terça-feira, 30 de abril de 2019

Significado do nome simbólico - António Egas Moniz

Pouco antes do dia da cerimónia da minha iniciação, foi-me pedido que escolhesse um nome simbólico, o qual passaria a ser o nome por que seria conhecido enquanto maçon. A tarefa não se apresentava fácil, pois eu pretendia que fosse um nome que invocasse alguém que pudesse ter vivido a sua vida de acordo com os princípios maçónicos da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mas que tivesse também tido uma presença de relevo e meritória na nossa sociedade. E, já agora, de preferência alguém que tivesse sido maçon. Após pensar longamente sobre o assunto e ter ponderado algumas hipóteses que não preenchiam todos os requisitos, resolvi fazer uma busca na internet sobre Maçons ilustres e eis que dos resultados dessa pesquisa sai a luz e a solução quanto à escolha do nome. De entre os diversos nomes de ilustres Maçons que fizeram história na nossa sociedade, sobressaía desde logo um que preenchia todas as minhas condições, e ainda por cima tinha, de certa forma, uma ligação à minha família: António Egas Moniz.
De facto, Egas Moniz foi um homem de quem eu sempre ouvi falar em minha casa desde tenra idade, pois a minha avó e o meu avô padrasto tinham trabalhado em casa dele durante largos anos, ela como cozinheira e ele como motorista, tanto em Avanca como em Lisboa. Em casa da minha avó havia várias fotografias dele e as histórias sobre a sua maneira de ser, humilde, afável e humana sucediam-se. Tenho inclusive a felicidade de ter herdado dela um exemplar do terceiro livro que publicou: “A Nossa Casa”, assinado e com dedicatória ao meu avô.

Quem foi Egas Moniz?
Nascido António Caetano de Abreu Freire de Resende, foram-lhe acrescentados os nomes Egas Moniz por seu tio, abade de Pardilhó que, a partir de análises suas chegou à conclusão que a sua família descendia daquele famoso aio de D. Afonso Henriques, mencionado por Camões no Canto III dos Lusíadas.
Reza a história que, após a vitória de D. Afonso Henriques sobre sua mãe na batalha de S. Mamede, Afonso VII, que se intitulava imperador de toda a Hispânia e também do Condado Portucalense, cercou Guimarães para obter de D. Afonso Henriques, de quem era primo, um juramento de vassalagem. Egas Moniz dirigiu-se a Afonso VII comunicando-lhe que o primo aceitava a submissão, mas isso não veio a acontecer, pelo que, ao saber do sucedido, Egas Moniz apresentou-se com a sua família em Toledo, descalço e com uma corda de enforcado ao pescoço, oferecendo ao imperador a sua vida como penhor da promessa feita 9 anos antes.
Regressemos a António Egas Moniz. Político, médico, professor de neurologia, cientista e ensaísta, foi também o primeiro português, e durante largos anos o único, que logrou ser agraciado com o mais famoso e prestigiante de todos os prémios: o Prémio Nobel, atribuído pelas suas descobertas no âmbito da medicina, mais particularmente da Neurologia.
Nascido em 1874 em Avanca, próximo de Estarreja, era, segundo o próprio afirmava, ferozmente anti-liberal e intolerante face a qualquer esboço de inovação, tendo despertado para a política apenas nos seus tempos de estudante na Universidade de Coimbra, vindo a tornar-se membro do Partido Progressista e deputado em 1901.
Ao ser eleito deputado inicia uma vida ativa na política que se irá prolongar até ao início dos anos 1920, tendo a certa altura abandonado as fileiras do Partido Progressista para se colocar ao lado dos republicanos. Após a implantação da República será Deputado à Assembleia Constituinte, mas afastar-se-á em 1912 em desacordo com a ala radical do Partido Republicano, voltando depois em 1916 e ligando-se aos unionistas de Bernardino Machado que vieram a fundar o Partido Centrista Republicano.
Com Sidónio Pais no poder aceita os cargos de Embaixador de Portugal em Madrid e Ministro dos Negócios Estrangeiros. Com o assassinato de Sidónio Pais será destituído dos seus cargos, dedicando-se progressivamente à clínica, ao ensino e à investigação científica. Virá a ser nomeado quatro vezes para o Prémio Nobel, em 1928, 1933, 1937 e 1944, mas sem êxito. Conquistará por fim a glória em 1949, quando finalmente o Prémio lhe é atribuído.

