quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Estrela d'Alva - 114 anos

É bonito o Alva! Manso, claro, calado, sem a tragédia do Doiro, nem a grandeza do Tejo, é bem o rio da Beira, que define a Beira. O Mondego envenenou-se em Coimbra dum lirismo de borla e capelo, que o comprometeu...

Com estas palavras de Miguel Torga, principia a nossa história:
A região do Vale do Alva tem na sua narrativa uma contenda entre três rios, o Mondego, o Alva e o Zêzere, todos nados na Serra da Estrela. 
Estes três irmãos tornam-se um dia desavindos em torno de qual seria o mais destemido e, para porem termo à contenda, consentem numa corrida, de cujo vencedor seguiria soberano.
O Mondego ergueu-se com a alvorada e deslizou silencioso e discreto, mas não secreto, de forma a não atrair as atenções dos seus irmãos. Baixou serranias e perpassou as regiões da Guarda, Celorico, Gouveia, Manteigas, Canas de Senhorim e, depois da Raiva e da Aguieira, logo se fortalece de seus primos, ditos ribeiros, alcançando por fim a Coimbra. 
O Zêzere, suspeitoso e atento, saiu de imediato em seu encalço; oculto por entre fragas, é sem desvios que passa Manteigas, Guarda e Fundão, mas essa afoiteza e precipitação logo o desnortearam e este, de cansaço, se vem a perder nas águas do Tejo.
O Alva, tal romântico utopista, passou a noite a contemplar as estrelas, perdido em divagações dignas de um sonhador aspirante a poeta. Quando finalmente anuiu para com a alvorada, já só vislumbrou os seus irmãos ao longe. Como que num laivo de fúria, rompeu tempestuosamente entre montes e rochedos, penhascos e vales e, quando o fervor da vitória já ecoava no seu íntimo, eis que se depara com o Mondego já muito adiantado em direção às águas do oceano.
O Alva ainda tentou arredar o seu Irmão do leito, mas desta vontade apenas sobraram umas réstias de espuma e um Mondego triunfante e altivo.

E é desta lenda que nos atrevemos a retirar um tríplice simbolismo, conexo à origem e fundação da Loja Estrela d’Alva.
Em primeiro remontamos à sua génese; tal como um rio tem a sua nascente, foi em 1871 que, em Coimbra, surgiu uma Loja com o nome Estrela d’Alva, cuja generalidade dos Maçons que dela faziam parte, mantiveram sempre fortes ligações familiares, precisamente ao Vale do Alva.
Em segundo, e sem sair da geografia do Vale do Alva, região serrana copiosa em adversidades naturais, mas abundante em gentes determinadas, que sempre se gladiaram pelo progresso, pela justiça, pela igualdade e em prol dos mais desfavorecidos. 
Encerramos o vértice desta trilogia na forma de uma homenagem a uma ínfima terriola, erguida por esse mesmo povo operário, que com o mesmo nome da fábrica onde laboravam batizaram terra que os abrigou; essa industria já findou, mas a vilarejo esse, permanece com o mesmo nome; o nome de Estrela d’Alva.
Nesta narrativa de 3 irmãos que, em igualdade, partem na demanda do conhecimento, estão plasmados valores e princípios com os quais todos nos devemos reger, como sejam a determinação, a honra e o ensejo em progredir, em nos aperfeiçoarmos. 
Mas hoje, mais do que o nome, pretendemos homenagear o trabalho dos Maçons que mantiveram esse mesmo epíteto vivente até aos dias de hoje.

Dos Irmãos que ergueram primeiramente a Loja sob o nome Estrela d’Alva, em Coimbra no ano de 1871, perdeu-se a memória nos livros de história, ficando inscrito o ano de 1908 como ano do seu levantamento de colunas, coincidentemente o ano em que é fundada em Torrozelo, por dois Irmãos de sangue, a filarmónica Estrela d’Alva.

Nestes 114 anos foram muitos os obreiros que, abnegadamente, se entregaram à causa Maçónica e à defesa intransigente dos Direitos Humanos e da Liberdade, nomes como os que escutámos na chamada de há pouco, cuja dedicação particular à Loja e ao Grande Oriente Lusitano nos compadece de enaltecer:
- João Carlos Costa, pelo seu trabalho no Grande Oriente Lusitano entre 1919 e 1931.
- Raul Weelhouse, pelo seu trabalho no Grande Oriente Lusitano entre 1931 e 1944.
- Luis Bettencourt, pelo seu trabalho no Grande Oriente Lusitano entre 1944 e 1988.
- José Pascoal Gomes, pelo seu trabalho no Grande Oriente Lusitano, no Conselho da Ordem e no Internato S. João.
- António Reis, pelo seu trabalho como Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano entre 2001 e 2011

Amados e odiados, temidos e cobiçados, os maçons desde sempre foram perseguidos, e desde sempre resistiram às maiores atrocidades cometidas contra si, empenhando-se incansavelmente na busca do aperfeiçoamento moral e intelectual do individuo e da sociedade, na procura de Verdade, Honra e Progresso e na transmissão dos valores de Tolerância, Solidariedade, afirmando-se contra a injustiça, a intolerância social e religiosa, a corrupção, a falta de ética e moral, as desigualdades sociais e enaltecendo o Mérito, o Trabalho e a Paz. 
Hoje recordamos esses Irmãos, na esperança que, através do nosso trabalho, possamos perpetuar a sua memória.

Autor: Fernando Valle

terça-feira, 15 de novembro de 2022

Ética e Moral da Humanidade

Ao longo do dia, perante de pessoas, coisas e situações, muitas avaliações ou preconceitos são eliminados constantemente.
Desde que o mundo é mundo, é assim. 
O ser humano vive sob doutrinas das coisas: o bem e o mal, o certo e o errado, e o que diferencia cada um, tem a ver com a boa índole refletida na boa conduta frente à sociedade, orientada por regras de bem viver, que precisam ser respeitadas.
Não deve ser confundida com as leis, mas está relacionada com o sentimento de justiça social. Princípios ou valores morais como a ética, são peças chave para a harmonização dos grupos, para que haja um equilíbrio, bom funcionamento social, possibilitando que ninguém saia prejudicado. Assim diz a teoria. Nesse sentido, ética é um tema recorrente, pois, está atrelada à vida, ao quotidiano do homem.
Nos dias de hoje, muitos citam a palavra “ética”, mas, quando questionados, não conseguem explicá-la nem defini-la. Por isso, o nosso objetivo é abordar o conceito de ética de modo a tornar mais claro o seu entendimento a partir de uma reflexão sobre a mesma nos dias atuais. 

Numa primeira análise, a ética remete-nos à norma, à liberdade e à responsabilidade. Falar em ética significa falar de liberdade, pois não faz sentido falar de norma ou de responsabilidade se não partimos da suposição de que o ser humano é realmente livre para agir, ou pelo menos deve sê-lo.
A norma diz como devemos agir. E, se devemos agir de tal modo, é porque também podemos não agir deste mesmo modo. Isto é, se devemos obedecer, é porque podemos desobedecer ou somos capazes de desobedecer à norma. Também não haveria sentido falar de responsabilidade, se o condicionamento ou o determinismo fosse tão completo a ponto de considerar a resposta como mecânica ou automática.
Por outro lado ao afirmarmos que o determinismo é total, não se pode falar de Ética; pois a Ética refere-se às ações humanas, e, se elas são totalmente determinadas de fora para dentro, não há espaço para a liberdade, como autodeterminação e, consequentemente, não há espaço para a Ética.

Ao falar sobre um dos ramos da filosofia dedicado aos assuntos morais que norteiam o meio social, é necessário refletir sobre os dilemas da conduta dos indivíduos, na contemporaneidade, em todos os âmbitos sociais, começando na família, na escola, no trabalho e assim sucessivamente. Pensando seguidamente nos descaminhos dos seres humanos, refletidos na violência, na exclusão, no egoísmo e na indiferença pela sorte do semelhante e até mesmo da sociedade.
Atualmente, a ética abrange uma vasta área, podendo estar relacionada com temas ligados ao ambiente familiar, escolar, profissional, econômico, social e político. Existem códigos de ética profissional que indicam como o indivíduo se deve comportar no âmbito da sua profissão. Nos dias atuais com um mundo cada vez mais globalizado e competitivo, as pessoas preocupam-se com a ética nos seus negócios mostrando-se cada vez mais eficazes para competir com sucesso e obter resultados positivos.
Um outro exemplo a ser citado é na esfera política onde a sociedade tem exigido cada vez mais a moralidade de seus agentes e representantes e consequentemente mais “condenando” as ações que saqueiam os cofres públicos tirando do povo os recursos que deveriam ser empregues na prestação de serviços à população (educação, saúde, segurança, infraestrutura).
Na esfera política há que destacar a importância que os conceitos de democracia e direitos humanos assumiram, e que são também, de caráter moral, como por exemplo, a partir da discussão em torno dos conceitos de liberdade, igualdade e justiça social.

