terça-feira, 29 de junho de 2021

O Hospitaleiro

O cargo de Hospitaleiro, muitas vezes injustamente esquecido na Maçonaria, existe em todos os ritos e em todos os graus, sendo por vezes chamado de Esmoler ou de Capelão.

Na Loja tem a responsabilidade por recolher, gerir e distribuir o resultado das ofertas dos Irmãos, oriundas do Tronco da Viúva, nome que advém do facto do arquitecto Hiram, aquele que foi embelezar o Templo de Salomão, ser filho de uma viúva, Isis, segundo a lenda egípcia de Osíris.

Tem ainda como função, visitar os irmãos doentes, apoiar aqueles que estão em perigo, assegurar que as viúvas e órfãos de irmãos não se encontram em situações precárias ou em dificuldades.

Pertence-lhe ainda a incumbência de saber a causa e razões para as ausências injustificadas dos Obreiros da Loja e cuidar em saber o estado de saúde dos irmãos que se encontram mais fragilizados, e prover ao alívio dessas situações, quer agindo pessoalmente, quer convocando o auxílio de outros maçons ou mesmo, de toda a Loja. Pode ainda, em situações excepcionais, e caso se justifique ou se imponha, solicitar através do Grande Oriente Lusitano, a ajuda das demais Lojas e dos respectivos membros.

O Hospitaleiro é o “Coração" da Loja.

No entanto, o estatuto, dentro de uma Loja, deste oficial que vem do tempo da Maçonaria Operativa, chega aos nossos dias sem o peso na estrutura dessa Oficina, que outrora granjeou.

Como o Tesoureiro, por exemplo, o Hospitaleiro, não é actualmente, um dos sete oficiais necessários para uma Loja ser justa e perfeita, embora este ofício deva ser desempenhado por um Maçom experiente ou mesmo por um Paste-Venerável.

No Templo, o hospitaleiro geralmente está sentado no sopé do Oriente, perto do secretário e na coluna norte (Na nossa Loja, embora o Hospitaleiro continue a estar sentado junto do secretário, este oficial senta-se na coluna sul, derivado á troca de posição no Oriente, do Orador com o secretário, devido á tradição assumidamente vigente na nossa Loja).

No plano simbólico, o Hospitaleiro representa a benevolência, a graça, a compaixão. Representa ainda a Árvore da Vida, isto é, representa a dimensão espiritual que acode os Irmãos mais necessitados para além de ser considerada ainda, a etapa anterior no mundo físico, pela qual passa a energia do Grande Criador, isto é, não é mais do que a "Mãe" no sistema cósmico.

O Hospitaleiro tem como joia associada, uma bolsa que leva um coração no centro ou uma bolsa simples, ou ainda, uma bolsa segura por uma mão. Essa bolsa ou saco, deverá andar sempre com o Hospitaleiro, pois este nunca sabe quando precisará de prestar auxílio, tanto moral como material.

O Irmão de uma Oficina que desempenha a função de Hospitaleiro deverá ser bastante disponível, pois a sua dedicação ao cargo passará muito para além do trabalho realizado em Loja. Além disso, as suas qualidades principais são o amor e a dedicação, atributos essenciais para um desempenho condigno da função. Estas características são de enaltecer e necessárias, mas por si só não são suficientes no cuidado dos mais desprotegidos, em virtude do Hospitaleiro ter de ter o apoio da sua Loja, dos seus Irmãos. A solidariedade é um dever e um direito de todos.

Se abordarmos este conceito somente em termos de direito ou dever, nós ignoramos o coração e a vida passa a ser feita de uma maneira exclusivamente cerebral. Neste contexto, a solidariedade é organizada como um "serviço" no sentido puramente administrativo, e prática no contexto das formalidades legais. A Solidariedade, sob a luz de uma comunidade iniciática, como é a Maçonaria, aparece não só sob o aspecto de um direito e de um dever, aparece antes pelo contrário, de uma maneira bastante natural e intuitiva. Neste caso, um Maçon tem de ser mais coração e menos cérebro. Isso demonstra que a essência de uma Maçon é o amor.

