Quando me foi pedido para indicar o nome simbólico, não hesitei um segundo a referir o nome de “Fernando Valle”, pretendendo assim prestar homenagem ao Homem, ao Humanista e ao Médico, que foi o Dr. Fernando, esperando também que com a vossa ajuda seja sempre digno de pronunciar o seu nome. Conheci o Dr. Fernando do Valle, no final da tarde do dia 08 de Junho de 1954, quando assistiu ao meu difícil nascimento no Hospital de Arganil, na altura Hospital Condessa das Canas. O parto não correu bem, nasci antes de tempo e a minha mãe esteve ás portas da morte. Após o parto, o meu pai que se encontrava no Hospital, sentado num corredor, foi chamado de urgência ao gabinete do médico. O Dr. Fernando, entrega-lhe uma receita e ordena-lhe: “Vai de imediato à farmácia e traz-me este medicamento”. O meu pai triste, olha para ele e diz-lhe: “Senhor Doutor, não trago dinheiro comigo”. Este responde-lhe: “Ó homem não te falei em dinheiro, diz ao farmacêutico que fui eu que mandei, não te preocupes com o pagamento, ou queres que a tua mulher morra”.
Este foi o primeiro episódio que eu, ainda muito novo, ouvia o meu pai contar, sempre com grande emoção, e, por vezes, com os olhos rasos de lágrimas, relatando aquela época difícil, até mesmo de miséria. Hoje, quando passo junto da casa do Dr. Fernando em direcção á minha terra, vem-me à memória a gratidão sentida que o meu falecido pai lhe tinha. O tempo foi passando, contudo a gratidão nunca foi esquecida, nem o Dr. Fernando se esqueceu de nós, pois, quando a minha mãe o visitava ou o consultava, perguntava-lhe sempre: como está o nosso rapaz?
Certo dia o meu pai foi ter com o Dr. Fernando a fim de este lhe passar um atestado para eu poder entrar na escola primária antes dos sete anos de idade, (era obrigatório na altura). Olhou para o meu pai com aquele sorriso característico dele e pergunta: “como vai o nosso rapaz ?”. E seguidamente, um pouco triste, diz-lhe: “Não te posso passar o atestado pois é competência do Delegado de Saúde de Arganil”, contudo acrescentou: Vai ter com o Dr. Batista para te passar o atestado. Não lhe digas que falaste comigo. O atestado custa 40 escudos. Precisas de dinheiro?. Os anos foram passando, contudo os meus pais nunca deixaram de o visitar ou consultar, com excepção de algumas vezes não o poderem contactar por motivos publicamente conhecidos. Estava eu a cumprir o serviço militar em Coimbra, tinha conseguido uma boleia num camião da fábrica de cerâmica de Coja, de Coimbra para aquela localidade, quando desci do camião junto ao Café Central, vi o Dr. Fernando sentado a uma mesa. Dirigi-me a ele para o cumprimentar. Ele olha para mim e diz-me: “Eu conheço-te?” Quando lhe digo que era de Vila Cova e tinha muito prazer em cumprimentá-lo, diz: “És o filho da Normélia”; rindo para mim com aquele sorriso quase angélico que o caracterizava, acrescenta: “Como vais rapaz ?. Sabes: ainda hoje me pergunto como é que vocês não morreram naquele hospital”.
A primeira vez que ouvi falar que o Dr. Fernando era maçon, tinha eu cerca de nove ou dez anos de idade, através de um episódio que passo a citar: Certo dia o meu falecido pai, na época das colheitas, andava a malhar centeio na eira e eu acompanhava-o naquela tarefa, fazia muito pó e eu apanhei uma infecção num dos olhos, como não passava e tinha muitas dores, fui levado pelo meu pai, a Coja, a casa do Dr. Fernando, aí, ele colocou-me umas gotas nos olhos e mandou-o levar-me novamente dois dias depois, a sua casa, pois estava á espera de uma pomada vinda de Coimbra, de nome “terramicina”, a qual “fazia milagres”, como na altura a título de graça o referiu. Passado um tempo o meu pai foi intimado pela GNR de Arganil para se apresentar em Coimbra na PIDE/DGS. Chegado aí foi confrontado com as seguintes perguntas: “O que tinha ido fazer a casa do Dr. Fernando duas vezes numa semana, pois achavam não ser normal. Se tinha um filho doente por que não se dirigiu ao hospital. E ainda se o meu pai pertencia a alguma sociedade secreta conhecida por maçonaria”. Era muito novo mas lembra-me o meu pai comentar com a minha mãe, relativamente a este episódio, o seguinte: “Porque não deixam o homem em paz?, “Eu sei lá de sociedades secretas, se é maçon ou não”. Não sei o que isso é. Que pertence à seita do Dr. Moura Pinto. Dizem que têm um pacto com o diabo e que matam pessoas, como é possível, se te salvou a ti e ao nosso filho”?. Os anos foram decorrendo, houve a Revolução de Abril, vim para a capital, mas muitas vezes me lembrava deste e outros episódios, procurei livros sobre a maçonaria, fui lendo e durante muitos anos uma grande vontade de fazer parte desta Ordem Maçónica. Fiquei também a saber que o Dr. Fernando era o maçon mais velho do mundo, pois foi iniciado aos vinte anos, tendo falecido aos cento e quatro anos de idade.
São alguns dos muitos episódios que me marcaram relativamente a este Grande Homem que foi o Dr. Fernando Valle. Não é por um sentimento de culto á sua personalidade, mas sim motivado pela grande gratidão que a minha família sempre teve para com ele, bem como os seus valores demonstrados e reconhecidos em toda a região de Arganil e no país, valores como a solidariedade, a fraternidade, igualdade e a justiça social, pelos quais sempre se debateu, tendo assim razão suficiente para adoptar o seu nome como meu nome simbólico.
Um trabalho simples e um Homem Simples!
Autor: Fernando Valle
2 comentários:
O Dr. Fernando Valle foi e é uma referência para muita gente, maçons e não maçons, cuja distribuição geográfica se estende muito além de Côja, onde se mantém vivo na memória de muita gente que olha no rio Alva, o reflexo da casa que foi e é a dele.
Falar do Nosso Irmão Fernando Vale,é dificil mas gratificante...Um enorme Exemplo de V
ida a seguir...
Gil
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