Mas o que é certo, o que é errado? Existe uma série de discussões políticas relativas aos direitos de grupos sociais as quais devem ser percebidas como questões morais: a questão do aborto, por exemplo, que ocasiona grande polémica quando posto em discussão, os direitos dos deficientes, a eutanásia, entre outras questões. 
São temas complexos que perpassaram o tempo, e hoje resultam em discussões que esbarram no senso ético para a resolução de cada situação no seu tempo.
Diretamente relacionada ao aspeto político, a ética remete-nos também à noção de cidadania e à vida em comunidade com o objetivo da realização das pessoas. A ética na cidadania procura refletir sobre o comportamento humano do ponto de vista das noções de bem e de mal, de justo e injusto, abrangendo as normas morais e as normas jurídicas; a ética na cidadania procura um meio em que as pessoas possam interagir na sociedade obedecendo a tais leis morais para um bom desempenho da comunidade humana.
Se partirmos do princípio, de que ninguém nasce com normas morais incorporadas, temos que admitir que é pela educação que o indivíduo tem a oportunidade de construir a sua personalidade moral. Numa sociedade competitiva e individualista como a que vivemos, pode assim parecer utopia aspirar a valores como a justiça baseados na reciprocidade e no compromisso pessoal. 

Assiste-se todos os dias ao retrato de países que esquecem esse “princípio da vida”. Nem preciso será dizer quem é que mais sofre com esse descompromisso. Nesse descompasso, patologias sociais como as desigualdades e a corrupção aumentam, ficando a sociedade cada vez mais sensível a crise dos valores morais e sociais.  Isto atinge a humanidade de modo geral.
A ética supõe a necessidade de reflexão sobre valores sociais num meio, reduzido ao individualismo e à competitividade, o que torna necessário, mais do que nunca, uma preocupação com a sociedade. Sim, porque a crise da Humanidade é uma crise moral. É evidente a falta de ética em vários âmbitos. 
A discussão sobre a justiça social é também uma discussão moral, admitindo que os valores das ações sociais estejam deturpados devido à lógica do sistema vigente. Bem e mal, certo e errado, justo e injusto cederam lugar ao sentimento de sobrevivência, do “salve-se quem puder” ou do interesse pessoal e particular numa sociedade exploradora, que mascara a liberdade, condição fundamental para a realização de ações morais.
Contudo, vivemos numa sociedade, onde o mundo se tornou uma grande aldeia global. É incrível como se atinge um nível de inter-relacionamento que nos permiti falar num mercado mundial que determina a produção, a distribuição e o consumo de bens, e numa cultura da virtualidade real, que liga todos os pontos do globo e influencia comportamentos. Durante esse processo fala-se ainda de uma “ética do mercado”.
Por um lado, a todos estes aspetos sociais e globais, é fundamental que cada ser humano esteja consciente de que não bastam as reflexões, é preciso mudar conceitos, ter condutas condizentes com o que harmoniza a sociedade em todos os seus segmentos. 
Não se pode ignorar que, tanto no âmbito das relações humanas, como políticas, economia, enfim, fatores sociais, constantemente são feitos julgamentos de carácter moral. Basta observar que um grande espaço nas discussões entre amigos, na família ou no trabalho abrange aqueles sentimentos que pressupõem juízos morais: indignação, rancor, sentimentos de culpa e vergonha.

Contudo, não há receitas para o bem agir o compromisso consigo, com os outros, com as novas gerações exige um estado de alerta constante. Viver sob os moldes da moral não é tarefa simples nem fácil, mas há a possibilidade de participar num mundo moral. E o que podemos infirmar de uma forma conclusiva, é que os problemas éticos presenciados na atualidade não se vão resolver apenas por tentativas isoladas de educação ou instrução ética dos indivíduos. 
É preciso vontade individual, política e social, para puder alterar as condições geradoras das mazelas sociais como a violência, a corrupção, a exploração, vicissitudes dos que estão à margem da sociedade. Por outras palavras: não basta “reformar o indivíduo” para “reformar a sociedade”; é preciso reformar ambos. Um projeto moral desligado de um projeto político fracassaria. Os dois processos caminham juntos, pois formar o ser humano plenamente moral, ético, só é possível na sociedade que também se esforça para ser justa e democrática, com direitos igualitários para todos, sem exceção.
De acordo com Aristóteles, sendo a ética a ciência que estuda o comportamento humano com ênfase, tanto nos valores individuais como nos valores do individuo perante a comunidade a qual pertence, é indispensável exigir de cada um, e da sociedade mais seriedade e dignidade nos seus atos sejam eles políticos, sociais, culturais, religiosos ou morais. 

É sempre importante fazer uma análise de como a ética está presente na nossa vida nos dias atuais, pois observa-se que certos valores que cada indivíduo assimila no decorrer da sua formação como pessoa, muitas vezes adquiridos na  sua família, escola, enfim, valores necessários numa procura como guião, através das nossas escolhas, entre o certo e o errado, o bem e o mal, ou seja, possuímos uma liberdade de escolha que nos torna mais responsáveis pelas nossas ações e que nos incentivar a colocar em prática o nosso respeito e dignidade, tendo em conta o bem comum de todos os que nos rodeiam.

Autor: John Locke

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

A Letra G

Inicio esta prancha com uma alegoria ao seu epílogo, categorizando-a desde logo como um texto inacabado; não por não me querer alongar na minha prosa, mas sim por uma assumida inaptidão e também por considerar que este se tratará possivelmente do único símbolo maçónico cujo significado não parece ser inteiramente esotérico, diria mesmo que emana exoterismo; pode esta justificação porventura parecer um contrassenso, mas legitimo-a do mesmo modo que explico o porquê da letra G fazer parte da simbologia maçónica… uma inquietude de interrogações.

O primeiro vislumbre da letra G surge formalmente ao companheiro Maçon precisamente durante a sua iniciação do respetivo grau. Mas em boa verdade esta figura não é estranha nem para o companheiro Maçon , nem para o mundo profano, ou não fosse muito possivelmente, ou mesmo certamente, o símbolo maçónico mais conhecido dentro e fora do templo; este popular quadro completa-se encimado pelo compasso e encerrado descensionalmente pelo esquadro, ambos servindo de moldura à letra G no seu centro. 

Antes de tentar efetivar um percurso histórico, vou diretamente ao âmago do seu significado; temos como aceção mais consensual dentro da nossa Augusta Ordem, a letra G como monograma de gravitação, de geometria, de geração, de génio e de gnose.

A gravitação é a força fundamental que rege o movimento e o equilíbrio dos corpos e governa a harmonia no universo; a geometria é a antiga e contemporânea arte, vulgo a ciência, de todas as espécies possíveis de espaços, que no Maçon desperta a acuidade do espirito e delimita o seu devaneio; a geração é a força vital que é o garante da perpetuação das espécies e que lança o embrião para se decifrar o enigma da vida; o génio é a inteligência humana a brilhar no seu mais vivo esplendor e de que o homem deve fazer uso para se guiar a si e aos seus semelhantes no caminho da justiça e da verdade; a gnose é o mais amplo conhecimento, que intui no homem a vontade de aprender sempre mais, e se define como o principal fator do progresso.

Estes cinco significados, comuns no número e no momento ao grau em que foram dados a conhecer, não só o definem, como devem ser os guias no percurso de aperfeiçoamento do companheiro maçom, e em boa verdade de qualquer pessoa de bem.

Tal como os cinco sentidos descritos na primeira viagem do companheiro nos permitem ver, compreender e guiarmo-nos pelo mundo físico, estes cinco termos são em igual medida os símbolos que nos orientam dentro do mundo inteligível, pois é através do espírito que é aprimorada a construção do nosso templo interior; abandonámos o rude desbastar de uma pedra bruta em detrimento de um cinzelar mais cuidado de uma pedra que, ainda que não estando polida já se nos apresenta de forma menos grosseira.

Mas dentro da maçonaria contemporânea há distintos significados para a letra G, tais como os representativos da inicial de Grandeza, no contexto do homem como a mais perfeita obra da criação, de Gomel, palavra hebraica que significa benfeitor, de Grande Arquiteto do Universo, de Glória a um ser superior ou de Deus, visto ser a sua primeira letra idiomas tão diversos como o Inglês (God), o Alemão (Gott), o Holandês (God), nas Línguas Escandinavas (Gud), o Sírio (Gad), o persa antigo (Goda), entre outros.

Estamos assim perante um símbolo algo único; a letra G acaba por se transfigurar como um símbolo rebelde que parece desvirtuar a característica de universalidade da generalidade dos símbolos maçónicos; na forma de reparo de consciência, talvez tenha sido precisamente essa singularidade que motivou o meu interesse.

Na procura de algum fundamento, iniciemos assim a nossa busca pelo significado etimológico da letra G, principiando precisamente pela sua génese; a letra G é possivelmente das mais contemporâneas do alfabeto dito moderno; enquanto grande maioria das letras deriva do alfabeto grego, com naturais raízes no alfabeto fenício, esta letra tão particular surge no seu grafismo atual apenas na primeira metade do século III em Roma, na forma de uma variante fonética da letra C, na qual tem as suas origens. Uma vez que me refiro apenas ao traço e não à fonética, omito propositadamente as referências pretéritas ao Gama Grego e ao seu progenitor o Gimel Hebraico.