Nesta perspectiva, a solidariedade administrativa permite uma boa gestão sem criar uma camisa de forças. Por outras palavras, a função solidariedade é cumprida pelas regras necessárias, mas não contorna um problema caso este não esteja previsto no regulamento.

O acto de solidariedade de um Maçom, deverá levar isto em conta, pois este não deverá transgredir o regulamento a que prestou juramento, mas a sua essência não poderá permitir que o seu coração seja sobreposto por um acto administrativo.

Assim, é necessário que o hospitaleiro tenha uma grande envergadura moral e espiritual, pois os regulamentos tendem a diminuir, naturalmente essas características.

A humildade é um outro dever, não só do Maçom Hospitaleiro, mas de todos os verdadeiros Maçons.

Embora humilde, o Hospitaleiro deve ser perspicaz e sagaz, severo e justo, a fim de a mendicidade maçônica incessante e atrevida, não se atreva a lhe assaltar, e que o verdadeiro desgraçado pela sorte, a viúva e o órfão de um irmão que tenha passado para o Oriente Eterno, possam ser socorridos e contar com o seu justo e saudável apoio. O Maçom Hospitaleiro, deve ainda, recusar com energia, todos os pedidos duvidosos que vierem a ser feitos.

O Irmão Hospitaleiro deve estar em constante contato com o Irmão Tesoureiro. Este último deve informar o hospitaleiro dos incumprimentos, qualquer que ele seja, dos Irmãos perante a Loja, para que o Hospitaleiro possa averiguar o que leva a que o Irmão esteja em falta.

Numa comunidade de Pessoas Livres e de bons costumes, sanções rigorosas, por qualquer tipo de incumprimento, devem ser reservadas para situações extremas. Numa comunidade que é iniciática e fraterna, onde todos se sentem responsáveis pelo dever de Transmitir, mas também de receber Ensinamentos, que visa a tentativa de despertar e estimular a consciencialização das pessoas e melhorar a espécie humana, devemos ir, na medida do possível, e em qualquer caso, no caminho do amor e da compreensão.

Todos os Maçons deverão ter na sua génese, os princípios que guiam um Maçom Hospitaleiro.

“Ao receber o pão da mão de um amigo, recebemos muito mais do que o alimento. Este pão não é apenas um pão, é também a manifestação de uma presença amiga, que aquece o coração tanto quanto sustenta o estômago”. 

Autor: Carlos Mardel 

sexta-feira, 4 de junho de 2021

O Triângulo

Sendo o triângulo uma forma geométrica que sempre me despertou curiosidade de entre as outras, foi o que escolhi para poder elaborar o presente texto. Este símbolo geométrico faz parte da minha vida profissional. Uso um triângulo metálico principalmente para medições angulares de segmentos ósseos com desvios anómalos que serão a seguir corrigidos com osteotomias (cortes do osso) e reconstrução dos mesmos na sua forma natural. 

São muito poucas as formas geométricas básicas das quais se compõe toda a diversidade da estrutura do universo. Cada uma delas é dotada de propriedades únicas e detém um simbolismo esotérico que permaneceu imutável ao longo da história humana. Todas essas formas geométricas básicas podem ser facilmente produzidas por meio dos dois instrumentos que os geómetras têm usado desde a aurora da história - a régua e o compasso. Figuras universais, a sua construção não exige a utilização de nenhuma medição; ocorrem em todas as formações naturais, nos reinos orgânico e inorgânico. 

O triângulo "Polígono formado por três lados e por três ângulos internos, cuja soma das suas amplitudes é igual a 180º". Esta definição, esconde, por detrás da sua simplicidade aparente, toda uma significação, toda uma simbologia, que através das idades, dos séculos e das civilizações, o homem nunca ignorou e sempre soube respeitar, consciente ou inconscientemente.