Foi também durante este seu período de intervenção política que António Egas Moniz se tornou também ele maçon. De acordo com os registos do Grande Oriente Lusitano, Egas Moniz foi iniciado na Maçonaria na R. L. Simpatia e União em 1910. Dois anos depois, porém, muito provavelmente em consonância com a sua demarcação da ala dos Democráticos de Afonso Costa, abandona igualmente a Maçonaria. Ao longo da sua vida foi conhecido por participar em movimentos que arvoravam a causa da paz e manifestava o seu desacordo pela ausência de liberdades. Foi inclusivamente convidado a ser candidato à Presidência da República nas eleições de 1951, honra que não quis aceitar. Morreu em 13 de Dezembro de 1955 tendo deixado um importante legado científico ao nosso país e tendo servido de mestre a vários médicos portugueses de renome, como Lobo Antunes, Barahona Fernandes ou Almeida Lima.

Por tudo o que atrás ficou escrito, a escolha do meu nome simbólico recai sobre uma figura ímpar da nossa história, alguém que deixou marcas na nossa sociedade e no mundo, que defendeu a Liberdade e a Paz, que foi homem honrado e de princípios, maçon do Grande Oriente Lusitano, e imortalizado com o mais alto galardão internacional. Por todas estas razões, a escolha deste nome não podia ser mais justa nem mais perfeita, e só posso desejar que possa servir de inspiração para que eu possa seguir os seus passos em termos de caráter e defesa dos valores maçónicos da Liberdade, Igualdade e Fraternidade, procurando ser uma referência de integridade para todos os que se cruzarem comigo ao longo da minha vida.

Autor: António Egas Moniz

terça-feira, 23 de abril de 2019

Simbologia da Corda de Oitenta e Um Nós

A Maçonaria é uma Ordem filosófica assente numa forte simbologia e procura conduzir os seus membros a uma profunda reflexão sobre esses mesmos símbolos, na sua grande maioria de origem profana; no caso particular de um aprendiz maçon, estes símbolos são de uma sublime importância, pois é através deles, e sobre eles, que se efectua o trabalho de desbaste da pedra bruta; investigando, lendo, estudando mas acima de tudo balanceando a objectividade da razão com o íntimo do coração para interpretar e responder a esta simbologia de um modo correto mas também sentido. E eis que me encontro diante deste magnífico e críptico símbolo, a corda de oitenta e um nós; este é provavelmente um dos ornamentos presentes no Templo Maçónico menos valorizados e certamente o menos notado, talvez fruto da sua localização, habitualmente no topo das paredes e junto ao tecto, mas também por se confundir com a arquitectura da própria sala. A verdade é que em Maçonaria nada é deixado ao acaso, e muito em particular a sua simbologia, e este, no meu entender, é um símbolo de grande relevância. Começo pelo significado que lhe é mais vulgarmente atribuído, mas não por isso menos importante; diz-nos a definição comum em Maçonaria que a corda de oitenta e um nós que circunda a loja simboliza a união e fraternidade que deve existir entre todos os Maçons e representa ainda a comunhão de ideias e de objectivos em Maçonaria.

