terça-feira, 13 de outubro de 2009

Vianna da Motta - A Sinfonia e a Pátria

José Vianna da Motta nasceu em S.Tomé em 1868. Foi um dos maiores pianistas, pedagogo e musicógrafo do seu tempo, tendo desenvolvido uma técnica absolutamente brilhante, dando ao piano um destaque jamais atingido até então. Estudou no Conservatório de Lisboa entre 1875 e 1881, com o apoio da Casa Real Portuguesa, que também lhe concede uma bolsa para continuar os estudos em Berlim no ano de 1882. Em 1885 foi aluno de Liszt e Weimar e dois anos mais tarde trabalhou com Hans Von Bülow em Frankfurt. Em 1895 é iniciado na Loja Ave Labor nº192, fundada no mesmo ano, a Oriente do Porto com o nome simbólico “Bontempo”, em homenagem ao compositor e Maçom Português João Domingos Bontempo, de quem era admirador, tendo atingido o 3º Grau do REAA ao fim de um ano. Viveu em Berlim até ao eclodir da I Guerra Mundial em 1914. Em 1915 assumiu a regência da classe de piano do Conservatório de Genebra. Em 1919 foi nomeado Director do Conservatório de Lisboa, cargo que exerceu até ao limite de idade – 1938. Foi professor de Piano, em casa, até ao fim da vida. Incentivou desde sempre a divulgação da música, criando, entre várias iniciativas, a Sociedade de Concertos, com concertos aos Domingos para possibilitar as pessoas que trabalhavam toda a semana, pudessem ouvir música. Desde muito cedo Vianna da Motta perguntava “e não se podia arranjar bilhetes mais baratos para os estudantes?” A sua carreira de concertista foi até 1945. Em 1927 a participação de Vianna da Motta nas comemorações do Centenário da morte de Beethoven, foi considerada pela crítica Germânica como um acontecimento memorável. Morreu em 1948 em Lisboa com 80 anos de idade.

Teve vários alunos que se destacaram, como por exemplo Sequeira e Costa que começou em 1956 a organizar o Prémio Viana da Mota para jovens pianistas e que criou em 1995 a The Vianna da Motta International Foundation, organização sem fins lucrativos que gere o Viana da Motta International Music Competition, bem como a etiqueta discográfica VMF e os arquivos históricos. A Obra de Vianna da Motta tem uma grande influência de Liszt e Wagner, além do nacionalismo Russo. Escreveu música para Piano, Coral, Sinfónica, de Câmara, Canções. Mas, sem dúvida, a sua obra mais importante é a Sinfonia À Pátria em Lá Maior Op.13.
Esta Obra, mais do que reatar a via sinfónica de João Domingos Bontempo no princípio do Século XIX, é principalmente uma reacção à humilhação dos portugueses causada pelo Ultimato inglês de 1890.
Numa altura em que Portugal se encontra mergulhado num profundo atraso económico e cultural, Vianna da Motta ergue a sua voz num grito patriótico de encorajamento para que Portugal reencontre o seu esplendor. Vianna da Motta disse uma vez que “o problema da música portuguesa se solucionaria encontrando um Camões que fosse musico”.
Curiosamente foi Camões e os Lusíadas que o inspiraram na composição desta sinfonia.

Assim, o Allegro Eroico começa por:
Dai-me agora um som alto e sublimado,
Um estilo grandioso e corrente;
Dai-me uma fuga grande e sonorosa,
E não de agreste avena ou frauta ruda,
Mas de tuba canora e belicosa,
Que o peito ascende e a cor ao gesto muda.
O Adagio Molto em Fá sustenido maior, transporta-nos a outro clima emocional:
Eu cantarei de amor tão docemente,
Por uns termos assim tão concerttados
Que dous mil acidentes namorados.
O Vivace, em Ré Maior, tem funções de Scherzo, exercidas com uma liberdade formal tendente ao rapsódico. Bastaram-lhe 2 versos de Camões:
Mil práticas alegres trocavam
Risos doces, subtis e argutos ditos
Aqui aproveitou duas canções populares oriundas de Viseu – As Peneiras e da Figueira da Foz – O Folgadinho. Outro tema que serve também de musette é a invenção de Viana da Mota, que parece também recolhido de um cancioneiro. O último andamento – Andande Lugrube- Allegro Agitato, é o que reflecte a influência de Lszt. Começa por exprimir a “decadência” da:
(…) Pátria - que está metida
(…) há rudeza
Duma austera, apagada e vil tristeza
Mas evoca também “a luta” e antevê o” Ressurgimento”. Os temas do Allegro inicial, incluindo o mais marcial, servem à preparação e à arquitectura do majestoso conclusivo, à optimista antevisão de un “ressurgimento” Este Quarto Andamento Andante Lúgubre – Allegro Agitato/ Decadência – Luta – Ressurgimento, é uma estrutura perfeita, Maçónica, Triangular – A Ordem saída do Caos da Decadência, Ressurgindo através da Luta.

