sábado, 27 de dezembro de 2008

São João Evangelista a Face de Futuro de Janus

Segundo o calendário litúrgico, no dia 27 de Dezembro é evocada a passagem pela Terra de João, apóstolo de Jesus e autor de um dos evangelhos que contam a vida e morte do profeta palestino. Além do texto evangélico, é a João que se atribui a autoria de um dos textos mais profundos, simbólicos, metafóricos e proféticos de sempre: «O Livro da Revelação» ou «Apocalipse».
De resto, o evangelho segundo João não é um texto menos encriptado e esotérico. Pleno de uma poesia extrema, as suas alegorias são sempre envoltas num mistério desarmante tornando mesmo a sua leitura quase incompreensível quando não lida com os olhos do coração e apenas com o intelecto. Dele se dizia ser o discípulo amado de Jesus e, de facto, ao percorrermos as linhas dos textos que de João chegaram aos nossos dias, facilmente somos encantados com as suas demonstrações de um intenso Amor Universal.

Para a Maçonaria e para os Maçons a tradição revelou João Baptista e João Evangelista como duas das suas grandes referências. Profundamente ligado às celebrações do Solstício de Inverno do paganismo ocidental – mais tarde convertido nas comemorações do Natal de Jesus – João Evangelista é frequentemente chamado São João de Inverno. Se, por analogia, os conectarmos à iconografia de Janus, João Evangelista está à direita olhando o futuro, corajosamente e sem baixar os olhos, enquanto João Baptista, à esquerda neste rosto de duas faces, olha o passado, o verão, a experiência. Os dois completando-se entre passado e futuro, num simples olhar situam-nos no presente. A vida, aqui e agora. E esse é um dos fundamentais alicerces do simbolismo maçónico posto em prática: cada dia é um dia, cada hora uma hora, cada segundo um segundo e em cada um desses momentos está nas nossas mãos desbastar a pedra bruta para que o presente seja o resultado da construção, ética, moral e social de cada livre-pedreiro, que ao bater na justa proporção com o malho e cinzel almeja chegar à flecha da catedral e aí ver, por fim a Luz. A Liberdade última. Ao desbastar a primeira pedra disforme o pedreiro sabe que não será ele a concretizar o fechar das abóbadas da catedral, mas confia que unidos numa cadeia sem traço de mácula, outros virão e não deixarão o trabalho por incompleto.

Essa é a mensagem maior de João. Ele olha de frente para o escuro do Inverno, para as sombras que o rodeiam, para o sofrimento que o rodeia mas, baseado na experiência vinda da observação do passado (simbolizada pela outra face de Janus) ele pratica um quotidiano – o presente – onde, mesmo na obscuridade mais profunda a luz brilha, nem que seja numa pequena candeia.
Na realidade não há distinção entre Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa (salvo os dados históricos que separam os construtores ancestrais de templos e aqueles que seguem hoje os seus símbolos de forma gradual: iniciática. Todos nos podemos converter em Maçons Operativos. Basta que, nestes dias de invernia e desalento que o clima nos traz, olhemos, como João/Janus, em frente e sem baixar os olhos. Basta que acendamos a Luz do Oriente, a Luz de uma pequena candeia que nos guiará à próxima primavera. Ao símbolo e à prática de um Verão que está para vir. Assim nos diz a experiência desse rosto à esquerda que alicerçado na experiência do passado traz o testemunho de que sobre nós, no céu, brilharão sempre as duas supremas luminárias: o Sol e a Lua.

