terça-feira, 30 de outubro de 2012

O Grémio Lusitano

Associação de Instrução e recreio criada com o fim de dar personalidade jurídica e existência legal ao Grande Oriente Lusitano Unido. Os seus estatutos, votados em sessão de assembleia geral, de 20.2.1879, foram aprovados por despacho do governador-civil de Lisboa, D. Luís da Câmara Leme, de 23 de Maio de 1879, a que se seguiu o competente alvará, datado de 24 do mesmo mês e ano. Nos termos do art.º 2° desses estatutos, os objectivos do Grémio Lusitano eram: promover e cimentar a união entre os seus associados, estabelecendo entre eles as melhores relações e proporcionando-lhes um passatempo honesto, instrutivo e civilizador por meio de reuniões diurnas e nocturnas para conversação, leitura, prelecções, etc. A sua Direcção ficou a cargo do Conselho da Ordem do Grande Oriente, presidido pelo Grão-Mestre.

À observância dos seus estatutos e regulamentos ficaram obrigados todos os maçons considerados, ipso facto, membros do Grémio lusitano teve os seus segundos estatutos com data de Outubro de 1910, mas que pouco diferiam dos de 1879. Além das actividades maçónicas, o Grémio Lusitano, oficialmente instalado no rés-do-chão do Palácio Maçónico, promoveu actividades culturais, recreativas e benéficas destinadas ao mundo profano, nomeadamente bodos aos pobres, saraus literários, concertos, bailes e outras festas. Teve papel de relevo nas comemorações do centenário de Camões (1880), Marquês de Pombal (1882). Criou também uma tipografia, oficialmente sua propriedade, e um jornal "A L u z" existente entre 1918 e 1926.

Como consequência da lei n.º 1901, de 21 de Maio de 1935, o Grémio Lusitano foi dissolvido pela portaria de 21 de Janeiro de 1937 e os seus bens entregues à Legião Portuguesa pela lei n.º 1950, de 18.2.1937. Ao ser revogada a lei n.º 1901, pelo decreto-lei n.º 594/74, de 7 de Novembro de 1974, retomou as suas actividades em plena legalidade.

O nome de Rua do Grémio Lusitano foi dado à Travessa do Guarda-Mor (onde se localizava o Palácio Maçónico) em Janeiro de 1888, por edital camarário, revogado 19.8.1937 em 1978, novo edital voltou a dar àquela travessa o nome que durante quase cinquenta anos tivera.
 
In Dicionário de Maçonaria Portuguesa - A. H. de Oliveira Marques

terça-feira, 23 de outubro de 2012

O Museu Maçónico Português


O Museu Maçónico Português é uma entidade fundada em 1984, situando-se na Rua do Grémio Lusitano 25, em Lisboa, sede do Grande Oriente Lusitano, uma das mais antigas Obediências maçónicas europeias, fundada em 1802. Ao longo destes anos viu evoluir não apenas seu espólio como também as suas funções e práticas museológicas.

É uma instituição que, através das peças que tem expostas, retracta a História do país e da Europa nos últimos duzentos cinquenta anos. Como museu tem por função de proteger, interpretar e informar sobre os objectos e ideias do passado e através deles fazer uma ponte para o presente. O Museu Maçónico Português é um Museu histórico, especializado, cujo património, raro e insubstituível, tem uma relação estreita com a História portuguesa e europeia, e daí a importância das exposições que apresenta.

Mal foi estabelecida no país a existência legal e pública da instituição maçónica, esta instituição instalou-se, aqui, nesse mesmo ano. Após as perseguições à maçonaria e os assaltos verificados ao Palácio Maçónico - quando as portas foram seladas, na sequência da Lei nº 1901 de 1935 que proibiu as Sociedades Secretas, o edifício foi cedido à Legião Portuguesa. Dissolvido o Grémio, só em 1978, após o 25.4.1974, voltou novamente para estas instalações.

Actualmente, o Museu Maçónico Português, é considerado um dos melhores da Europa na especialidade.

