terça-feira, 9 de março de 2021

A Régua de Vinte e Quatro Polegadas

Pesquizando em qualquer dicionário verificamos que Régua é um instrumento utilizado em geometria, próprio para traçar segmentos de reta e medir distâncias pequenas. Também é incorporada no desenho técnico e na Engenharia. É composta por uma lâmina de madeira, plástico, metal ou outro material e pode conter uma escala, geralmente centimétrica e milimétrica em Portugal.

Polegada (inch em inglês) é uma unidade de comprimento usada no sistema imperial de medidas. Uma polegada é igual a 2,54 centímetros ou 25,4 milímetros. A polegada é amplamente utilizada pelas nações anglófonas. Contudo, no Sistema Internacional de Unidades (SI), a utilização da polegada não é recomendada, sendo utilizado o metro (que advém da ideia de um sistema de medidas unificado foi implementada pela primeira vez na França, na época da Revolução Francesa, em Portugal tínhamos também diversas medidas como a Braça, a Toesa, o Passo, a Vara, o Côvado, o Pé entre outros).

A polegada tem sua origem na idade antiga onde romanos mediam o comprimento com o próprio polegar. É a largura de um polegar humano regular, medido na base da unha, a qual, num ser humano adulto, é de aproximadamente 2,5 cm. No Grande Oriente Lusitano a Régua não nos aparece destacada no Ritual de Aprendiz, remete-nos assim para uma análise posterior a este Grau. Jules Boucher em a Simbólica Maçónica refere inclusivamente que é utilizada em 3 das viagens efectuadas pelo Aprendiz na sua elevação (no Grande Oriente Lusitano apenas é utilizado na 3ª Viagem, conjuntamente com a Alavanca) em que apenas nos é referido que é uma ferramenta do Companheiro sendo definida como “emblema do Juízo Recto”, um instrumento necessário para verificar que as pedras estão bem colocada na construção, colocação essa efectuada pela alavanca.

António Arnaut define Régua no seu livro Introdução à Maçonaria como “Símbolo da rectidão, do método, da lei; e ainda do aperfeiçoamento em toda a construção”.

Após ter sido introduzido, obviamente, que faz parte do nosso trabalho de polimento pesquisar mais sobre os temas, apreender e contruir as nossas ideias acrescentando valor ao nosso Eu e assim conseguir algum aperfeiçoamento. Parti do pressuposto anterior e pesquizando as ferramentas de Companheiro, verifico que é uma ferramenta utilizada pelos Aprendizes em algumas Obediências.

No Ritual de Aprendiz da Grande Loja de França ao definirem as ferramentas do Aprendiz temos que “a régua de vinte e quatro divisões simboliza o Primeiro degrau da jornada do Maçom onde todas as horas devem ser utilmente empregadas; o MAÇO simboliza a vontade de aperfeiçoamento que deve nos animar; enfim, o CINZEL, que vem acabar a Obra, remodelando a Pedra sempre conforme seu emprego, simboliza o método maçônico, graças ao qual nos tornamos membros úteis e conscientes da Sociedade.”

Em diversas Pranchas que fui lendo na minha pesquisa, a Régua e apresentada como o primeiro dos instrumentos apresentados ao Aprendiz no Rito Escocês “é chamada Régua de 24 Polegadas. Trata-se de um instrumento activo, que nos impõe a ideia da medida. Com ela podemos traçar as rectas e os ângulos e, portanto, delinear os nossos trabalhos.”

Jules Boucher defende que a Régua é o atributo principal do Companheiro já que esta simboliza o aperfeiçoamento, permite que a arte seja perfeita, a ciência coerente e lúcida, a lógica ordenada, a legislação justa, a música harmoniosa, e a filosofia coerente.

Remete-nos ainda para Gédalge que faz a seguinte definição de régua: Símbolo da Rectidão, do método da Lei. O deus egípcio Phatah empunha uma régua com a qual mede a cheia do Nilo. O próprio Phtah é representado pelo Nilômetro e a Régua aparece na mão de um dos dois assistentes de Viswakarma (altar das grutas de Ellora, Índia). Na Maçonaria, a Régua é bordada no avental do Experto, junto do olho divino e a espada.

O Aprendiz carrega-a ao ombro esquerdo quando se apresenta na Loja dos Companheiros. Unida ao Compasso, ela permite que se tracem todas as figuras da geometria; além do mais, podemos considerá-la como um símbolo do infinito (a reta sem começo nem fim); por último, ela é sobretudo um símbolo da Moralidade e do Dever de que o Franco-Maçom jamais se deve afastar”.

Refere igualmente no seu livro que o aprendiz deverá carregar a régua lisa no ombro esquerdo (o seu lado passivo) ao se apresentar para a elevação e ao ser elevado recebe uma régua de vinte e quatro polegadas graduada sobre o seu obro direito (lado activo). Pelas diversas pranchas que consultei esta é uma prática corrente junto dos nossos Irmãos no Brasil.

A Régua está presente como podem verificar nos paramentos da nossa Loja igualmente, no irmão Experto, bordada (e não no avental como descrito por Gédalge) e como joia do Mestre de Cerimónias, já que como podemos verificar no nosso Regulamento Geral em vigor o segundo é quem dirige o cerimonial das sessões (artº 88º) e o primeiro auxilia-o (artº87º), sendo extremamente importante que as horas de trabalho maçónicas sejam bem geridas entre trabalho, repouso e recreação, ou seja, as horas não devem ser mal empregadas em actividades com pouco contributo para a nossa Ordem.

