Pranchas




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Intervenção de António Arnaut na Homenagem Prestada na Sua Terra Natal - Penela



Saúdo-vos a todos e a cada um desta forma cordial, assim vos igualando na minha estima e apreço.
É meu dever, no termo deste almoço de confraternização, dirigir-vos breves palavras para os agradecimentos devidos, as explicações convenientes e para uma reflexão necessária.
Estou muito agradecido a todos: aos obreiros do Jornal Região do Castelo que tomaram a iniciativa deste convívio, à Câmara Municipal de Penela, que a patrocinou e a todos vós, amigos, companheiros e camaradas, que vieram de perto ou de longe para me manifestarem a vossa estima e me oferecerem o ouro da vossa amizade. Não esquecerei este momento alto da minha vida, porque considero a amizade uma verdadeira virtude cívica, tanto mais valiosa e reconfortante por vivermos um tempo sáfaro de afectos. Guardarei como um tesouro a memória e a honra da vossa presença, e o calor sincero que me transmitiram, que me vai ajudar a viver o tempo futuro, apesar das sombras que o habitam. 
Agradeço ainda aos que me dirigiram palavras de saudação e apreço, quer hoje aqui, de viva voz, quer através de textos publicados no suplemento do nosso jornal, coordenado pelo Joaquim Almeida, que muito me sensibilizaram e que um elementar dever de comovida gratidão me impõe referir: do Senhor Presidente da República, Professor Aníbal Cavaco Silva, não apenas pelas referencias generosas que me faz, mas pela valia humanista que reconhece ao Serviço Nacional de Saúde. “Graças a ele - escreve o nosso Presidente – milhares de vidas se ganharam, milhões de seres humanos beneficiaram de mais e melhores cuidados de saúde, em condições de justiça e igualdade”. E acrescento: “ a justiça representa, de facto, o pilar essencial do SNS”. Refiro também, com igual gratidão, os depoimentos de Mário Soares, Vasco Lourenço, António José Seguro, Fernando Lima, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano, Paulo Júlio, António Alves e Alfredo Curcialeiro, Presidente da Junta de Freguesia da Cumeeira. Agradeço finalmente aos que, com a sua arte, deram a este encontro um cunho cultural, a Kumituna, da Cumieira, aos que recitaram poemas meus, Carlos Carranca e Palmira Pedro, aos que me enviaram mensagens de saudação, António Costa, Maria de Belém, José Miguel Júdice e Costa Andrade, entre muitos outros, aos que trabalharam para que tantos amigos aqui se pudessem reunir e confraternizar. Muito obrigado a todos. A gratidão é também uma virtude cívica e eu sou um cidadão que procura não desmerecer da amizade que lhe é tributada. 
Depois de cumprir este dever elementar, quero dar-vos uma explicação por ter aceitado a vossa manifestação pública de apreço, a qual, acreditem, não se coaduna bem com a minha personalidade simples e despretensiosa. Primeiro recusei, mas a teimosia da Palmira Pedro venceu a minha modéstia. Tenho, contudo, uma atenuante: foi-me dito que seria um almoço de âmbito local, quase em família, entre conterrâneos. Fui sensível ao apelo da raiz e pensei que, sendo assim, era uma descortesia recusar. Equacionei a questão e conclui – perdoem a franqueza – que talvez merecesse este almoço festivo. Festivo porque partilhamos o pão, o vinho e a alegria de estarmos juntos. Nasci numa aldeia deste Concelho, amo a minha terra e a minha Pátria, fiz por elas tudo quanto pude, desempenhei honradamente cargos locais e nacionais e tive sempre na minha mente o bem do povo a que me orgulho de pertencer. Foi pelo povo, personificado na gente da minha aldeia e da minha freguesia, e por solidariedade ao seu atávico sofrimento, que me lancei na empresa da criação do Serviço Nacional de Saúde e me tenho empenhado na sua defesa, para que todos, independentemente da sua condição económica e social, tivessem acesso a um bem tão precioso e, ao menos, fossem iguais perante a doença, que era a maior calamidade que podia atingir os pobres, então indefesos e desprotegidos.