É uma figura geométrica que se encontra na base de toda a filosofia maçónica. Não existe qualquer referência precisa de como e quando surgiu. 

Já nos achados arqueológicos da antiga Mesopotâmia foram encontrados desenhos de triângulos inscritos sobre peças de cerâmica perto de 7.000 anos a.C. 

Uma tábua de argila de 3.700 anos da Babilônia, conhecida como Plimpton 322, é o registo mais antigo conhecido de conceitos de trigonometria, segundo essa interpretação, a trigonometria teria surgido na região da Mesopotâmia cerca mil anos antes que na Grécia antiga.

Em seguida, os sumérios usaram com frequência triângulos que faziam parte de seus costumes.

Fatos elementares sobre triângulos foram apresentados por Euclides na sua obra “Elementos” aproximadamente há 300 anos a.C.

O auge da devoção aos triângulos floresceu no Egito, onde representa praticamente a secção vertical da construção das pirâmides, assim como de suas faces. Esse traçado é então elevado ao grau de divindade e sua forma responde a dimensões precisas. A importância desse símbolo contribuiu para carregar significados divinos até lhe impor o valor de “Criação do Mundo.”

A Constelação do Triângulo (Triangulum) ou Triângulo Boreal era também conhecida pelos Gregos como Deltoton", devido à semelhança com a letra do seu alfabeto, Δ (Delta maiúsculo). Segundo Eratóstenes, representava a foz (Delta) do rio Nilo

Formado por três triângulos entrelaçados, o Valknut é um símbolo religioso pertencente ao paganismo Nórdico e Germânico em norueguês significa “nó dos que caíram em batalha”, de modo que está relacionado com o culto aos mortos e, logo, a Ódin

Parece óbvio que todas as civilizações procuraram introduzir elementos simbólicos nas formas construídas em torno de um triângulo. Um dos significados primordiais é a posição do triângulo equilátero apontando para cima representando a mulher (símbolo feminino) e a ponta para baixo referindo-se ao homem (símbolo masculino). Esse recurso simbólico tem a particularidade de ser invertido considerando-se que o triângulo apontando para cima é uma representação refinada do sexo do homem e que a ponta para baixo corresponde à parte íntima da mulher

De uma maneira mais geral, “O Triângulo evoca a ideia da Trindade”, que é encontrada:

- No Hinduísmo: Brama (Criador); Vishnu (Conservador); Shiva (Destruidor).  

- Triângulo utilizado nos frisos ornamentais na Índia, na Grécia, em Roma, com significado constante: fogo e sexo masculino, água e sexo feminino, conforme a posição do vértice.

- Triângulo, símbolo do fogo em alquimia, também símbolo do coração.

- No Egito incluem: a Tríade de Mênfis, composta do deus Ptah, sua esposa Sekhmet e seu filho Nefertum.

- A Tríade Osiriana: Osiris, Isis, Horus.

- A Tríade Tebana: Amon, Mut, Khonsu. 

- Na Pérsia: Auramazda, o Mestre; Ormazd, o Sábio Gênio; 

Vohu Mano, o bom pensamento; Asha Vahista a justiça mais perfeita.

- Nos Celtas, tínhamos o triângulo representado nos aspetos da mãe terra: virgem, mãe e anciã.

- No Cristianismo:  Deus Pai, Filho (Jesus) e Espírito Santo, onde temos seres distintos, mas que são a mesma essência, um só.

Poderíamos multiplicar os exemplos de “trindades” na maioria das religiões.

Até na Filosofia verificamos a simbologia do triângulo associada a uma trindade, Platão, definia: Ser (modelo perfeito), Devir (cópia do modelo) e Recetáculo (espaço, lugar).

Para compreendermos melhor todos esses significados, podemos usar como base o que as escolas esotéricas dizem do significado do triângulo. Visto como a trindade divina, podemos compreender todas as religiões como um lado a harmonia, o outro a sabedoria e, por fim, a perfeição.