Recuando no tempo, as suas origens aparentam remontar aos canteiros do período medieval, também eles artíficies da pedra bruta, os quais delimitavam e protegiam o local de trabalho com estacas, às quais eram presos anéis de ferro, por onde passava uma corda ou corrente, havendo apenas uma abertura para entrada no local. Remontando à sociedade de construtores, antecessora das antigas escolas de construtores e embrião da Maçonaria actual, os seus obreiros desenhavam no chão, com giz ou carvão, um painel representativo dos instrumentos usados pelos pedreiros livres, sendo este abordado por uma corda com nós, não necessariamente oitenta e um, mas três, cinco, sete ou doze. Independentemente do número de nós, o seu significado é transversal - a fraternidade e a união.
Uma possível origem da corda de oitenta e um nós em Maçonaria, e talvez a sua primeira referência escrita, data de 23 de agosto de 1773, na casa "Folie-Titon" em Paris, aquando da tomada de posse de Louis Phillipe de Orleans como Grão-Mestre; nesta cerimónia estariam presentes oitenta e um maçons e a decoração da abóbada celeste do templo estaria iluminada por oitenta e uma estrelas.

Nos Templos Maçónicos contemporâneos a corda de oitenta e um nós circunda todo o Templo, junto ao tecto, devendo o seu nó central estar imediatamente acima do delta luminoso; a partir deste vínculo central, a corda estende-se no comprimento de quarenta nós para Norte e quarenta nós para Sul, terminando as duas extremidades em ambos os lados da porta de entrada a ocidente, na forma de duas borlas. As borlas, segundo variadas fontes literárias, representam a justiça ou equidade e a prudência ou moderação. Não será errado acertar que este acúmulo de fios singulares alude à responsabilidade individual de cada maçon na integralidade da Maçonaria, ou mesmo que, no seu talhe e localização, protegem o sagrado do Templo do mundo profano, mas sem encerrar portas para o exterior. É neste sentido que quero concordar com muitos autores que personificam nesta representação de uma corda aberta em vez de fechada sobre si mesma, como uma clara alegoria a uma Maçonaria também ela aberta a acolher novos membros e novas ideias, que em concluiu possam contribuir para o progresso da humanidade.

Nos Templos Maçónicos, a corda de oitenta e um nós pode surgir, quer esculpida nas paredes como um alto-relevo, quer na forma de uma corda natural, mas sempre com este preciso e determinado número de nós equidistantes entre si. Em boa verdade, e nos poucos Templos que pude visitar, ou não encontrei presente este ornamento ou, existindo, não continha os nós em número certo de oitenta e um.


Mas vamos continuar o desenlace do seu significado; o número oitenta e um, é três elevado à quarta potência, o apelidado de número perfeito. Podemos asseverar que toda a diferença, desequilíbrio e antagonismo existentes na dualidade, cessam com a adição de uma só unidade, que nos transporta até à perfeição do número três.
Em Maçonaria, o número três tem múltiplos significados; são três os princípios Maçónicos: Liberdade, Igualdade e Fraternidade; são três os pilares da Loja e as respectivas qualidades Maçónicas: Sabedoria, Força e Beleza; são três as ordens arquitectónicas gregas usadas na construção dos mesmos pilares: Dórica, Jónica e Coríntia; O número três encerra também um elevado valor místico que remonta às antigas civilizações; eram três os filhos de Noé; eram três os varões que apareceram a Abraão; foram três as negações de Pedro; são três as virtudes teologais. As tríades divinas são também uma constante ao longo da história, nos Sumerianos, nos antigos Egípcios, nos Hindus, no Taoismo, na Cabala, na Alquimia e no próprio Cristianismo. O número três está também presente na trindade familiar e nos três planos ou dimensões. São inúmeros os significados atribuídos ao número três, dentro e fora da Maçonaria, mas existe um significado muito particular respeitante às dimensões do próprio Templo Maçónico; apesar de este não ter uma métrica fixa, é assumido que deve ter a forma de um rectângulo tal, que possa ser dividido em três quadrados iguais e em que a sua largura seja, no mínimo, um terço do seu cumprimento. Estes preceitos advêm do facto de o Templo Maçónico ser uma cópia, ainda que modesta, do Templo de Salomão, que teria sessenta côvados de cumprimento e vinte côvados de largura. Mas regressemos ao número de nós presentes na corda e à sua disposição no templo; o número quarenta, correspondente aos quarenta nós de cada lado do nó central, é o número simbólico da penitência e da expectativa: quarenta foram os dias que durou o dilúvio; quarenta foram os dias que Moisés passou no monte Horeb no Sinai; quarenta foram os dias que durou o jejum de Jesus e os dias que esteve na terra após a ressurreição. O nó central, univocamente só, representa o número um, a unidade indivisível, o símbolo do Supremo Arquitecto do Universo, da unidade dos Maçons e da Maçonaria.
Esta leitura do simbolismo da corda de oitenta e um nós parece não só coerente como perfeitamente enquadrada na história e mais em concreto, na história da Maçonaria; mas será única?

