INTERLÚDIO
Anteriormente à existência de qualquer planeta, galáxia ou universo, antes a qualquer vida ou espírito, dois astros vagueavam pelo vazio. Solitários e sem brilho, desconheciam da existência um do outro; sem saber o que era o sentir, deambulavam em total escuridão, incertos se os seus olhos estavam abertos ou cerrados.
Tantas vezes pareceram íntimos, de tão próximos que se cruzavam, mas eram incapazes de ver ou sentir a força e a magia um do outro; momentos houve em que quase se tocaram, quase se notaram… mas sempre só quase.
Contudo, num desses instantes frugais, ainda mesmo antes do tempo existir, tropeçaram no nada e chocaram de frente; abriram os olhos e, como algo de magia, reconheceram-se e sorriram com a presença um do outro.
Hoje vivem assim, separados; o sol finge que é feliz, a lua não consegue esconder que é triste.
PREFÁCIO
Também no templo maçónico vivem reclusos estes dois símbolos, inscritos na parede mais a oriente; ele do lado direito de quem entra, ela do lado oposto. Talvez não seja por acaso que, neste amor proibido, o sol seja associado ao princípio ativo, ao masculino, ao poder criador e a lua ao princípio passivo, ao feminino, à fecundidade.
Mas nem sempre foi assim; ainda que a perseverança destes símbolos no recinto maçónico já pouco tenha a ver com crenças pagãs ou religiosidades primitivas, ambos têm aí a sua gênese.
Recuemos no tempo.
A HISTÓRIA
No período Paleolítico o sol surge, não como uma conceção do masculino, mas da deusa, figurino que de alguma forma perdura através do Neolítico, em representações da divindade feminina com um espectro solar em câmaras fúnebres e, mesmo muito mais tarde, nas línguas célticas e germânicas.
Estas representações físicas do culto solar permanecem pela idade do bronze, não só através do exemplo mais óbvio do complexo arqueológico de Stonehenge, e da sua associação aos solstícios de verão e de inverno, como através do nosso Cromeleque dos Almendres, e dos seus monólitos datados de entre o 5º e o 3º milênio a. C., que detêm não só um caráter mágico-religioso, mas uma solene ligação à astronomia.
Movem-se os séculos e a geografia, e eis que no antigo Egipto surge Osíris, cujo caráter solar advém do deus Rá, de cujas lágrimas nasceram os homens; este é assassinado por Seth, seu irmão, e logo ressuscitado por Ísis, sua esposa, passando esta desde então a simbolizar a fecundidade e a fertilidade; será presumivelmente a mais primordial alusão á lua no feminino?
E se os Sumérios, Babilónios e Assírios, nos seus atos contemplativos do universo, foram os primeiros a determinar o equinócio da primavera, foi do lado oposto do oceano que os Maias, os grandes precursores da astronomia, mapearam a passagem de incontáveis objetos celestes com inigualável precisão, entre eles o nosso astro do dia e o nosso satélite da noite.
Já no velho continente, nascem com os Gregos novas lendas e heróis mitológicos, invariavelmente inspirados na abóboda celeste, herança que é transmitida a Romanos e Árabes e que com eles se difunde por toda a Europa; é assim através do gládio dos Romanos que o culto de Mitra, oriundo da Pérsia, se estende pelo ocidente.
Questionar-me-ão porventura sobre a relevância de tal idolatria… este rito transfigura a religião do Deus numa teologia de mistérios, outorgando uma notável importância aos rituais iniciáticos. Também não nos é inusitada a data da natividade de Mitra, 25 de Dezembro, nem o acaso de esta ter nascido numa gruta. Este figurino da caverna como local de eleição para os rituais em honra de Mitra e como símbolo do renascimento, num paralelismo pouco inocente com a Maçonaria, remete-nos de forma ecuménica para a câmara de reflexões e para o ato iniciático, mas muito em particular para a perceção de VITRIOL, Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem.
Com o advento do Cristianismo, a Igreja empenha-se fortemente no erradicar dos cultos pagãos associados ao sol e á lua. À época, e na nossa procedência, relevamos S. Martinho de Dume, ou de Braga, que combate fervorosamente as práticas pagãs de adoração aos rios, árvores, fontes, nascentes e astros, por ele considerados demoníacos. O insucesso de ambos fez com que a Igreja Cristã decida em parte assimilá-los, sendo a Virgem Maria a principal herdeira dos atributos das deusas lunares, suas predecessoras.