In Dicionário de Maçonaria Portuguesa - A. H. de Oliveira Marques

O Palácio Maçónico Português

Embora a designação surja anteriormente à aquisição da actual sede (por exemplo aplicada ao andar alugado da Rua Nova do Carmo, 43, em Lisboa, sede do Grande Oriente Lusitano Unido até 1880), o termo aplica-se sobretudo ao edifício localizado na R. do Grémio Lusitano (ex-Travessa do Guarda-Mor) n.º 25 (ex-35), fazendo esquina para a Rua da Atalaia; este palácio foi comprado, pelo Grémio Lusitano, a Carlos Augusto Mascarenhas Relvas de Campos (pai do maçon e político José Relvas), em 17.11.1879, mas a sua aparência era muito diferente da actual, achando-se então meio arruinado e sendo constituído por vários corpos de edifício e suas dependências. A aquisição importou em 14.000$000 réis, soma conseguida por empréstimo que foi sendo pago ao longo dos anos.

As primeiras obras de restauro e alargamento tiveram lugar em 1879-80, instalando-se o Grémio Lusitano no Palácio em Maio de 1880, data em que terminou a construção do primeiro templo; depois foram-se, pouco a pouco, realizando sucessivas obras, nomeadamente em 1897-99. Em 1898 obteve-se novo empréstimo do Crédito Predial Português, de 13.500$000 réis em 150 obrigações de 4,5%. Só nos últimos anos do século ficou o exterior do Palácio concluído, com feição aproximada à de hoje. No interior, só em 1901 se terminaram as obras do templo grande.

Os assaltos ocorridos em 9 de Dezembro de 1918 e em 16 de Abril de 1929 causaram destruições e prejuízos avultados. O Palácio teve de encerrar as suas portas de Maio de 1929 a Março de 1930. Reabriu, com a condição de que não se realizassem sessões com mais de dez pessoas e que o total de presenças no Palácio não fosse além de vinte. Encerrou, novamente, para efeitos práticos, em Dezembro de 1930, reabrindo em 1.2.1931. Finalmente, por ordem do ministro do Interior, foram as suas portas seladas em 18 de Maio de 1931, depois de novo assalto, assim se mantendo durante algum tempo depois de promulgada a lei n.º 1901, de 21.05.35.

A lei n.º 1950 de 18.2.1937 mandou entregar à Legião Portuguesa todos os bens do Grémio Lusitano, incluindo o edifício sua sede. Esta entrega, autorizada por despacho do ministro das Finanças de 20.3.1937, teve lugar em 16 de Abril seguinte. A Legião Portuguesa, depois de destruir toda a decoração de tipo maçónico e de adaptar o edifício às suas conveniências, fez aí instalar os seus Serviços de Acção Social e Política, inaugurados em Dezembro do mesmo ano.

Em 7 de Maio de 1974, a Junta de Salvação Nacional restituí o Palácio ao Grémio Lusitano, que logo o ocupou. O edifício fora de novo assaltado pelo povo nos dias que se seguiram à revolução, ficando uma vez mais destruído e desaparecendo grande parte do seu recheio. A rapidez com que se efectivaram as obras básicas de restauração deveu-se à boa vontade do construtor civil Amadeu Gaudêncio, maçon ele também. Em fins de 1974 os trabalhos maçónicos podiam enfim reatar-se no edifício que lhes cabia.

In Dicionário de Maçonaria Portuguesa - A. H. de Oliveira Marques

terça-feira, 16 de outubro de 2012

Uma Instituição Paramaçónica - Escola Oficina n.º 1


Na segunda metade séc. XIX, grande parte da elite do País encontrava-se filiada na Maçonaria, implicando este facto, que em quase todos os sectores da sociedade se encontrassem maçons. 
Uma das formas de actuação da Maçonaria no mundo profano, cedo se manifestou através das instituições que foi criando, como as de ensino, de cultura, de beneficência, de socorros mútuos, de direitos do Homem, de relações internacionais e outras. Muitas dessas instituições nasceram a partir da Ordem Maçónica, nomeadamente, a partir do seio de algumas Lojas.
Preconizada desde finais do séc. XIX pelo maçom Bernardino Machado, a chamada Escola Livre (tipo Ferrer), começará a ganhar expressão prática, consubstanciada em escolas como a Escola Oficina, que irão ser progressivamente fundadas por todo o País até à década de trinta do século XX.
Nos sécs. XIX e XX, a Maçonaria será responsável pela criação de imensas escolas primárias, escolas móveis, escolas secundárias, escolas de educação permanente como as universidades livres e grupos ligados ao fomento cultural, guiando-a tão só, o combate ao analfabetismo e a elevação do nível de instrução do povo português, incidindo a sua actuação, fundamentalmente junto das classes mais desprotegidas. 