Sem querer lançar um ponto de discórdia, deixo uma interpretação alternativa, fazendo usufruto da universalidade da matemática; olhando para o número oitenta e um podemos afirmar que o número 8 representa o sinal de infinito colocado na vertical, com o número 1 à sua direita, significando porventura a existência de algo além deste; seguindo a mesma analogia quanto à disposição dos símbolos, em matemática o produto de infinito pela unidade continua a ser infinito. Quererão estas analogias significar a constante busca da Maçonaria pela palavra sagrada? A infindável procura pelo Segredo Maçónico? O trabalho constante em busca da absoluta perfeição interior, tão desejada como inatingível? Tal como enunciado no século XIV pelo frade franciscano Guilherme de Ockham, por vezes a explicação com menor número de premissas é a mais correta, e esta interpretação encerra a simplicidade das grandes verdades. Sem contestar qualquer das interpretações, entendo que a Maçonaria não é feita de verdades absolutas, nem o deve ser, pois nós também somos a personificação das imperfeições do ser humano e como tal não podemos assumir nada como absolutamente certo; extrapolando o postulado de Heisenberg, quanto mais certos estamos que encontrámos uma incontestável verdade, mais plausível é estarmos arredados da mesma; é-me fácil entender que a procura do pleno facilmente tolda a razão e molda o próprio conceito de verdade, distanciando-nos desta.
Em síntese, o aperfeiçoamento implica a inteligência no reconhecer da nossa própria insciência, na razão de que o trabalho de construção do nosso Templo Interior deve ser desafiante, contínuo e incessante.

Feito este repto, volto às origens operativas da Maçonaria, onde a corda de nós não só era usada pelos operativos na delimitação geográfica da sua área de trabalho, mas também para efectuar as medições das distâncias e dos ângulos, quando dotada de nós equidistantes. Por irremediável defeito de profissão, recorro novamente à matemática, mas também à geometria como ferramentas de trabalho e proponho que durante uns breves minutos regressemos aos nossos primórdios operativos. Tomemos uma porção de fio com nós equidistantes ainda em número indeterminado, representativa de uma corda com nós; com este figurino, peguemos no quarto nó com a mão esquerda e contemos mais quatro nós na porção maior de corda, devidamente orientado a oriente, detendo o mesmo com a mão direita. Temos agora duas porções livres de corda, uma com três nós e outra ainda com vislumbre do infinito; unindo ambas as extremidades e contabilizando apenas cinco nós na ponta livre da corda, obtemos um triângulo com uma forma muito particular; um triângulo retângulo, cujo angulo entre os catetos é exatamente de 90º. Esta aplicação simples do teorema de Pitágoras permitia aos antigos “pedreiros” medir de forma precisa não só as distâncias, mas também garantir a perpendicularidade das paredes e orientar as suas construções na direção Ocidente-Oriente. Toda a complexidade e precisão das mais elaboradas construções da época eram assentes numa porção de corda, disposta em forma de triângulo, e com um número muito particular de enlaces; com uma corda de doze nós se construía uma catedral.