Os exemplares talvez mais óbvios desta simbiose serão os solstícios; o tempo do solstício de verão é como uma hierofania à qual se associaram diversas crenças e rituais pagãos, tais como os Santos Populares e o culto de S. João, cujo tributo se estende, imagine-se, entre muçulmanos.
Mas não é apenas quando o sol se apresenta no seu máximo esplendor que este é celebrado, também o é no seu declínio, no tempo do solstício de Inverno, eternizado através dos rituais do Natal, do Ano Novo e do Dia de Reis. Não obstante, o mesmo solstício de Inverno está intrinsecamente ligado a cultos pagãos, tais como os nascimentos de Krishna na Índia, de Osíris no Egito, de Melcarte na Fenícia e, da já referida Mitra na Pérsia.
E hoje, como vislumbramos estes astros?
O SIMBOLISMO
CONTEMPORÂNEO
O sol, como figura central do sistema solar, vê resignadamente os restantes corpos celestes a gravitar em torno de si; já lua, enquanto único satélite natural da terra, embora traje de negro em termos astronómicos, é em alguns momentos o astro mais brilhante no céu, fruto reflexão da luz do sol.
Estas duas forças complementares, mas fundamentalmente opostas, são comumente associadas ao yin-yang, conceito do taoismo que procura representar a dualidade de tudo que existe no universo, e que aqui alude à lua enquanto yin, princípio do feminino e da passividade, e ao sol enquanto yang, princípio do masculino e da atividade.
Em jeito de resenha, eis que o sol e a lua procuram simbolizar o dia e a noite, a luz direta e a luz reflexa, a ação e a reflexão, a atividade (ou trabalho) e o descanso, o dinâmico e o estático.
São insígnias que nos recordam que nada é tão descomplicado e óbvio como possa parecer à primeira vista, que as aparências exteriores, essas que brilham de forma evidente como se da luz do sol se tratassem, encobrem a natureza interior, mais difícil de vislumbrar, como uma se fora uma enigmática metáfora da pálida luz da lua.
Isto remete-nos para algo mais familiar; mais íntimo com este espaço onde nos encontramos.
ENQUADRAMENTO
MAÇÓNICO
O sol espelha a luz, símbolo da vida, mas também transfigura a morte, quando está ocluso nesse ínterim que é a sua meia existência; estas irradiações entre o que é claridade e o que são trevas, transcendem a compreensão humana e, talvez por isso, o sol se tenha tornado a efígie da ressurreição e, de um modo geral, de um novo começo.
Por seu lado a lua, desempenha um papel significante no pensamento simbólico, fruto do seu declínio a cada mês lunar, cujos três dias de refúgio servem de preludio para uma resplandecente renovação em porte e em brilho; é com esta mutação de figurino que a lua se apresenta para o homem como o símbolo da passagem da vida à morte e da morte à vida; esta viagem é, segundo certas crenças, privilégio de soberanos, de heróis e… de iniciados.
Mas recordemos que a lua, privada de luz, é apenas um reflexo do sol; a constante metamorfose na sua forma, que comummente associámos à periodicidade e renovação e, por fim, aos ritmos biológicos, apenas existe graças ao astro rei; esta subserviência da lua enquanto símbolo do conhecimento indireto e discursivo, que evoca metaforicamente a beleza, entra em contraposição com o sol, símbolo do conhecimento e do esclarecimento mental, enquanto alegoria da força.
E se duvidas subsistissem sobre a importância cardinal destes símbolos em maçonaria, é nesta dialética entre o sol e a lua que, de forma despretensiosa, encontramos os sinónimos de força, de beleza e de sabedoria, os três grandes pilares que sustentam a loja maçónica.
E é assim que, além do plano celeste, o sol e a lua parecem perseverar como figuras centrais no campo terreno do sagrado, nesse espaço que chamamos templo.
SIMBOLISMO NO
TEMPLO MAÇÓNICO
Como já antes presumimos, este recinto físico é um retrato da natureza e os seus rituais estão repletos da simbologia pagã que nos remete para os fenómenos do universo; é através dessa figuração que erigimos o nosso templo, orientado de acordo com os pontos cardeais, e em harmonia com o zénite e com o nadir do astro rei, o mesmo que se inscreve no flanco direito do retábulo do oriente, em representação do dia, por oposição à lua, inscrita no lado contrário, em representação da noite.
