terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Grande Arquitecto do Universo

Quando se pretende assimilar plenamente o espírito maçónico é necessário conhecer cada um dos símbolos usados pela Maçonaria e meditar sobre eles. De todos esses símbolos, o Grande Arquitecto do Universo (GADU) é não só um dos mais importantes como um dos mais difíceis e delicados de abordar, pois, mais do que qualquer outro, interfere com aspectos do foro íntimo das pessoas, ou seja, com as suas crenças.
Na minha opinião as dificuldades de um tema não nos devem fazer fugir dele e menos ainda nos devem levar a esconder a cabeça na areia. Pelo contrário, tornam de primordial importância ponderá-lo serena e cuidadosamente. Julgo que, no caso do GADU será mesmo uma excelente forma de avaliarmos a nossa capacidade de diálogo e tolerância, virtudes que os maçons devem cultivar.
A avaliar pelos trabalhos que tenho lido, sejam eles de maior ou menor profundidade, a análise directa do tema é em geral evitada, mas é por demais evidente que o conceito não é igual para todos os maçons. De facto, é frequente encontrar trabalhos onde são dirigidas preces mais ou menos fervorosas ao GADU (nalguns casos expressamente a Deus). Mas também não é raro encontrar trabalhos onde são feitas apenas referências genéricas, do género «à glória do GADU», ou até em que não lhe é feita qualquer alusão.
Por outras palavras, parece-me que, independentemente de se referirem ou não ao GADU nas seus trabalhos, a maioria dos maçons evita fazer uma análise frontal sobre o significado da expressão.
Ao procurar textos dedicados ao tema encontrei de tudo um pouco. Por exemplo, no Dicionário de Termos Maçónicos de José Castellani, essa entrada nem sequer existe; já no “dicionário maçónico” um trabalho anónimo com grafia típica do Brasil e que me foi oferecido na altura da minha Iniciação, o GADU é definido como «Título da Divindade Suprema em todos os Ritos e Sistemas maçónicos de todo o mundo, significado de DEUS, o criador de todas as coisas».
Há contudo quem apresente perspectivas muito diferentes e certamente mais abrangentes. É o caso do Irmão José Martins Jurado no seu livro Introdução ao Rito Adonhiramita e que passo a citar também textualmente: «O G.A.D.U. não é senão uma fórmula, quase um símbolo, quase uma frase. Uma ideia para que cada ser aprove uma medida de sua inteligência, de sua concepção deísta, ou puramente literária, ou intui­tiva; por isso não a definimos. Tanto é assim que G.A.D.U. pode ser uma ideia, um princípio. Para uns, a Revolução. Para outros, a Evolução. Para todos, a encarnação do próprio pensamento de cada um, sem forma nem figura; sem culto nem adoração; sem amor nem te­mor; sem esperança nem dissolução.»
Também o Irmão René Guenon se refere ao assunto dizendo: «O Grande Arquitecto do Universo constitui unicamente um símbolo iniciático, que se deve tratar como todos os outros símbolos, e do qual se deve acima de tudo procurar criar uma ideia racional; ou seja, que esta concepção nada pode ter em comum com o Deus das religiões antropomórficas, que é não só irracional, mas inclusivamente anti-racional. No entanto, se pensarmos que cada um pode dar a este símbolo o significado da sua própria concepção filosófica ou metafísica, estamos longe de o associar a uma ideia tão vaga e sem significado como "o Incognoscível" de Herbert Spencer, ou, noutros termos, ao "que a ciência não pode alcançar"; e também é certo que, como diz com razão o Irmão Nergal, "se ninguém contesta que existe o desconhecido, absolutamente nada nos autoriza a pretender, como alguns fazem, que esse desconhecido represente um espírito, uma vontade".»

Em suma, parece haver uma considerável variedade de formas de entender a noção de GADU e em maior ou menor grau essa noção parece depender da crença de quem fala. No entanto o Irmão Jurado assume-se logo de início como cristão, mas mostra claramente que a sua crença religiosa não determina a sua forma de abordar o conceito de GADU.
Considerando que o espírito da Maçonaria é aberto e tolerante, parece-me que a noção de GADU deve ser suficientemente vaga para ser unificadora de todas as crenças e de todas as maneiras de pensar e sentir. Do mesmo modo, seria completamente alheio ao espírito maçónico que o nosso ideal de Liberdade fosse descrito como sendo o de um qualquer partido político. A Maçonaria, deve ser um navio cuja rota o leva a um mundo melhor onde reinem a Justiça, a Paz, o Amor e a Liberdade e da qual não deve ser desviado por ventos de cariz religioso ou político.

Autor: Carl Sagan

1 comentário:

Anónimo disse...

A Arquitectura do mundo ou a sua ordem inteligível talvez não seja independente das nossas capacidades de a explicar, com os instrumentos da ciência e a nossa percepção crítica da realidade. Mas há um Grande Arquitecto, um sentido evolucionário, um substrato que nos define enquanto espécie humana? Mais que a religião e os seus dogmas que tantas vezes, demasiadas vezes, justificaram guerras sangrentas, mais que os deuses que reclamam vitórias venais, existe a consciência humana: é a consciência que nos imprime o sentido da realidade e a noção da justiça. O Grande Arquitecto é a nossa consciência, não importa que nome de deus tenha, ou nenhum nome desde que o pulsar da fraternidade esteja lá pois somos todos um só povo: a história e a ecologia comprimem-nos a um destino comum. (João Craveiro)