Se prestarmos atenção em todos os significados de cada cultura, perceberemos que o triângulo é um símbolo da soma, que necessita de dois elementos complementares para dar origem a um terceiro, assim como a soma da vida e da morte, que dá resultado à evolução do homem, ou luz e trevas, que resultam em conhecimento, dentre outros.

José Adelino Maltez, na sua obra o Abecedário Simbiótico define o triângulo como a figura fechada que está colocada entre o círculo e o quadrado, entidade intermediaria entre a substância e a matéria, entre o espírito e os sentidos.

Refere que as várias formas do triângulo têm a ver com os quatro elementos: o equilátero é a forma elementar da terra. O retângulo é o espírito da água. O escaleno é o espírito do ar. E, o isóscele é o fogo elementar simbolizando a divindade, a harmonia, a proporção.

Entre os triângulos está o Delta Luminoso, ou o Triângulo Sublime, um isóscele em que o vértice é 36º e os dois ângulos da base, mais larga, de 72º, tal como o frontão do templo, com 108º no vértice superior, correspondendo ao chamado número de ouro.

O triângulo é a forma pela qual também são expressas o Símbolo da Liberdade, Igualdade e Fraternidade; do passado, presente e futuro; da sabedoria, força e beleza; do nascimento, vida e morte; da luz, trevas e tempo; da tese, antítese e síntese; entre outras em boa verdade, a natureza do homem e das coisas, contendo em si o perfeito conhecimento, o “verbo” divino.

No nosso avental, o triângulo formado na abeta, mais o avental composto em 2 (dois) outros dois triângulos, quando somados representam simbolicamente as 3 (três) Formas Vivas do Homem, sendo, “Corpo, Alma e Espírito”.

Também está presente na forma de Delta nas lojas do 1º grau, a que preside (oriente), e nas lojas e insígnias de numerosos graus superiores, com formas variadas.

São em forma de triângulo o Altar do 1º e 2º Vigilante e o Altar que suporta o livro da Lei, e a posição destas 3 também em forma de triângulo. 

O simbolismo do triângulo cruza se com o do número Três. O Três é universalmente um número fundamental que exprime uma ordem intelectual e espiritual, em Deus, no Cosmos e no Homem.

Três é, por excelência, um número maçônico (juntamente com cinco e sete).

O Livro da Lei Sagrada, o Esquadro e o Compasso constituem as Três Grandes Luzes.

São Três as colunas do Templo: Jônica, Dórica e Coríntia, simbolizando a Sabedoria para criar, a Força para seguir e a Beleza para ornamentar.

São 3 graus a divisão da Maçonaria Simbólica: Aprendiz, Companheiro e Mestre (2º Landmark).

São Três as luzes que se acendem após a entrada do Venerável Mestre e até a sua saída.

Também são o Sol, a Lua e o Venerável da Loja. O sol equivale a razão. 

A Lua, à imaginação, que reveste as ideias e o Venerável que significa o princípio que mistura os dois anteriores.

- São três as virtudes teológicas; três são os elementos da Grande Obra Alquímica: o Enxofre, o Mercúrio e o Sal.

- Três designa também os níveis da vida humana: material, racional e espiritual ou divino. São ainda três as fases da evolução mística: purgativa, iluminativa, unitiva.

- Enfim, Três é o número pelo meio do qual o binário é devolvido à unidade.

- O ternário exprime-se por diversos símbolos gráficos: o tridente, a trinácria (triplo peixe com uma só cabeça) e, mais simplesmente, o triângulo.

Fica muito por dizer sobre este tema. Ao juntar todas estas vertentes, arquitetónica, religiosa, espiritual e filosófica verifico que a simbiose entre estes conceitos culmina num resultado final desejável traduzido na construção do nosso Templo Interior, no mundo profano e no plano divino.

O nosso trabalho exige a conjugação destas três dimensões de forma harmoniosa para que seja plenamente conseguido.


Autor: Viktor Frankl