Esta narrativa astronómica tem a sua génese em 1717, junto dos anciãos fundadores da Grande Loja de Londres que, no decurso dos seus trabalhos, iluminavam três círios, por eles designados de três grandes luzes; e faziam-no não só aludindo às três posições conquistadas pelo sol no seu trajeto de dia, mas também como expressão dele próprio, da lua e do Venerável da Loja.
Este enredo é-nos familiar no íntimo do nosso próprio R∴E∴A∴A∴, onde os oficiais que dirigem a loja fruem a designação de luzes e estão colocados nos pontos cardeais correspondentes ao seu nascer, a oriente, ao seu ocaso, a ocidente e ao seu apogeu, a sul; a norte, a extensão mais parcamente iluminada do templo, não se encontra figurada nenhuma luz; é por isso que neste setentrião se sentam os aprendizes, que labutam penosamente com a escassa claridade que a lua reflete do sol. Na coluna sul, mais amplamente iluminada, têm assento os companheiros e, no meão entre o sol e a lua, encontra-se o V∴M∴, que dirige os trabalhos do meio-dia, quando o sol está no seu apogeu, à meia-noite, quando este está no seu nadir, momento em que se supõe que a lua esteja no seu esplendor maior.
O orador, enquanto guardião da lei, e qual anáfora simbólica do conhecimento, tem assento sob o sol do oriente, de onde provém a luz; enquanto o secretário toma assento sob o luar, já que este reflete nos seus escritos a luz que provém do seu irmão orador. Quanto à anástrofe deste figurino que vislumbramos na N:.R:.Loja, permitam-me que o relegue para uma futura reflexão.
De regresso à sapiência dos antigos, eis que estes notaram que o sol não principia todos os dias em igual paragem, divergência que assinalaram erguendo vetustas colunas de pedra, para prontamente escordar as estações do ano, os solstícios e os equinócios; a memória dessas fragas solsticiais ainda hoje parece perdurar no recinto maçónico, na forma das colunas B e J.
E se na demanda da luz e do conhecimento transpomos esse pórtico, no nosso trajeto logo circundamos o painel da loja, que no seu grau primeiro nos permite vislumbrar três janelas; a primeira a oriente no momento do nascer do sol, outra ao meio-dia, no seu meridiano, e a terceira a ocidente, no findar do dia, momento em que a lua surge para crescer em brilho, e dominar a noite; a sua forma crescente, parece querer ensinar-nos que a escala iniciática do obreiro se faz sempre das trevas para a luz.
E sem perder o semblante do aprendiz, vejamos como o sol e a lua guiam a sua jornada.
SIMBOLISMO INICIÁTICO
No ato de meditar sobre a relação entre estes dois símbolos, o maçom deverá inferir que há tempo de agir e tempo de refletir; há tempo de forjar e tempo de descansar; há tempo de aprender e tempo de ensinar; há ação e há contemplação. Todas estas dualidades, que integram a realidade, são afinal os pilares constituintes dessa mesma existência.
Estas duas insígnias relembram-nos que em nenhum momento do nosso percurso iniciático nos devemos cingir a um único aspeto da realidade, a um só tema de estudos; a espiritualidade é cardinal, mas não menos importante é a materialidade. Espírito e matéria não se opõem, completam-se, tal como o sol e a lua não se erradicam, mas antes repartem entre si o dia e a noite.
Em epítome, o trajeto marcado por estes dois astros, expressa o aperfeiçoamento do candidato desde o momento em que, sob o poder contemplativo da lua, é ocluso na câmara de reflexões, até que, enquanto iniciado, percorre o caminho do conhecimento, na persecução do esclarecimento da luz, simbolizada pelo sol a oriente.
CONCLUSÃO
A Maçonaria encerra na sua ideologia uma série incalculável de princípios e ensinamentos, que traduzem a essência do próprio pensamento humano; é uma doutrina filosófica e moral que tomou por empréstimo a consciência humana desde os primórdios das civilizações, procurando dar vida própria aos seus símbolos, sempre sem vilipendiar o seu valor moral. De entre esta miríade de ícones, hoje procurámos prestar homenagem o sol e à lua.
E como nenhuma história merece cair em esquecimento sem o seu de epílogo, recordemos o advento deste escrito, desta narrativa simbólica.