Assim sendo, as suas raízes simbólicas não poderão ser anteriores a este tempo, pelo menos no sentido literal; em termos ideográficos, é de notar que esta letra tem uma notável semelhança com o símbolo alquímico do sal, sendo aliás este um possível preceito de o escrever com um único traço; esta alegoria não tem qualquer presença física no simbolismo atual, o que talvez seja uma pena pois o sal é-nos introduzido no ritual de aprendiz como símbolo da temperança, virtude que deve privilegiar todo o maçon.

Ainda sem abandonar a sua forma, Nagroski refere que a lera G não é mais do um signo que representa o nó; se levarmos esta aceção no mais lato sentido, ganhamos toda a fisionomia e simbolismo do nó do amor, da corda de nós e da cadeia de união. Ainda que intrincada, é uma atribuição pela qual tenho um especial apreço, apesar de não existirem referências que o substanciem no simbolismo da atual maçonaria.

Sem nos desviarmos do traçado histórico, e viajando de forma inusitada até à idade média do século XIV, vivia-se uma época em que o conhecimento era reservado a uma elite, nomeadamente as pessoas de ascendência nobre ou com elevadas posses materiais.

Talvez a mais emérita exceção fosse a Geometria, que era tida como uma ciência sagrada na verdadeira acessão da palavra, pois esta era a mãe da arquitetura, medular na construção dos mais importantes edifícios da época, as catedrais. Esta arte era aprendida de forma simbiótica entre os iniciados no ofício e aplicada no seu templo da época, o próprio recinto de trabalho; assim era o processo de instrução e aperfeiçoamento dos nossos irmãos operativos. Como que profetizando este preceito da maçonaria operativa, já Pitágoras penejava na porta do seu templo “Só entra aqui quem conhece a geometria”.

Justifica-se assim com toda a naturalidade que a presença da letra G no Templo Maçónico contemporâneo é representativa da Geometria como ciência maçônica, não fosse esta inicial comum do termo nos principais dialetos maçónicos, o francês, o latim, o alemão e o inglês, onde lhe incorporo o português não só por adequação mas também graças a uma súbita e efêmera brisa de patriotismo. Contextualizando, a letra G figura como origem da Arte Real, progredindo e evoluindo no talhe da maçonaria especulativa que hoje nos une como irmãos, como o alicerce para o uso de todas as ferramentas do maçom.

E da história da geometria chegamos com naturalidade à história da maçonaria, ou pelo menos assim o havia idealizado.

Olhando para os registos do início do século XVIII em Inglaterra, fonte comum de conhecimento maçónico, não há claras evidências de como (surge), de onde (provém) e qual (o significado) da letra G; não parece derivar diretamente dos maçons operativos da Idade Média, a não ser pela sua eventual e já referida ligação com a Geometria, nem fazer parte das decorações arquitetónicas das antigas catedrais. Se surgiu no simbolismo maçónico sob a influência dos alquimistas, cabalistas, templários ou rosa cruzes, ou se foi introduzida em algum momento posterior a 1717, quando a primeira Grande Loja foi estabelecida na Apple-Tree Tavern em Londres, parece impossível, se não muito difícil de determinar.

A primeira referência escrita encontrada surge precisamente num dos antigos manuscritos maçónicos, também referidos como Old Charges, mais precisamente no Manuscrito de Sloane nº 3329, datado de forma imprecisa em torno de 1700, no qual a letra G é referida como sendo O Grande Arquiteto e Inventor do Universo ou Aquele que foi Levado para o Topo do Pináculo do Templo Sagrado. 

Em termos cronológicos, e entre os anos de 1700 e 1727, situamo-nos num vazio, pois não parece haver evidências de que a letra G tenha feito parte de qualquer elemento simbólico das lojas maçónicas; há uma única menção na imprensa de 1726, com a convocatória para várias palestras sobre Maçonaria Antiga, onde se inclui da temática do significado da letra G; o detalhe destas palestras parece ter ficado apenas nas memórias dos presentes na época. 

Em 1727 surge uma referência de grande relevo, e novamente num dos antigos manuscritos, o Manuscrito de Wilkinson, onde pela primeira vez a letra G é referenciada com o significado de Geometria. Desta data em diante a iconografia da letra G surge de forma bastante mais regular, sem alterações substantivas ao seu simbolismo.

Com fundamentos mais ou menos difusos, a verdade é que tudo caminharia no sentido conciliador tendo a letra G como símbolo da Geometria ou mesmo de Grande Arquiteto do Universo, isto é, se a sua história tivesse tido o mérito de terminar neste momento, mas entre o século XVIII e XIX surge uma nova significação que tem tanto de natural, à época, como de divergente. 

Recordemos que se vive um tempo de profusa inovação na maçonaria, sendo inclusive em torno de 1730 que se dá em Inglaterra a clara definição dos três graus simbólicos. É também na cultura anglo-saxónica, profundamente teísta, que aparecem as primeiras interpelações à letra G como referência ao Grande Geómetra do Universo, mas curiosamente é em França, em 1744, que pela primeira vez se lavra nos livros esta letra como a inicial representativa de Deus, ou mais concretamente de God em Inglês, o que de certa forma marca um momento de viragem no significado deste símbolo. 

A florescência, vulgo, evolução da maçonaria e do significado dos seus símbolos é não só natural como salutar; não pode o Maçon aperfeiçoar-se se a própria instituição não perpetrar por esse mesmo caminho; mas o que distingue o percurso deste símbolo é que, no meu entender, além da pluralidade de significados já descrita, consequência do normal polir da pedra, existe uma profunda bifurcação do seu sentido, que inclusive alimenta a separação entre a maçonaria dita regular e a maçonaria liberal. De qualquer forma, são estas duas noções algo distintas que perduram até aos tempos de hoje, fruto da própria história da maçonaria.

Numa perspetiva puramente pessoal, far-me-ia mais sentido procurar um caráter conciliador no significado da letra G, eventualmente à luz do que é universal, intemporal e transversal entre culturas, sexo, raças e credos, como sejam as já referidas gravitação, geração, génio, gnose e muito em particular a geometria, que permanece até aos dias de hoje como a raiz e fundamento de todas as artes e das ciências; assim o afirmo, mas não o firmo, deixo-o apenas como prova de conceito.

E deste modo algo inconclusivo e prosaico concluiria esta prancha, não fosse uma referência encontrada primeiramente na obra de 1860, “A Lexicon of Freemasonry” de Albert G. Mackey, um irmão que ocupou diversos cargos na Grande Loja da Carolina do Sul e no Supremo Conselho do grau 33; de notar que ainda que não me considere inteiramente saciado com a solidez das fontes, esta referência é encontrada em inúmeros escritos maçónicos dos séculos XIX e XX.

O autor, ou autores, descrevem a existência de uma jurisdição independente, apelidada de Concelho da Trindade, a qual conferia três graus cristãos com claras referências à crucificação; o primeiro desses graus, denominado de “Os Cavaleiros da Marca Cristã e Guardas do Conclave”, consta ter sido organizado pelo Papa Alexandre IV, o que a situa entre os anos de 1254 a 1261. Tendo como finalidade a defesa pessoal do papa, foi formada chamando os mais nobres cavaleiros da Ordem de São João de Jerusalém, também conhecida por Ordem dos Hospitalários e mais recentemente por Ordem de Malta. 

E em todos os escritos lidos detive-me perante a mesma figura, que porventura trará um novo princípio para a nossa letra G; a joia desta ordem, que em muito precede a maçonaria especulativa e grande parte das fontes citadas neste texto, é descrita como uma placa triangular de ouro, com sete olhos numa das faces e, no lado oposto mas cardinal, uma estrela de cinco pontas que contém no seu âmago uma letra G.

Lembremo-nos pois do início desta prancha, a quando da descrição do painel de companheiro, e visualizemos no nosso íntimo estas duas imagens tão separadas no tempo quanto próximas na efígie. Ainda que esta evidência não nos traga esclarecimento quanto ao significado simbólico atual, a imutabilidade do grafismo cria um interessante fio condutor, que se estende na história durante mais de sete séculos.

Resta-me pois concluir que, tal como é unanimemente aceite entre diversos autores, a letra G é um verdadeiro enigma maçónico, que suscita tanto de diversidade interpretativa como de especulação desvirtuada. É possível que o próprio tempo e história se tenham encarregues de, ao invés de polir acertadamente o seu sentido, o tenham desbastado em demasia, fragmentando-o em anacrónicos e displicentes significados; no extremo oposto, talvez o seu significado último faça parte do percurso de cada irmão na busca do segredo maçónico, associado assim à normal e salutar pluralidade de interpretação característica da maçonaria. 

E é nesse sentido que, na busca do esclarecimento, regresso ao puro esotérico para conceber a letra G não na sua forma solitária mas ladeada pela estrela flamejante como elemento potenciador da sua essência; essência essa que estará porventura sequestrada na palavra Graal, para a qual é inicial nos léxicos antigos e modernos; mas não me entendam erradamente; este Graal não se refere ao Graal cristão, mas sim ao dos antigos celtas, que o tinham como um recetáculo com a forma de uma vasilha, o qual transmutava os alimentos nele colocados para que estes adquirissem o sabor mais aprazível para quem os experimentava, dando-lhe força e vigor. 

