terça-feira, 26 de junho de 2012

O Grande Arquiteto do Universo: do símbolo à fratura

Nota introdutória ao Livro - O Grande Arquiteto do Universo: do símbolo à fratura, Campo da Comunicação, 2012, Lisboa, da autoria de Robert Kalbach.

O autor tem por objetivo dar a conhecer os principais conceitos que estruturam esta obra, nomeadamente a sua ideia-força, que é o símbolo unificador da Maçonaria, a saber: a evolução do conceito de Grande Arquiteto do Universo (G.A.D.U.), desde as suas origens até aos nossos dias. Além disso, destaca também que a Maçonaria tem por fim o aperfeiçoamento individual dos seus membros e o desenvolvimento harmónico das sociedades, fundado em valores humanistas.
Robert Kalbach começa por nos introduzir aos conceitos de Espiritualidade, de Sagrado e de Tradição, enquanto conceitos necessários à compreensão de determinadas necessidades espirituais, que colocam certas interrogações e suscitam determinadas respostas. Uma espiritualidade que surgiu quando o Homem se começou a interrogar sobre o sentido da sua presença no mundo, sobre os outros e sobre o Universo.
A Espiritualidade, o Sagrado e a Tradição Maçónica.
A Espiritualidade por ser laica não tem dogmas, nem preconceitos, nem submissão a qualquer princípio de autoridade ou a qualquer religião. É um atributo de que o homem nunca pode nem quis privar-se por ser consubstancial à sua natureza e refletir o carater intemporal e universal que o laicismo lhe confere.
A crise de valores provocada pela falência das religiões e pelo fracasso das ideologias totalitárias deram lugar a um materialismo omnipotente e redutor até hoje nunca visto; a impotência dos políticos vergados ao serviço da geofinança, num quadro de acelerado desmantelamento dos regimes democráticos, veio assolar o mundo e lançar o Homem num vazio angustiante que pôs termo ao sonho e à esperança que já se projetavam sobre o século XXI.
Este desconforto gerou no Homem o regresso em força à espiritualidade, mas a uma espiritualidade laica, visto que o laicismo pelo recurso à liberdade e à tolerância impede todos os confrontos. A uma espiritualidade integralmente humanista que leva o Homem a interrogar-se sobre qual o sentido da sua presença no mundo, sobre os outros e sobre o Universo.
Quanto ao Sagrado, autores há para quem a Tradição iniciática é indissociável da Revelação. Porém uma abordagem menos restritiva, mais humana e mais adaptada ao presente permite constatar que os ensinamentos essenciais foram sempre transmitidos de geração em geração. O Homem em todas as idades intuiu, procurou, inventou, descobriu e transmitiu verdades fundamentais que constituem a tessitura da espécie humana.
Esta necessidade do Sagrado, tão evidente como o amor ou o pensamento, constitui o elo de ligação entre cada ser humano e um absoluto que o ultrapassa, mas que reside nele próprio. Uma tal via para o Sagrado pode conceber-se fora de qualquer religião e é iminentemente pessoal e individual.
A Tradição maçónica transmite a essência interior e oculta das coisas por via iniciática. É a resposta ao instinto do ser humano que o faz aspirar ao Conhecimento, à Luz que o iniciado reclama no ato da Iniciação que se destina apenas a um número restrito de eleitos com aspirações morais e espirituais muito elevadas e que se transmite do interior da organização, ou seja, por via esotérica, por contraposição à via isotérica.
O G.A.D.U. do símbolo à fratura.
Kalbach com muito equilíbrio e ponderação é constante nas referências aos valores de primeira grandeza que estiveram na origem da Maçonaria e que só por razões exógenas de natureza política foram subvertidos, em virtude da fusão da Grande Loja de Londres e Westminster (1717) de pendor liberal, com a Grande Loja dos Antigos (1751) muito conservadora, para darem origem à atual Grande Loja Unida de Inglaterra (1815).