EPÍLOGO
Contemplativos, reencontramos os nossos protagonistas; ao sol, mais forte e omnipotente, foi concedido o caminho da solitude; à lua, mais fraca e singela, foi-lhe oferecida a companhia das estrelas; parece ser assim que o sol e a lua perseguem seu destino; ele, só mas vigoroso; ela, acompanhada mas franzina.
E como o homem dificilmente se consegue imiscuir de cobiçar o que é belo, tal como o sol, de tempos em tempos também nós tentamos conquistar a lua, como se tal fosse possível; na verdade, nenhum dos dois realmente a conseguiu subjugar, por mais que achassem que sim.
Sucede que, como nenhum amor é impossível, o indubitável acaso astronómico propiciou o eclipse; e é assim que hoje o sol e a lua convivem, na expetativa desse ensejo de reencontro, como se fora um símbolo desse único momento fortuito que lhes fora concedido.
Sempre e quando olhamos o céu e vislumbrarmos a lua a encobrir o sol, teremos fantasiado que este se deleitou sobre ela, num gesto de personificação do seu amor; o brilho deste êxtase é tão imenso que nesse preciso instante nenhum homem pode fitar o céu, sob pena de cegar.
Talvez este seja o retrato da única ocasião em o contemplar da luz obriga a uma venda, até mesmo para os iniciados.
PENSAMENTOS
FINAIS
Como tenho feito hábito nos meus escritos, partilho convosco alguns versos de Fernando Pessoa, ou antes de Alberto Caeiro, mas não sem antes vos confidenciar que, para quem nunca foi iniciado, Fernando Pessoa parece ter sempre uma palavra, uma frase, um qualquer ensinamento sobre Maçonaria.
Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.
Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem.
Se onde quero estar é longe, não estou lá num momento.
Sim: existo dentro do meu corpo.
Não trago o sol nem a lua na algibeira.
Não quero conquistar mundos porque dormi mal,
Nem almoçar o mundo por causa do estômago.
Indiferente?
Não: filho da terra, que se der um salto, está em falso,
Um momento no ar que não é para nós,
E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra,
Traz! na realidade que não falta!
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega
Nem um centímetro mais longe.
Toco só aonde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E somos vadios do nosso corpo.
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui.
Anteriormente à existência de qualquer planeta, galáxia ou universo, antes a qualquer vida ou espírito, dois astros vagueavam pelo vazio. Solitários e sem brilho, desconheciam da existência um do outro; sem saber o que era o sentir, deambulavam em total escuridão, incertos se os seus olhos estavam abertos ou cerrados.
Tantas vezes pareceram íntimos, de tão próximos que se cruzavam, mas eram incapazes de ver ou sentir a força e a magia um do outro; momentos houve em que quase se tocaram, quase se notaram… mas sempre só quase.
Contudo, num desses instantes frugais, ainda mesmo antes do tempo existir, tropeçaram no nada e chocaram de frente; abriram os olhos e, como algo de magia, reconheceram-se e sorriram com a presença um do outro.
Hoje vivem assim, separados; o sol finge que é feliz, a lua não consegue esconder que é triste.
PREFÁCIO
Também no templo maçónico vivem reclusos estes dois símbolos, inscritos na parede mais a oriente; ele do lado direito de quem entra, ela do lado oposto. Talvez não seja por acaso que, neste amor proibido, o sol seja associado ao princípio ativo, ao masculino, ao poder criador e a lua ao princípio passivo, ao feminino, à fecundidade.
Mas nem sempre foi assim; ainda que a perseverança destes símbolos no recinto maçónico já pouco tenha a ver com crenças pagãs ou religiosidades primitivas, ambos têm aí a sua gênese.
Recuemos no tempo.
A HISTÓRIA
No período Paleolítico o sol surge, não como uma conceção do masculino, mas da deusa, figurino que de alguma forma perdura através do Neolítico, em representações da divindade feminina com um espectro solar em câmaras fúnebres e, mesmo muito mais tarde, nas línguas célticas e germânicas.
Estas representações físicas do culto solar permanecem pela idade do bronze, não só através do exemplo mais óbvio do complexo arqueológico de Stonehenge, e da sua associação aos solstícios de verão e de inverno, como através do nosso Cromeleque dos Almendres, e dos seus monólitos datados de entre o 5º e o 3º milênio a. C., que detêm não só um caráter mágico-religioso, mas uma solene ligação à astronomia.