É cativante este binómio entre a estrela flamejante e o G deste Graal ancestral; conforme sugere Boucher, é como que o despertar do fogo criador que alimenta o nosso espírito e que nos permitirá um dia atingir a mestria, isto se formos verdadeiramente capazes de ser livres-pensadores e de nos libertar do cárcere redutor que são as definições herméticas atribuídas à generalidade dos nossos símbolos e à letra G em particular.

A todos os irmãos interessados no tema, não posso deixar de recomendar o notável texto do irmão Harry Carr, inscrito no volume 76 das regulares transações da loja Quatuor Coronati de 1963.

Como tem sido meu apanágio, partilho uns breves pensamentos do meu homónimo Álvaro de Campos, desta vez sobre a forma de prosa da sua obra edita:

O segredo da Maçonaria é simplesmente este - que todas as religiões são igualmente verdadeiras, que dizer Júpiter ou Jeová é, não dizer coisas diferentes, mas como quem diz a mesma coisa em línguas diferentes. Deve haver portanto tolerância para com todas as religiões - tolerância às avessas da do chamado livre-pensador, que tolera a todas porque considera todas falsas. Um Maçon pode ser tudo menos ateu.

Isto está dito nas constituições de Anderson, embora veladamente dito, e a interpretação literal do texto, do Grande Oriente de França, é errónea. Não se podia dizer isso explicitamente porque quase ninguém entraria para a Ordem, se se dissesse. É depois de estar na Ordem, de atingir a sua essência e espírito, que este segredo se atinge.

Todas as religiões, embora verdadeiras, são contudo simbólicas; como a própria Franco-Maçonaria. Isto é, os seus ritos e dogmas, os seus deuses e rituais, são verdadeiros, mas como símbolos, não como realidades.

Os inimigos do Símbolo são a Ignorância, que esquece ou não sente que ele é símbolo; (...)

E assim matam o símbolo, e o Sentido (a Palavra) do símbolo se perde, a religião se materializa (morre), e só na pessoa do seu entendedor externo (o candidato) pode ser verdadeiramente ressuscitada.


Autor: Álvaro de Campos

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

Estrela Flamejante

Aquando, na quinta e última viagem que fiz no templo, fui confrontado numa posição firme e frontal, a contemplar uma estrela, não, não era uma estrela universal, comum, ou que tivesse a olhar para o céu, mas sim uma Estrela física e geométrica, que no interior das suas cinco pontas, encontrava-se uma letra G, não deixando que referir o seu interior, importa saber que os pitagóricos a usavam para representar.

O que me chamou à atenção, foi a sua dimensão, a sua geometria, e qual o seu significado, ao qual e de imediato relacionei as minhas findas cinco viagens, facto esse que me despertou o seu interesse. Implícita também no emblema da nossa respeitável loja, que também podemos correlacionar como as cinco luzes, ou sejam o Venerável, 1.º Vigilante, 2.º Vigilante, Orador e o Secretário. 

Depois de algum tempo de reflexão, fui percebendo o seu real significado dessa estrela, afinal era a Estrela Flamejante, também conhecida como Pentagrama (do grego antigo πεντάγραμμος). Senão vejamos o seu significado como símbolo pagão com muitas origens, assim como o que representa no espaço e no tempo.

O primeiro uso conhecido do pentagrama pode ser encontrado na antiga Mesopotâmia. Por volta do ano de 3500 a.C., a estrela aparece em múltiplas peças de cerâmica, e tinha, segundo alguns especialistas, um poder real, como uma força divina que se estendia para além dos quatro cantos do mundo. Era pois, um sinal de carácter positivo e relacionado com a natureza.

Viajemos agora até às terras dos druidas, a esses cenários celtas associados quase sempre ao poder da Terra, do Sol, da Lua e das criaturas das florestas. Como olharam eles para a estrela de 5 pontas?

Os pagãos celtas representaram no pentagrama o poder da natureza, das cinco correntes dos rios, dos 5 poços do conhecimento, e sobretudo dos 5 sentidos através dos quais se obtinha o conhecimento. A deusa associada ao uso e conhecimento do pentagrama era Morrigan.

Mas avancemos um pouco mais e até à religião hebraica. Que significado tem neste contexto? O pentagrama é um símbolo da verdade. 

Como se pode ver, de momento e nesta linha histórica inicial, a estrela representava algo nobre. Vejamos alguns exemplos:

Na antiga Grécia, para os pitagóricos o pentagrama era associado à perfeição.

Para os hindus e budistas, a estrela costuma aparecer na arte tântrica como uma representação positiva da perfeição, tal como fizeram os pitagóricos ou mesmo os gnósticos, para quem o pentagrama tinha uma conotação associada à origem e fim da raça humana. E para além disso, era um meio para alcançar a redenção do ser humano.

Um pentagrama “com a ponta virada para cima” (ao contrário do invertido) representava a supremacia do homem sobre os quatro elementos naturais: terra, água, fogo e ar.

Com a chegada da Idade Média, a ideia que representava as 5 chagas de Cristo começou a mudar, deixando de se olhar para esse sinal não como de verdade, deidade e natureza, mas para passar a estar associado ao paganismo e ao satanismo:

Esse símbolo representava a verdade e a proteção contra os demônios ou maus espíritos. Para os medievais adeptos do Cristianismo, o pentagrama era atribuído aos seus estigmas.

Por outro lado, ao longo da idade média, começaram também a surgir grupos secretos e sociedades eruditas associadas à alquimia. Na sua filosofia oculta era habitual encontrar a referida estrela.

Podemos ainda dizer que até à chegada da inquisição, que essa estrela tinha sempre um significado nobre. 

Lentamente e ao longo da história iremos continuar a ver este símbolo a renascer em muitos movimentos conhecidos como os seguintes:

Na maçonaria o pentágono ou estrela de cinco pontas é um símbolo de grande poder.

Também o encontramos na Cabala, associada à natureza de Deus, do universo divino, da moral e das verdades ocultas ao homem.

Em 1966 Anton LaVey fundou a sua Igreja de Satã, um momento chave em que a estrela ficou para sempre marcada pela tendência mais escura, com o uso da magia negra do pentagrama invertido, com o vértice para baixo e que nos sugere a figura de um bode…

É também de salientar que a estrela, passou por uma curiosa evolução em que andou sempre de mãos dadas com diferentes abordagens de conhecimento e religião.

Os homens fazem uso dos símbolos muitas vezes de acordo com os seus próprios interesses, daí a confusão de se conseguir delimitar uma origem clara e específica. Não obstante, o tema não deixa de ser interessante. 

A estrela flamejante ou pentagrama é um símbolo comummente associado à mitologia, à magia, à astronomia, natureza, e também à religião. Maioritariamente escolhido por se tratar de um símbolo associado à luz divina que guia e ilumina o caminho do bem e atrai a proteção celestial tem muitas outras atribuições que lhe são defendidas. 

Também na magia cerimonial as ligações que lhe são atribuídas associam-se um pouco às defendidas pela religião pois representa os quatro elementos  (água, terra, fogo e ar) coordenados por um espírito ou um Deus que tudo coordena. 

A estrela, também chamada geralmente de pentagrama, foi usada durante milhares de anos por uma grande variedade de culturas. A maioria do seu uso na sociedade ocidental descende das tradições ocultas ocidentais. 

Ela é a forma mais simples de estrela, que deve ser traçada com uma única linha, sendo consequentemente chamado de Laço Infinito. Em tempos medievais, o Laço Infinito era o símbolo da verdade e da proteção contra demónios.  

Antes da Inquisição não havia nenhuma associação maligna ao pentagrama; pelo contrário, era a representação da verdade implícita, do misticismo religioso e do trabalho do Criador. 

Ocultistas têm associado o pentagrama às crenças das pessoas: 

A Humanidade ou o corpo humano, representando dois braços não desenhados, os dois pés e a cabeça; 

Os cinco sentidos físicos: visão, audição, tacto, cheiro e gosto; 

Os cinco elementos: terra, ar, fogo, água e espírito. 

Os Cinco ciclos da vida

O pentagrama é o símbolo da união e da síntese, na medida em que o número dos dedos de uma extremidade corresponde ao número dos nossos sentidos.

O pentagrama, uma estrela de cinco pontas, tem sido associado, desde muito tempo, ao mistério e à magia. Esse símbolo é, sem dúvida, o mais reconhecido por todos os seguidores do paganismo, sendo tão antigo que sua origem é desconhecida. No geral, o pentagrama tem sido utilizado em todas as épocas como talismã.

Dessa maneira, na antiga Mesopotâmia, esse símbolo representava o poder imperial. Para os pitagóricos, simbolizava a saúde e o conhecimento. Entre os egípcios, o pentagrama possuía relação com as pirâmides, uma vez que representava o útero da Terra.

Na cultura hebraica, o pentagrama representava a verdade e os cinco livros “Pentateuco” (cinco rolos), que para os judeus tem o nome de Torá, a "lei escrita" revelada por Deus.

Para os druidas, simbolizava o divino, mais precisamente, a cabeça de Deus. Para os celtas, representava a divindade Morrigham, deusa do amor e a da guerra.

