terça-feira, 25 de setembro de 2007

Aquilino e a Liberdade

Aquilino Ribeiro repousa finalmente no Panteão Nacional. Homenagem merecida, não deixou, apesar disso, de ostentar imerecida frieza: foi tudo muito “técnico”, muito “tecnocrático”, tendo sido esquecida a vertente social e de intervenção daquele foi o “escritor maldito” por parte do antigo regime, ou não tivesse sido a sua obra subtilmente subtraída ao estudo dos alunos nas escolas e nos liceus de então.

Soube a pouco. Faltou a componente que mais inspirou a obra de Aquilino: o povo. Faltou calor humano. Quase pareceu uma homenagem envergonhada. Parece que, de alguma forma, ainda está insidiosamente instalada na sociedade portuguesa um clima de medo. Parece que se teme beliscar as forças ocultas do obscurantismo, infelizmente ainda instaladas entre nós mas que Aquilino combateu com denodo, em prejuízo flagrante do seu próprio bem-estar, tendo preferido os exílios e o degredo a pactuar com essas mesmas forças.

Cabe-nos a nós, Maçons, homens livres e de bons costumes, depositar simbolicamente sobre o mausoléu de Aquilino a bandeira da liberdade pela qual nos batemos. E, ao cumprir esse desiderato, não estamos a fazer mais do que colocar-nos em sintonia com um homem que também se tornou conhecido por uma frase que tem tudo a ver com os princípios que regem a nossa Ordem Universal: “Para chegar a bom termo da viagem é preciso ser livres.”

Aquilino foi o primeiro presidente da Sociedade Portuguesa de Escritores. E mais uma vez, na cerimónia de homenagem aos cinquenta anos da sua obra, recomendou a adopção de uma atitude que também ela se adequa na perfeição aos procedimentos maçónicos: “Cultivar a inquietação como uma fonte de renovamento.”

Com efeito, a partir do momento da iniciação, é inevitável que o Maçon verdadeiramente vocacionado para o apostolado do Conhecimento não se sinta quase permanentemente inquieto por se municiar das alavancas que o conduzem simultaneamente mais alto e mais fundo nas sendas intermináveis desse mesmo Conhecimento.

E, por outro lado, como disse Aquilino, é essa inquietação, é esse Conhecimento que conduz os homens livres e de bons costumes para a permanente renovação, no sentido do melhoramento, de si próprio e da sociedade em que se insere.
Mas as coincidências não se quedam por aqui. Permaneçamos nesse episódio de elevado significado que foi a referida cerimónia de homenagem por ocasião da passagem do cinquentenário da produção literária de Aquilino. Na circunstância, a Sociedade Portuguesa de Escritores nomeou uma Comissão de Iniciativa para organizar o evento, de que sobressaiu, pelo seu empenhamento, entre outros insignes representantes das letras portuguesas, nem mais nem menos do que o nosso past-Grão-Mestre, o Sapientíssimo Irmão Raul Rêgo, mais tarde director do jornal “República”, que teve em Aquilino um dos principais colaboradores.
Mas eis-nos então chegados à parte mais significativa desta prancha. Referindo-se ao primeiro exílio de Aquilino, dele escreveu Jorge Reis as seguintes palavras, no mínimo intrigantes: “Turista sem cheta na bagagem, transportava, porém, um alforge de promessas de “irmãos” e “primos” que lhe haviam jurado, com os pés em esquadria, que nunca o deixariam comer o pão amargo do exílio. (…) Bastar-lhe-ia procurar a seu patrão da “Vanguarda” (jornal que se publicava em Paris e que afrontava o regime de D. Carlos), esse Hiram da Fraternidade Portuguesa, o qual, embora não tivesse levantado templo veramente lusitano no oriente parisino, mantinha loja aberta num restaurante dos Grands Boulevards reputado pelos ágapes que servia a uma iniciada clientela ciosa da verdade e famélica de luz”.

Face a este texto, confesso que não ouso fazer quaisquer tipos de afirmações. Mas não posso deixar de colocar algumas interrogações, elas também inquietantes como recomendava Aquilino:
1. Quem eram os “irmãos” que haviam jurado com os pés em esquadria?
2. Quem utiliza a designação específica de “irmãos” para designar os laços que unem os membros de uma colectividade?
3. Quem utiliza a posição de colocação dos pés em esquadria para fazer os juramentos?
4. Porquê a referência a um tal Hiram como aquele que liderava o agrupamento de homens de que Aquilino fazia parte em Paris?
5. Qual a razão da expressão “Hiram da Fraternidade Portuguesa”?
6. Qual a razão da expressão “não tivesse levantado templo”?
7. Quem são tidos, habitualmente, como construtores de templos, para mais sob a orientação desse tal “Hiram da Fraternidade Portuguesa”?
8. Qual a razão da expressão “oriente parisino”?
9. Quem costuma designar o Oriente como o local de implantação dos templos numa determinada cidade ou região?
10. Qual o significado da expressão “manter loja aberta”?
11. De quem se diz que “trabalha em Loja”?
12. Porquê a utilização da palavra “ágapes”?
13. Qual a organização que diz, na mais pura da sua ritualística, que os trabalhos prosseguem e terminam com um ágape fraternal?
14. Porquê a utilização do adjectivo “iniciada” para qualificar a clientela?
15. Qual é habitualmente conhecida a “iniciada clientela ciosa da verdade”?
16. Qual é habitualmente conhecida a “iniciada clientela famélica de luz”?

As interrogações que acabo de formular não revestem qualquer atitude especulativa. Elas são baseadas em factos concretos, vividos e testemunhados. Não passam de interrogações. Quem tiver conhecimento e atrevimento bastante, que as aprofunde se com elas se tiver sentido aquilinamente inquietado.

Apenas um pormenor mais, que, provavelmente, não passará de mera coincidência, à semelhança das questões que acabo de abordar. O último dos companheiros de Aquilino foi Mestre Zé, imortalizado nas obras do escritor, que lhe atribuiu qualidades de força e vigor para enfrentar as autoridades repressivas do regime de então e que o qualificou de responsável e solidário perante os interesses da comunidade. Pois. Tudo isto talvez com significado irrelevante, não tivesse sido Mestre Zé um hábil pedreiro, ou melhor, um conhecedor artesão da pedra.

Por último, apenas peço que me seja permitido terminar com um texto provocatório. Ele aí vai.

Eu vos juro, meus Irmãos, com os pés em esquadria, que continuo a perseguir a sabedoria de Hiram no seio desta Fraternidade Portuguesa, a qual levantou este templo veramente lusitano no Oriente lisboeta, mantendo Loja aberta a uma iniciada clientela ciosa da Verdade e famélica de Luz.

Autor: Álvaro

1 comentário:

Anónimo disse...

Uma excelente prancha, ao melhor nível.

TFA

Sheikh (Comp.'.M.'.)