Movem-se os séculos e a geografia, e eis que no antigo Egipto surge Osíris, cujo caráter solar advém do deus Rá, de cujas lágrimas nasceram os homens; este é assassinado por Seth, seu irmão, e logo ressuscitado por Ísis, sua esposa, passando esta desde então a simbolizar a fecundidade e a fertilidade; será presumivelmente a mais primordial alusão á lua no feminino?
E se os Sumérios, Babilónios e Assírios, nos seus atos contemplativos do universo, foram os primeiros a determinar o equinócio da primavera, foi do lado oposto do oceano que os Maias, os grandes precursores da astronomia, mapearam a passagem de incontáveis objetos celestes com inigualável precisão, entre eles o nosso astro do dia e o nosso satélite da noite.
Já no velho continente, nascem com os Gregos novas lendas e heróis mitológicos, invariavelmente inspirados na abóboda celeste, herança que é transmitida a Romanos e Árabes e que com eles se difunde por toda a Europa; é assim através do gládio dos Romanos que o culto de Mitra, oriundo da Pérsia, se estende pelo ocidente.
Questionar-me-ão porventura sobre a relevância de tal idolatria… este rito transfigura a religião do Deus numa teologia de mistérios, outorgando uma notável importância aos rituais iniciáticos. Também não nos é inusitada a data da natividade de Mitra, 25 de Dezembro, nem o acaso de esta ter nascido numa gruta. Este figurino da caverna como local de eleição para os rituais em honra de Mitra e como símbolo do renascimento, num paralelismo pouco inocente com a Maçonaria, remete-nos de forma ecuménica para a câmara de reflexões e para o ato iniciático, mas muito em particular para a perceção de VITRIOL, Visita Interiora Terrae, Rectificando, Invenies Occultum Lapidem.
Com o advento do Cristianismo, a Igreja empenha-se fortemente no erradicar dos cultos pagãos associados ao sol e á lua. À época, e na nossa procedência, relevamos S. Martinho de Dume, ou de Braga, que combate fervorosamente as práticas pagãs de adoração aos rios, árvores, fontes, nascentes e astros, por ele considerados demoníacos. O insucesso de ambos fez com que a Igreja Cristã decida em parte assimilá-los, sendo a Virgem Maria a principal herdeira dos atributos das deusas lunares, suas predecessoras.
Os exemplares talvez mais óbvios desta simbiose serão os solstícios; o tempo do solstício de verão é como uma hierofania à qual se associaram diversas crenças e rituais pagãos, tais como os Santos Populares e o culto de S. João, cujo tributo se estende, imagine-se, entre muçulmanos.
Mas não é apenas quando o sol se apresenta no seu máximo esplendor que este é celebrado, também o é no seu declínio, no tempo do solstício de Inverno, eternizado através dos rituais do Natal, do Ano Novo e do Dia de Reis. Não obstante, o mesmo solstício de Inverno está intrinsecamente ligado a cultos pagãos, tais como os nascimentos de Krishna na Índia, de Osíris no Egito, de Melcarte na Fenícia e, da já referida Mitra na Pérsia.
E hoje, como vislumbramos estes astros?
O sol, como figura central do sistema solar, vê resignadamente os restantes corpos celestes a gravitar em torno de si; já lua, enquanto único satélite natural da terra, embora traje de negro em termos astronómicos, é em alguns momentos o astro mais brilhante no céu, fruto reflexão da luz do sol.
Estas duas forças complementares, mas fundamentalmente opostas, são comumente associadas ao yin-yang, conceito do taoismo que procura representar a dualidade de tudo que existe no universo, e que aqui alude à lua enquanto yin, princípio do feminino e da passividade, e ao sol enquanto yang, princípio do masculino e da atividade.
Em jeito de resenha, eis que o sol e a lua procuram simbolizar o dia e a noite, a luz direta e a luz reflexa, a ação e a reflexão, a atividade (ou trabalho) e o descanso, o dinâmico e o estático.
São insígnias que nos recordam que nada é tão descomplicado e óbvio como possa parecer à primeira vista, que as aparências exteriores, essas que brilham de forma evidente como se da luz do sol se tratassem, encobrem a natureza interior, mais difícil de vislumbrar, como uma se fora uma enigmática metáfora da pálida luz da lua.
