente do nível de pedreiro. Ele tem a forma de um triângulo, saindo uma perpendicular do ápice, ficando solta no espaço, com um pequeno cilindro de chumbo na ponta, dividindo o triângulo em dois esquadros. É o instrumento destinado a determinar a horizontalidade de um plano. Ao ser integrado na ordem simbólica, provoca a reflexão acerca da igualdade, base do direito natural, e lembra aos Maçons que todos somos – filhos da mesma Natureza – e que devemos interagir com igualdade fraterna. Todos são dignos de igual respeito e carinho, seja aquele que ocupa o mais elevado grau da Ordem, seja o que está a iniciar a sua vida maçónica. Lembra que ninguém deve dominar os outros e remete-nos para um dos valores base da Maçonaria que é a fraternidade. É a segunda luz em loja, e é constantemente solicitado pelo Venerável Mestre, esclarecendo, orientando os demais maçons.

O 2.º Vigilante, associado ao planeta Vénus, a deusa romana de igual nome, símbolo do amor e da beleza, simboliza a concórdia. Em loja, está sentado no Ocidente, junto à coluna sul. A sua função é observar o sol no meridiano, chamar os obreiros ao trabalho, pela direcção e orientação da coluna de Aprendiz, trabalho por demais importante para garantir que estes se tornam verdadeiros e diligentes obreiros maçónicos. Tem ainda a função de substituir o 1º Vigilante na sua ausência e de transmitir as ordens do Venerável Mestre na sua coluna. É ele que responde ao Venerável Mestre sobre quais os três pilares básicos de apoio da loja, que são: Sabedoria, Força e Beleza, que correspondem às três luzes do templo, que como vimos são o Venerável Mestre, e os 1º e 2º Vigilantes.
Tem como símbolo o prumo. Este instrumento é composto por um peso, geralmente de chumbo, suspenso por um fio que forma a perpendicular. Serve para se verificar a verticalidade de objectos. Na Maçonaria, é fixado no centro de um arco de abóbada. Este artefacto simboliza a profundidade do Conhecimento e da rectidão da conduta humana, segundo o critério da moral e da verdade, tão caros à ordem maçónica. Incita o espírito a subir e a descer, já que leva à introspecção que nos permite descobrir os nossos próprios defeitos, e nos eleva acima do carácter comum. Com isso, ensina-nos a seguir com firmeza e sem desvios pela estrada da virtude, sem nos deixarmos levar pela avareza, pela injustiça, pela inveja e pela perversidade, valorizando a rectidão de julgamento e a tolerância. O prumo é considerado como o emblema da estabilidade, qualidade inerente à função do 2º Vigilante. É a terceira luz em loja.

Estas luzes estão ainda simbolizadas através das luminárias acesas nas colunetas do templo: a coluna dórica, a força, o nível, a procura da justiça da equidade e do equilíbrio, que corresponde ao 1º Vigilante; A coluna jónica, da sabedoria, correspondente ao Venerável Mestre; a coríntia, a da beleza, que corresponde ao 2º Vigilante, que com o seu fio de prumo, defende o equilíbrio, o controlo, a verticalidade e a conformidade com a regra.

Autor: António Egas Moniz

terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

Vais mais longe?

O Símbolo é um elemento essencial na comunicação, o mesmo está no nosso dia a dia sob as mais variadas formas do saber humano. Cada um de nós absorve o Símbolo de uma forma muito pessoal, atribuindo-lhe um determinado significado.
O Símbolo, embora com uma matriz que lhe é inerente, quando integrado com a característica pessoal de cada um, transporta-nos por mundos e mundos que se vão interligando, formando Caminhos que nos poderão levar a uma compreensão maior de nós próprios e do mundo em que vivemos.

Passei da minha anterior condição de Aprendiz, onde o Silêncio era essencial, para melhor trabalhar, melhor aprender numa lapidação da minha Pedra Bruta sempre feita de dentro para fora. Para chegar até aqui fiz 5 Viagens, onde me foram mostradas todas as possibilidades de evoluir como ser humano e maçon, elas reflectiram como seria todo o meu futuro, numa imensa possibilidade de escolhas, de uso de Instrumentos e seus Simbolismos. O número Cinco é o número do Grau de Companheiro, e foi na sequência da 5ª Viagem de “mãos e alma” Livre que fiz o meu Juramento, só podemos jurar sendo plenamente livres, pois temos de jurar com o coração. E foi isso que senti nessa Quinta Viagem, uma Poderosa Liberdade da Alma que me acompanhou ao Altar dos Juramentos e disse: Juro! O número cinco está traduzido na Estrela Flamejante que em si é o Emblema que eleva as grandes causas, sendo essa a finalidade de todos nós e a minha.

