É bonito o Alva! Manso, claro, calado, sem a tragédia do Doiro, nem a grandeza do Tejo, é bem o rio da Beira, que define a Beira. O Mondego envenenou-se em Coimbra dum lirismo de borla e capelo, que o comprometeu...
Com estas palavras de Miguel Torga, principia a nossa história:
A região do Vale do Alva tem na sua narrativa uma contenda entre três rios, o Mondego, o Alva e o Zêzere, todos nados na Serra da Estrela.
Estes três irmãos tornam-se um dia desavindos em torno de qual seria o mais destemido e, para porem termo à contenda, consentem numa corrida, de cujo vencedor seguiria soberano.
O Mondego ergueu-se com a alvorada e deslizou silencioso e discreto, mas não secreto, de forma a não atrair as atenções dos seus irmãos. Baixou serranias e perpassou as regiões da Guarda, Celorico, Gouveia, Manteigas, Canas de Senhorim e, depois da Raiva e da Aguieira, logo se fortalece de seus primos, ditos ribeiros, alcançando por fim a Coimbra.
O Zêzere, suspeitoso e atento, saiu de imediato em seu encalço; oculto por entre fragas, é sem desvios que passa Manteigas, Guarda e Fundão, mas essa afoiteza e precipitação logo o desnortearam e este, de cansaço, se vem a perder nas águas do Tejo.
O Alva, tal romântico utopista, passou a noite a contemplar as estrelas, perdido em divagações dignas de um sonhador aspirante a poeta. Quando finalmente anuiu para com a alvorada, já só vislumbrou os seus irmãos ao longe. Como que num laivo de fúria, rompeu tempestuosamente entre montes e rochedos, penhascos e vales e, quando o fervor da vitória já ecoava no seu íntimo, eis que se depara com o Mondego já muito adiantado em direção às águas do oceano.
O Alva ainda tentou arredar o seu Irmão do leito, mas desta vontade apenas sobraram umas réstias de espuma e um Mondego triunfante e altivo.
E é desta lenda que nos atrevemos a retirar um tríplice simbolismo, conexo à origem e fundação da Loja Estrela d’Alva.
Em primeiro remontamos à sua génese; tal como um rio tem a sua nascente, foi em 1871 que, em Coimbra, surgiu uma Loja com o nome Estrela d’Alva, cuja generalidade dos Maçons que dela faziam parte, mantiveram sempre fortes ligações familiares, precisamente ao Vale do Alva.
Em segundo, e sem sair da geografia do Vale do Alva, região serrana copiosa em adversidades naturais, mas abundante em gentes determinadas, que sempre se gladiaram pelo progresso, pela justiça, pela igualdade e em prol dos mais desfavorecidos.
Encerramos o vértice desta trilogia na forma de uma homenagem a uma ínfima terriola, erguida por esse mesmo povo operário, que com o mesmo nome da fábrica onde laboravam batizaram terra que os abrigou; essa industria já findou, mas a vilarejo esse, permanece com o mesmo nome; o nome de Estrela d’Alva.
Nesta narrativa de 3 irmãos que, em igualdade, partem na demanda do conhecimento, estão plasmados valores e princípios com os quais todos nos devemos reger, como sejam a determinação, a honra e o ensejo em progredir, em nos aperfeiçoarmos.
Mas hoje, mais do que o nome, pretendemos homenagear o trabalho dos Maçons que mantiveram esse mesmo epíteto vivente até aos dias de hoje.
Dos Irmãos que ergueram primeiramente a Loja sob o nome Estrela d’Alva, em Coimbra no ano de 1871, perdeu-se a memória nos livros de história, ficando inscrito o ano de 1908 como ano do seu levantamento de colunas, coincidentemente o ano em que é fundada em Torrozelo, por dois Irmãos de sangue, a filarmónica Estrela d’Alva.
Nestes 114 anos foram muitos os obreiros que, abnegadamente, se entregaram à causa Maçónica e à defesa intransigente dos Direitos Humanos e da Liberdade, nomes como os que escutámos na chamada de há pouco, cuja dedicação particular à Loja e ao Grande Oriente Lusitano nos compadece de enaltecer:
- João Carlos Costa, pelo seu trabalho no Grande Oriente Lusitano entre 1919 e 1931.
- Raul Weelhouse, pelo seu trabalho no Grande Oriente Lusitano entre 1931 e 1944.
- Luis Bettencourt, pelo seu trabalho no Grande Oriente Lusitano entre 1944 e 1988.
- José Pascoal Gomes, pelo seu trabalho no Grande Oriente Lusitano, no Conselho da Ordem e no Internato S. João.
- António Reis, pelo seu trabalho como Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano entre 2001 e 2011
Amados e odiados, temidos e cobiçados, os maçons desde sempre foram perseguidos, e desde sempre resistiram às maiores atrocidades cometidas contra si, empenhando-se incansavelmente na busca do aperfeiçoamento moral e intelectual do individuo e da sociedade, na procura de Verdade, Honra e Progresso e na transmissão dos valores de Tolerância, Solidariedade, afirmando-se contra a injustiça, a intolerância social e religiosa, a corrupção, a falta de ética e moral, as desigualdades sociais e enaltecendo o Mérito, o Trabalho e a Paz.
Hoje recordamos esses Irmãos, na esperança que, através do nosso trabalho, possamos perpetuar a sua memória.
Autor: Fernando Valle
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