Na numerologia, o pentagrama corresponde à soma dos elementos: dois femininos e três masculinos.

Para as correntes esotéricas, o pentagrama é formado por cinco extremidades cercadas por um círculo que representam os cinco elementos, também como no ocultismo acima referido.

Para os chineses, o pentagrama representa o ciclo da destruição, a base filosófica da medicina tradicional chinesa.

Cada extremidade do pentagrama simboliza um elemento: terra, água, fogo, madeira e metal. Cada elemento é gerado pelo outro, por exemplo, a madeira é gerada pela terra, o que dará origem a um ciclo de criação.

Para que haja o equilíbrio, faz-se necessário a presença de um elemento inibidor, que nesse caso, torna-se seu oposto, ou seja, a água que inibe o fogo.

Contudo, o Pentagrama aparece na pintura de Leonardo da Vinci (1452-1519). O “Homem Vitruviano” surge dentro de um círculo, o que demostra o ciclo de todas as coisas.

Note-se que, quando o pentagrama é desenhado dentro de um círculo, a sua função é unir todos os aspetos do homem.

Por fim, o pentagrama também pode simbolizar o Microcosmo, na medida em que representa o símbolo do "Homem de Pitágoras". Figura esta em que os braços e pernas abertas, ou seja, disposto em cinco partes em forma de cruz (o homem individual).

A mesma representação simboliza também o Macrocosmo (o Homem Universal) e é um símbolo de ordem e perfeição, a Verdade Divina.

Misteriosamente, a Estrela Flamejante, sempre foi, desde há muito tempo, aos dias de hoje, o distintivo de muitos militares, cujo as suas representações prendem-se aos atributos como a capacidade de decisão, o enfrentar desafios, honra, bravura, disposição para a batalha, expressão de vitória e de conquista, visivelmente patente nas “divisas”, de forma hierárquica, que corresponde na pratica militar á expressão de superioridade em relação aos demais. Expressa também a busca de igualdade perante os grandes. 

Na Maçonaria, o Laço Infinito (como também era conhecido o pentagrama, por ser traçado com uma mesma linha) era o emblema da virtude e do dever. O homem microcósmico era associado ao Pentalpha (a estrela de cinco pontas), sendo o símbolo entrelaçado ao trono do mestre da Loja.

Importa saber que a Estrela Flamejante traduz a luz interna do Companheiro, ou que representa o próprio homem Maçon dotado da luz que lhe foi transmitida.

O caminho do Companheiro é sinuoso e difícil. O Companheiro passa das asperezas terrenas para as belezas astrais, isto é, para o transcendental (Cosmo, Universo).

Diz-se também que o Grau de Companheiro também é dedicado à direção da mocidade, a felicidade possível, por meio do trabalho, da virtude, e das ciências que lhe são recomendadas.

Um dos principais objetivos do Companheiro é saber semear a dúvida na sua mente, não admitindo senão que possa ser provado e satisfaça a sua razão. 

O Companheiro deve deixar-se guiar pelo valor, pela energia e pela Inteligência, as três forças que poderão salvá-lo da ignorância, do fanatismo e da superstição fazendo-lhe abandonar o ilusório pela realidade.

Devem os Irmãos compreender definitivamente, que a sublime instituição não é somente o reino da tolerância, pois é acima de tudo uma ordem a serviço da verdade em movimento.

Para finalizar, é de realçar que, se o trabalho é uma característica primordial da Maçonaria, mais ainda o é no Grau de Companheiro, que a ele se dedica, como se dedica às ciências, à filosofia e às artes, ouvindo sempre, falando quando necessário e trabalhando bem e muito, dentro dos melhores princípios maçónicos.

Trabalhar, principalmente como Companheiro, é dedicar-se à construção do seu Templo Interior, num processo contínuo, no qual o sentido de “vencer as paixões e submeter as nossas vontades” acentua se mais no presente.

Pouco a pouco, com a perseverança do trabalho e o uso adequado das ferramentas, e sobretudo unido, o Companheiro entrega-se à construção do edifício, dentro de si, mas com o objetivo de se projetar para fora, para a sociedade, num processo sociológico que pretende exteriorizar e transmitir para outros indivíduos as conquistas espirituais que constituem a argamassa e os demais materiais utilizados na ação de construir.


Autor: John Locke

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

O Sol e a Lua

INTERLÚDIO 
Anteriormente à existência de qualquer planeta, galáxia ou universo, antes a qualquer vida ou espírito, dois astros vagueavam pelo vazio. Solitários e sem brilho, desconheciam da existência um do outro; sem saber o que era o sentir, deambulavam em total escuridão, incertos se os seus olhos estavam abertos ou cerrados.
Tantas vezes pareceram íntimos, de tão próximos que se cruzavam, mas eram incapazes de ver ou sentir a força e a magia um do outro; momentos houve em que quase se tocaram, quase se notaram… mas sempre só quase.
Contudo, num desses instantes frugais, ainda mesmo antes do tempo existir, tropeçaram no nada e chocaram de frente; abriram os olhos e, como algo de magia, reconheceram-se e sorriram com a presença um do outro.
Hoje vivem assim, separados; o sol finge que é feliz, a lua não consegue esconder que é triste.
  
PREFÁCIO 
Também no templo maçónico vivem reclusos estes dois símbolos, inscritos na parede mais a oriente; ele do lado direito de quem entra, ela do lado oposto. Talvez não seja por acaso que, neste amor proibido, o sol seja associado ao princípio ativo, ao masculino, ao poder criador e a lua ao princípio passivo, ao feminino, à fecundidade.
Mas nem sempre foi assim; ainda que a perseverança destes símbolos no recinto maçónico já pouco tenha a ver com crenças pagãs ou religiosidades primitivas, ambos têm aí a sua gênese.
Recuemos no tempo.
  
A HISTÓRIA 
No período Paleolítico o sol surge, não como uma conceção do masculino, mas da deusa, figurino que de alguma forma perdura através do Neolítico, em representações da divindade feminina com um espectro solar em câmaras fúnebres e, mesmo muito mais tarde, nas línguas célticas e germânicas.
Estas representações físicas do culto solar permanecem pela idade do bronze, não só através do exemplo mais óbvio do complexo arqueológico de Stonehenge, e da sua associação aos solstícios de verão e de inverno, como através do nosso Cromeleque dos Almendres, e dos seus monólitos datados de entre o 5º e o 3º milênio a. C., que detêm não só um caráter mágico-religioso, mas uma solene ligação à astronomia.
Movem-se os séculos e a geografia, e eis que no antigo Egipto surge Osíris, cujo caráter solar advém do deus Rá, de cujas lágrimas nasceram os homens; este é assassinado por Seth, seu irmão, e logo ressuscitado por Ísis, sua esposa, passando esta desde então a simbolizar a fecundidade e a fertilidade; será presumivelmente a mais primordial alusão á lua no feminino?
E se os Sumérios, Babilónios e Assírios, nos seus atos contemplativos do universo, foram os primeiros a determinar o equinócio da primavera, foi do lado oposto do oceano que os Maias, os grandes precursores da astronomia, mapearam a passagem de incontáveis objetos celestes com inigualável precisão, entre eles o nosso astro do dia e o nosso satélite da noite.
Já no velho continente, nascem com os Gregos novas lendas e heróis mitológicos, invariavelmente inspirados na abóboda celeste, herança que é transmitida a Romanos e Árabes e que com eles se difunde por toda a Europa; é assim através do gládio dos Romanos que o culto de Mitra, oriundo da Pérsia, se estende pelo ocidente.
Questionar-me-ão porventura sobre a relevância de tal idolatria… este rito transfigura a religião do Deus numa teologia de mistérios, outorgando uma notável importância aos rituais iniciáticos. Também não nos é inusitada a data da natividade de Mitra, 25 de Dezembro, nem o acaso de esta ter nascido numa gruta. Este figurino da caverna como local de eleição para os rituais em honra de Mitra e como símbolo do renascimento, num paralelismo pouco inocente com a Maçonaria, remete-nos de forma ecuménica para a câmara de reflexões e para o ato iniciático, mas muito em particular para a perceção de VITRIOL, Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem.
Com o advento do Cristianismo, a Igreja empenha-se fortemente no erradicar dos cultos pagãos associados ao sol e á lua. À época, e na nossa procedência, relevamos S. Martinho de Dume, ou de Braga, que combate fervorosamente as práticas pagãs de adoração aos rios, árvores, fontes, nascentes e astros, por ele considerados demoníacos. O insucesso de ambos fez com que a Igreja Cristã decida em parte assimilá-los, sendo a Virgem Maria a principal herdeira dos atributos das deusas lunares, suas predecessoras.
Os exemplares talvez mais óbvios desta simbiose serão os solstícios; o tempo do solstício de verão é como uma hierofania à qual se associaram diversas crenças e rituais pagãos, tais como os Santos Populares e o culto de S. João, cujo tributo se estende, imagine-se, entre muçulmanos.
Mas não é apenas quando o sol se apresenta no seu máximo esplendor que este é celebrado, também o é no seu declínio, no tempo do solstício de Inverno, eternizado através dos rituais do Natal, do Ano Novo e do Dia de Reis. Não obstante, o mesmo solstício de Inverno está intrinsecamente ligado a cultos pagãos, tais como os nascimentos de Krishna na Índia, de Osíris no Egito, de Melcarte na Fenícia e, da já referida Mitra na Pérsia.
E hoje, como vislumbramos estes astros?
 