Com a passagem da Maçonaria Operativa para Especulativa, esta corda de doze nós adquiriu um sentido mais esotérico, simbolizando, entre outras coisas, os meses do ano, os signos do zodíaco e a união entre Maçons, este último significado transversal à corda de oitenta e um nós. Os doze nós da corda podem ainda fazer referência às doze portas de Jerusalém, cidade onde a altura dos seus muros seria de 144 côvados (o produto de 12 por 12). Serão estes os motivos pelos quais esta mesma corda de doze nós adorna muitos Templos Maçónicos, circundando as suas paredes pelo topo, mantendo apenas uma abertura na entrada do Templo a ocidente, tal como a sua congénere de oitenta e um nós.
Existe, no entanto, um detalhe em relação ao qual não foi feita ainda qualquer referência; os nós da corda, independentemente de quantos sejam, têm um aspeto distinto, formando um laço que faz lembrar, na sua forma, o número oito na horizontal ou, em linguagem universal, o símbolo do infinito. Este representa a perpetuação da espécie humana, pois pela sua forma simboliza a união entre o homem e a mulher, motivo pelo qual é também chamado "laço de amor".

Seja laço ou nó infinito, em oito, de amor ou ainda nó de Hércules, a sua descrição é a de um nó contínuo, com a forma de um oito. As suas origens são alvo de profusa especulação, remontando inclusive ao antigo Egipto, mas talvez a mais bonita seja em referência ao Tibete, numa adaptação de um dos oito símbolos auspiciosos do budismo.
O simbolismo da fisionomia deste nó parece algo intemporal, tendo sido utilizado durante o império Romano e na Grécia antiga, quer como amuleto de proteção quer como símbolo do casamento e também na época medieval e no renascimento como amuleto alusivo ao amor. Qualquer dos significados é transversal à Maçonaria contemporânea, desde a simbologia relacionada com o amor e fraternidade, ao infinito, ou mesmo a Hércules, símbolo da força.
Seja com doze ou com oitenta e um laços, a corda de nós não é apenas mais um símbolo alegórico e decorativo do Templo, mas encerra em si um sentido simbólico de primordial importância e de grande transversalidade no seio da Maçonaria. Na sua Geometria delimita o Templo e separa o sagrado do profano; na sua Forma representa a unidade e fraternidade entre todos os Maçons e a comunhão de ideias e de objectivos; na sua Terminação deixa a porta aberta a novos profanos que procurem a luz; na forma dos seus Nós tem presente um dos mais importantes momentos dos trabalhos em Loja, a Cadeia de União; no Número de Nós encerra o simbolismo de tempos imemoriais.

A verdadeira Maçonaria não está nos seus símbolos, mas sim nas virtudes dos homens que a abraçam; estes símbolos não deixam de ser no entanto uma constante e importante imagem que nos recorda dos princípios que nos sustentam como Maçons, e por isso mesmo devem ser não só explicados e entendidos, mas principalmente interiorizados e sentidos. Espero ter conseguido de alguma forma justificar o meu entendimento da corda de nós, mas cabe a cada um perscrutar dentro de si pelo verdadeiro sentido deste elemento simbólico; cabe a cada um sentir-nos como um nó nesta corda que representa não só o nosso Templo físico mas também o nosso Templo Interior; cabe a cada um nós sentir que, tal como o laço desta corda, a Maçonaria encerra em si o laço da fraternidade e da unidade entre todos os maçons.
Concluo tal como comecei afirmando que em Maçonaria nada é deixado ao acaso, mas entendo que também não há verdades absolutas, e a oportunidade de dissertar e até especular sobre um símbolo que verdadeiramente nos une a todos como maçons, não é nada mais do que um privilégio.

O epílogo do meu anterior trabalho foi uma poesia para reflexão, pelo que, e com idêntico propósito, deixo um breve excerto da “Ode Marítima” de Álvaro de Campos:

As viagens, os viajantes - tantas espécies deles!
Tanta nacionalidade sobre o mundo! tanta profissão! tanta gente!

Tanto destino diverso que se pode dar à vida,

À vida, afinal, no fundo sempre, sempre a mesma!

Tantas caras curiosas! Todas as caras são curiosas

E nada traz tanta religiosidade como olhar muito para gente.

A fraternidade afinal não é uma ideia revolucionária.

É uma coisa que a gente aprende pela vida fora, onde tem que tolerar tudo,

E passa a achar graça ao que tem que tolerar,

E acaba quase a chorar de ternura sobre o que tolerou!


