Machado Santos era lisboeta, dum meio social modesto, nasceu a 10 de Janeiro de 1875, ali, na velha rua da Inveja, entre a Mouraria e o Campo Sant’Ana, filho de D. Maria de Assunção de Azevedo Machado Santos e Maurício Paula Vitória Santos. Aos 16 anos, em 1891, o nosso António Maria de Azevedo Machado Santos (e não “Machado dos Santos” como em geral é ortografado o seu nome) alista-se na Marinha, fazendo posteriormente carreira na administração naval. Ei-lo sucessivamente 2.º comissário em 1892, 3.º comissário em 1895 e 2.º tenente, posto que detinha na altura da Revolução.
Começou por militar nas fileiras dos “dissidentes” de José Alpoim, o grupo de “esquerda” monárquica que progressivamente se ia arredando das hostes da realeza para se aproximar das fileiras republicanas. O seu feitio intrépido valera-lhe já, por parte dos camaradas de escola, a alcunha de “Presidente da República do Cartaxo”… a sua adesão à causa republicana e a sua rápida e fulgurante carreira de conspirador e carbonário resultaram da oposição à ditadura franquista, iniciada em 1907 e rematada com o regicídio de 1 de Fevereiro de 1908. Pela mão de um oficial chamado Serejo Júnior entra para a Carbonária Portuguesa ficando logo em contacto com os chefes máximos da conspiração que se avolumava, entre eles Cândido dos Reis e João Chagas. Machado Santos, introduz por seu turno, centenas de recrutas, civis, nas lojas carbonárias, as chamadas “choças” onde os “bons primos” tramam activa e tenazmente a insurreição armada geral.
Membro da Alta Venda Carbonária, o comissário naval esteve na preparação de toda acção conspirativa contra o regime monárquico nestes dois anos que se seguiram. Nas vésperas de se ordenar o início da acção revolucionária, está ausente da reunião decisiva, por considerar que o desentendimento entre os chefes levaria a uma resistência acobardada ou a um novo adiamento inglório, por isso, prepara-se para encetar sozinho o plano combinado.
Veste-se de uniforme de gala como quem vai para uma festa ou para a morte. Chegado ao centro republicano de Santa Isabel, ali encontra os revolucionários que aguardam o começo da acção. Encabeça o grupo de carbonários civis que caminham para o seu objectivo, tomar o quartel de Infantaria 16. De madrugada, o quartel é tomado sem grande dificuldade. Com uma centena de soldados de Infantaria 16, dirige-se então para o segundo objectivo – O Regimento de Artilharia 1, de Campolide, sublevado pelo capitão Pala. Com estas forças conjuntas, a coluna revoltosa segue para a “Rotunda da Avenida da Liberdade” e é doravante aqui, como no Tejo, que se há-de jogar o essencial do duelo entre monárquicos e republicanos.
Uma vez na Rotunda, os revoltosos preparam-se para ser atacados, com as noticias que a revolução tinha falhado, os oficiais tomam a decisão de abandonar o campo fortificado, deixando Machado Santos na chefia dos revoltosos. Efectivamente assim foi, ao mandar tocar a sargentos, quando se viu privado de oficiais, condensou num punhado de civis, de sargentos, de cadetes, de praças, de marujos e de soldados rasos, o nó inquebrantável duma determinação popular que se iria traduzir, no dia seguinte, pela queda da monarquia.
Triunfante o regime republicano, a vida daquele que o fundara foi cheia de vicissitudes, rematando a sua curta carreira terrena, aos 46 anos de idade, alvejado pelas espingardas do “comando” de um outro marujo, o cabo Abel Olímpio, O Dente de Oiro, criminoso a soldo de monárquicos que não perdoaram a Machado Santos a madrugada redentora do 5 de Outubro de 1910. O marujo que vencera a monarquia na Rotunda pagava com a sua própria vida o ter feito baquear o rei. Um comando monárquico, fazendo-se transportar na “camioneta fantasma” durante a “noite sangrenta” que sucedeu à revolução radical de 19 de Outubro de 1921, procedia a algumas liquidações de proeminentes figuras republicanas como o herói da Rotunda, António Granjo e Carlos Maia. Levado de casa Machado Santos foi fuzilado no Largo do Intendente, sendo o seu cadáver transportado depois para a Morgue de Lisboa!
Como disse o seu honrado pai, que, ao irem dizer-lhe, no dia 4 de Outubro, quem comandava as tropas da Rotunda, encolheu os ombros, sorrindo, teve esta frase profética: - Então temo-la tramada, porque quando ele se mete numa coisa leva-a ao fim… Mas é maluco, o meu António, porque, ou deixa lá a pele, ou vai servir de degrau aos outros, pensando em todos e esquecendo-se de si.
Autor: Júlio Verne - Baseado em: Machado Santos, o republicano recalcitrante, por João Medina, História Crítica, Lisboa 1980
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