terça-feira, 25 de junho de 2013

Meu Irmão, recebeste a Palavra

Meu irmão, recebeste a Palavra. O que a vida te escondeu, porque é a morte, revelou-to a morte, porque é a vida. 

Meu irmão, tudo neste mundo é símbolo e sonho - é símbolo tudo quanto temos, sonho tudo quanto desejamos. O universo inteiro, de que somos parte por castigo e erro, é uma alegoria cujo sentido hoje conheces visto que teus olhos, por fechados, estão abertos, e teus ouvidos, por oclusos, podem enfim ouvir.

Sabes já, meu irmão, visto que estás desperto que o sol é negro e a terra vazia; que o que amámos é o que desconhecemos, que o que sonhámos é o que conhecíamos.

Teu caminho agora é entre onde cessam os astros e a luz do sol não é lei nem dia. Que o Supremo Arquitecto dos Universos te dê a luz que te mostre a profundeza dos abismos e te permita não regressar senão para ser, quando houveres de o ser, nosso Irmão, nosso Juiz, e nosso Mestre; mas, se assim não for ainda, que a paz seja com o que tiveres que ser!

Ave atque vale, frater!

 

Fernando Pessoa 
3-9-1934 
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990. - 83

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Há três maneira de ensinar uma coisa a alguém

Há três maneiras de ensinar uma coisa a alguém: dizer-lhe essa coisa, provar-lhe essa coisa, sugerir-lhe essa coisa.

O primeiro processo é o processo dogmático; emprega-se legitimamente ao ensinar coisas sabidas e provadas a criaturas incapazes, por infância ou ignorância, de compreender as provas, se se apresentassem. Assim se ensina gramática às crianças ou aos pouco instruídos, sem entrar em explicações, que seriam inúteis e resultariam frustes, sobre os fundamentos lógicos ou filológicos da gramática.

O segundo processo é o processo filosófico; emprega-se legitimamente para transmitir a pessoas com plena formação mental certos ensinamentos, ou cientificamente assentes mas desconhecidos do discípulo, ou puramente teóricos e que portanto ele tem que compreender em seus fundamentos, para os poder criticar.

O terceiro processo é o processo simbólico; emprega-se legitimamente para transmitir a pessoas com plena formação mental ensinamentos que exigem a posse de qualidades mentais superiores ao simples raciocínio, e o símbolo é dado para que essa pessoa, recorrendo ao que nela haja de embrionário dessas qualidades, ao mesmo tempo as desenvolva em si e vá compreendendo, por esse mesmo desenvolvimento, o sentido do símbolo que lhe foi dado.

O primeiro processo dirige-se à memória e chama-se ensino; o segundo à inteligência e chama-se demonstração; o terceiro à intuição. A este terceiro processo chama-se iniciação. 

Fernando Pessoa
Pessoa por Conhecer - Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990. - 84.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Vedes, meu Irmão este pavimento mosaico

Vedes, meu Irmão, este pavimento mosaico; ele é a imagem daquele caos regular a que chamamos a Natureza. Nele, em quadrados regulares, iguais e opostos, se personifica, simbolizando-a, a estrutura contraditória do mundo — a noite e o dia, em todos os sentidos; a matéria e a força, em todos os modos; o corpo e a alma, em todas as formas. Isto que pisamos é o que somos; mas o que somos, quando o podemos pisar, não é mais que o que parecemos ser. O mal e o bem, em todos os intuitos; o humano e o divino, em todos os métodos.


Fernando Pessoa 





Pessoa por Conhecer — Textos para um Novo Mapa . Teresa Rita Lopes. Lisboa: Estampa, 1990: 82.