Autor: Álvaro de Campos

terça-feira, 16 de abril de 2019

Painel Aprendiz

António Arnaut define a Maçonaria como “uma Ordem iniciática e ritualística, universal e fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância, que tem por ser mais livre, justa e igualitária”.
Jules Boucher indica que a Maçonaria “guarda bem vivas certas formas tradicionais dos ensinamentos secretos iniciáticos”, centrando-se na Tolerância e abrindo o caminho ao Conhecimento através dos seus símbolos.
A Maçonaria como a conhecemos actualmente é Especulativa ou Filosófica e assim vincadamente Simbólica. É Iniciática pois quando somos submetidos à cerimónia de iniciação, inicia-se o percurso na de busca da “Luz”. Somos igualmente uma Ordem Ritualista, como Arnaut refere as “reuniões obedecem a determinados ritos, que traduzem simbolicamente, sínteses e sabedoria, remontando aos tempos mais recuados”.
Na Ordem Maçónica, existe um Painel ou Traçado onde estão gravadas figuras alegóricas, que servem de instrução e identificação do Grau em trabalhos. A palavra Painel relaciona-se com o Inglês panel, com o Francês panel, “almofada de sela, pedaço de pano”, derivando do Latim pannellus, diminutivo de pannus, “trapo, pedaço de tecido”.
Na antiguidade qualquer local que oferecesse alguma privacidade podia ser usado para constituir uma Loja, onde podiam ser desenhados símbolos maçónicos no chão, com carvão ou giz, do respectivo grau em que a loja iria entrar em trabalhos, no final da sessão os símbolos seriam apagados, desvanecendo-se assim a prova que a mesma teria ocorrido.
Procurei identificar a simbologia presente no Painel de Aprendiz e em primeiro lugar socorri-me da definição que António Ventura faz de Aprendiz: “Titulo do 1 grau de todos os ritos maçónicos. Representa aquele que começa a aprender, o “estagiário”, o Homem na sua primeira infância, carente de protecção, apoio e ensino que trabalhará no desbaste da “Pedra Bruta”, de forma a conhecer-se a si próprio e a libertar-se progressivamente dos preconceitos da vida profana”.
De seguida tentei identificar todos os elementos que compõem o painel dividindo os mesmos 3 três grupos: O grupo que denominei dos Astros: Sol, Lua e Estrelas; O Grupo do Templo: Corda, Colunas, Triângulo, Porta do Templo, Degraus, Chão em mosaico e Janelas; e o Grupo do Trabalho: Esquadro, Nível, Prumo, Compasso, Régua, Maço, Escopro, Pedra Bruta, Pedra Cúbica e Prancha. Realço aqui que a divisão anterior foi apenas para organizar a enumeração e não classificar de qualquer forma os símbolos.
Finalmente iniciei o “desbaste da pedra bruta” estudando estes elementos pois sendo eles as figuras alegóricas, que servem de instrução e alicerçam o Grau de Aprendiz revestem-se de uma importância fundamental no caminho para a Luz. Todos os símbolos por si só poderiam e/ou deveriam ser alvo individual de um trabalho, no entanto para ter uma visão mais abrangente do painel e da relação entre os símbolos senti a necessidade de abordar o painel como um todo tentando retirar o significado mais adequado de cada um dos símbolos, já que por vezes verifiquei interpretações distintas sobre os seus significados, procurando salientar os aspectos que me parecem mais relevantes.

Grupo dos Astros: Sol, simboliza a vida, a Saúde, o equilíbrio e a Força. Está associado ao princípio activo, ao masculino, ao poder criador; Lua, como reflexo do Sol, simboliza também a vida e a Saúde, no entanto sem a pujança do astro anterior. Representa também. como principio passivo e feminino é igualmente o símbolo da instabilidade, da mudança, da imaginação, da sensibilidade bem como da fecundidade; Estrelas, Simbolizam o Homem nos seus aspectos físico, emocional, mental, intuitivo e espiritual e a ligação com o Grande Arquiteto do Universo simbolizando assim a paz e a amizade fraternal;