Imposta pelo poder político, esta fusão provocou um retrocesso sem precedentes na historia das ideias e da Maçonaria, cujas consequências ainda hoje estão longe de ter fim à vista. Em termos maçónicos, este recuo traduziu-se na substituição da dimensão simbólica, aberta e progressiva do conceito de G.A.D.U., fundado na Religião Natural que se cultivava na Grande Loja de Londres e Westminster, pela crença num Deus revelado e pelo caldo de conservadorismo herdados da Grande Loja dos Antigos.
Em consequência disso, após algumas décadas de agitação, o Grande Oriente de França (1877) decidiu suprimir a obrigatoriedade da crença em Deus e na imortalidade da alma, tornou facultativa a evocação “À Glória do Grande Arquiteto do Universo” e declarou a liberdade de consciência um direito individual.
Em 1884, a Grande Loja Unida de Inglaterra reage e passou a considerar o Grande Oriente de França como Obediência irregular retirando-lhe o reconhecimento. E em 1929, publica os Landmarks onde se autoproclama Loja-Mãe arrogando-se deste modo o direito de conceder a regularidade da origem e o reconhecimento urbi et orbi. Em 1989, na tentativa de superar as contradições entre as diferentes expressões que as religiões assumem, sobretudo no império asiático, substituiu o G.A.D.U. e a sua vontade revelada pela crença num Ser Supremo e deliberou que os Juramentos pudessem passar a ser prestados sobre o Livro que o neófito considerar Sagrado. Para concluir, o conceito de G.A.D.U. da G.L.U.D.I. não era reconhecidamente universal, nem a sua substituição pela crença num Ser Supremo veio ultrapassar esta questão.
O símbolo unificador da Maçonaria, isto é, o Grande Arquiteto do Universo, não pode ser reduzido ao dogma da revelação, nem desaparecer pura e simplesmente do panorama maçónico, como de há muito imaginam os seguidores destas duas correntes tão radicais, quanto inconciliáveis. Os fundadores da Ordem conhecedores das consequências nefastas das guerras de religião souberam encontrar sabiamente um conceito de G.A.D.U. aberto e progressivo, fundado na tolerância, no pluralismo e na liberdade de consciência em resultado da reabilitação da razão humana. A maçonaria não é nem nunca foi uma religião ou um meio de salvação da alma. É acima de tudo um espaço particular de sociabilidade, sem sujeição a dogmas, onde apenas são interditas as discussões de natureza político-partidária e religiosa.
A Maçonaria de pendor liberal tem vindo a crescer em todo o mundo. Graças a ela o conceito de G.A.D.U. tem evoluído no sentido de uma maior abrangência. O decorrer do tempo tem ajudado a definir o espaço das mulheres na Maçonaria. As federações de ritos têm-se difundido a ponto de já nada distinguir as Grandes Lojas dos Grandes Orientes. As querelas no seio das Obediências têm sobretudo que ver com admissões indevidas, com uma formação maçónica deficiente, com as vaidades humanas, com lutas de cariz profano pelo poder e também com a adopção de normas, práticas e procedimentos, sem qualquer dimensão iniciática, tantas vezes substituídos por contrafações importadas do mundo profano.
Em conclusão, a disputa verdadeiramente insanável no mundo maçónico continua a travar-se em torno do símbolo unificador da Maçonaria, isto é, do conceito de G.A.D.U. por razões que nada têm que ver com a maçonaria. Bastaria repor as Constituições de Anderson para restabelecer a Cadeia de União entre praticamente todos os maçons do Universo.
Afinal, pode perguntar-se: quem herdou a Tradição maçónica que saiu da Royal Society em 1717, baseada na visão liberal e integradora que presidiu à redação das Constituições de Anderson? Para ser mais claro: quem herdou as noções de Espiritualidade, de Sagrado, de Tradição e de Iniciação transmitidas pela Grande Loja de Londres e Westminster? 
Fica esta pergunta para ser respondida com Fraternidade e Tolerância.

António Justino Alves Ribeiro
Ex - Grão Mestre Adjunto do Grande Oriente Lusitano  (2005/2011)

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