O Homem, como miniatura do mundo, com os seus quatro membros e a cabeça que os governa, a sede da Inteligência, a cabeça elevada ao céu de onde vem a Verdadeira Luz, esse Espírito empreendedor fundamental para a harmonia do Homem com o Universo. A Estrela, composta por 5 linhas rectas possuindo 5 pontas, vem desde os primórdios da Humanidade, além do seu significado primordial dos 5 elementos, Ar, Fogo, Água e Terra sendo que o 5º elemento é a Força, o Espírito que os anima e governa. Era a Estrela do Microcosmos, o pequeno Universo – o Homem – dominando o Espírito sob Matéria, a Inteligência sobre os Instintos, a Mente sobre o Corpo. Era também a representação da deusa Vénus, a deusa da Primavera onde tudo floresce, interpretada simbólicamente com os conceitos de Abundância, Geração, Nutrição, Beleza e Harmonia, nos Poemas de Ovídio (poeta romano nascido em 43 A.C.), refere que foi ela que deu as Leis ao Ceú e à Terra, às ondas e a todas as criaturas viventes e que reuniu nos laços da Sociedade os primeiros Homens e lhes retirou o aspecto feroz e bárbaro, e lhes ensinou a União dos sexos em toda a sua santidade e grandeza.

O planeta Vénus também conhecido, como Estrela D’Alva, Estrela da Manhã ou o Portador da Luz, é o mais brilhante dos Cinco planetas conhecidos na antiguidade, o mesmo descreve um Pentagrama perfeito no plano elíptico do céu a cada 8 anos, assim, este fenómeno de Vénus e o seu Pentagrama tornaram-se o Símbolo da Perfeição e da Beleza, e em tributo a esta “magia” de Vénus, os gregos usaram os semi-ciclos do seu Ciclo de 8 anos para organizar os seus Jogos Olímpicos. As Olimpíadas modernas continuam a seguir estes semi-ciclos de Vénus onde a Estrela de cinco pontas esteve muito perto de tornar o seu Emblema oficial, sendo substituída por Cinco anéis entrelaçados simbolizando a União dos Povos dos Cinco Continentes. A Estrela de cinco pontas era usada também como emblema dos Pitagóricos, em que o seu lema era “Tudo é número” e rendiam verdadeiro culto a este número natural considerando-o como a essência de Todas as Coisas.

Na verdade, e depois de ficar desperta neste sentido, encontro o 5 em várias coisas, eu, um tão pequeno Universo de cabeça erecta em busca de Conhecimento em tudo o que me rodeia, com os meus Cinco Sentidos que na simbologia medieval, eram vistos nas cinco pétalas de muitas flores, que podemos observar na arquitectura gravada na pedra. As Cinco Cores primárias, que dão origem a uma infinita paleta de cores na natureza, os Cinco Pontos Cardeais( incluso o do meio) – o centro, que orientam os Homens, os animais e o mundo. Os Cinco Reinos dos Seres Vivos, os Cinco Bens da Felicidade: a Riqueza, a Longevidade, a Paz, a Virtude e a Saúde. São estes os verdadeiros Caminhos, as Cinco Viagens da minha vida, aqueles que quero trilhar em plena Liberdade da Alma, buscar a Sabedoria em tudo quanto existe, não somente o saber, mas saber como a usar, ter um dominio positivo sobre o saber.   
As Cinco Qualidades do Homem Perfeito: Bondade, Justiça, Amor, Sabedoria e Verdade:
Verdade - Não há Justiça sem a Verdade, pois as injustiças ocorrem pelo desconhecimento da Verdade. 
Justiça - Conhecimento não requer Justiça, pois é possível ser injusto com Conhecimento, mas não existe, nem nunca existirá Sabedoria sem Justiça.
Bondade - Não existe um tratamento justo, verdadeiro e sábio sem Bondade, pois a Bondade impulsiona a busca da Verdade para eu possa efectivar uma Justiça sábia.
Amor - A manifestação da Essência Cósmica em cada um de nós. A Verdadeira Luz!

Vais mais longe? - Vi a Estrela Flamejante!