Grupo do Templo: Corda ou Cordão Nodoso, com nós e borlas nas extremidades que se encontra na decoração de qualquer Templo, simboliza a união Fraterna entre os Maçons ligados por um laço indivisível quer na loja quer na vida Profana. Transpomos este simbolismo para o nosso ritual mediante a Cadeia de União onde fraternalmente nos unimos invocando todos os que nos antecederam nessa ligação; Colunas, na entrada do templo as colunas J e B que simbolizam as colunas do Templo de Salomão. Ambas as colunas estão ornamentadas com romãs, estas simbolizam a unidade entre maçons, separados na sua individualidade mas que se unem num todo. Símbolos dos limites do mundo criado, da vida e da morte, do elemento masculino e do elemento feminino, do activo e do passivo e da Loja e do mundo Profano; Triângulo, verifica-se aqui o Delta Flamejante na parte superior da porta do templo, símbolo da força e em constante expansão representando o Grande Arquitecto do Universo. O Triângulo é um símbolo com diversas interpretações: luz, trevas e tempo; passado, presente e futuro; sabedoria, força e beleza; nascimento, vida e morte; liberdade, igualdade e fraternidade. De resto o número 3, número perfeito está presente permanentemente, sendo associado à perfeição por diversas religiões e tradições e pode ser considerado como símbolo do equilíbrio dos pólos positivo e negativo para criar o neutro. Porta do templo: é o símbolo da construção maçónica, objectivo dos Maçons. Situa-se no Ocidente recebendo a sua Luz do Oriente. Está fechada e representa protecção de uma eventual intromissão do mundo profano; Degraus, a porta do templo é antecedida por uma escada com três degraus que simbolizam o Aprendiz na sua vertente profana, o seu corpo, alma e espírito e o esforço que este tem de fazer para se libertar do plano físico e astral para evoluir; Chão em mosaico, o chão de quadrados pretos e brancos, com que são revestidos os templos simbolizam a diversidade e a conjugação dos opostos que são unidos pela Maçonaria, o bem e mal, o espírito e corpo, a luz e as trevas, o masculino e o feminino, a vida e a morte, etc. Assim pela oposição dos contrários temos os contrastes e dos contrastes vem o equilíbrio e a evolução; Janelas, simbolizam as três portas do templo de Salomão colocadas a Oriente, Sul e Ocidente, representam as 3 posições do Sol: o Oriente, o Meio-dia e o Ocidente. Nenhuma janela se abre para o norte e as 3 são cobertas por uma rede de arame, simbolizando que a luz ilumina o templo, mas o que está fora, fora permanece e o que está dentro, lá fica. Ou seja, as sessões não devem ser perturbadas por eventos externos e o que dentro se realiza não deve ser divulgado no mundo profano.

