Recuando no tempo, as suas
origens aparentam remontar aos canteiros do período medieval, também eles artíficies
da pedra bruta, os quais delimitavam e protegiam o local de trabalho com
estacas, às quais eram presos anéis de ferro, por onde passava uma corda ou
corrente, havendo apenas uma abertura para entrada no local. Remontando à sociedade de
construtores, antecessora das antigas escolas de construtores e embrião da Maçonaria
actual, os seus obreiros desenhavam no chão, com giz ou carvão, um painel
representativo dos instrumentos usados pelos pedreiros livres, sendo este abordado por uma corda com nós, não necessariamente oitenta e um, mas três,
cinco, sete ou doze. Independentemente do número de nós, o seu significado é
transversal - a fraternidade e a união.
Uma possível origem da corda de
oitenta e um nós em Maçonaria, e talvez a sua primeira referência escrita, data
de 23 de agosto de 1773, na casa "Folie-Titon" em Paris, aquando
da tomada de posse de Louis Phillipe de Orleans como Grão-Mestre; nesta
cerimónia estariam presentes oitenta e um maçons e a decoração da abóbada
celeste do templo estaria iluminada por oitenta e uma estrelas.
Nos Templos Maçónicos
contemporâneos a corda de oitenta e um nós circunda todo o Templo, junto ao tecto,
devendo o seu nó central estar imediatamente acima do delta luminoso; a partir
deste vínculo central, a corda estende-se no comprimento de quarenta nós para
Norte e quarenta nós para Sul, terminando as duas extremidades em ambos os
lados da porta de entrada a ocidente, na forma de duas borlas. As borlas,
segundo variadas fontes literárias, representam a justiça ou equidade e a
prudência ou moderação. Não será errado acertar que este acúmulo de fios
singulares alude à responsabilidade individual de cada maçon na integralidade
da Maçonaria, ou mesmo que, no seu talhe e localização, protegem o sagrado do
Templo do mundo profano, mas sem encerrar portas para o exterior. É neste sentido
que quero concordar com muitos autores que personificam nesta representação de
uma corda aberta em vez de fechada sobre si mesma, como uma clara alegoria a
uma Maçonaria também ela aberta a acolher novos membros e novas ideias, que em
concluiu possam contribuir para o progresso da humanidade.
Nos Templos Maçónicos, a corda de
oitenta e um nós pode surgir, quer esculpida nas paredes como um alto-relevo,
quer na forma de uma corda natural, mas sempre com este preciso e determinado
número de nós equidistantes entre si. Em boa verdade, e nos poucos Templos que
pude visitar, ou não encontrei presente este ornamento ou, existindo, não
continha os nós em número certo de oitenta e um.
Mas vamos continuar o desenlace
do seu significado; o número oitenta e um, é três elevado à quarta potência, o
apelidado de número perfeito. Podemos asseverar que toda a diferença,
desequilíbrio e antagonismo existentes na dualidade, cessam com a adição de uma
só unidade, que nos transporta até à perfeição do número três. Em Maçonaria, o número três tem
múltiplos significados; são três os princípios Maçónicos: Liberdade, Igualdade
e Fraternidade; são três os pilares da Loja e as respectivas qualidades
Maçónicas: Sabedoria, Força e Beleza; são três as ordens arquitectónicas gregas
usadas na construção dos mesmos pilares: Dórica, Jónica e Coríntia; O número
três encerra também um elevado valor místico que remonta às antigas
civilizações; eram três os filhos de Noé; eram três os varões que apareceram a
Abraão; foram três as negações de Pedro; são três as virtudes teologais. As
tríades divinas são também uma constante ao longo da história, nos Sumerianos,
nos antigos Egípcios, nos Hindus, no Taoismo, na Cabala, na Alquimia e no
próprio Cristianismo. O número três está também presente na trindade familiar e
nos três planos ou dimensões. São inúmeros os significados
atribuídos ao número três, dentro e fora da Maçonaria, mas existe um significado
muito particular respeitante às dimensões do próprio Templo Maçónico; apesar de
este não ter uma métrica fixa, é assumido que deve ter a forma de um rectângulo
tal, que possa ser dividido em três quadrados iguais e em que a sua largura
seja, no mínimo, um terço do seu cumprimento. Estes preceitos advêm do facto de
o Templo Maçónico ser uma cópia, ainda que modesta, do Templo de Salomão, que teria
sessenta côvados de cumprimento e vinte côvados de largura. Mas regressemos ao número de nós
presentes na corda e à sua disposição no templo; o número quarenta, correspondente
aos quarenta nós de cada lado do nó central, é o número simbólico da penitência
e da expectativa: quarenta foram os dias que durou o dilúvio; quarenta foram os
dias que Moisés passou no monte Horeb no Sinai; quarenta foram os dias que
durou o jejum de Jesus e os dias que esteve na terra após a ressurreição. O nó central, univocamente só,
representa o número um, a unidade indivisível, o símbolo do Supremo Arquitecto
do Universo, da unidade dos Maçons e da Maçonaria.