DA ORIGEM À ESCOLA OFICINA N° 1 
Em 9 de Junho de 1876, por iniciativa das Lojas Maçónicas José Estevão e Sementeira, é assinada a acta de fundação da Sociedade Promotora de Creches, que dará início ao seu funcionamento no Largo do Outeirinho da Amendoeira, Freguesia de S. Vicente de Fora.
Presentes na sua inauguração, dezoito crianças, que entretanto haviam sido admitidas, bem assim como o rei D. Luís, a rainha D. Maria Pia, e o ministro do Reino, Rodrigues Sampaio.

Em 1877 inicia-se a construção do edifício do Largo da Graça em Lisboa, em terreno cedido pela Câmara Municipal de Lisboa, de que era Presidente José Gregório da Rosa Araújo, um dos fundadores da Sociedade Promotora de Creches. O projecto foi elaborado e oferecido por Domingos Parente da Silva, igualmente membro fundador. Concluído o edifício em 1878 e transferidos os serviços da primeira creche, passou a denominar-se Creche de Stª Eulália, em homenagem à mãe de Rosa Araújo.
Em 1903 teve de encerrar devido a dificuldades económicas, pelo que o imóvel foi alugado à Provedoria do Asilo Municipal.
Em 26 de Maio de 1904, em Assembleia-geral, são aprovados os novos estatutos alterando a designação de Sociedade Promotora de Creches, para Sociedade Promotora de Asilos Creches e Escolas. Assim, no dia 9 de Fevereiro de 1905 são inauguradas as instalações da Escola-Oficina Nº1, na rua de S. João da Praça, 83-2°, com quatro alunos, que subscreverão a acta de fundação.
Assim, no dia 1 de Janeiro de 1905 foram inauguradas as instalações da Escola-Oficina Nº1, na rua de S. João da Praça, 83-2°, com quatro alunos, que juntamente com os fundadores subscrevem a ata de fundação. 
Em 1906 a Escola Oficina transfere as suas instalações para o Largo da Graça n°58, onde se encontra atualmente.
A sua frequência era gratuita, e os custos eram suportados pelo GOL, através das suas Lojas.

Nascida à sombra das relações entre o movimento operário português de expressão anarco-sindicalista e a educação, com base nas práticas educativas libertárias do princípio do século XX em Portugal, a partir do conhecimento de experiências pedagógicas inovadoras além-fronteiras, nomeadamente daquelas que decorriam na Europa e na América, a Escola-Oficina Nº1 irá dar corpo ao chamado modelo educativo libertário, tendo como pano de fundo a Educação Nova, que dava realce ao papel da liberdade da criança em situação educativa, ultrapassando o decadente modelo de ensino oficial saído do período da Industrialização. 
Apoiando-se, segundo um projeto pedagógico aproximado do ideal da escola consciencializada pelos anarco-sindicalistas e livres-pensadores da época, esta Instituição de ensino assumir-se em Portugal como pioneira de uma nova conceção de ensino, que procurava aliar o ensino manual ao ensino moral. 

Dois traços fundamentais realçam deste projecto:
a) O carácter integral da educação assente na negação da dualidade ensino profissional, ensino clássico, procurando, antes, a sua fusão;
b) Liberdade e não constrangimento das crianças, única maneira (segundo os pedagogos mais avançados da época) de conseguir a formação de homens livres e responsáveis. 
De acordo com Manuel Roque de Azevedo: (...) a criança era deixada completamente à vontade. Não existia o terror do mestre, o decorar do livro, ou a estúpida emulação. Os alunos davam frequentes passeios fora da escola, para contacto com a natureza (…).

