segunda-feira, 25 de julho de 2022

Os Mitos Fundadores e o estado Atual da Maçonaria

Quando dizemos que a Maçonaria Moderna, também chamada especulativa, nasceu em 1717 estamos correctos. Então porque continuamos a ouvir dizer coisas como “Jesus Cristo era maçon?”  Vejamos.

A partir da década de 1730 surge, em França, André Michel de Ramsay (1686-1743). Nascido de uma família nobre escocesa, é licenciado em Humanidades e Filosofia pela Universidade de Edimburgo. Chega a França em 1709 e é, durante algum tempo, preceptor de príncipes. Foi aceite como membro da Royal Society em 1729 e provavelmente iniciado na Loja Horn em 1730. Em França, vai frequentar os círculos maçónicos parisienses, tendo publicado, em 1737, um texto sob a forma de discurso de boas vindas dirigido a jovens iniciados, onde refere:

“No tempo das Guerras Santas na Palestina, vários príncipes, senhores e cidadãos uniram-se, professaram o voto de reconstruir os templos dos cristãos na Terra Santa e empenharam-se por meio de um juramento a empregarem a sua ciência e os seus bens na reconstituição da sua arquitectura primitiva. Instituíram vários sinais antigos e palavras simbólicas, retiradas do legado da Religião, para se distinguirem no meio dos infiéis (…). Esses sinais e essas palavras só eram comunicados àqueles que prometiam solenemente, e muitas vezes ao pé dos altares, jamais os revelar (…). Pouco tempo depois, a nossa ordem uniu-se directamente com os cavaleiros de São João de Jerusalém. Desde então as nossas lojas adoptaram o nome de Lojas de São João em todos os países”. Criou-se, assim, o mito de que a maçonaria remonta aos Templários.

Em 1619 são publicados três documentos: Fama Fraternitatis (Ecos da Fraternidade) que é um manifesto político e religioso que sugere o advento de um mundo novo: o reino de Deus, associado ao triunfo do protestantismo sobre o catolicismo; Confessio Fraternitatis (Profissão de Fé da Fraternidade), que expõe em pormenor a doutrina da fraternidade; e um terceiro, apresentado como uma narrativa autobiográfica de Christian Rosenkreutz, as suas Núpcias Alquímicas. Segundo o mito, baseado nestes livros aparecidos no início do séc. XVII, em 1378 teria nascido de uma família pobre da nobreza alemã Christian Rosenkreutz (ou Rosacruz), que terá recebido a sua educação num mosteiro. Por volta dos dezasseis anos põe-se a caminho de Jerusalém, onde acabará por não chegar porque o seu périplo se transformou numa viagem iniciática. No misterioso Oriente encontra inúmeros sábios, que lhe ensinam o árabe, matemática, filosofia e alquimia. De regresso à Alemanha, reúne à sua volta alguns companheiros que conhecera no convento. O seu emblema é uma cruz vermelha, no centro da qual figura uma rosa da mesma cor. Os irmãos elaboram uma linguagem criptográfica que é reservada unicamente aos iniciados. A revelação desta confraria a partir dos textos referidos e na sequência da pretensa descoberta da tumba de Rosenkreutz, em 1604, suscita um entusiasmo excepcional, e só na Alemanha são-lhe dedicados, entre 1614 e 1620, mais de duzentos escritos, tendo aparecido uma ordem iniciática ainda hoje existente que reclama seguir os preceitos daquela antiga associação. Mas afinal, na sua biografia, publicada apenas em 1799, o Pastor Johann Valentin Andreae (1586-1654) confessou que aquelas mistificações eram de sua autoria, uma simples brincadeira de juventude, quando estudava teologia em Tübingen. Não obstante, ainda hoje há quem afirme que a maçonaria provém daquela irmandade (a que terá pertencido Sir Francis Bacon), criada a partir daquele mito e ainda hoje existente, que terá ficado cem anos adormecida, aparecendo então no início do séc. XVIII.

Ora o que acontece é que desde que o Homem existe que sempre se perguntou não só para onde vai, mas também de onde vem. A incapacidade de explicar o seu início ou, mais abrangente, o início do Universo, desde tempos imemoriais o tem levado à especulação e à concepção do Divino. Nas sociedades mais primitivas, o Divino foi associado aos astros, nomeadamente aos dois astros mais visíveis, o Sol e a Lua. E, como o Homem sempre foi cioso dos seus conhecimentos, por um lado, e o poder resultante da informação pode ser perigoso, por outro lado, os saberes passaram a ser transmitidos não de forma universal mas apenas a alguns escolhidos – os iniciados.

Andando para trás o mais que nos é possível, podemos remontar à que deve ser uma das mais antigas sociedades secretas conhecidas – os vigilantes – a qual teve origem na Suméria. Também conhecidos como “filhos de Deus”, e, em hebreu, como Eyrim (Irim), eram influenciados pela astroteologia e pelo culto da serpente (kundalini), também muito primitivo.