Esta leitura do simbolismo da
corda de oitenta e um nós parece não só coerente como perfeitamente enquadrada
na história e mais em concreto, na história da Maçonaria; mas será única?
Sem querer lançar um ponto de
discórdia, deixo uma interpretação alternativa, fazendo usufruto da universalidade
da matemática; olhando para o número oitenta e um podemos afirmar que o número
8 representa o sinal de infinito colocado na vertical, com o número 1 à sua
direita, significando porventura a existência de algo além deste; seguindo a
mesma analogia quanto à disposição dos símbolos, em matemática o produto de
infinito pela unidade continua a ser infinito. Quererão estas analogias
significar a constante busca da Maçonaria pela palavra sagrada? A infindável
procura pelo Segredo Maçónico? O trabalho constante em busca da absoluta
perfeição interior, tão desejada como inatingível? Tal como enunciado no século XIV
pelo frade franciscano Guilherme de Ockham, por vezes a explicação com menor
número de premissas é a mais correta, e esta interpretação encerra a
simplicidade das grandes verdades. Sem contestar qualquer das
interpretações, entendo que a Maçonaria não é feita de verdades absolutas, nem
o deve ser, pois nós também somos a personificação das imperfeições do ser
humano e como tal não podemos assumir nada como absolutamente certo; extrapolando
o postulado de Heisenberg, quanto mais certos estamos que encontrámos uma
incontestável verdade, mais plausível é estarmos arredados da mesma; é-me fácil
entender que a procura do pleno facilmente tolda a razão e molda o próprio
conceito de verdade, distanciando-nos desta.
Em síntese, o aperfeiçoamento
implica a inteligência no reconhecer da nossa própria insciência, na razão de que
o trabalho de construção do nosso Templo Interior deve ser desafiante, contínuo
e incessante.
Feito este repto, volto às
origens operativas da Maçonaria, onde a corda de nós não só era usada pelos operativos
na delimitação geográfica da sua área de trabalho, mas também para efectuar as
medições das distâncias e dos ângulos, quando dotada de nós equidistantes. Por irremediável defeito de
profissão, recorro novamente à matemática, mas também à geometria como ferramentas
de trabalho e proponho que durante uns breves minutos regressemos aos nossos
primórdios operativos. Tomemos uma porção de fio com nós equidistantes ainda em
número indeterminado, representativa de uma corda com nós; com este figurino,
peguemos no quarto nó com a mão esquerda e contemos mais quatro nós na porção
maior de corda, devidamente orientado a oriente, detendo o mesmo com a mão
direita. Temos agora duas porções livres de corda, uma com três nós e outra
ainda com vislumbre do infinito; unindo ambas as extremidades e contabilizando
apenas cinco nós na ponta livre da corda, obtemos um triângulo com uma forma
muito particular; um triângulo retângulo, cujo angulo entre os catetos é
exatamente de 90º. Esta aplicação simples do teorema de Pitágoras permitia aos
antigos “pedreiros” medir de forma precisa não só as distâncias, mas também
garantir a perpendicularidade das paredes e orientar as suas construções na
direção Ocidente-Oriente. Toda a complexidade e precisão
das mais elaboradas construções da época eram assentes numa porção de corda,
disposta em forma de triângulo, e com um número muito particular de enlaces;
com uma corda de doze nós se construía uma catedral.
