domingo, 22 de agosto de 2021

A loja maçónica ou os 12 trabalhos de Hércules

A loja maçónica é o elemento base da maçonaria, onde se produz o trabalho maçónico. E todos os obreiros, seja qual for o cargo que ocupem, ou mesmo não ocupando nenhum, devem à loja o melhor do seu trabalho. Como é sabido, nós glorificamos o trabalho e não distinguimos trabalho manual de trabalho intelectual. 

E quando falamos em trabalho vêm-nos logo à memória as doze tarefas que Euristeu deu a Hércules para agradar a Hera. Ora, existe uma analogia entre os trabalhos de Hércules e os trabalhos em Loja.  

Tal como não se cria uma hierarquia em relação aos doze trabalhos de Hércules, também não deve haver uma hierarquia relativamente aos trabalhos em loja, pois todos dignificam o obreiro que os executa. 

Trabalhos em Loja que são, aliás, comparáveis aos trabalhos de Hércules, senão vejamos: 

A hidra de Lerna: A hidra de Lerna era uma serpente colossal que amedrontava a região de Lerna, no Peloponeso, destruindo rebanhos e plantações. A hidra possuía nove cabeças, mas cada vez que se decepava uma nasciam duas no seu lugar. Para levar a termo o seu trabalho, Hércules contou com a ajuda do seu fiel amigo Iolaus. Para evitar o contínuo ressurgimento Hércules decepava-as e Iolaus cauterizava com fogo o local, impedindo o aparecimento de novas cabeças. Após eliminar todas as cabeças mortais, Hércules levantou um enorme rochedo e com ele esmagou a última cabeça da hidra, queimando-a depois para que não ressurgisse. Livrar a loja de toda e qualquer hidra, quaisquer que sejam as cabeças que tenha, é trabalho do Venerável.

O leão de Nemeia: Um gigantesco leão aterrorizava a população da região de Nemeia, assustando e matando gado e pessoas. Como o animal se acoitava numa caverna com duas saídas, era muito difícil embosca-lo. Os caçadores da região pediram ajuda ao rei Euristeu, pois o animal revelava-se invulnerável, e este enviou Hércules para exterminar o leão. Este fechou uma das saídas da caverna, obrigando o animal a abandoná-la pelo outro lado. Então, desferiu-lhe um violento golpe com a sua clava, e percebendo que o animal ficara tonto, em rápida acção montou sobre ele, estrangulando-o até à morte. Decepou, depois, uma das garras do leão, e com ela conseguiu arrancar a dura pele do animal, passando a usar o seu resistente couro como capa protectora. Tal tarefa é assimilável à tarefa do Primeiro Vigilante. Tarefa difícil, a deste, que para além da direcção da loja, em conjunto com o Venerável e com o Segundo Vigilante, tem também o dever de substituir aquele nas suas faltas e impedimentos, tendo ainda a seu cargo a coluna dos companheiros. A sua tarefa é, sem dúvida, equiparada à de lidar com um leão difícil de esfolar.

Javali de Erimanto: Um javali aterrorizava as vizinhanças do monte Erimanto. Enorme e feroz, ele matava quem cruzasse o seu caminho. A tarefa era capturá-lo vivo. Ao fatigá-lo após persegui-lo durante horas, Hércules cercou-o e dominou-o. Euristeu, ao ver o animal ao ombro do herói, teve tamanho medo que se foi esconder dentro de uma ânfora de bronze.Com a coluna dos aprendizes a seu cargo, e dirigindo a loja em conjunto com o Venerável e o Primeiro Vigilante, bem fatigante é a tarefa do Segundo Vigilante, como se carregasse um javali às costas.