Autor: Asherah

terça-feira, 12 de fevereiro de 2019

Álvaro de Campos - Nome Simbólico

É talvez pouco convencional a escolha como nome simbólico de uma figura que não teve uma existência física, mas na verdade Álvaro de Campos foi tão real quanto é possível a um heterónimo, confundindo-se na vida e na escrita com Fernando Pessoa. É deste modo que, através de Álvaro de Campos, pretendo prestar homenagem a quem considero uma das figuras mais relevantes da literatura Portuguesa. 
Tecendo em primeiro lugar algumas considerações sobre Fernando Pessoa ortónimo, quer como homem quer como cidadão, partilho não só do seu “orgulho nacionalista”, como da sua postura liberal e anti reacionária, bem patentes na sua ideologia política; apesar de indiciar que o sistema monárquico seria o mais indicado para uma nação dita imperial como Portugal, acha-o inviável no contexto da época, mostrando-se favorável à República. Revejo-me também no seu patriotismo e humanismo e, como agnóstico não convicto, entendo o seu ceticismo quanto à religião. Pessoa toma-se por um Cristão gnóstico e como tal inteiramente oposto a todas as Igrejas organizadas, sobretudo à Católica, mostrando um especial interesse na Santa Kabbalah, que considera a fonte comum de todo o iluminismo e filosofia esotérica. Consta ter sido iniciado nos três graus menores da Ordem Templária de Portugal e foi um profundo conhecedor da essência da Maçonaria, bem patente no artigo “Associações Secretas”, escrito em sua defesa e publicado no Diário de Lisboa de 4 de Fevereiro de 1935; este foi possivelmente o seu mais importante texto político, quer pelo seu conteúdo quer pela repercussão social que alcançou; considerando o regime que Portugal vivia à época, Pessoa demonstra uma admirável coragem, impossível de não ser louvado. Fernando Pessoa escritor, é alguém cuja vida parece se resumir à própria obra e que, ao mesmo tempo, põe em dúvida a cada momento a sua existência como pessoa e como autor; a sua escrita exprime constantemente os seus sentimentos ou as suas crenças, quer através do próprio quer através dos seus heterónimos. 
Qual a razão por detrás destes heterónimos, como Ricardo Reis, Alberto Caeiro e em particular Álvaro de Campos (omito propositadamente o semi-heterónimo Bernardo Soares)? É um tema de amplo debate se a sua escrita seria fruto de um puro génio ou potenciada por alguma patologia do foro psiquiátrico; o próprio Pessoa refere-o numa carta a dois psiquiatras franceses, datada de 10 de Junho de 1917, da qual não resisto em salientar três excertos que caracterizam bem a sua “omnisciência”:
Primeiro: "Do ponto de vista psiquiátrico, sou um hístero-neurastênico, mas felizmente minha neuropsicose é bastante fraca … Exceto nas coisas intelectuais, onde cheguei a conclusões que tenho como firmes, mudo de opinião dez vezes por dia; só tenho juízo assentado a respeito de coisas em que não haja possibilidade de emoção".
Segundo: "… a emotividade excessiva perturba a vontade; a cerebralidade excessiva (a inteligência por demais apaixonada pela análise e pelo raciocínio) esmaga e amesquinha essa vontade que a emoção acaba de perturbar".
Terceiro: "Quero sempre fazer, ao mesmo tempo, três ou quatro coisas diferentes; mas no fundo não só não faço, mas não quero mesmo fazer nenhuma delas. A ação pesa sobre mim como uma danação: agir, para mim, é violentar-me".  
Independentemente do diagnóstico médico de Pessoa, fica patente a complexidade do seu pensamento e a profunda e constante introspeção que ele faz de si próprio e do mundo que o rodeia; Pessoa é um viver de emoções difícil de descrever, até mesmo para ele próprio, fruto de uma inteligência rara e apaixonada pela análise e pelo raciocínio, contraposta à sua incapacidade ou falta de vontade em agir.
Na carta a Adolfo Casais Monteiro, onde pela primeira vez Pessoa fala abertamente dos seus heterónimos, este explicita que os mesmos surgem com os poemas de que são autores e não são ideados previamente à sua escrita. Na mesma carta, e em referência concreta a Álvaro de Campos, Pessoa escreve “pus em Álvaro de Campos toda a emoção que não dou nem a mim nem à vida”. Talvez assim se explique a sua negação da realidade concreta do mundo objectivo, o estado de permanente desencanto perante a vida e da criação de personalidades fictícias nas quais proteja a vida que ele próprio não consegue viver - os seus heterónimos.
Longe do génio e clarividência de Pessoa, sinto idêntico rol de emoções e sofrimento com a realidade algo trágica de uma humanidade que está muito longe do que havia idealizado. Enquanto Pessoa marcou uma época, e ainda faz a diferença através dos seus textos, eu vejo-me constantemente a refletir na forma de criar uma sociedade mais justa e livre, mas de forma inconsequente, pois falta-me a força interior para tomar um papel mais ativo. Faço-o em família e entre amigos e, talvez pela primeira vez, em prosa, através destas palavras de homenagem a Álvaro de Campos. 
 