Mas o mais importante para mim não é o meu currículo profissional, político ou literário, os três caminhos onde gastei a minha vida e que aqui foram evidenciados por vários oradores. O que conta, verdadeiramente, quando já se vislumbra o fim da caminhada, é poder dizer-vos com total sinceridade, que tenho uma vida limpa e que, voluntariamente, nunca fiz mal a ninguém. Acrescento que sempre fiz aos outros o bem que pude, porque os considero o reverso do meu anverso, ou seja, parte da Humanidade, onde me integro e resumo. Sempre me assumi orgulhosamente homem do povo, filho e neto de pequenos proprietários rurais e artesãos. Posso garantir-vos, sem vaidade, que nunca traí a minha origem. Estive sempre, e continuarei a estar, ao lado dos fracos e oprimidos. Nunca me deixei seduzir pela ilusão das riquezas e pela vanglória do poder. Agi sempre de acordo com as minhas convicções: sou republicano, democrata, socialista e maçon, mas acima de tudo sou português e patriota. Por isso tenho lutado, desde a juventude, por uma sociedade mais livre, mais justa e fraterna, onde a riqueza de uns não seja obtida à custa da pobreza de outros, e onde todos tenham a mesma dignidade e a mesma capacidade de fruição dos direitos humanos fundamentais. Aprendi com Miguel Torga e Fernando Vale que é muito alto o preço de ser livre, autêntico e solidário num tempo onde campeia o servilismo, a hipocrisia e o egoísmo.  
Ponderando estas circunstâncias e pensando que os meus pais, a quem devo o que sou, por me terem ensinado o valor da honra e o sentido do dever, haveriam de gostar deste convívio, acedi à generosa iniciativa dos meus conterrâneos do Concelho de Penela, donde me chamam as vozes avoengas do sangue e da saudade da infância. 
Parafraseando Novalis e Saramago, e refletindo nas encruzilhadas da vida, concluo: ande o homem por onde andar, acabará sempre por voltar a casa, porque é o único lugar onde nos esperam. E agora aqui estou diante de vós, a disfarçar a minha comoção e a lembrar-me da primeira vez que vi as muralhas do Castelo por onde andaram D. Afonso Henriques e o Infante D. Pedro, senhor da vila, acompanhado dum tal Guilherme Arnaut, de quem herdei o nome. Fui chamado ao Delegado Escolar, que era também Presidente da Câmara, por qualquer irreverência à minha professora primária. Quase setenta anos depois volto a Penela, não para ser repreendido, mas para ser acarinhado, certamente porque os meus amigos apreciam a minha antiga e assumida rebeldia contra as injustiças e contra todas as formas de opressão e exploração do homem. 
O Luis Matias, filho como eu da Cumieira, onde ainda tenho casa, citou-me há dias num artigo do nosso Jornal. Porque aquele texto traduz a minha forma de encarar certas desigualdades, aqui o transcrevo: “Não me conformo com as pequenas injustiças. Aceito as grandes, porque são inevitáveis, como as catástrofes, e atestam a impotência dos deuses. Aquela criança descalça, apenas precisava de uns sapatos. Se tivesse nascido sem pés, não era tão grande a minha revolta…”