Autor: Hugo Pratt

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

In memoriam José Joaquim Pascoal Gomes

No quadro, da evocação da memória do José Joaquim Pascoal Gomes, quero associar-me a tão justificada homenagem e, traçar esta singela mas sentida evocação.
Conheci o Pascoal Gomes na infância, pois era amigo dos meus pais, e a sua influência foi tal que adoptei o nome simbólico, de Pascoal Gomes.
Durante a minha adolescência, marcada por incessantes conflitos familiares, foi frequentemente o meu “advogado de defesa”, tendo sempre manifestado uma cúmplice tolerância e uma grande compreensão perante os excessos e exageros a que uma revolta mais sentida do que pensada frequentemente me conduziu.
Abril chegou e, por entre afazeres e responsabilidades múltiplas, conseguiu sempre preservar a nossa relação, que intensificou ainda, depois da morte de meu pai: ele e sua esposa Maria Teresa passaram a ser os mais próximos amigos de minha mãe – e assim se mantiveram até ao fim.
Os caprichos da vida trouxeram-me para Paris, onde durante mais de duas décadas ele veio regularmente forjar armas para combater o polvo que o tinha enlaçado: fui a testemunha privilegiada do titânico combate que, com o amor, o desvelo e a total solidariedade da Maria Teresa, travou contra a besta. E que venceu, depois de ter assistido às obsequias de Salazar e de Franco, o Pascoal Gomes condenado aos 50 anos, faleceu com quase 80, levado por doença distinta do cancro linfático que o queria vitimar.

Todos conhecemos o percurso exemplar do antifascista, que o levou aos calabouços da PIDE. Todos estamos cientes da rota Maçónica que seguiu, atravessando décadas de clandestinidade, transformando a sua casa, ele, o ex-preso político, em sede de reunião e arquivo do Grémio Lusitano. Todos conhecemos o papel inestimável que desempenhou, na preservação da memória e das instituições Maçónicas e Para-Maçónicas de Portugal.
Não é minha intenção transformar esta curta evocação numa “apologia da vida exemplar de São Pascoal Gomes”: o Zé Pascoal não era santo nenhum, e as velas que aqui ardem são as chamas da Luz. Tinha uma personalidade complexa e, até, polémica: era um homem de convicção, inteiro e impulsivo, que não recuava perante um confronto. Exigente consigo próprio e detestando a complacência, não era homem de compromissos: para falar maçónicamente, era uma Pedra de denso minério, talhada a direito pela percussão repetida do Malhete da Razão sobre o Cinzel da Vontade, com ângulos rectos, ásperos e rugosos.
Todos conhecemos episódios em que ele se exaltou, tendo nalguns casos chegado a ser acintoso e, mesmo, injusto: era um Maçom formado pelos nossos antepassados da Primeira República, que não praticavam compromissos, e nunca foi “politicamente correcto”.

Quero testemunhar da existência de uma outra faceta, apenas conhecida dos seus íntimos: a contínua vigilância e a inquietação que o assolava quando alguém atravessava dificuldades. Posso, podemos, assegurar que o Pascoal Gomes ajudou, intercedeu e até apoiou financeiramente todos os carentes, inclusive aqueles com quem estava zangado, graças à fraternal intersecção de terceiros.
Recordo-me de um caso concreto, em que indirectamente auxiliou um Irmão com quem tinha deixado de falar há vários anos, comentando, perante a minha perplexidade, que a eventual diferença das mães em nada altera a obrigação de Fraternidade: diga-se em abono da verdade e respeitando-lhe a memória, que a formulação era mais abrupta, mas a ideia era esta!

Lembremo-nos de que foi o antifascista e socialista histórico, o homem das tomadas de posição abruptas, das rupturas assumidas e das intervenções acutilantes, que decisivamente contribuiu para que muitos regressassem ao Grémio Lusitano, restabelecendo assim a pluralidade das sensibilidades que deve caracterizar uma Obediência.
Essa mesma Fraternidade levou-o a passar sob silêncio episódios menos gloriosos de certos membros, durante o anterior regime e, principalmente, após a queda deste.
Daí um certo desencanto, característico de quem, em situação de grande desconforto, sonhou com um mundo melhor e com uma Maçonaria composta por homens perfeitos. Ele sabia não o ser, mas nunca aceitou que nós também não o fossemos.
O nosso Pascoal Gomes foi um Pedreiro-Livre da clandestinidade, iniciado por membros que privilegiavam o “ser” ao “parecer”, para os quais o critério de ingresso era a excelência do Homem e não o seu estatuto social, a sua escolaridade, ou a sua fluência discursiva. Era um homem de acção e não um retórico, cuja perspicácia foi frequentemente subestimada entre estas paredes, por ouvidos que confundem palavreado e a Palavra do Mestre, escutar e entender. Curiosamente, nos últimos anos, as suas tomadas de posição Maçónicas tinham mais impacto em Paris, não obstante não falar o francês, do que em Lisboa.
Acontece que foi pela mão do nosso Pascoal Gomes que fui iniciado há mais de vinte anos no e foi sob a sua insistência que me disponibilizei para ocupar o cargo de Garante de Amizade.