Voltando ao Aprendiz e a sua utilização da régua lisa conseguimos extrapolar a sua utilização. O Aprendiz utilizaria operativamente o Maço e o Cinzel. Colocaria o segundo sobre a Pedra Bruta utilizando a sua mão esquerda, o seu lado passivo (sem desprimor para os canhotos) Simbolizando a força e a tenacidade, o discernimento e os conhecimentos adquiridos, sendo o símbolo do trabalho inteligente. Depois utilizaria o Maço com a sua mão direita (lado activo) simbolizando o martelo, emblema da vontade, do trabalho e da força. Pois bem, se o Maço e o Cinzel são ferramentas imprescindíveis para talhar a Pedra Bruta e um não funciona sem o outro, a junção da régua, mesmo lisa, para planear com os seus segmentos de recta onde aplicar o golpe correria um risco maior de em vez de estar a trabalhar a pedra delapidando-a e tornando-a aos poucos numa superfície mais polida, estar a partir a mesma, muitas vezes destruindo-a.

Se pensarmos na nossa infância profana, nas etapas correspondentes á primeira e segunda viagem que efetuamos na iniciação e na utilização da régua percebemos que antes de conseguirmos perceber que a régua faz apenas segmentos de recta, e não a recta em si, começamos a utiliza-la para inúmeras funções que muitas vezes não conseguiríamos fazer apenas com uma folha e um lápis. Também aqui o caminho se faz caminhando.

Rizzardo da Camino no seu Breviário Maçónico indica que a Maçonaria adopta esse instrumento de construção pois simboliza o dia com as suas 24 horas. O Maçom deve programar a sua vida dentro de determinada medida para que dessa programação resulte um equilíbrio entre as horas de trabalho, lazer e descanso. Esta última definição remeteu-me para a realidade profana actual onde temos por referência (tão poucas vezes aplicada) de oito horas de trabalho diárias.

No advento da revolução industrial, perto do final do século XVIII, quando as empresas começaram a maximizar a produção e ao laborarem em continuo as pessoas trabalhavam de 10 a 16 horas diariamente. Nesta altura Robert Owen efectuou uma campanha em que defendia que as pessoas não deviam trabalhar mais de 8 horas diárias. O seu slogan era “Oito horas de trabalho, oito horas de lazer, oito horas de descanso.” Esta campanha ganha força quando Henry Ford implementou os dias de trabalho com carga horária de 8 horas e mudou os padrões de toda a indústria. Ford aumenta igualmente os salários e consegue aumentos elevados de produtividade, das margens e lucros da empresa tendo as restantes indústrias seguido por esse motivo o exemplo. 

Não tenho qualquer referência que identifique Robert Owen como Maçon, no entanto não podia deixar de deixar uma pequena nota biográfica pois não existirão muitos filhos da viúva que tenham lutado tanto por todos e como no Nosso Irmão Raul Rego escreveu antes de partir para o Oriente Eterno “a base do progresso social e material está nos valores humanos e no respeito da inteligência dos direitos do Homem”.

Trata-se de um Industrial e reformador social galês nascido em 1771 e falecido em 1858. Na sua fábrica de New Lanark, na Escócia, e mais tarde numa colónia em Indiana, pôs em prática uma série de ideias inovadoras: proporcionou aos operários melhores condições de habitação e trabalho, bens de consumo a preços mais baixos e educação para os filhos. A primeira medida que adotou, ainda na fábrica na Escócia, foi a redução do horário de trabalho e proibiu o trabalho de crianças com menos de 10 anos.

Estas ideias não foram bem aceites tendo Robert Owen partido para os Estados Unidos onde desenvolveu a campanha das oito horas. Mais tarde Owen regressou à Grã-Bretanha e foi eleito pelos trabalhadores para liderar o movimento cooperativista. Escreveu diversas obras onde procurou sempre uma sociedade mais justa através da eliminação das diferenças económicas, da propriedade comunitária e do trabalho coletivo.

Para terminar gostaria de deixar uma reflexão sobre a situação actual, da Geração “Rasca” como nos apelidaram outrora, uma verdadeira geração “à Rasca”.

É inegável o avanço social na nossa Pátria com a Liberdade de 1974, existiram grandes avanços sociais que permitiram criar a geração mais preparada intelectualmente que Portugal já teve (para que fique claro falo a nível médio).

Por diversos motivos e até alguma falta de preparação cultural para a Liberdade ainda hoje essa geração não foi aproveitada. Globalmente falamos de quadros médios técnicos que quase sempre mais preparados que as suas hierarquias acabam ou por se resignar à falta de mobilidade profissional não dando um contributo de médio longo prazo à Sociedade ou ganhando novas competências, ou emigrar.

Não conseguimos modernizar a nossa indústria que foi com raras excepções uma industria de baixa tecnologia e onde actualmente os empregos são cada vez mais precários obrigado as pessoas a sujeitarem-se a um tipo de escravatura moderna, sem horários reais, com vencimentos baixos e com alguns a defender o fim do Estado Social mesmo que muitas vezes de forma encapotada (se estiverem atentos até alguns defensores da Igualdade).

Sinto a nossa Pátria cada vez mais dependente de centros de decisão estrangeiros em que não somos Cidadãos, mas sim números, onde não somos Trabalhadores, mas sim Colaboradores. Preocupa-me, pois, numa Pátria em que não conseguimos instituir o uso da Régua das 24 Polegadas não somos Livres.

Termino com a partilha de uma estrofe que li escrita por Vanessa Guimarães, uma investigadora Brasileira, aluna de Filosofia que efectuou diversas estrofes todas relacionadas com Maçonaria para apresentar numa feira de Ciências promovida pela Universidade do Contestado no Brasil.

“A régua exige do maçom

uma enorme precisão!

Principalmente na questão,

de sua plena execução!”



Autor: Armindo Matias

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