Em 1910, o Governo Provisório da República reconhecia e louvava publicamente: «(...) os valiosos serviços prestados ao progresso do ensino e da educação em Portugal (...)», desta instituição.  «Pelo que manda o governo provisório da República Portuguesa, pelo Ministro do Interior, que aquela Sociedade seja publicamente louvada pelos seus valiosos serviços prestados ao progresso do ensino e da educação em Portugal». In Diário do Governo, de 31 de Dezembro de 1892.
Além do mais, sem dúvida que, uma plêiade de bons professores contribuiu para o elevado nível alcançado pela Escola nos primeiros anos. De entre eles, será justo realçar Luís da Matta, Adolfo Lima, António Lima, e José Carlos de Sousa.

Por volta de 1910, a população escolar era constituída por alunos de ambos os sexos, num total de 48 alunos e, segundo a Acta do Conselho Escolar já referida, os alunos a admitir no ano seguinte não deveriam ir além de 70 e deviam ser analfabetos. Tendo sido ainda decidido nessa reunião que 50% dos alunos tivessem educação gratuita, situação que virá a ser extensiva à totalidade dos alunos com o Regulamento de 1914.
Quanto à idade de admissão na Escola, era de 7 anos, e saíam 5 ou 6 anos depois. O limite de frequência ia até aos 17 anos. Em conformidade com o que virá a ser regulamentado em 1914 e nesta altura já posto em prática, só eram admitidas crianças cujos pais reconhecidamente não pudessem pagar a sua educação. A matrícula era gratuita e após exame médico feito na Escola, vedando-se a admissão de crianças com graves anomalias físicas ou psíquicas. Por outro lado, a criança ficava provisoriamente matriculada por três meses, encontrando-se nesse meio tempo sujeita a um regime de observação médico pedagógico.

Como inovação pedagógica mais evidente, é de salientar que não havia exames. Os professores tomavam as suas notas em função da análise aos alunos durante o ano. Em função dessa análise, na reunião do Conselho Escolar cada professor levava o seu parecer a fim de concluir os resultados e afixar em pauta, dos que tinham e dos que não tinham passado. Nesta avaliação entravam os trabalhos individuais dos alunos, a expor no final de cada ano lectivo. De salientar, que nenhum aluno podia repetir mais de uma vez qualquer grau ou classe de grau. Não havia diplomas. A Escola passava certificados que habilitavam os alunos a entrar no liceu.

A breve resenha histórica que apresentamos foi elaborada com base no espólio documental da Escola Oficina N°1, apoiado por bibliografia e artigos diversos, que referem esta instituição, os seus criadores, os membros dos corpos sociais, o corpo docente e os alunos.
Esta Instituição de ensino conheceu um período brilhante desde a sua fundação até 1926, iniciando-se a partir daí a sua decadência.
Efetivamente, após o golpe de estado militar em 28 de Maio desse ano, a Escola, que recebia um subsídio oficial para o seu funcionamento, por ter sido considerada de utilidade pública pelo Governo Provisório da República, viu cortada essa subvenção, ao mesmo tempo que começaram a rarear as contribuições pecuniárias voluntárias.
Acresce, que outras limitações lhe foram impostas, tal como a proibição da coeducação dos sexos, regime em que a Escola funcionava desde 1913. Por outro lado, a falta de perspectivas pedagógico-sociais, fenómeno aliás, extensivo nesse período aos países onde o modelo de Educação Nova se havia implantado, irá obrigar a mudanças pedagógicas e curriculares, transformando-a, com o decorrer dos anos, numa pálida imagem do que havia sido e para o fim que tinha sido criada.
  
Com o decorrer dos anos, sobretudo após a implantação do Estado Novo, muitas destas instituições foram perdendo o cordão umbilical que as ligava à Maçonaria, que de resto – convém frisar – desde sempre lhes concedeu plena liberdade. Obra da Maçonaria, a Escola Oficina N°1, tal como o Internato de S. João no Porto e o Internato de S. João em Lisboa, estes, fundados na segunda metade do séc. XIX, são, actualmente, as únicas Instituições paramaçónicas que mantêm o cordão umbilical com a sua criadora.