Com a passagem da Maçonaria
Operativa para Especulativa, esta corda de doze nós adquiriu um sentido mais
esotérico, simbolizando, entre outras coisas, os meses do ano, os signos do
zodíaco e a união entre Maçons, este último significado transversal à corda de
oitenta e um nós. Os doze nós da corda podem ainda fazer referência às doze
portas de Jerusalém, cidade onde a altura dos seus muros seria de 144 côvados
(o produto de 12 por 12). Serão estes os motivos pelos
quais esta mesma corda de doze nós adorna muitos Templos Maçónicos, circundando
as suas paredes pelo topo, mantendo apenas uma abertura na entrada do Templo a
ocidente, tal como a sua congénere de oitenta e um nós.
Existe, no entanto, um detalhe em
relação ao qual não foi feita ainda qualquer referência; os nós da corda, independentemente
de quantos sejam, têm um aspeto distinto, formando um laço que faz lembrar, na
sua forma, o número oito na horizontal ou, em linguagem universal, o símbolo do
infinito. Este representa a perpetuação da espécie humana, pois pela sua forma
simboliza a união entre o homem e a mulher, motivo pelo qual é também chamado
"laço de amor".
Seja laço ou nó infinito, em
oito, de amor ou ainda nó de Hércules, a sua descrição é a de um nó contínuo, com
a forma de um oito. As suas origens são alvo de profusa especulação, remontando
inclusive ao antigo Egipto, mas talvez a mais bonita seja em referência ao
Tibete, numa adaptação de um dos oito símbolos auspiciosos do budismo. O simbolismo da fisionomia deste
nó parece algo intemporal, tendo sido utilizado durante o império Romano e na
Grécia antiga, quer como amuleto de proteção quer como símbolo do casamento e
também na época medieval e no renascimento como amuleto alusivo ao amor.
Qualquer dos significados é transversal à Maçonaria contemporânea, desde a
simbologia relacionada com o amor e fraternidade, ao infinito, ou mesmo a
Hércules, símbolo da força.
Seja com doze ou com oitenta e um
laços, a corda de nós não é apenas mais um símbolo alegórico e decorativo do
Templo, mas encerra em si um sentido simbólico de primordial importância e de
grande transversalidade no seio da Maçonaria. Na sua Geometria delimita o
Templo e separa o sagrado do profano; na sua Forma representa a unidade e
fraternidade entre todos os Maçons e a comunhão de ideias e de objectivos; na
sua Terminação deixa a porta aberta a novos profanos que procurem a luz; na forma
dos seus Nós tem presente um dos mais importantes momentos dos trabalhos em
Loja, a Cadeia de União; no Número de Nós encerra o simbolismo de tempos
imemoriais.
A verdadeira Maçonaria não está
nos seus símbolos, mas sim nas virtudes dos homens que a abraçam; estes
símbolos não deixam de ser no entanto uma constante e importante imagem que nos
recorda dos princípios que nos sustentam como Maçons, e por isso mesmo devem
ser não só explicados e entendidos, mas principalmente interiorizados e
sentidos. Espero ter conseguido de alguma
forma justificar o meu entendimento da corda de nós, mas cabe a cada um
perscrutar dentro de si pelo verdadeiro sentido deste elemento simbólico; cabe
a cada um sentir-nos como um nó nesta corda que representa não só o nosso
Templo físico mas também o nosso Templo Interior; cabe a cada um nós sentir
que, tal como o laço desta corda, a Maçonaria encerra em si o laço da fraternidade
e da unidade entre todos os maçons.
Concluo tal como comecei
afirmando que em Maçonaria nada é deixado ao acaso, mas entendo que também não
há verdades absolutas, e a oportunidade de dissertar e até especular sobre um
símbolo que verdadeiramente nos une a todos como maçons, não é nada mais do que
um privilégio.
O epílogo do meu anterior trabalho foi uma poesia para reflexão, pelo que, e com idêntico propósito, deixo um breve excerto da “Ode Marítima” de Álvaro de Campos:
As viagens, os viajantes - tantas
espécies deles!
Tanta nacionalidade sobre o
mundo! tanta profissão! tanta gente!
Tanto destino diverso que se pode
dar à vida,
À vida, afinal, no fundo sempre,
sempre a mesma!
Tantas caras curiosas! Todas as
caras são curiosas
E nada traz tanta religiosidade
como olhar muito para gente.
A fraternidade afinal não é uma
ideia revolucionária.
É uma coisa que a gente aprende
pela vida fora, onde tem que tolerar tudo,
E passa a achar graça ao que tem
que tolerar,
E acaba quase a chorar de ternura
sobre o que tolerou!
Autor: Álvaro de Campos
Sem comentários:
Enviar um comentário