Isto remete-nos para algo mais familiar; mais íntimo com este espaço onde nos encontramos.
O sol espelha a luz, símbolo da vida, mas também transfigura a morte, quando está ocluso nesse ínterim que é a sua meia existência; estas irradiações entre o que é claridade e o que são trevas, transcendem a compreensão humana e, talvez por isso, o sol se tenha tornado a efígie da ressurreição e, de um modo geral, de um novo começo.
Por seu lado a lua, desempenha um papel significante no pensamento simbólico, fruto do seu declínio a cada mês lunar, cujos três dias de refúgio servem de preludio para uma resplandecente renovação em porte e em brilho; é com esta mutação de figurino que a lua se apresenta para o homem como o símbolo da passagem da vida à morte e da morte à vida; esta viagem é, segundo certas crenças, privilégio de soberanos, de heróis e… de iniciados.
Mas recordemos que a lua, privada de luz, é apenas um reflexo do sol; a constante metamorfose na sua forma, que comummente associámos à periodicidade e renovação e, por fim, aos ritmos biológicos, apenas existe graças ao astro rei; esta subserviência da lua enquanto símbolo do conhecimento indireto e discursivo, que evoca metaforicamente a beleza, entra em contraposição com o sol, símbolo do conhecimento e do esclarecimento mental, enquanto alegoria da força.
E se duvidas subsistissem sobre a importância cardinal destes símbolos em maçonaria, é nesta dialética entre o sol e a lua que, de forma despretensiosa, encontramos os sinónimos de força, de beleza e de sabedoria, os três grandes pilares que sustentam a loja maçónica.
E é assim que, além do plano celeste, o sol e a lua parecem perseverar como figuras centrais no campo terreno do sagrado, nesse espaço que chamamos templo.
Como já antes presumimos, este recinto físico é um retrato da natureza e os seus rituais estão repletos da simbologia pagã que nos remete para os fenómenos do universo; é através dessa figuração que erigimos o nosso templo, orientado de acordo com os pontos cardeais, e em harmonia com o zénite e com o nadir do astro rei, o mesmo que se inscreve no flanco direito do retábulo do oriente, em representação do dia, por oposição à lua, inscrita no lado contrário, em representação da noite.
Esta narrativa astronómica tem a sua génese em 1717, junto dos anciãos fundadores da Grande Loja de Londres que, no decurso dos seus trabalhos, iluminavam três círios, por eles designados de três grandes luzes; e faziam-no não só aludindo às três posições conquistadas pelo sol no seu trajeto de dia, mas também como expressão dele próprio, da lua e do Venerável da Loja.
Este enredo é-nos familiar no íntimo do nosso próprio R∴E∴A∴A∴, onde os oficiais que dirigem a loja fruem a designação de luzes e estão colocados nos pontos cardeais correspondentes ao seu nascer, a oriente, ao seu ocaso, a ocidente e ao seu apogeu, a sul; a norte, a extensão mais parcamente iluminada do templo, não se encontra figurada nenhuma luz; é por isso que neste setentrião se sentam os aprendizes, que labutam penosamente com a escassa claridade que a lua reflete do sol. Na coluna sul, mais amplamente iluminada, têm assento os companheiros e, no meão entre o sol e a lua, encontra-se o V∴M∴, que dirige os trabalhos do meio-dia, quando o sol está no seu apogeu, à meia-noite, quando este está no seu nadir, momento em que se supõe que a lua esteja no seu esplendor maior.
O orador, enquanto guardião da lei, e qual anáfora simbólica do conhecimento, tem assento sob o sol do oriente, de onde provém a luz; enquanto o secretário toma assento sob o luar, já que este reflete nos seus escritos a luz que provém do seu irmão orador. Quanto à anástrofe deste figurino que vislumbramos na N:.R:.Loja, permitam-me que o relegue para uma futura reflexão.
De regresso à sapiência dos antigos, eis que estes notaram que o sol não principia todos os dias em igual paragem, divergência que assinalaram erguendo vetustas colunas de pedra, para prontamente escordar as estações do ano, os solstícios e os equinócios; a memória dessas fragas solsticiais ainda hoje parece perdurar no recinto maçónico, na forma das colunas B e J.