A corça Cerinéia: A corça de Cerinéia, animal lendário com chifres de ouro e pés de bronze, que corria com assombrosa rapidez e nunca se cansava, era Taígete, ninfa que foi transformada em animal por Artémis para fugir da perseguição de Zeus. Como ela tinha uma velocidade insuperável, Hércules perseguiu-a incansavelmente durante um ano até que um dia, exausta, a corça parou para beber água num riacho. Foi quando Hércules, aproveitando a oportunidade, lançou uma flecha certeira que atingiu a corça na pata dianteira, aprisionando-a de seguida. Correr a loja com pés de bronze, sem nunca se cansar, eis o trabalho do Mestre-de-Cerimónias.

Aves de Estínfale: Havia um pântano que era assolado por aves negras que possuíam asas, garras e bicos de ferro. O herói, primeiramente, usou um címbalo para as atrair e imediatamente todas as aves surgiram acima do pântano, bloqueando a luz do sol, transformando o dia em noite. Então Hércules acendeu uma tocha que chamou a atenção das aves, que começaram a descer violentamente contra ele para o atacar. Era o que ele pretendia, começando então a disparar flechas venenosas contra elas e abatendo a sua maioria. As que escaparam fugiram para países longínquos. O Orador é o nosso archeiro, cujo dever de fazer cumprir a lei é sagrado, nem que para isso tenha de usar dos meios mais persuasivos.

O touro de Creta: Poseidon, o Senhor das Águas, ofereceu a Minos, rei da ilha de Creta, um belíssimo touro branco, o qual se tornou furioso porque o rei não o ofereceu em sacrifício a Deus. O touro devastava os campos da região e Hércules foi até lá para dominá-lo. Após controlar o touro, montou-o e levou-o até Euristeu. O Secretário, como no trabalho do touro de Creta tem de organizar a devastação da linguagem oral, organizando-a de forma sintética e objectiva no relato do ocorrido em cada sessão.

Cavalariças de Áugias: Áugias, rei de Élida, tinha uma grande coudelaria de cavalos mas não cuidava dos seus estábulos, que acumularam uma colossal quantidade de estrume ao longo dos anos e que exalavam um cheiro mortal. Hércules conseguiu lavá-los num só dia, usando a água de dois rios cujos cursos desviou com a sua força. Bem tem de usar a sua força, neste caso força de organização, o Chanceler Arquivista, para manter devidamente conservados e catalogados os bens da oficina, com o correspondente inventário em dia. Mau arquivista será o que se portar como Áugias.

Éguas de Diomedes: Neste caso, tinha Hércules de ir até Diomedes, filho de Ares e rei da Trácia, para domesticar os seus terríveis cavalos carnívoros, que soltavam fogo pela boca. Como todos os filhos de Ares, Diomedes era um homem cruel que tinha como diversão lançar qualquer estrangeiro para servir de alimento aos seus cavalos. O herói seguiu em direcção a Trácia, onde procurou por Diomedes. Este lançou contra ele, de imediato os seus cavalos, que Hércules capturou. Mas, notando que estavam famintos serviu-lhes como refeição o próprio Diomedes. Ora a alimentação, seja do corpo seja do espírito, e quer simbolicamente represente alimentar os homens à custa dos animais ou alimentar os animais à custa dos homens, é o que compete ao irmão Hospitaleiro.

Cinto de Hipólita: Hipólita era a rainha das amazonas – tribo de mulheres guerreiras descendentes de Ares, as quais odiavam os homens. Grandes guerreiras, elas cortavam um dos seios para melhor manejar o arco e a flecha. Hipólita tinha um belo cinturão que lhe fora dado por Ares, seu pai. Este trabalho de Hércules era obter esse cinturão, desejado por Admete, filha de Euristeu. Hipólita, seduzida pelo belo e musculado herói entrega-lhe o objecto (noutra versão, o cinto é obtido depois de Hércules ter raptado a irmã de Hipólita, Menalite, pedindo o cinto como resgate). Mas a velha inimiga de Hércules, Hera, disfarçada como amazona, incita as mulheres a ataca-lo fazendo correr o boato de que este está lá para raptar a sua rainha. A deusa consegue cegar de raiva as mulheres e começa uma batalha feroz e sangrenta contra os heróis. Hipólita tenta intervir mas a ira e o tropel dos cavalos atrapalham as suas ordens. As amazonas então atacam Hércules, que tem de matar todas para fugir com o cinto. Lutar até ao fim pelos bens da loja, cobrando o que haja a cobrar, com objectividade, e defendendo o seu património, eis o trabalho do Tesoureiro.