Grupo do Trabalho: Maço ou malho, simboliza o martelo, emblema da vontade activa, do trabalho e da força. É um instrumento de trabalho braçal e pesado, em que se emprega a força, associado aos trabalhos na Pedra; Escopo ou cinzel, simboliza a força e a tenacidade, o discernimento e os conhecimentos adquiridos, sendo o símbolo do trabalho inteligente; Compasso, símbolo do espírito, do pensamento nas suas diversas correntes. Estamos perante o relativo simbolizado pelo círculo que depende de um ponto inicial ou absoluto. Os círculos traçados com o compasso podem representar as lojas e ao colocar vários círculos perto uns dos outros percebemos que o temos de fazer com equilíbrio, de uma forma justa e perfeita pois a nossa liberdade termina onde começa a liberdade dos outros; Régua, é o símbolo da rectidão, do método e da Lei. Face a simbolizar igualmente unidade de medição simboliza o aperfeiçoamento da Obra; Prumo, simboliza o aprofundar do conhecimento e a rectidão. Significa ainda a elevação do progresso social. O Prumo, utilizado pelos pedreiros para conseguir o alinhamento vertical, representa a profundeza na observação, a justiça e a moral que cada Maçon deve desenvolver nos seus actos; Nível, símbolo da igualdade e imparcialidade pois coloca todos ao mesmo nível. Remete-nos para o emprego correto dos conhecimentos apreendidos com a utilização que os Pedreiros faziam do mesmo na busca da horizontalidade; Esquadro, símbolo da rectidão, é originado da união da linha vertical com a linha horizontal e assim representa a acção do Homem sobre a matéria, sobre o que o rodeia e sobre si mesmo. Remete para a necessidade de os actos espelharem os nossos ideais, ou seja, que devemos regular a nossa conduta com elevados valores Morais mesmo quando é o caminho mais difícil a trilhar; Pedra Bruta, simboliza as imperfeições que o Aprendiz deve corrigir e a sua liberdade total para esse percurso. Na iniciação e ao utilizar pela primeira vez o escopro na pedra bruta sente-se uma espécie de inicio dos trabalhos que não cessarão, pois a Pedra Bruta simboliza a personalidade profana do Aprendiz, as suas imperfeições e com os instrumentos que lhe são dados, ele próprio trabalhará a a sua Pedra Bruta, tornando-a o mais perfeita que lhe for possível e dando-lhe o seu cunho pessoal. Assim, podemos considerar que a Pedra Cúbica é a evolução da Pedra Bruta após o aprendiz ter conseguido dominar as próprias paixões e libertar-se dos seus preconceitos polindo a sua personalidade; Prancha de traçar, corresponde ao papel onde o Mestre estabelece seus planos e significa que o Maçon deve traçar seus planos para os trabalhos que estão a ser executados. É assim a representação do Mestre Maçon, que por já ter atingido a plenitude das suas faculdades pode intervir na Loja e trabalhar por si e orientar e ensinar quando necessários os seus membros.

Após as leituras efectuadas e reflectindo sobre os símbolos e os seus significados, sobre o motivo de estarem representadas as ferramentas de trabalho, considero que todos os elementos do Painel se interligam para um fim comum e são necessários para perceber o caminho para a Luz, para a construção de um Mundo mais justo e perfeito e assim complementares e indissociáveis. Representam a entrada no Templo e o trabalho que continuamos a desenvolver. Raul Rego ao fazer um enquadramento sobre a Maçonaria em Portugal escreveu “recuperada a Liberdade há que lutar para que ela se não perca mais, vivendo-a intensa e consciente e fazendo compreender a todos que a base do progresso social e material está nos valores humanos e no respeito da inteligência dos direitos do Homem”. Ao ter nas Lojas os símbolos referidos anteriormente, lembrar-nos-á sempre pelo seu estudo e apreensão dos seus significados que temos de continuar a lutar para garantir a Força dessa Liberdade, pois só Livres podemos ser Iguais, só Iguais podemos ser Fraternos sendo estes três conceitos indissociáveis uns dos outros e nos permitem continuar na procura da Luz, grau a grau, evoluindo para melhor combater a Tirania e a ignorância todos os dias num trabalho que nunca deixaremos acabar, transbordando as nossas aprendizagens em Loja no nosso dia a dia no mundo profano exercendo a nossa Cidadania de acordo com os valores, nunca deixando que se tornem apenas em palavras proferidas entre Maçons.

Autor: Armindo Matias

Bibliografia: NAUDON, Paul, A Franco-Maçonaria, Mem Martins, Publicações Europa América, 2000, 2ª Edição; ARNAUT, António, Introdução â Maçonaria, Coimbra, Coimbra Editora, 2012, 7ª Edição; VENTURA, António, Uma História da Maçonaria em Portugal 1727-1986, Lisboa, Circulo de Leitores, 2013; CAMINO, Rizzardo da, Breviário Maçônico, São Paulo, Madras Editora, 1999, 3ª Edição; BOUCHER, Jules, A Simbólica Maçónica, São Paulo, Editora Pensamento LTDA., 2000, 7ª Edição; Ritual do Grau de APR:.MAÇ:., Grande Oriente Lusitano Maçonaria Portuguesa, Reedição do Cons:. da Ord:. De 1996.97.