Autor: Pedro Manuel Pereira 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Direitos Humanos e a Ordem Maçónica

Não será por acaso que o tríptico em que assentam os valores filosóficos e de acção da Maçonaria Universal – Liberdade, Igualdade, Fraternidade – se plasmam na mais feliz cumplicidade ética logo no primeiro artigo dos trinta que constituem a Declaração Universal dos Direitos do Homem aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 10 de Dezembro de 1948: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência, devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.”. 
De facto, dificilmente se poderia encontrar algo de mais enfático, que de melhor forma sublinhasse e enfatizasse os princípios e os valores perseguidos pelas Nossas Augustas Obediências. Vejamos então: “Todos os seres humanos nascem livres e iguais.” Aqui estão os princípios mais sublimes da Liberdade e da Igualdade. Só que tais princípios não se esgotam no acto do nascimento. Ao contrário, passam a constituir património inalienável de cada ser humano, até ao dia da sua passagem ao Oriente Eterno. E depois: “Devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade”. Por isso nos chamamos Irmãos. Por isso juntamos as nossas mãos e o que haja de nós de espiritualidade na Cadeia de União, para que a Fraternidade se vá fortalecendo através da Unidade.  

Curiosamente, em 1979, o jurista checo-francês Karel Vasak, que foi director da divisão de Direito Humano e Paz da Unesco e o primeiro secretário-geral do Instituto Internacional de Direitos Humanos, organização com sede em Estrasburgo, propôs que esta classificação dos direitos humanos fosse dividida em três gerações, para assim melhor serem adequados à contemporaneidade dos modelos sociais em curso. Depois de a ter estudado atentamente e de nela me ter apercebido de algumas hipóteses de dúvidas conceptuais, verdade é que lhes encontro também uma maior adequação aos conceitos de cidadania hoje dados como indiscutíveis nos países de democracias industrializadas. 
Analisemos, pois, as propostas de Vasak, que foram aceites e estou certo que elas em nada conflituarão com a forma como a Maçonaria se posiciona face ao mundo quotidiano. Mas tomemos em atenção que Vasak, ao introduzir o conceito de geração, não está a pretender que ele seja entendido com o de hierarquização, senão o de diferenciação. 
Assim, os direitos humanos de primeira geração seriam os de liberdade, compreendendo os direitos civis e políticos, bem como as liberdades clássicas. 
Os de segunda geração seriam ou da igualdade, ou seja, os económicos, os sociais e os culturais. 
Já como direitos de terceira geração estariam os de fraternidade, como os do direito a um meio ambiente equilibrado, a uma qualidade de vida saudável, à prosperidade, à paz e à autodeterminação dos povos. 
Ou seja, este fraccionamento dos direitos contemplados na Declaração Universal constitui, em meu entendimento, um reforço ainda maior – se tal fosse necessário… – das colunas que decoram a Ordem Maçónica Universal. 
De facto, analisadas caso a caso, só a Sabedoria proporciona a Liberdade, só a Força da razão patrocina a razão da Igualdade, só a Beleza torna a Fraternidade no mais belo sentimento que une os homens livres e de bons costumes.
Para além do mais, outros valores confluem no vastíssimo estuário que acolhe as torrentes dos mais nobres valores da Maçonaria e da Declaração Universal. Atente-se, por exemplo, no que se refere a apenas ao caso da Liberdade: enquanto a Declaração proclama e aponta a Liberdade mais direccionada para o aspecto físico e material, nós, Maços, que nos dizemos Homens Livres, entendemos tal liberdade no sentido filosófico do termo, ou seja, conferindo a todos e a cada um de nós a possibilidade de trabalharmos o pensamento sem quaisquer espécies de grilhetas, bem assim como o de praticarmos a tolerância em relação à expressão do pensamento de terceiros.