A “pessoa” Álvaro de Campos nasce em Tavira, no dia 15 de Outubro de 1890 às 13:30 da tarde; teve uma educação vulgar de liceu e estudou engenharia mecânica e naval em Glasgow na Escócia, lançando talvez as bases do seu fascínio quase erótico pela ciência e pelo que é moderno; terá ainda aprendido Latim com um tio beirão que seria padre. Em termos de fisionomia é caracterizado como de tipo vagamente judeu português, com a pele entre branca e morena, cabelo liso e normalmente apartado ao lado e usando monóculo.
É com Álvaro de Campos que Pessoa estabelece uma relação privilegiada, uma quase coalescência, tão profunda que eles próprios como que se plagiam em alguns textos. Esta intimidade é transversal e tem não só sentido poético e dramático, em diversas incursões de Campos na vida privada de Pessoa, mas também biográfico, na origem judaica de Pessoa atribuída a Campos. Mas nem em tudo são coincidentes; o ocultismo a que pessoa aderiu em determinada fase da sua vida contradiz inteiramente a visão de Álvaro de Campos, voltado para a ciência e para o dinamismo da vida moderna.
Se é possível resumir a essência de Campos numa única frase, diria que este foi a forma última que Pessoa encontrou para se afirmar no mundo e conhecer a realidade terrena que, de outra forma e como ele próprio não conseguiria; foi o elo de ligação entre tudo aquilo que Pessoa nunca conseguiu ter, ainda que permanece-se no seu íntimo, exteriorizado apenas pela sua escrita. É por esta imanência entre Pessoa e Campos que não me é fácil escrever apenas sobre um, mas chega o momento de tentar explanar melhor onde me identifico com Álvaro de Campos. 

Em termos de postura perante divino Campos vai em busca do deus da modernidade, a ciência. Como engenheiro, investigador, estudioso e pragmático, mas sobretudo como alguém que tem profundas dúvidas sobre as suas origens religiosas, é na ciência que, tal como Álvaro de Campos, procuro justificar não só a minha própria existência, como a existência do universo como um todo, como algo que teve um princípio e que terá um fim; no fundo, o sentido da vida.
Contrariamente a Álvaro de Campos, cuja crença na modernidade e no seu contributo para o avanço da humanidade aparenta não ser inteiramente verdadeira, mas talvez uma necessidade da sua própria investigação, quero acreditar no avanço científico-tecnológico e na sua ligação intima com o progresso da sociedade e da humanidade; esta afirmação é tudo menos consensual, mas enquanto houver homens livres, de bons costumes e com vontade de trabalhar, nada é inatingível.
No meio de tão vasta coleção de sensações, compreende-se que este seja o heterónimo de Pessoa mais complexo e o único que acaba por viver fases distintas, bem expressas na sua obra escrita; Campos inicia lentamente o seu percurso influenciado pelo simbolismo, para depois aderir ao futurismo, onde denota um entusiasmo quase despropositado, recaindo mais tarde numa certa postura crítica em relação ao mundo, totalmente inesperada para quem antes mostrava tamanha exaltação. É impossível não sentir admiração pela forma como o escritor consegue não só erguer a identidade de Álvaro de Campos, como dentro da mesma criar momentos tão distintos e ao mesmo tempo tão complementares. 
Na primeira fase, dita decadentista, Campos exprime o tédio, o cansaço, a falta de sentido para a vida e a necessidade de novas sensações, sendo profundamente marcado pelo romantismo e pelo simbolismo, bem patentes no poema “Opiário”. Na fase posterior, Campos é influenciado pelo futurismo de Marinetti, na evocação da vida moderna e nos avanços tecnológicos, e pelo sensacionismo de Walt Whitman, com a expressão e vivência em excesso das sensações. A “Ode Triunfal”, publicada no primeiro Orpheu, e a “Ode Marítima”, publicada no segundo, constituem o ponto mais alto desta poesia de exaltação do mundo moderno, do progresso técnico e científico, da industrialização e da evolução da humanidade, não sem evidenciar também uma visão negativista da poluição física e moral consequente dessa mesma vida moderna.
A melancolia presente neste último poema é já um prelúdio da fase abúlica, onde após uma série de desilusões existenciais, e perante a incapacidade das realizações, a sua escrita chega a uma fase intimista, com claras reminiscências do seu ortónimo; Álvaro de Campos sente-se um marginal da sociedade, um incompreendido, sofrendo de forma solitária e com profunda nostalgia da sua infância.
 