Bois de Gerião: Gerião era um gigante, com três torsos num único par de pernas e possuía um numeroso rebanho de bois, que eram guardados por um pastor monstruoso, Eurítion, e seu cão de duas cabeças, Orto. Hércules facilmente matou esta dupla, mas foi surpreendido pelo próprio Gerião. Isso, porém, não causou nenhum temor ao herói, que após uma longa batalha percebeu que da cintura para baixo o gigante era exactamente como ele. Então, utilizando um poderoso golpe, atingiu uma das pernas do monstro e derrubou-o no chão, esmagando então, sem piedade, todos os três corpos do gigante, assim vencendo a batalha. Também o experto tem de perceber a qualidade dos visitantes que pretendam aceder ao templo, assegurando-se das suas qualidades maçónicas, observando com atenção quem seja exactamente como ele, maçons, ainda que com diferente grau ou qualidade.

O guardião de Hades: Cérbero, um cão de três cabeças e cauda de serpente, guardava a entrada de Hades, o mundo dos mortos, permitindo a entrada de todos mas não deixando ninguém sair. Hércules desceu o Hades e capturou-o, mas após tê-lo mostrado a Euristeus devolveu-o ao inferno para continuar a sua função de guardião. Como Cérbero, o Guarda Interno, qual guardião de Hades, há-de guardar o templo e preservá-lo de inimigos e de estranhos, sendo sua obrigação lutar até ao limite das suas forças para que o Templo não seja profanado.

Pomos de ouro: Euristeu queria as maçãs de Ouro que nasciam no jardim das Hespérides. Estas eram filhas de Atlas, um dos titãs que lutou contra os deuses e, depois de derrotado, foi condenado a carregar eternamente o Mundo nas suas costas. Hércules não conseguia encontrar os frutos e estava prestes a desistir, mas encontrou Atlas, a quem perguntou a localização da árvore. O titã, porém, não quis ceder a informação gratuitamente e então o herói ofereceu-se para carregar o mundo no seu lugar, enquanto ele fosse buscar os frutos dourados.

Depois de algum tempo carregando o Mundo às costas, Hercules sentiu como devia ser horrível a vida do titã, e finalmente viu-o retornar com as maças douradas, depois de matar o dragão que as guardava. Porém Atlas, sentindo-se aliviado, não se mostrava tentado a retomar o Mundo nas suas costas. Hercules teve de fingir que concordava, pedindo apenas que o deixasse acabar a sua missão de levar as maçãs a Euristeu. Atlas concordou, retomou o Mundo nas suas costas e Hércules foi-se embora com as maçãs e nunca mais voltou. Os irmãos nas colunas, temporariamente sem cargo, devem à loja o seu trabalho, os seus pomos de ouro, e têm tanto a obrigação de os ir buscar como a obrigação de ficar a carregar com o mundo às costas, com sacrifício, quando seja a vez de outro irmão ir colher os pomos de ouro. 

Moral da história: Esta parábola pretende destacar que numa loja maçónica não se compete por cargos, devendo antes trabalhar-se com afinco maçónico naquilo que é nossa função e obrigação em cada função em cada momento.

Agora que se aproximam eleições, e em que dos candidatos aos mais altos cargos nos vêm exemplos tão perturbadores de ocultas virtudes e falsas modéstias, esta prancha tenta contribuir para que todos pensemos naquilo que prometemos na nossa iniciação e nas virtudes a que estamos adstritos, como homens de bons costumes.


Autor: Bocage


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