Todavia, quando falamos de tolerância devemos ser muito precisos no entendimento que conferimos a este termo. Assim, não o entendamos como uma atitude paternalista se indulgência ou de condescendência, mas como a fraterna admissão de formas de pensar, de agir e de sentir diferentes ou até mesmo diametralmente opostas às nossas.
De resto, tomo a ousadia de ir mais longe, ao enfatizar que, em muitos pontos, os preceitos dos manuais das Nossas Augustas Obediências cruzam frequentemente aqueles que estão enunciados nos Direitos Humanos, como esta pergunta que o Venerável Mestre faz ao candidato, na cerimónia de Iniciação: “Não receia que abusem da confiança com que se entregou, indefeso e vendado, a pessoas desconhecidas?”. Esta questão contém, só por si, uma bela imagem da Fraternidade que o candidato vai colher na Irmandade que está prestes a acolhê-lo e cujos bons fluidos ele por certo já começa a sentir.
Mas a pergunta que se lhe segue não permite dúvidas sobre o que o espera, uma vez que o fará, desde logo, reflectir no primeiro princípio da Revolução Francesa e no primeiro afloramento da Declaração Universal: “Como compreende o princípio da Solidariedade?”
Todavia, também a questão do trabalho é aqui colocada, entendida e interpretada de uma forma dicotómica, tocando no cerne de um dos mais actuais problemas do exercício da cidadania. Se, por um lado, se trata inquestionavelmente de um Direito – no caso português plasmado na Constituição da República –, por outro é um dever que se coloca a todos os cidadãos em geral e aos Maçons em particular, que logo na cerimónia iniciática são conduzidos a realizar os primeiros trabalhos sobre a pedra bruta. E por isso a pergunta que se lhe faz, aparentemente traiçoeira, apenas o ajuda a proclamar as virtudes do trabalho sobre a ociosidade que, como diz um ditado popular é “a mãe de todos os vícios”, vícios esses que os maços juraram combater. Assim, a pergunta é, como todos nós sabemos: “A obrigação de trabalhar não lhe parece deprimente?”

E, mais uma vez, vem à discussão a questão da Liberdade. Infelizmente ainda hoje, no mundo profano, muita gente, por ignorância ou por má fé – na maior parte dos casos devido a esta última circunstância – teima obstinadamente em querer fazer confundir a Maçonaria com sociedade secreta, em vez de a reconhecer na sua mais pura das essências: uma sociedade com segredos. Afinal, sempre teve de ser assim – e de outra forma não poderia ter sido – até porque, por exemplo, a adopção dos símbolos, cuja significação só aos Iniciados é dado a conhecer, se explica pela necessidade que há de a Maçonaria se pôr a coberto de qualquer governo despótico. Tal situação, se é verdade que era muito mais dramática há umas décadas atrás, não é menos verdade que se prolonga pontualmente hoje em dia, mesmo nos países democráticos, onde muitos Maçons são perseguidos, designadamente nos seus locais de trabalho, e impedidos de aceder a empregos, devido à sua qualidade de Maçons. Ora, isto não tem a ver com Liberdade? Isto não tem a ver com a Declaração Universal? Isto não tem a ver com a Constituição da República Portuguesa?
Mas, enfim, regressemos ao conceito de Liberdade, que perpassa horizontalmente o exercício da cidadania e os imperativos da Declaração Universal dos Direitos do Homem e que se plasma da mais bela forma na Maçonaria. Refiro-me, neste contexto, mais propriamente à liberdade de pensamento.
Qualquer Loja Maçónica é uma oficina, onde os pensadores se exercitam a trabalhar em comum, a fim de pensar em coro, cada um contribuindo com a sua nota pessoal para a harmonia do conjunto. Da colectividade liberta-se assim um pensamento sinfónico, muito mais poderoso do que o pensamento individual, pois é necessariamente criado a partir de notas afinadas. É um pensamento tonalizado, cujas ondas encontram eco em qualquer cérebro receptivo, isto é, harmonizado para vibrar correctamente. Este pensamento não é nem pronunciado nem escrito, nem mesmo formulado mentalmente, porque, longe de ser interrompido, retido ou fixado, deve vibrar em toda a sua viva liberdade, na sua máxima amplitude, liberta de qualquer personificação restritiva.
E a esta liberdade de pensamento – um poeta português escreveu que “não há machado que corte a raiz ao pensamento” – que vem juntar-se à liberdade física, vêm juntar-se, no exercício da cidadania, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Ordem Maçónica Universal, a Igualdade e a Fraternidade.

Honremos a memória dos nossos antepassados que por nós velam no Oriente Eterno e com eles façamos a Cadeia de União de todos os Homens Livres e de Bons Costumes!

Autor: Álvaro