O SIMBOLISMO CONTEMPORÂNEO 
O sol, como figura central do sistema solar, vê resignadamente os restantes corpos celestes a gravitar em torno de si; já lua, enquanto único satélite natural da terra, embora traje de negro em termos astronómicos, é em alguns momentos o astro mais brilhante no céu, fruto reflexão da luz do sol.
Estas duas forças complementares, mas fundamentalmente opostas, são comumente associadas ao yin-yang, conceito do taoismo que procura representar a dualidade de tudo que existe no universo, e que aqui alude à lua enquanto yin, princípio do feminino e da passividade, e ao sol enquanto yang, princípio do masculino e da atividade.
Em jeito de resenha, eis que o sol e a lua procuram simbolizar o dia e a noite, a luz direta e a luz reflexa, a ação e a reflexão, a atividade (ou trabalho) e o descanso, o dinâmico e o estático.
São insígnias que nos recordam que nada é tão descomplicado e óbvio como possa parecer à primeira vista, que as aparências exteriores, essas que brilham de forma evidente como se da luz do sol se tratassem, encobrem a natureza interior, mais difícil de vislumbrar, como uma se fora uma enigmática metáfora da pálida luz da lua. 
Isto remete-nos para algo mais familiar; mais íntimo com este espaço onde nos encontramos.
 
ENQUADRAMENTO MAÇÓNICO 
O sol espelha a luz, símbolo da vida, mas também transfigura a morte, quando está ocluso nesse ínterim que é a sua meia existência; estas irradiações entre o que é claridade e o que são trevas, transcendem a compreensão humana e, talvez por isso, o sol se tenha tornado a efígie da ressurreição e, de um modo geral, de um novo começo.
Por seu lado a lua, desempenha um papel significante no pensamento simbólico, fruto do seu declínio a cada mês lunar, cujos três dias de refúgio servem de preludio para uma resplandecente renovação em porte e em brilho; é com esta mutação de figurino que a lua se apresenta para o homem como o símbolo da passagem da vida à morte e da morte à vida; esta viagem é, segundo certas crenças, privilégio de soberanos, de heróis e… de iniciados.
Mas recordemos que a lua, privada de luz, é apenas um reflexo do sol; a constante metamorfose na sua forma, que comummente associámos à periodicidade e renovação e, por fim, aos ritmos biológicos, apenas existe graças ao astro rei; esta subserviência da lua enquanto símbolo do conhecimento indireto e discursivo, que evoca metaforicamente a beleza, entra em contraposição com o sol, símbolo do conhecimento e do esclarecimento mental, enquanto alegoria da força.
E se duvidas subsistissem sobre a importância cardinal destes símbolos em maçonaria, é nesta dialética entre o sol e a lua que, de forma despretensiosa, encontramos os sinónimos de força, de beleza e de sabedoria, os três grandes pilares que sustentam a loja maçónica.
E é assim que, além do plano celeste, o sol e a lua parecem perseverar como figuras centrais no campo terreno do sagrado, nesse espaço que chamamos templo.
 
SIMBOLISMO NO TEMPLO MAÇÓNICO 
Como já antes presumimos, este recinto físico é um retrato da natureza e os seus rituais estão repletos da simbologia pagã que nos remete para os fenómenos do universo; é através dessa figuração que erigimos o nosso templo, orientado de acordo com os pontos cardeais, e em harmonia com o zénite e com o nadir do astro rei, o mesmo que se inscreve no flanco direito do retábulo do oriente, em representação do dia, por oposição à lua, inscrita no lado contrário, em representação da noite.
Esta narrativa astronómica tem a sua génese em 1717, junto dos anciãos fundadores da Grande Loja de Londres que, no decurso dos seus trabalhos, iluminavam três círios, por eles designados de três grandes luzes; e faziam-no não só aludindo às três posições conquistadas pelo sol no seu trajeto de dia, mas também como expressão dele próprio, da lua e do Venerável da Loja.
Este enredo é-nos familiar no íntimo do nosso próprio R∴E∴A∴A∴, onde os oficiais que dirigem a loja fruem a designação de luzes e estão colocados nos pontos cardeais correspondentes ao seu nascer, a oriente, ao seu ocaso, a ocidente e ao seu apogeu, a sul; a norte, a extensão mais parcamente iluminada do templo, não se encontra figurada nenhuma luz; é por isso que neste setentrião se sentam os aprendizes, que labutam penosamente com a escassa claridade que a lua reflete do sol. Na coluna sul, mais amplamente iluminada, têm assento os companheiros e, no meão entre o sol e a lua, encontra-se o V∴M∴, que dirige os trabalhos do meio-dia, quando o sol está no seu apogeu, à meia-noite, quando este está no seu nadir, momento em que se supõe que a lua esteja no seu esplendor maior.
O orador, enquanto guardião da lei, e qual anáfora simbólica do conhecimento, tem assento sob o sol do oriente, de onde provém a luz; enquanto o secretário toma assento sob o luar, já que este reflete nos seus escritos a luz que provém do seu irmão orador. Quanto à anástrofe deste figurino que vislumbramos na N:.R:.Loja, permitam-me que o relegue para uma futura reflexão.
De regresso à sapiência dos antigos, eis que estes notaram que o sol não principia todos os dias em igual paragem, divergência que assinalaram erguendo vetustas colunas de pedra, para prontamente escordar as estações do ano, os solstícios e os equinócios; a memória dessas fragas solsticiais ainda hoje parece perdurar no recinto maçónico, na forma das colunas B e J.
E se na demanda da luz e do conhecimento transpomos esse pórtico, no nosso trajeto logo circundamos o painel da loja, que no seu grau primeiro nos permite vislumbrar três janelas; a primeira a oriente no momento do nascer do sol, outra ao meio-dia, no seu meridiano, e a terceira a ocidente, no findar do dia, momento em que a lua surge para crescer em brilho, e dominar a noite; a sua forma crescente, parece querer ensinar-nos que a escala iniciática do obreiro se faz sempre das trevas para a luz.
E sem perder o semblante do aprendiz, vejamos como o sol e a lua guiam a sua jornada.
  
SIMBOLISMO INICIÁTICO 
No ato de meditar sobre a relação entre estes dois símbolos, o maçom deverá inferir que há tempo de agir e tempo de refletir; há tempo de forjar e tempo de descansar; há tempo de aprender e tempo de ensinar; há ação e há contemplação. Todas estas dualidades, que integram a realidade, são afinal os pilares constituintes dessa mesma existência.
Estas duas insígnias relembram-nos que em nenhum momento do nosso percurso iniciático nos devemos cingir a um único aspeto da realidade, a um só tema de estudos; a espiritualidade é cardinal, mas não menos importante é a materialidade. Espírito e matéria não se opõem, completam-se, tal como o sol e a lua não se erradicam, mas antes repartem entre si o dia e a noite.
Em epítome, o trajeto marcado por estes dois astros, expressa o aperfeiçoamento do candidato desde o momento em que, sob o poder contemplativo da lua, é ocluso na câmara de reflexões, até que, enquanto iniciado, percorre o caminho do conhecimento, na persecução do esclarecimento da luz, simbolizada pelo sol a oriente.
 
CONCLUSÃO 
A Maçonaria encerra na sua ideologia uma série incalculável de princípios e ensinamentos, que traduzem a essência do próprio pensamento humano; é uma doutrina filosófica e moral que tomou por empréstimo a consciência humana desde os primórdios das civilizações, procurando dar vida própria aos seus símbolos, sempre sem vilipendiar o seu valor moral. De entre esta miríade de ícones, hoje procurámos prestar homenagem o sol e à lua.
E como nenhuma história merece cair em esquecimento sem o seu de epílogo, recordemos o advento deste escrito, desta narrativa simbólica.
 
EPÍLOGO 
Contemplativos, reencontramos os nossos protagonistas; ao sol, mais forte e omnipotente, foi concedido o caminho da solitude; à lua, mais fraca e singela, foi-lhe oferecida a companhia das estrelas; parece ser assim que o sol e a lua perseguem seu destino; ele, só mas vigoroso; ela, acompanhada mas franzina.
E como o homem dificilmente se consegue imiscuir de cobiçar o que é belo, tal como o sol, de tempos em tempos também nós tentamos conquistar a lua, como se tal fosse possível; na verdade, nenhum dos dois realmente a conseguiu subjugar, por mais que achassem que sim.
Sucede que, como nenhum amor é impossível, o indubitável acaso astronómico propiciou o eclipse; e é assim que hoje o sol e a lua convivem, na expetativa desse ensejo de reencontro, como se fora um símbolo desse único momento fortuito que lhes fora concedido.
Sempre e quando olhamos o céu e vislumbrarmos a lua a encobrir o sol, teremos fantasiado que este se deleitou sobre ela, num gesto de personificação do seu amor; o brilho deste êxtase é tão imenso que nesse preciso instante nenhum homem pode fitar o céu, sob pena de cegar.
Talvez este seja o retrato da única ocasião em o contemplar da luz obriga a uma venda, até mesmo para os iniciados.
 