É a tradição desta mitologia e sua forma de transmissão que chega à sociedade hebraica, inspirando a construção do Templo de Salomão. Estas sociedades têm duas características fundamentais: dogma religioso e sociedade secreta. Por outro lado, é também concebida sob esta influência a sociedade secreta dos sacerdotes no Egipto. Como se sabe só estes – iniciados – tinham conhecimento dos mais importantes saberes, nomeadamente o da construção das pirâmides. Esta organização iniciática egípcia influenciará, por sua vez, a escola hermética de Alexandria, também iniciática, esta por necessidade de secretismo uma vez que era perseguida pelos dogmas fundamentalistas das “religiões reveladas”, que conseguem destruí-la materialmente, com o incêndio da biblioteca da Alexandria (um mistério atribuído tanto aos Cristãos como aos Muçulmanos), e depois espiritualmente, com as perseguições da Inquisição. Provavelmente nunca faremos ideia do prejuízo causado no saber da Humanidade com as perseguições religiosas da Idade Moderna, que destruíram virtualmente a escola hermética e os seus saberes ancestrais, desconhecedores da epistemologia moderna mas baseados em empirismos riquíssimos, de diversa proveniência.

Nestas purgas, a Igreja não hesita em destruir também uma instituição saída do seu próprio seio, a qual também tentou aceder e preservar os segredos iniciáticos do passado: os Templários. Também estes uma organização iniciática, preservaram de tal forma os seus segredos que eles nunca foram revelados, mesmo com o ataque de surpresa que lhes foi feito por Filipe, o Belo e pelo Papa Clemente V, numa das “operações policiais mais extraordinárias de todos os tempos”, no dizer de Duc de Lévis-Mirepoix.

Diz-se que Gervásio de Beauvais, preceptor templário em França, durante o seu interrogatório pela Santa Inquisição terá afirmado: “- Há na ordem uma lei tão extraordinária, da qual se deve guardar segredo, que qualquer cavaleiro preferiria que lhe cortassem a cabeça do que revelá-lo a alguém”. Ora a Maçonaria actual não é nada disto, porque nasceu nos primórdios do séc. XVIII. Mas também é isto, fundamentalmente por duas razões: primeira, porque recebeu influência de todas as ordens iniciáticas que a precederam. 

Como se viu, já se falou em vigilantes, em astroteologia (sol, lua, oriente, ocidente, setentrião, meio-dia, zénite, nadir) e até no sinal de primeiro grau. Tendo chegado mais tarde, somos um pouco herdeiros do que já existiu; segunda, porque somos hoje a ordem iniciática mais organizada, mais forte e mais relevante.

Certo é, porém, que não devemos confundir maçons com iniciados. Jesus Nazareno, dito Cristo, foi seguramente um iniciado. Mas não foi um maçon porque a Maçonaria ainda não existia.

É muito provável, no entanto, que fossem estas razões, sobretudo a influência das ordens iniciáticas anteriores, e bem assim as confusões criadas por figuras como os citados André Michel de Ramsay e Valentin Andreae, entre outros, que levaram Pike, no seu texto Morals and Dogma, a garantir que a Maçonaria nasceu de antigos mitos pagãos. Ter-se-á enganado, um homem como Pike? Sim e não. Sim, porque a Maçonaria tem data de nascimento, e é posterior. Não porque ela absorveu os saberes anteriores, provavelmente ainda enquanto operativa, para se inspirar, tendo inclusivamente copiado algumas das crenças, e sobretudo formas de organização. Como única ordem iniciática relevante que chegou aos nossos dias, ela conservou influências anteriores nos seus rituais, e conseguimos perceber que estes se basearam em mitos que podemos encontrar em quase todas as ordens iniciáticas anteriores: nos adoradores de estrelas da Suméria, nos construtores do Templo de Salomão, nos construtores das pirâmides do Egipto (a ser verdade o que circula na internet a elevação aos graus capitulares vai beber ao mito de Osíris) e, sem serem mitos, nos saberes Templários e Herméticos. Aqueles que têm acesso ao Ritual do Grau de M:.

M:. podem constatar isto a págs. 5-6.Na verdade, nos dias de hoje só nós, maçons, nos interessamos por estas tradições, as conhecemos aprofundadamente e as seguimos. Como tal, nós, maçons, somos actualmente os guardiães de todos os saberes antigos  remanescentes das perseguições religiosas desde Constantino à Revolução Francesa. Com o nosso fim, extinguir-se-iam inevitavelmente as reminiscências desses tempos, com as suas diferentes formas de saber. 

Por isso mesmo, os filhos da viúva jamais podem morrer.

Compete-nos transportar este testemunho que recebemos daqueles que tantos sacrifícios fizeram para o preservar, e entrega-lo às gerações futuras com Beleza, Força e Sabedoria


Autor: Bocage