E se na demanda da luz e do conhecimento transpomos esse pórtico, no nosso trajeto logo circundamos o painel da loja, que no seu grau primeiro nos permite vislumbrar três janelas; a primeira a oriente no momento do nascer do sol, outra ao meio-dia, no seu meridiano, e a terceira a ocidente, no findar do dia, momento em que a lua surge para crescer em brilho, e dominar a noite; a sua forma crescente, parece querer ensinar-nos que a escala iniciática do obreiro se faz sempre das trevas para a luz.
E sem perder o semblante do aprendiz, vejamos como o sol e a lua guiam a sua jornada.
SIMBOLISMO INICIÁTICO
No ato de meditar sobre a relação entre estes dois símbolos, o maçom deverá inferir que há tempo de agir e tempo de refletir; há tempo de forjar e tempo de descansar; há tempo de aprender e tempo de ensinar; há ação e há contemplação. Todas estas dualidades, que integram a realidade, são afinal os pilares constituintes dessa mesma existência.
Estas duas insígnias relembram-nos que em nenhum momento do nosso percurso iniciático nos devemos cingir a um único aspeto da realidade, a um só tema de estudos; a espiritualidade é cardinal, mas não menos importante é a materialidade. Espírito e matéria não se opõem, completam-se, tal como o sol e a lua não se erradicam, mas antes repartem entre si o dia e a noite.
Em epítome, o trajeto marcado por estes dois astros, expressa o aperfeiçoamento do candidato desde o momento em que, sob o poder contemplativo da lua, é ocluso na câmara de reflexões, até que, enquanto iniciado, percorre o caminho do conhecimento, na persecução do esclarecimento da luz, simbolizada pelo sol a oriente.
A Maçonaria encerra na sua ideologia uma série incalculável de princípios e ensinamentos, que traduzem a essência do próprio pensamento humano; é uma doutrina filosófica e moral que tomou por empréstimo a consciência humana desde os primórdios das civilizações, procurando dar vida própria aos seus símbolos, sempre sem vilipendiar o seu valor moral. De entre esta miríade de ícones, hoje procurámos prestar homenagem o sol e à lua.
E como nenhuma história merece cair em esquecimento sem o seu de epílogo, recordemos o advento deste escrito, desta narrativa simbólica.
Contemplativos, reencontramos os nossos protagonistas; ao sol, mais forte e omnipotente, foi concedido o caminho da solitude; à lua, mais fraca e singela, foi-lhe oferecida a companhia das estrelas; parece ser assim que o sol e a lua perseguem seu destino; ele, só mas vigoroso; ela, acompanhada mas franzina.
E como o homem dificilmente se consegue imiscuir de cobiçar o que é belo, tal como o sol, de tempos em tempos também nós tentamos conquistar a lua, como se tal fosse possível; na verdade, nenhum dos dois realmente a conseguiu subjugar, por mais que achassem que sim.
Sucede que, como nenhum amor é impossível, o indubitável acaso astronómico propiciou o eclipse; e é assim que hoje o sol e a lua convivem, na expetativa desse ensejo de reencontro, como se fora um símbolo desse único momento fortuito que lhes fora concedido.
Sempre e quando olhamos o céu e vislumbrarmos a lua a encobrir o sol, teremos fantasiado que este se deleitou sobre ela, num gesto de personificação do seu amor; o brilho deste êxtase é tão imenso que nesse preciso instante nenhum homem pode fitar o céu, sob pena de cegar.
Talvez este seja o retrato da única ocasião em o contemplar da luz obriga a uma venda, até mesmo para os iniciados.
Como tenho feito hábito nos meus escritos, partilho convosco alguns versos de Fernando Pessoa, ou antes de Alberto Caeiro, mas não sem antes vos confidenciar que, para quem nunca foi iniciado, Fernando Pessoa parece ter sempre uma palavra, uma frase, um qualquer ensinamento sobre Maçonaria.
Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.
Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem.
Se onde quero estar é longe, não estou lá num momento.
Sim: existo dentro do meu corpo.
Não trago o sol nem a lua na algibeira.
Não quero conquistar mundos porque dormi mal,
Nem almoçar o mundo por causa do estômago.
Indiferente?
Não: filho da terra, que se der um salto, está em falso,
Um momento no ar que não é para nós,
E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra,
Traz! na realidade que não falta!
Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exatamente aonde o meu braço chega
Nem um centímetro mais longe.
Toco só aonde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E somos vadios do nosso corpo.
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui.
Autor: Álvaro de Campos
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