segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Silêncio e a Contemplação dos Reflexos da Luz

Desde que iniciei com a ajuda dos meus Q:. I:. o caminho para a Luz fui incentivado a observar e absorver o decorrer dos trabalhos nas sessões em Loja, tendo atenção ao Ritual, aos Cargos, participando no que me é possível e sempre que solicitado.

No inico do meu percurso numa das nossas confraternizações um dos nossos irmãos sugeriu que um tema que um dia pediria a um A:.M:. ou C:.M:. que viesse a acompanhar seria o tema Silêncio, tendo desde essa data esse tema ficado latente nas pesquisas e leituras que fui encontrando e fazendo a minha reflexão.

A primeira questão com que me deparei e que numa primeira fase pareceria mais simples, não o foi. O que é isto do Silêncio? É estar calado? Ou mais que isso?

Recorrendo-me de um dicionário verificamos que si·lên·ci·o provém do latim silentium e é um substantivo masculino que define o estado de quem se abstém ou para de falar, a cessação de som ou ruído, a interrupção de correspondência ou de comunicação, a omissão de uma explicação, o sossego, quietude, calma, o segredo, sigilo, o Toque nos quartéis e conventos, depois do recolher e frequentemente utilizada a palavra como interjeição numa expressão usada para impedir de falar ou pedir que alguém se cale.

Definida a palavra, importa detalhar de forma semiótica a mesma para perceber a sua significação na relação com a Maçonaria. Neste processo de análise levantam-se duas questões que para mim e no trabalho que tenho desenvolvido no desbaste da pedra bruta como A:. e no polimento como C:. têm significados distintos:

- O que é o Silêncio Maçónico?

- O que é Silêncio em Maçonaria?

Começando na demanda da primeira questão, a interrogação remete-me para o significado associado ao Silêncio de Segredo. O nosso Q:.I:. António Arnaut define a nossa A:.O:. como “ discreta” e não secreta já que nada tem a esconder e os Rituais podem ser facilmente encontrados num qualquer alfarrabista, assim é reservada já que por ser iniciática não está aberta ao público e reserva apenas aos M:. o conhecimento de certas práticas e saberes, o que poderá ser considerado o segredo maçónico. Como exemplo de não sermos uma associação secreta temos as recentes eleições em que mutos nos nossos I:. tiveram conhecimento dos resultados na imprensa e não pela nossa A:.O:.

Podemos claro considerar que a Maçonaria como associação de homens livres, de bons costumes, onde seus membros se dedicam ao aperfeiçoamento moral e social através do trabalho constante já foi alvo de diversas perseguições com consequências graves para todos os M:. pelo que a manutenção do Segredo sobre as praticas da Maçonaria eram uma questão de sobrevivência.

Actualmente no caso de Portugal, se podemos considerar que não é fisicamente uma ameaça ser M:., pode ser ainda prejudicial profissionalmente, esta situação é causada pelo desconhecimento e preconceito que o mundo profano tem da nossa A:.O:. e será também aqui importante a nossa acção diária nos nossos actos com Cidadãos e até como G:.O:.L:. para desmistificar esses preconceitos junto do mundo profano o quanto baste para assumirmos o nosso papel tantas vezes esquecido e muitas vezes manchado pela má conduta de alguns M:. ou pela calunia sobre terceiros utilizando a nossa A:.O:. até como uma arma contra um nosso I:. ou profano que até poderá nunca ter sido iniciado.

Vivendo num mundo em constante mutação e com equilíbrios por vezes muito frágeis é importante também manter uma forte vertente discreta para que não seja dado por garantido que não teremos de nos manter vigilantes para a necessidade de estarmos sempre preparados a retornar a práticas mais Clandestinas ou apoiar essas mesmas práticas nos locais onde a Republica e a Democracia estão postas em causa ou já não exista para que não se percam os nossos valores fundamentais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Finalmente e ainda sob a ideia de Segredo temos o nosso juramento que não divulgaremos o que se passa na nossa A:.O:., em todas as sessões prometemos ao nosso V:.M:. não revelar a M:. ou profano algum o que se passou na sessão, o que não serão apenas palavras lidas num Ritual, pois este nosso compromisso é um dos alicerces da nossa união. É nesta componente do Segredo Maçónico que pela confiança mutua exercitamos a nossa fraternidade pelos símbolos, hábitos e costumes que partilhamos e ensinamos aos I:. que a Loja acolhe no seu seio.

Então e além do Segredo Maçónico o que poderá ser igualmente o Silêncio em Maçonaria?

Reflectindo sobre esta questão o meu pensamento vai para o silêncio quase absoluto em que o A:.M:. e o C:.M:. estão confinados nas sessões, o que numa primeira análise não seria uma pratica muito Maçónica pois não estão num patamar de igualdade para com os I:.M:.M…

Para compreender esta discrepância na utilização da palavra fui relembrar o conceito de A:.M:., C:.M:. e M:.M:. socorrendo-me das definições dadas pelo nosso Q:. I:. António Ventura:

A:.M:., - “Titulo do 1 grau de todos os ritos maçónicos. Representa aquele que começa a aprender, o “estagiário”, o Homem na sua primeira infância, carente de protecção, apoio e ensino que trabalhará no desbaste da «Pedra Bruta», de forma a conhecer-se a si próprio e a libertar-se progressivamente dos preconceitos da vida profana”.