PENSAMENTOS FINAIS 
Como tenho feito hábito nos meus escritos, partilho convosco alguns versos de Fernando Pessoa, ou antes de Alberto Caeiro, mas não sem antes vos confidenciar que, para quem nunca foi iniciado, Fernando Pessoa parece ter sempre uma palavra, uma frase, um qualquer ensinamento sobre Maçonaria.
 
Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.
Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem.
Se onde quero estar é longe, não estou lá num momento.
Sim: existo dentro do meu corpo.
Não trago o sol nem a lua na algibeira.
Não quero conquistar mundos porque dormi mal,
Nem almoçar o mundo por causa do estômago.
Indiferente?
Não: filho da terra, que se der um salto, está em falso,
Um momento no ar que não é para nós,
E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra,
Traz! na realidade que não falta!
 
 
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega
Nem um centímetro mais longe.
Toco só aonde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E somos vadios do nosso corpo.
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui.

Autor: Álvaro de Campos

domingo, 7 de agosto de 2022

A Trolha


No seguimento do caminho percorrido nas viagens aquando da passagem entre colunas no caminho para a Luz na busca e construção de um Mundo mais justo e perfeito efectuamos Cinco  Viagens e somos introduzidos às ferramentas que o Companheiro utiliza para o polimento da pedra bruta desbastada pelo/como Aprendiz.   
Na Primeira Viagem que é dedicada aos Cinco Sentidos é-nos confiado o Maço e o Cinzel (para desbastar a Pedra Bruta), na Segunda Viagem que é alusiva às Artes o Esquadro e o Compasso (emblemas da Rectidão e Exactidão, Justiça e Verdade), as Ciências abordadas na Terceira Viagem trazem consigo a Régua e a Alavanca simbolizando a o Juizo Recto e o Poder do Trabalho, na Quarta Viagem temos o Nível que simboliza a igualdade Social relacionando-se dessa forma com os Beneméritos da Sociedade, finalmente na Quinta e ultima Viagem nesta   passagem entre colunas Glorificamos o Trabalho o que é simbolizado através da Trolha.

Irei nesta Prancha tentar abordar com maior detalhe este ultimo símbolo face à sua relação com a Glorificação do Trabalho, relação que me despertou algum interesse pois faz parte da minha formação de base enquanto Cidadão estando a Glorificação do Trabalho relacionada até com a escolha do meu Nome Simbólico, e por coincidência escrevo estas linhas no dia primeiro de Maio de 2017.

Como já referi numa prancha anterior a Maçonaria como a conhecemos actualmente é Especulativa ou Filosófica e assim vincadamente Simbólica e somos igualmente uma Ordem Ritualista, como Arnaut refere as nossas “reuniões obedecem a determinados ritos, que traduzem simbolicamente, sínteses e sabedoria, remontando aos tempos mais recuados”, importa assim verificar a origem deste símbolo.

Trolha (tro·lha) tem a sua origem no Latim trulla. Tem diversos significados correntes sendo uma espécie de pá em que o pedreiro tem a argamassa de que se vai servindo (colher de Pedreiro), pode ser o servente de pedreiro ou o Pedreiro, um operário que assenta e conserta telhados, pintor de brocha ou até no calão ser utilizado para definir um homem sem importância ou sem préstimo e até violência física.

Qual a sua relação com a Maçonaria?

Verificamos que tem uma relação directa com a Maçonaria Operativa pois estamos perante a conhecida colher de pedreiro, ferramenta da Construção que é utilizada para misturar, separar, colocar ou até projectar argamassa nas diversas superfícies da obra em curso, é utilizada igualmente para alisar e uniformizar essa superfície com vista a aperfeiçoar e terminar a obra.

É exactamente na transposição desta sua função que facilmente percebemos um dos seus significados na Maçonaria Especulativa, terminar a obra e aperfeiçoa-la. Começando na Pedra Bruta desbastada pelo Maço e Cinzel e após aplicação na obra através do Esquadro, Compasso, Régua, Alavanca e Nível utilizamos a Trolha para a finalização do Trabalho.

Qual a sua relação com a Glorificação do Trabalho?

Em Maçonaria o Trabalho reveste-se de especial importância pois o mesmo é constante, o Obreiro trabalha numa Obra que não terminará, no seu intimo com o objetivo de evoluir e contribuir sempre que possível para um Mundo melhor mais Justo e Perfeito. É através deste Trabalho constante que conseguiremos moldar o mundo para melhor, mais equitativo e fraterno.

Assim Glorifica-se a importância do Trabalho e não só apenas do Trabalhador Individual, pois como a Trolha consegue uniformizar uma superfície também aqui se pode fazer a transposição para a uniformização dos Trabalhadores independentemente da importância relativa que possam ter em determinado momento em Loja, dessa forma a colocar todos os Obreiros em igualdade nos permite sermos pares e Fraternos. Desta Fraternidade não é indissociável o altruísmo e a solidariedade com os que ainda não laboram por ainda não ter chegado a sua hora e os que por algum motivo já não podem trabalhar, desta Fraternidade podemos fazer uma transposição para o Mundo Profano com a formação necessária para formar Cidadão, a manutenção de sistemas de protecção de quem já não pode trabalhar e até na defesa das condições de trabalho dos trabalhadores aos seus mais diversos níveis.

São estes os únicos simbolismos Maçónicos da Trolha?

Não, em “A Simbólica Maçónica” Jules Boucher recorrendo aos autores Plantageneta e Wirth remete-nos para outro significado relacionado com a característica dessa ferramenta uniformizar e unificar Argamassa que é simbolizar a Benevolência, a Fraternidade e a Tolerância sendo o símbolo do Amor Fraterno que une todos os Maçons entre si.     Da mesma forma que a Trolha faz com que desapareçam as irregularidades numa superfície unificando a mesma e parecendo una, devemos nós utilizar a mesma em Maçonaria de forma a mesmo sendo distintos entre nós como as sementes das Romãs que ornamentam as Colunas separadas na sua individualidade mas que se unem num todo, nós por essa diferença podemos ter perspetivas diferentes da realidade e caso surjam discórdias entre Obreiros devemos utilizar a Trolha como um elemento unificador e conciliador, passando a trolha sobre o assunto, pois por sermos Maçons Livres em Lojas Livres será usual pontos de vista discordantes e por vezes uma defesa mais acalorada de uma posição pedirá a utilização da Trolha Maçónica com vista ao restabelecimento da união fraterna .

É a Trolha uma Ferramenta do Companheiro?

Como Aprendiz as ferramentas utilizadas para o desbaste da Pedra Bruta são o Maço e o Cinzel sendo na passagem ao Grau de Companheiro feita a introdução às restantes ferramentas nas Viagens como referido anteriormente (Esquadro, Compasso, Régua, Alavanca, Nível e Trolha), pelo que sim já será uma das ferramentas utilizadas pelo Companheiro no aperfeiçoamento da Pedra Bruta com vista à sua transformação na Pedra Cúbica, no entanto podemos considerar que a Trolha pelo que vimos é uma ferramenta de utilização complexa pelo que demorará o seu tempo e orientação dos seus irmãos até que o Companheiro a maneje com Mestria. 


Autor: Armindo Matias



Uma Curta Reflexão Sobre o Ágape

O ágape na atual maçonaria especulativa não é uma exclusividade da atual maçonaria especulativa. O ágape é tão antigo quanto as escolas de mistérios no planeta Terra. Se engana o maçom que pensa que o ágape foi  inventado pela maçonaria e que após as sessões ele faz  algo jamais visto no mundo. O ágape sempre fez parte das reuniões entre os Iniciados, inclusive desde a antiguidade. 

Entretanto, o modo como o ágape vem sendo conduzido pela atual maçonaria especulativa está cada vez mais distante do verdadeiro sentido do ágape para uma ordem iniciática como a maçonaria. Cada vez mais o ágape vem sendo conduzido como uma mera confraternização entre os irmãos após as sessões. Assim como no mundo profano as pessoas se reúnem pelos mais diversos motivos para comer e beber, os maçons têm conduzido o ágape como uma mera reunião de comes e bebes entre amigos, esquecendo-se do carácter sagrado do ágape que deve haver na maçonaria, pois a maçonaria é sagrada e o sagrado deve gerar o sagrado, assim como o profano gera o profano. O ágape na maçonaria não deve ser uma mera confraternização entre irmãos, mas deve ser o que sempre foi para os Iniciados: uma parte do ritual.

Autor: Freud

segunda-feira, 25 de julho de 2022

Os Mitos Fundadores e o estado Atual da Maçonaria

Quando dizemos que a Maçonaria Moderna, também chamada especulativa, nasceu em 1717 estamos correctos. Então porque continuamos a ouvir dizer coisas como “Jesus Cristo era maçon?”  Vejamos.