Permitam agora, para terminar, uma breve reflexão. Sirvo-me da ideia-mestra daquele texto para perguntar: por que há tantas injustiças, se algumas podiam facilmente ser evitadas ou atenuadas? O mundo produz o suficiente para alimentar a sua população e, contudo, morrem diariamente de fome 50.000 pessoas, nossos irmãos, dos quais 18.000 crianças. Portugal têm, reconhecidamente, dois milhões de pobres e outros dois milhões em risco de pobreza acelerada, e mais de um milhão de desempregados. Leio o desânimo, o medo e a fome no rosto amargurado de muitos com quem me cruzo na via dolorosa do quotidiano. O que podemos nós fazer para evitar que este drama se transforme em tragédia colectiva? Quando o sofrimento der lugar à indignação e esta transbordar em revolta, inundando as ruas finalmente despertas pelo clamor dos oprimidos, ainda haverá retorno? 
Falo para um assembleia de amigos de todas as sensibilidades políticas, e não quero melindrar ninguém nem perturbar o júbilo deste dia. Todos conhecem as minhas convicções e o respeito que tenho pelos que pensam diversamente. Sou de esquerda porque é o lado do coração, e é ele que me dói diante de tantas injustiças evitáveis, de tantas desigualdades gritantes, de tanta corrupção à solta e de tanto especulador impune, a lembrar os vampiros do José Afonso. Dói-me a alma por ver esta velha nação, de quase nove séculos, submetida ao jugo dos agiotas nacionais e internacionais, capturada por grandes e pequenos interesses e a caminhar insensatamente para o precipício. São muito poucos, como Mário Soares, que afirmam o seu protesto e denunciam o risco de um “retorno ao fascismo”, perante a falta de humanismo e de ética das Instituições Europeias (D.Notícias, 17/4/2012) e perante a iminente perda da nossa soberania e da nossa identidade. É claro que há sempre a esperança de um novo 1º de Dezembro e de outro 5 de Outubro, duas datas que a incultura de muitos quer banir do nosso calendário cívico. 
O Estado de Direito é o império da lei e não o império dos mercados. A acumulação capitalista, facilitada pela globalização, causou o empobrecimento dos trabalhadores. Os grandes grupos económico-financeiros arruinaram as pequenas e médias empresas que garantiam a maioria dos empregos. É urgente superar o neoliberalismo predador, dignificando e pagando justamente o trabalho, impedindo a apropriação indevida das mais-valias pelos que nada fazem e as remunerações obscenas que são uma afronta aos mais elementares princípios de justiça social. Não pode haver empresas onde administradores ganhem, ou melhor, recebam, 100 vezes mais do que muitos dos seus trabalhadores. É preciso caminhar para o “humanismo económico”, reconstruindo o Estado Social, pago por impostos progressivos e assente em quatro pilares fundamentais: habitação, educação, saúde e segurança social. 
Não precisamos de mais austeridade. Precisamos de mais seriedade na política. É inadiável democratizar os partidos, despartidarizar o Estado e moralizar a vida pública e empresarial. “Há demasiadas mãos sujas com a iniquidade, com a exploração dos fracos ou com as conjuras de interesses”, como afirmou na sua recente homilia pascal o Arcebispo de Braga, D. Jorge Ortiga (Público, 9/4/2012).

Não estou a esboçar uma nova teoria político-social. Estou a procurar conciliar Marx e Maritain, ou, dito de outro modo, estou a conjugar a teoria do lucro e a lei da pauperização crescente dos trabalhadores com o Sermão da Montanha ou das Bem-Aventuranças. Para banir o poder absoluto do dinheiro e a ditadura dos mercados, por forma a recuperar a dignidade e a soberania perdidas, sem esquecer que devemos ser parte activa na construção europeia e na defesa do seu modelo social. O que se impõe, como escreveu Almeida Santos no seu recente livro “Elogio da Política, da República e da Globalização”, é “uma nova síntese entre a liberdade e a igualdade” em que “o modelo individualista e liberal deixasse de exacerbar a liberdade em prejuízo da igualdade “. Até porque, como eu gosto de dizer, só há liberdade entre iguais. 
É claro que temos que pagar aos credores, embora, parafraseando Aristóteles, a dívida seja, quase sempre, resultado do roubo, porque decorrente da usura e do poder do dinheiro gerar dinheiro sem investimento produtivo, nem trabalho. Mas não podemos esquecer que o Estado tem outros credores mais legítimos – os seus cidadãos e contribuintes. De facto, todos somos credores do Estado pelos direitos arduamente conquistados: à saúde, à educação, ao trabalho, à reforma e às outras prestações sociais. Sabemos que Portugal vive, por erros próprios e contaminação da crise internacional, provocada pelos especuladores, um período de grandes dificuldades. Mas só haverá paz social se o sacrifício for equitativamente repartido por todos e não haja subterfúgios nem offshores por onde escapem as grandes fortunas e os magnatas da alta finança. 
Não me resigno a tantas injustiças. Estou contra a corrente, porque é o dever de quem sente e não mente. Não são as reconhecidas dificuldades orçamentais, mas a agiotagem, o compadrio, a submissão aos grandes grupos económicos e a falta de sensibilidade social que põem em causa a sustentabilidade do SNS e demais conquistas de Abril. 
O Estado Social é baseado na solidariedade, que consiste, primariamente, segundo a fórmula conhecida, em que todos se sintam responsáveis por todos. Para tanto, é preciso uma larga intervenção do Estado porque só ele nos representa a todos e pode, sem prejuízo da livre iniciativa, evitar que os fortes explorem os mais fracos, travar a pulsão devoradora do ultra-capitalismo, garantindo a justiça e a paz social. 
É preciso romper o cerco e reabilitar a velha trilogia – Liberdade, Igualdade, Fraternidade. É preciso fazer brilhar o Sol com que se escreve a palavra solidariedade: libertar o étimo perdido, que é também a raiz moral das palavras esperança e justiça. Para isso, os governantes devem ter como único objectivo o bem comum e guiar-se sempre pela gramática da ética e não pela pragmática dos interesses pessoais ou partidários. Só assim Portugal terá futuro. Confio nas novas gerações, aqui representadas pelo meu neto António Arnaut, e nos homens e mulheres de todas as idades que conservaram intacto o sonho da juventude.  
Desculpem se abusei da vossa paciência, mas pareceu-me oportuno deixar esta reflexão aos meus amigos que por caminhos diferentes, querem uma sociedade mais justa e um Portugal melhor. 
Agradeço comovidamente à minha família e a todos os que me honraram com a sua presença. Ao povo da minha terra entrego, em sinal de gratidão e à guarda da Biblioteca Municipal, a minha obra literária, aqui exposta, em trinta e três títulos, de poesia, ficção, ensaio e conferências. Estão dedicados e assinados por mim, com a data de hoje. A todos os amigos gostaria de oferecer, simbolicamente, uma flor. Mas vou antes dedicar-vos um poema desajeitado:

Ofereço-vos um poema em vez duma flor
em lembrança e gratidão: 
a flor murcha, o poema não 
se nele a palavra amor 
bater como bate o coração.

E assim vos reúno num abraço
à mesa redonda da fraternidade
para celebrar o futuro,
esse tempo solidário e sem redil
em que o Sol dissipará
as sombras que tecem a escuridão
e um pássaro cantará,
como no sonho de Abril,
o dia da libertação.

Penela, 21 de Abril de 2012 
António Arnaut - Past Grão Mestre Grande Oriente Lusitano - Maçonaria Portuguesa

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Discurso proferido em 5 de Outubro de 2001 por Eugénio de Oliveira, Grão-Mestre do Grande Oriente Lusitano - Maçonaria Portuguesa.

Tão actual...
Em tempos de actos terroristas e de ameaças à liberdade e à segurança de um mundo que ainda há pouco celebrava os cinquenta anos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, urge relembrar, ainda com mais força, vigor e convicção, a superioridade dos valores republicanos. E que valores são esses tão tragicamente expostos à barbárie assassina de bandos fundamentalistas, protegidos e apoiados por Estados confessionais e teocráticos?

A liberdade, sem dúvida e antes de mais. A liberdade de viver de acordo com as convicções de cada um. A liberdade de "poder fazer tudo o que não prejudica outrém", como singelamente proclamava o Artº II da Declaração de 1789. A liberdade por que tantos de nós nos batemos ao longo das nossas vidas e por que tantos outros morreram nos campos de batalha desse violento século XX. A liberdade que, para Antero de Quental, se não era tudo, era, pelo menos, "o primeiro passo para que tudo se alcance"
Mas, também, a igualdade dos cidadãos em direitos e deveres perante a lei, sem discriminações de qualquer espécie e, particularmente, de natureza social, étnica e religiosa. A igualdade, que é incompatível com os privilégios de nascimento e, por consequência, com a instituição monárquica. A igualdade, que repudia o racismo. A igualdade, que confere a todas as confissões religiosas os mesmo direitos e os mesmo deveres. A igualdade, sem a qual não há verdadeira liberdade, nem verdadeira justiça. 
Mas, também e ainda a fraternidade que nos desvenda o horizonte de uma natureza universal, acima das diferenças entre culturas, povos ou nações. A fraternidade que nos deve levar a execrar as xenofobias e a encarar os desafios do multiculturalismo e das migrações, com espírito aberto e tolerante, no respeito, porém e sempre, pela dimensão universal dos Direitos do Homem. 
Estes são os grandes valores éticos capazes de unir a Humanidade e que, por isso, vieram a ser traduzidos nas sucessivas Declarações de Direitos até à Carta das Nações Unidades em 1948. E estes são, igualmente, os valores que todos os totalitarismos, integrismos e fundamentalismos - religiosos ou ideológicos - abominam e procuram destruir por todos os meios ao seu alcance. 