O poema "Tabacaria", escrito em 1928 e publicado em 1933, é a maior de referência desta fase e muito possivelmente o texto mais marcante da minha juventude, a par do “Cântico Negro” de José Régio. Parece paradoxal que me identifique com estes dois últimos momentos da escrita de Álvaro de Campos. Por um lado o meu fascínio, fé e mesmo obsessão na ciência e na tecnologia, fruto talvez da minha educação e vivência como engenheiro, como forças imparáveis do progresso da humanidade; por outro lado vivo a dor de ser lúcido e a estranheza e a perplexidade quando entendo que esta sociedade movida pela tecnologia não é ainda justa nem livre e que o sofrimento humano não é sempre minorado pelo progresso científico.
Este evolucionar de uma euforia desmedida com a modernidade para uma imensa angústia com a realidade, traduz o meu estado de alma; a forma como o homem perverteu o legado da ciência, privilegiando o bem de poucos indivíduos em detrimento do bem comum é total corrupção de tudo em que sempre acreditei.

É sem veleidades que posso afirmar que revejo as minhas próprias inquietações e dúvidas neste turbilhão de sensações e emoções que Campos transmite através dos seus versos. Se pudéssemos imaginar um poeta que sofresse com a realidade das coisas, esse poeta
seria Álvaro de Campos; de forma talvez exacerbada, mas dentro do que a liberdade de escrita permite. 
Certamente depois desta longa exposição que me irão perguntar, mas afinal quais as razões objectivas para a escolha do nome simbólico de Álvaro de Campos em detrimento de outras personalidades também marcantes a título pessoal? Em conjunto com alguns momentos particulares, já referidos neste texto, são essencialmente dois os motivos:
Em primeiro lugar, e a conselho de um agora maçon por quem nutro elevada estima e consideração, enaltecer a língua portuguesa e Portugal. Quer em vida quer depois da morte, Fernando Pessoa, quer ele próprio quer através dos seus heterónimos, foi e sempre será um dos maiores embaixadores da língua de Camões e, a par deste, enalteceu de um modo único a cultura e a história de um povo e de uma nação; Portugal.

Em segundo lugar, Álvaro de Campos foi para mim o mais completo, complexo e próximo heterónimo de Fernando Pessoa e no qual revejo parte da minha própria experiência de vida. Tal como eu, começou o seu percurso consciente com desalento e com o perscrutar do sentido da vida, que conclui num estado de euforia com a ciência e com a crença que esta responderia a todas as suas inquietações; tal não era verdade na altura para Campos e não é verdade agora para mim.

Tal como Álvaro de Campos e Fernando Pessoa na fase final da sua escrita eu, como homem de ciência, sinto-me um inconformado; vivo com a desilusão de a “minha arte” ter sido corrompida e de eu próprio não ter dado o necessário e altruísta contributo para a humanização da humanidade. 

Que estes pensamentos finais não sejam palavras vãs, mas sim o mote para que, com trabalho constante a desbastar a pedra bruta, consiga edificar o meu templo e possa deixar às gerações futuras, e em particular aos meus filhos, uma herança moral digna de seu nome e uma sociedade mais justa e igualitária.  

"Viverei em permanente desassossego enquanto houver uma única criança que passe fome; um homem oprimido; uma só mulher discriminada; só assim poderei olhar para os meus filhos sem verter uma lágrima; só assim poderei sentir orgulho quando me chamarem de “Pai”.
 

Como provocação, deixo à consideração caso se interessarem por este texto e por Álvaro de Campos a interpretação de um poema pouco conhecido, escrito pelo próprio, em 8 de Agosto de 1934 no seu “Livro de Versos”:

Estou cheio de tédio, de nada. Em cima da cama
Leio, com uma minuciosidade atómica, 

Lentamente, com uma atenção sem chama, 
A Nova Enciclopédia Maçónica. 
Penso no que fui (não me escapam as entrelinhas),
E o que a minha alma quis e a minha vida fez. 

Coube-me, como a uma senhora um carrinho de linhas, 
No meio do Grau 32 do Rito Escocês. 
O que quis do passado por brisas se esfolha,
O que pude de oculto teve a tempo medo; 

E olho a sorrir o título no alto da folha: 
Sublime Príncipe do Real Segredo...

 Autor: Álvaro de Campos