Pátria (do Latim “patris”, terra paterna) indica a terra natal ou adoptiva de um ser humano, que se sente ligado por vínculos afectivos, culturais, valores e história. Este conceito, tem sido usado pelo poder político para manipular as massas de uma maneira obtusa, para melhor servir os seus intentos, recorrendo à opressão e à humilhação levando à ignorância e à revolta interior com essa “pátria”, passando por cima dos conceitos mais Nobres de Unidade Nacional, que nada têm a ver com o nosso triste passado Salazarento e outros de triste memória.
Neste momento não nos interessa analisar o Ultimato Inglês. Não está em causa o Império. Provavelmente, na altura também o mais importante seria a atitude dos “Bretões”, com quem tínhamos uma tão antiga aliança. É neste ano de 1890 - que Alfredo Keil compõe A Portuguesa (com letra de Henrique Lopes de Mendonça), inspirado na força da Marselhesa e no Fado Português. Foi também um grito de revolta contra o Ultimato, adoptado pelos Republicanos e proibido pela Monarquia. A letra na altura era diferente – dizia “contra os bretões” e quando foi adoptado como Hino Nacional após 1910, passou a dizer “contra os canhões”. Alteração óbvia…

Voltando à Sinfonia À Pátria de Vianna da Motta, é estranho como é tão pouco conhecida do público português. Há algumas biografias do autor em que é visto como grande Pianista e Pedagogo, mal se falando da sua obra. Realmente deixou de compor muito cedo, por volta dos 30 anos, por se incompatibilizar com os “modernos”, mas toda a sua obra é admirável. Esta extraordinária Sinfonia já foi ouvida e aplaudida por todo o Mundo. Aqui, na Pátria que lhe cabe, muito pouco. Será o nosso instinto de expansão? Dar novos Mundos ao Mundo e deixar “a casa desarrumada”? Não foi essa a intenção de Viana da Mota quando, que depois de tanto sucesso “lá fora” decide vir “para casa” contribuir para o ensino da música em Portugal. Espantou muita gente é certo, mas como bom e Leal Maçom, usou o Génio em prol da Humanidade, neste caso da sua Pátria.

Autor: José Francisco Esteves

Obras Consultadas: A Sinfonia em Portugal – Alexandre Delgado; Dicionário da Maçonaria Portuguesa de A.H. de Oliveira Marques
Documentários: Viana da Mota por Barahona Fernandes, Fontes do Som por António Vitorino de Almeida, Notas sobre a Sinfonia À Pátria por João de Freitas Branco.

3 comentários:

Raúl Mesquita disse...

Parabéns pelo Artigo. Dá-nos a conhecer o essencial (para nós, do ponto de vista histórico) da vida musical e patriótica de Viana da Motta. Aprendi também que ele foi um Maçon. Não sendo um dos meus músicos portugueses preferidos, reconheço-lhe o mérito que lhe cabe. Sendo eu, por temperamento, um admirador da música barroca e da do período clássico, João Domingos Bompempo, e, por é referido aqui, preenche-me muito mais, mas é um puco como comparar Napoleão com De Gaulle... Se me permites, apenas um breve reparo, que espero que compreeendas que é feito com a melhor das intenções: Pátria em Latim é "Patria", sim, de "Pater, patris" (nominativo e genitivo, i-e, o Nome e o caso possessivo), mas "patris" significa a penas "do pai" A "terra dos "Pais", já era, para os romanos, "Patria".

Bem-hajas!

Raúl Mesquita.

Raúl Mesquita disse...

ERRATA:
... e, porque é referido aqui...

V.Marques disse...

O postal que se vê reproduzido é da violoncelista Guilhermina Suggia para o seu amigo António Lamas:
"Berlin 23/2/06
Já estou de volta da Russia. Sigo hoje para Franckfurt. Já tenho imensas saudades da minha pátria. Saudades.
G. Suggia"