Ao instrumentalizarem os Estados e a violência de bandos organizados de terroristas em agentes privilegiados para imporem as suas ideias, esses fundamentalismos retomam a mais retrógrada das tradições da história da humanidade - uma tradição de obscurantismo e cegueira, que o racionalismo das Luzes combateu com determinação e que a modernidade, julgávamos nós, estaria em vias de extirpar. 
Infelizmente, sabemos que esse combate entre as Luzes e as Trevas está longe de findar. Em maior ou menor grau, ei-lo que prossegue, que à escala planetária, envolvendo um grau de ameaças e perigos até há pouco dificilmente imagináveis, que a escalas mais modestas, sempre que presenciamos tentativas de recuperação de privilégios corporativos ou de condicionamento da acção do Estado democrático por poderes fátuos que lhe são exteriores. 

Como afirmava recentemente o Senhor Presidente da República, em mensagem enviada à Assembleia da República: "Importa igualmente, sobretudo num momento em que a razão deve prevalecer sobre as emoções, evitar a tentação de confundir o terrorismo internacional e o seu ódio fanático com uma região, com uma cultura ou com uma religião. Não é preciso ter uma memória histórica muito longa para reconhecer que o fanatismo e o fundamentalismo não são exclusivos de nenhuma região, de nenhuma cultura, de nenhuma religião. A tolerância, o respeito pelas minorias e pela diferença devem continuar a ser apanágio das sociedades abertas". 
Por isso, devemos estar atentos aos menores sinais de arrogância, que traduzam o apego a insuportáveis estatutos de privilégio e a visões teocráticas da sociedade. Por isso, devemos estar preparados para defender e aprofundar, a todo o momento, o princípio da laicidade, que representa o principal antídoto, no plano jurídico-institucional, contra a confusão fundamentalista entre o poder clerical e o poder político. 
Ao estabelecer uma clara distinção entre os valores comuns da esfera pública e os valores ou convicções particulares, que devem permanecer na esfera privada, a laicidade assegura a liberdade de consciência e o respeito por todas as crenças, impedindo o domínio de qualquer delas sobre as restantes, por mais maioritária que pretenda ser. Surge, por isso, como a garantia última da paz religiosa e da paz civil.

Não podemos, por conseguinte, concordar com uma lei da liberdade religiosa que acaba, na prática, por atribuir mais direitos a uma determinada confissão do que às outras, em função do seu carácter maioritário e do seu peso histórico. Trata-se de um atentado flagrante ao valor da igualdade de direitos, base matricial do Estado Republicano. O princípio das maiorias destina-se a regular o exercício do poder político e do poder civil, nunca o da relação entre o Estado e as igrejas e muito menos o da relação entre as próprias comunidades religiosas. Como também não podemos pactuar com a Concordata de 1940, filha de uma época de promiscuidade de interesses entre um Estado ditatorial e uma Igreja clerical. Foi nesta mesma época que a Santa Sé / "Estado do Vaticano" estabeleceu outras Concordatas com o governo nazi de Hitler, com o governo colaboracionista de Vichy e com os governos fascista de Mussolini e nacional-católico de Franco. 
Mais do que revista, a Concordata deve ser pura e simplesmente abolida, por não se conceber um acordo entre um Estado Democrático e um dos últimos Estados absolutistas do Mundo, o "Estado" do Vaticano, que teve origem, em 1929, no Tratado de Latrão assinado pela Santa Sé e pelo fascista Mussolini. 
Qualquer outra solução não deixará de representar um clamoroso entorse ao princípio da laicidade, que urge cada vez mais salvaguardar, como garantia da liberdade religiosa e da paz civil, que cumpre garantir no Estado Democrático gerado pela Revolução de Abril.

Um Estado em que as Escolas e Universidades públicas não têm verbas para fazer face aos seus encargos e o Instituto Superior Técnico está à beira da ruptura financeira; em que a Saúde se depara com múltiplos e graves problemas; em que as pensões de reforma se encontram degradadas e com futuro incerto; e que o Relatório sobre o Desenvolvimento Humano da ONU mostra ser o país menos desenvolvido da Europa, não pode, assim, este Estado, subsidiar a Universidade Católica e outros estabelecimentos de ensino da Igreja, nem isentar de qualquer imposto ou contribuição geral ou local a Igreja Católica e o seu clero. 
E a Igreja Católica, apesar disso ainda afirma ter sido espoliada no seu património pela República. Que memória tão curta que esquece o seu longo e trágico rol de espoliações exercido ao longo dos séculos! A tibieza de que os sucessivos governos vêm dando provas em relação às exigências da Igreja Católica não augura, porém, nada de bom. Oxalá o necessário sobressalto público, que os tempos exigem, em torno dos valores republicanos e laicos, comece a dar os seus frutos. 