A partir da década de 1730 surge, em França, André Michel de Ramsay (1686-1743). Nascido de uma família nobre escocesa, é licenciado em Humanidades e Filosofia pela Universidade de Edimburgo. Chega a França em 1709 e é, durante algum tempo, preceptor de príncipes. Foi aceite como membro da Royal Society em 1729 e provavelmente iniciado na Loja Horn em 1730. Em França, vai frequentar os círculos maçónicos parisienses, tendo publicado, em 1737, um texto sob a forma de discurso de boas vindas dirigido a jovens iniciados, onde refere:

“No tempo das Guerras Santas na Palestina, vários príncipes, senhores e cidadãos uniram-se, professaram o voto de reconstruir os templos dos cristãos na Terra Santa e empenharam-se por meio de um juramento a empregarem a sua ciência e os seus bens na reconstituição da sua arquitectura primitiva. Instituíram vários sinais antigos e palavras simbólicas, retiradas do legado da Religião, para se distinguirem no meio dos infiéis (…). Esses sinais e essas palavras só eram comunicados àqueles que prometiam solenemente, e muitas vezes ao pé dos altares, jamais os revelar (…). Pouco tempo depois, a nossa ordem uniu-se directamente com os cavaleiros de São João de Jerusalém. Desde então as nossas lojas adoptaram o nome de Lojas de São João em todos os países”. Criou-se, assim, o mito de que a maçonaria remonta aos Templários.

Em 1619 são publicados três documentos: Fama Fraternitatis (Ecos da Fraternidade) que é um manifesto político e religioso que sugere o advento de um mundo novo: o reino de Deus, associado ao triunfo do protestantismo sobre o catolicismo; Confessio Fraternitatis (Profissão de Fé da Fraternidade), que expõe em pormenor a doutrina da fraternidade; e um terceiro, apresentado como uma narrativa autobiográfica de Christian Rosenkreutz, as suas Núpcias Alquímicas. Segundo o mito, baseado nestes livros aparecidos no início do séc. XVII, em 1378 teria nascido de uma família pobre da nobreza alemã Christian Rosenkreutz (ou Rosacruz), que terá recebido a sua educação num mosteiro. Por volta dos dezasseis anos põe-se a caminho de Jerusalém, onde acabará por não chegar porque o seu périplo se transformou numa viagem iniciática. No misterioso Oriente encontra inúmeros sábios, que lhe ensinam o árabe, matemática, filosofia e alquimia. De regresso à Alemanha, reúne à sua volta alguns companheiros que conhecera no convento. O seu emblema é uma cruz vermelha, no centro da qual figura uma rosa da mesma cor. Os irmãos elaboram uma linguagem criptográfica que é reservada unicamente aos iniciados. A revelação desta confraria a partir dos textos referidos e na sequência da pretensa descoberta da tumba de Rosenkreutz, em 1604, suscita um entusiasmo excepcional, e só na Alemanha são-lhe dedicados, entre 1614 e 1620, mais de duzentos escritos, tendo aparecido uma ordem iniciática ainda hoje existente que reclama seguir os preceitos daquela antiga associação. Mas afinal, na sua biografia, publicada apenas em 1799, o Pastor Johann Valentin Andreae (1586-1654) confessou que aquelas mistificações eram de sua autoria, uma simples brincadeira de juventude, quando estudava teologia em Tübingen. Não obstante, ainda hoje há quem afirme que a maçonaria provém daquela irmandade (a que terá pertencido Sir Francis Bacon), criada a partir daquele mito e ainda hoje existente, que terá ficado cem anos adormecida, aparecendo então no início do séc. XVIII.

Ora o que acontece é que desde que o Homem existe que sempre se perguntou não só para onde vai, mas também de onde vem. A incapacidade de explicar o seu início ou, mais abrangente, o início do Universo, desde tempos imemoriais o tem levado à especulação e à concepção do Divino. Nas sociedades mais primitivas, o Divino foi associado aos astros, nomeadamente aos dois astros mais visíveis, o Sol e a Lua. E, como o Homem sempre foi cioso dos seus conhecimentos, por um lado, e o poder resultante da informação pode ser perigoso, por outro lado, os saberes passaram a ser transmitidos não de forma universal mas apenas a alguns escolhidos – os iniciados.

Andando para trás o mais que nos é possível, podemos remontar à que deve ser uma das mais antigas sociedades secretas conhecidas – os vigilantes – a qual teve origem na Suméria. Também conhecidos como “filhos de Deus”, e, em hebreu, como Eyrim (Irim), eram influenciados pela astroteologia e pelo culto da serpente (kundalini), também muito primitivo.

É a tradição desta mitologia e sua forma de transmissão que chega à sociedade hebraica, inspirando a construção do Templo de Salomão. Estas sociedades têm duas características fundamentais: dogma religioso e sociedade secreta. Por outro lado, é também concebida sob esta influência a sociedade secreta dos sacerdotes no Egipto. Como se sabe só estes – iniciados – tinham conhecimento dos mais importantes saberes, nomeadamente o da construção das pirâmides. Esta organização iniciática egípcia influenciará, por sua vez, a escola hermética de Alexandria, também iniciática, esta por necessidade de secretismo uma vez que era perseguida pelos dogmas fundamentalistas das “religiões reveladas”, que conseguem destruí-la materialmente, com o incêndio da biblioteca da Alexandria (um mistério atribuído tanto aos Cristãos como aos Muçulmanos), e depois espiritualmente, com as perseguições da Inquisição. Provavelmente nunca faremos ideia do prejuízo causado no saber da Humanidade com as perseguições religiosas da Idade Moderna, que destruíram virtualmente a escola hermética e os seus saberes ancestrais, desconhecedores da epistemologia moderna mas baseados em empirismos riquíssimos, de diversa proveniência.

Nestas purgas, a Igreja não hesita em destruir também uma instituição saída do seu próprio seio, a qual também tentou aceder e preservar os segredos iniciáticos do passado: os Templários. Também estes uma organização iniciática, preservaram de tal forma os seus segredos que eles nunca foram revelados, mesmo com o ataque de surpresa que lhes foi feito por Filipe, o Belo e pelo Papa Clemente V, numa das “operações policiais mais extraordinárias de todos os tempos”, no dizer de Duc de Lévis-Mirepoix.

Diz-se que Gervásio de Beauvais, preceptor templário em França, durante o seu interrogatório pela Santa Inquisição terá afirmado: “- Há na ordem uma lei tão extraordinária, da qual se deve guardar segredo, que qualquer cavaleiro preferiria que lhe cortassem a cabeça do que revelá-lo a alguém”. Ora a Maçonaria actual não é nada disto, porque nasceu nos primórdios do séc. XVIII. Mas também é isto, fundamentalmente por duas razões: primeira, porque recebeu influência de todas as ordens iniciáticas que a precederam. 

Como se viu, já se falou em vigilantes, em astroteologia (sol, lua, oriente, ocidente, setentrião, meio-dia, zénite, nadir) e até no sinal de primeiro grau. Tendo chegado mais tarde, somos um pouco herdeiros do que já existiu; segunda, porque somos hoje a ordem iniciática mais organizada, mais forte e mais relevante.

Certo é, porém, que não devemos confundir maçons com iniciados. Jesus Nazareno, dito Cristo, foi seguramente um iniciado. Mas não foi um maçon porque a Maçonaria ainda não existia.

É muito provável, no entanto, que fossem estas razões, sobretudo a influência das ordens iniciáticas anteriores, e bem assim as confusões criadas por figuras como os citados André Michel de Ramsay e Valentin Andreae, entre outros, que levaram Pike, no seu texto Morals and Dogma, a garantir que a Maçonaria nasceu de antigos mitos pagãos. Ter-se-á enganado, um homem como Pike? Sim e não. Sim, porque a Maçonaria tem data de nascimento, e é posterior. Não porque ela absorveu os saberes anteriores, provavelmente ainda enquanto operativa, para se inspirar, tendo inclusivamente copiado algumas das crenças, e sobretudo formas de organização. Como única ordem iniciática relevante que chegou aos nossos dias, ela conservou influências anteriores nos seus rituais, e conseguimos perceber que estes se basearam em mitos que podemos encontrar em quase todas as ordens iniciáticas anteriores: nos adoradores de estrelas da Suméria, nos construtores do Templo de Salomão, nos construtores das pirâmides do Egipto (a ser verdade o que circula na internet a elevação aos graus capitulares vai beber ao mito de Osíris) e, sem serem mitos, nos saberes Templários e Herméticos. Aqueles que têm acesso ao Ritual do Grau de M:.

M:. podem constatar isto a págs. 5-6.Na verdade, nos dias de hoje só nós, maçons, nos interessamos por estas tradições, as conhecemos aprofundadamente e as seguimos. Como tal, nós, maçons, somos actualmente os guardiães de todos os saberes antigos  remanescentes das perseguições religiosas desde Constantino à Revolução Francesa. Com o nosso fim, extinguir-se-iam inevitavelmente as reminiscências desses tempos, com as suas diferentes formas de saber. 

Por isso mesmo, os filhos da viúva jamais podem morrer.

Compete-nos transportar este testemunho que recebemos daqueles que tantos sacrifícios fizeram para o preservar, e entrega-lo às gerações futuras com Beleza, Força e Sabedoria


Autor: Bocage