Segundo o calendário litúrgico, no dia 27 de Dezembro é evocada a passagem pela Terra de João, apóstolo de Jesus e autor de um dos evangelhos que contam a vida e morte do profeta palestino. Além do texto evangélico, é a João que se atribui a autoria de um dos textos mais profundos, simbólicos, metafóricos e proféticos de sempre: «O Livro da Revelação» ou «Apocalipse».
De resto, o evangelho segundo João não é um texto menos encriptado e esotérico. Pleno de uma poesia extrema, as suas alegorias são sempre envoltas num mistério desarmante tornando mesmo a sua leitura quase incompreensível quando não lida com os olhos do coração e apenas com o intelecto. Dele se dizia ser o discípulo amado de Jesus e, de facto, ao percorrermos as linhas dos textos que de João chegaram aos nossos dias, facilmente somos encantados com as suas demonstrações de um intenso Amor Universal.
Para a Maçonaria e para os Maçons a tradição revelou João Baptista e João Evangelista como duas das suas grandes referências. Profundamente ligado às celebrações do Solstício de Inverno do paganismo ocidental – mais tarde convertido nas comemorações do Natal de Jesus – João Evangelista é frequentemente chamado São João de Inverno. Se, por analogia, os conectarmos à iconografia de Janus, João Evangelista está à direita olhando o futuro, corajosamente e sem baixar os olhos, enquanto João Baptista, à esquerda neste rosto de duas faces, olha o passado, o verão, a experiência. Os dois completando-se entre passado e futuro, num simples olhar situam-nos no presente. A vida, aqui e agora. E esse é um dos fundamentais alicerces do simbolismo maçónico posto em prática: cada dia é um dia, cada hora uma hora, cada segundo um segundo e em cada um desses momentos está nas nossas mãos desbastar a pedra bruta para que o presente seja o resultado da construção, ética, moral e social de cada livre-pedreiro, que ao bater na justa proporção com o malho e cinzel almeja chegar à flecha da catedral e aí ver, por fim a Luz. A Liberdade última. Ao desbastar a primeira pedra disforme o pedreiro sabe que não será ele a concretizar o fechar das abóbadas da catedral, mas confia que unidos numa cadeia sem traço de mácula, outros virão e não deixarão o trabalho por incompleto.
Essa é a mensagem maior de João. Ele olha de frente para o escuro do Inverno, para as sombras que o rodeiam, para o sofrimento que o rodeia mas, baseado na experiência vinda da observação do passado (simbolizada pela outra face de Janus) ele pratica um quotidiano – o presente – onde, mesmo na obscuridade mais profunda a luz brilha, nem que seja numa pequena candeia.
Na realidade não há distinção entre Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa (salvo os dados históricos que separam os construtores ancestrais de templos e aqueles que seguem hoje os seus símbolos de forma gradual: iniciática. Todos nos podemos converter em Maçons Operativos. Basta que, nestes dias de invernia e desalento que o clima nos traz, olhemos, como João/Janus, em frente e sem baixar os olhos. Basta que acendamos a Luz do Oriente, a Luz de uma pequena candeia que nos guiará à próxima primavera. Ao símbolo e à prática de um Verão que está para vir. Assim nos diz a experiência desse rosto à esquerda que alicerçado na experiência do passado traz o testemunho de que sobre nós, no céu, brilharão sempre as duas supremas luminárias: o Sol e a Lua.
Autor: Hugo Pratt
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