Não podemos admitir, em caso algum, que, no Portugal de Abril e mais de noventa anos após a implantação da República, a Igreja Católica se venha arrogar o monopólio das consciências e da moral pública, como prenunciava uma recente nota pastoral dos bispos portugueses. Surpreendentemente, ou talvez não, à tibieza perante a Igreja Católica vêm os sucessivos governos contrapondo uma displicente atitude de menosprezo pelas Forças Armadas e de subalternização das questões da Defesa Nacional. A pretexto da contenção da despesa pública, o actual governo tem-se mostrado particularmente incapaz de redefinir, em devido tempo, o conceito estratégico da defesa, de forma a racionalizar, rapidamente, os recursos em homens e equipamentos das Forças Armadas. 
Paralelamente, o actual Governo não tendo sabido dar provas de público reconhecimento pelo elevado sentido de missão por que estas têm pautado a sua actuação, apesar das carências de toda a ordem que tanto as tem afectado.
Oxalá, também aqui, os alertas de uma ordem democrática ameaçada à escala planetária, tenham o condão de revalorizar o esteio do Estado republicano e laico que continuam a ser as suas Forças Armadas, com elevado sentido patriótico e empenhamento na defesa da soberania nacional e, na cooperação internacional, para preservar os grandes valores do Humanismo Universal. 

Republicanas e republicanos, cidadãs e cidadãos,
Fomos testemunhas, no dia 11 de Setembro, do mais violento e cobarde acto de terrorismo até hoje perpetrado. São principalmente os fundamentalismos religiosos, que sejam islâmicos, católicos, protestantes, ortodoxos ou quaisquer outros, que estão na origem destas guerras de terceiro tipo. Enquanto existirem fanatismos religiosos ou étnicos haverá alguém que se arrogue possuidor da verdade absoluta, haverá alguém que se arrogue o direito a qualquer acto, por mais violento e cruel que seja, para afirmar a sua supremacia, o seu poder.
A humanidade não terá paz enquanto os grandes princípios e valores do republicanismo laico não se implantarem firmemente, em todos os cantos do mundo. São esses princípios e valores que garantem a diversidade e o mútuo respeito entre todas as crenças e convicções, entre todos os homens e mulheres do universo.
São esses princípios e valores que poderão pôr fim aos desmandos de uma globalização sem freio, exclusivamente comandada por poderosos interesses financeiros sem rosto, que vêm agravando as desigualdades entre os povos.
São esses princípios e valores que poderão concorrer para extirpar as raízes da injustiça e do desespero, que alimentam ódios e fanatismos de toda a espécie. São esses princípios e valores que deverão levar à abolição dos Estados confessionais e teocráticos, que se erguem, hoje, como a principal ameaça à paz e aos direitos dos povos.
Orgulhosos dos princípios e valores que protagonizamos, proclamemos então bem alto a sua flagrante actualidade e indispensabilidade nos tempos conturbados que o planeta hoje vive! O Cinco de Outubro não é nem nunca foi para nós uma simples romagem de saudade e homenagem aos heróis de 1910. O Cinco de Outubro foi sempre, e terá de continuar a ser, um alerta para o combate a todas as tentativas de esmagamento dos valores republicanos, democráticos e laicos, venham elas de onde vierem.

Viva a República!
Viva a Democracia!
Viva o Estado Laico!
Viva Portugal!

1 comentário:

Mirna disse...

Eu gosto dos poemas, e eu acho que os poemas são melhores do que as flores porque nunca murcham. Meu marido escreve poemas desde que era jovem. Eu o encontrei uma vez quebrou meu pranchas. Eu fui a um lugar para corrigi-lo e lá vi pela primeira vez. No dia seguinte, fui até a prancha e ele me deu um poema. Eu mantê-lo intacto!