Foi este o homem que perdemos, mas é esta a Luz que nos ilumina. E tu, Meu Querido Zé, se afinal nos enganámos e sempre houver um Deus qualquer, não te prives de Lhe dizer o que pensas da injustiça, da miséria e do sofrimento, das trevas, em que mantém este mundo mergulhado.

Choremos, Choremos….e Esperemos !

Autor: Pascoal Gomes

sábado, 13 de dezembro de 2008

O Centenário do Grémio Estrela D’Alva

No passado dia 13 de Dezembro de 2008 comemorou-se o Centenário do Grémio Estrela
D’Alva, culminando uma série de iniciativas que visaram marcar o ano, ora corrente, com aquela efeméride.
As celebrações iniciaram-se naquele dia, às 15:00h, com a inauguração do Gabinete de Cuidados de Saúde e Bem-Estar nas instalações do palácio do Grémio Lusitano, a que foi decidido atribuir o nome José Pascoal Gomes, procurando com isto, relembrar aquele membro e a forma indelével de todos os que nele encontraram o reflexo de conduta sob os ideais com que sempre pautou a sua vida. Assim, as mãos do Presidente do Grémio Lusitano, da nossa muito estimada Teresa Pascoal Gomes viúva do nosso amado homemageado e do Presidente do Grémio Estrela D’Alva, o avental de aprendiz deixou a descoberto a placa onde se registou o momento e o nome atribuído àquele novo órgão de serviço social destinado a todos que nele queiram ajudar os demais e aos que nele procurem ajuda. Ali, passou a estar disponível também, equipamento destinado a primeiros socorros, oferta dos membros do Grémio Estrela D’Alva, que para o efeito reuniram esforços.
Às 16:00h, num Templo do Palácio, deu-se início a sessão, sob o tema “Conhecer a Loja e a Maçonaria”, na qual, entre os vários momentos alusivos ao momento, o silêncio e os corações dos presentes uniram-se na emoção, durante a chamada pelos membros ausentes por terem falecido, mas que nem por isso, deixam de ser uma recordação constante de quem lhes prosseguiu a obra. Entre as intervenções que tiveram lugar, recebeu a do Prof. Dr. João Alves Dias subordinada ao tema da sessão, particular interesse por parte dos presentes e convidados, que alí puderam ouvir resposta a questões que habitualmente se colocam sobra a Maçonaria, avivadas sobretudo pela acção discreta que caracteriza os Maçons. Após a distribuição de placa comemorativa aos Dignitários presentes, em particular aos de outros Grémios e Instituições que ali se fizeram representar e a oferta de flores a todos os presentes, a sessão foi encerrada pelo Prof. Dr. António Reis.
Às 18:00h realizou-se a visita guiada ao Museu Maçónico, conduzida à voz do seu director, o Prof. Dr. António Lopes.
Pelas 21:00h, teve início o banquete fraternal, onde os membros e demais convidados tiveram a oportunidade de confraternizar, numa celebração abrilhantada pelo momento musical, ao som de trechos tocados à guitarra portuguesa, acompanhada à viola.
Foi decerto uma celebração, de que estão de parabéns, todos os maçons, por nela constatarem o quão perene é a obra maçónica por anos e séculos.

Autor: Grémio Estrela D'Alva