C:.M:. – “Titulo do 2 grau de todos os ritos maçónicos. Já está suficientemente instruído para poder acompanhar o mestre na maioria dos trabalhos. Representa o homem na sua juventude espiritual, com iniciativas, mas ainda pouco consciente das virtualidades que possui” (…) “Trabalha simbolicamente no polimento da «pedra bruta», já desbastada pelo aprendiz.”

M:.M.. – “Titulo do 3.º grau de todos os ritos maçónicos. Já possui faculdades para trabalhar por si e para ensinar os outros. Representa o homem maduro, consciente das suas responsabilidades. Só neste grau o maçon atinge a plenitude, pode intervir na Loja, eleger e ser eleito para todos os cargos.”

Lendo estas três definições sou imediatamente remetido para o desenvolvimento cognitivo entre o profano e o M:.M:.

Este desenvolvimento inicia-se na Câmara de Reflexões, na iniciação onde uma da inscrições contem as letras V.I.T.R.I.O.L., estas além de darem o nome a uma Associação paramaçónica, significa Visita Interior Terrae Rectificando que Invenies Occultum Lapidem (Visita o Interior da Terra e Rectificando Encontrarás a Pedra Oculta). Aqui somos transportados para uma certeza, temos de meditar sobre nós próprios e nessa introspecção encontrarmos um exercício que não cessará. Iremos de forma constante procurar formas dentro de nós mediante as experiências que temos de nos melhorarmos como indivíduos e consequentemente como grupo.

Esta perspectiva remeteu-me para as diversas teorias existentes de desenvolvimento sendo que das leituras que fiz a que me pareceu mais alinhavada com o meu pensamento sobre o tema foi a Teoria Cognitiva, esta apesar de já ser datada para alguns estudiosos do tema, ajuda-nos a perceber a nossa forma de aprendizagem cognitiva pois surge na década de 50 com um complemento das teorias comportamentais em que a aprendizagem era apenas efectuada por condicionamento, ou seja estimulo-resposta.

Assim, na teoria cognitiva vemos a definição do termo cognição como o conjunto de habilidades mentais que desenvolvemos para a construção do nosso conhecimento do mundo. Os processos cognitivos envolvem, portanto, as capacidades relacionadas ao desenvolvimento do pensamento, raciocínio, fala, introspecção etc, tendo inicio na infância e estando directamente relacionados com a aprendizagem.

Não pretendo nesta prancha detalhar as diversas correntes cognitivistas defendidas por Piaget, Wallon e outros, pois cada uma delas é digna de um trabalho académico para o qual confesso não tenho formação adequada, no entanto apesar das diferenças entre estas correntes todas procuram compreender como a aprendizagem ocorre no que se refere às estruturas mentais do sujeito e sobre o que é preciso fazer para aprender, num processo de construção de um esquema de representações mentais que se dá a partir da participação activa do sujeito e que resulta na transformação em conhecimento.

Assim e transpondo este processo de aprendizagem para a Maçonaria temos no silencio uma ferramenta fulcral. Estamos no processo de nascer de novo para o mundo, de nos contruirmos novamente e iniciamos assim o processo de caminhar para o conhecimento, o que se faz primeiro por observação depois por repetição e finalmente ao desenvolver o nosso trabalho, podemos fazer aqui um paralelismo com os três primeiros graus maçónicos e os diferentes estágios da aprendizagem da infância à idade adulta tão patente nas viagens da iniciação. Verificamos assim que o silencio em maçonaria é mais que não falar, não é na verdade sequer ser proibido de falar, é ter o direito a ouvir atentamente e meditar sobre o que foi ouvido, num exercício disciplinado que nos permite como A:. e C:. M:. ver coisas que posteriormente teremos menos disponibilidade para ver.

Anteriormente referi que têm surgido questões ao longo do meu caminho no desbaste da pedra bruta como A:.M:. e no polimento como C:.M:., o mesmo sucederá aos M:.Q:.I:. M:.M:. pois todos nós procuramos a verdade num caminho que será eterno. Orgulhosos todos por em determinados momentos nos silenciamos na contemplação dos reflexos da Luz que nos motiva e fortalece os nossos propósitos pois no trabalho estarmos todos os dias um dia mais perto da construção de um Mundo mais justo e perfeito.

Finalmente deixo-vos com uma consideração sobre este tema que me parece pertinente remetendo para a definição de M:.M:. “só neste grau o maçon atinge a plenitude”, pois bem, tal e qual como no mundo profano, sendo o A:.M:. e o C:.M:. remetidos aos silencio não estão efectivamente num patamar de igualdade para com os I:.M:.M:., estão sim num patamar que se poderá dizer até superior pois num gesto de grande fraternidade estes permitem que os primeiros aprendam e evoluam, tendo mais tempo para conseguir contemplar os reflexos da Luz antes de se dedicarem ao trabalho e ensino dos I:. que os seguem.

Na Maçonaria silenciar-se é ouvir.

 

Autor: Armindo Matias

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