terça-feira, 1 de maio de 2007

Vitrúvio

Já se tem falado do séc. XX como de uma nova idade das trevas. Ao obscurantismo dogmático religioso medievo corresponderia o obscurantismo dogmático científico pelo qual tudo o que não tivesse cabal leitura científica não seria verdadeiro. Todos sabemos das grandezas e limitações da ciência, e que o que é verdade hoje pode não sê-lo amanhã, a própria formulação do principio de Heisenberg, prémio Nobel da física e um dos fundadores da mecânica quântica estabelece a incerteza ao afirmar que não é possível medir simultaneamente a posição e velocidade de um objecto quântico. Hoje como no passado o problema são as manipulações que se fazem a pretexto de um qualquer ideal e a visão redutora de se tomar a parte pelo todo. À desconsideração pela ciência veio opor-se a desconsideração pelo espiritual esquecendo que só no encontro do ser espiritual com o ser material se pode encontrar o equilíbrio.
Neste sentido é com satisfação e esperança que vejo um novo interesse pelas obras clássicas. Têm vindo a ser editadas obras cujas traduções nos honram pela consideração internacional que têm vindo a merecer e pelo acesso a fontes que nos têm vindo a proporcionar. Falo da Divina Comedia traduzida por Vasco Graça Moura, da Ilíada e Odisseia traduzidas por Frederico Lourenço, mas também das notáveis edições de Vitrúvio, tradução do original latino por Justino Maciel, e da tão esperada por nós tradução de ”As Constituições dos Franco Maçons” de James Anderson por Salvato Telles de Menezes.

“Utilitas, Firmitas, Venustas” são os três princípios enunciados por Vitrúvio como base para o primeiro tratado de arquitectura, os “Decem Libri” livro fundacional e sempre copiado.
Lembremo-nos que desde os Gregos o número três é o número associado à ciência, porquê? Porque o três é o número resultante da soma das duas proposições com a conclusão, princípio da lógica, ou misticamente a resolução da dualidade pelo seu equilíbrio, também o triângulo é a primeira das formas geométricas planas (que antecede o quadrado ou como o número está para o que se segue, as pirâmides egípcias não são tetraedros mas sim pirâmides de base quadrangular o que faz com tenham ainda cinco vértices ou faces).
Em maçonaria três são as colunas do Templo, (ou quatro...) ou indo às origens, na Bíblia as personagens ligadas à construção do Templo de Salomão personificariam as três colunas, Hiran Habif seria a Beleza, enquanto Hiran, rei de Tiro, seria a Força, e Salomão a Sabedoria (segundo notas de Salvato Menezes).
Vitrúvio não só foi referencial para todos os tratadistas desde o renascimento até ao neoclassicismo (quem não reconhece a interpretação feita por Leonardo das medidas Vitruvianas do homem) como esteve na base da renovação da arquitectura moderna iniciada em Paris e depois consagrada na “Carta de Atenas”.

Mas já agora o que sabemos de Vitrúvio? Pouco e essencialmente pelos seus próprios escritos nos preâmbulos dos dez livros, de resto não há certeza do seu nome completo Marco Vitrúvio Polião, que provavelmente se deve a confusões com outros Vitrúvios, já que só aparecem referidos em textos a partir do séc. XV. A redacção da obra terá acontecido entre 35 e 25 a.C. podendo a entrega ao Imperador Octávio César Augusto ter decorrido por volta de 20 a.C., tudo isto se depreende da leitura da própria obra que poderá não ter sido toda escrita ao mesmo tempo. Sabemos que terá estado ao serviço de Júlio César nas suas campanhas e seria protegido de Octávia irmã do Imperador. Os sete primeiros livros tratam da Arquitectura propriamente dita aos quais terá juntado mais três sobre Hidráulica, Astronomia e Mecânica para obter o número ideal Pitagórico de dez.
Mas citemos o próprio Vitrúvio. “O princípio da solidez estará presente quando for feita a escavação dos fundamentos até ao chão firme e se escolherem diligentemente e sem avareza as necessárias quantidades de materiais. O da funcionalidade, por sua vez, será conseguido se for bem realizada e sem qualquer impedimento a adequação do uso dos solos, assim como uma repartição apropriada e adaptada ao tipo de exposição solar de cada um dos géneros. Finalmente, o princípio da beleza atingir-se-á quando o aspecto da obra for agradável e elegante e as medidas das partes corresponderem a uma equilibrada lógica de comensurabilidade.”

Vitrúvio foi também o nome simbólico do irmão Joaquim Possidónio Narciso da Silva arquitecto e arqueólogo, fundador do Museu Arqueológico do Carmo, iniciado entre 1838 e 1842 numa das lojas Regeneração de Lisboa, do Grande Oriente Irlandês tendo vindo a ser Grão-Mestre desta obediência entre 1851 e 1853.

Para terminar, como comecei, com livros, homenagem a Bocage e Ovídio. Quem não se deleitou com a sua tradução das Metarmofoses, infelizmente interrompida por motivos de saúde, tão mais poética mas menos exacta que a finalmente tão esperada, se bem que ainda incompleta tradução, de Francisco Lucas (está para sair o segundo volume).

É que uma civilização que esquece o passado é uma civilização que hipoteca o futuro.

Autor: Éolo

2 comentários:

Anónimo disse...

Foi uma agradável surpresa descobrir quem foi Vitrúvio e a sua surpreendente importância.
Parabéns.

Sheikh

Prometeu disse...

Texto de enorme beleza...