Mas não será justo falar de história da Maçonaria em Portugal sem relevar o período subsequente a 1869, data da criação do Grande Oriente Lusitano Unido, sob a égide do Grão-Mestre Conde de Paraty, e por onde passaram figuras tão ilustres como Elias Garcia, António Augusto de Aguiar, Bernardino Machado, mais tarde presidente da República, Sebastião de Magalhães Lima, Mouzinho da Silveira, Alexandre Herculano, Garrett, João de Deus, o cardeal Saraiva, patriarca de Lisboa, Machado Santos, Afonso Costa, António José de Almeida, António Maria da Silva, Miguel Bombarda, Sidónio Pais, Camilo Castelo Branco, Antero de Quental, Eça de Queirós, Rafael Bordalo Pinheiro, Egas Moniz (prémio Nobel da Medicina), Teixeira de Pascoais, Jaime Cortesão e Aquilino Ribeiro, entre muitos outros.
Mas com o intuito de inferir qual o verdadeiro papel do Maçon, tornemos por um breve instante às primícias do tudo; em termos etimológicos, a palavra Maçonaria deriva do francês “Maçonnerie”, que significa uma qualquer construção realizada por um qualquer pedreiro, o Maçon. A Maçonaria tem assim como propósito essencial, a edificação de algo e o Maçon, o também apelidado de pedreiro-livre, não é mais do que o obreiro dessa construção, o que trabalha para o erguer de um edifício.
Maçonaria significa, pois, construção; o Maçon edifica o seu futuro tornando-se um homem melhor e nesse trajeto a Maçonaria esclarece e aperfeiçoa a humanidade, tornando-a mais justa e perfeita. Este objeto está inscrito, como pedra basilar, nas constituições maçónicas do mundo moderno; a Constituição do Grande Oriente Lusitano de 1926, define a Maçonaria como “uma instituição essencialmente humanitarista, procurando realizar as melhores condições de vida social” enquanto que a Constituição de 1985 aponta como seu propósito o “aperfeiçoamento da Humanidade através da elevação moral e espiritual do indivíduo”. Diferem apenas as palavras, não o sentido.
Em suma, e citando em forma de homenagem o Nosso Irmão António Arnaud, a Maçonaria é uma ordem iniciática e ritualista, universal e fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância, que tem por objetivo o desenvolvimento espiritual do homem com vista à edificação de uma sociedade mais livre, justa e igualitária. Não aceita dogmas, combate todas as formas de opressão, luta contra o terror, a miséria, o sectarismo e a ignorância, combate a corrupção, enaltece o mérito, procura a união de todos os homens pela prática de uma moral universal e pelo respeito da personalidade de cada um, e considera o trabalho como um direito e um dever, valorizando igualmente o trabalho intelectual e o trabalho manual.
Apesar de todos estes predicados serem em tudo atuais, seleciono os dois que entendo melhor estarem alinhados com a inscrição que encima este texto; a Maçonaria como instituição universal e fraterna, isto é, a visão do mundo como uma verdadeira família, em que os homens se vejam verdadeiramente como irmãos, sem qualquer distinção de raça, sexo, religião, ideologia e condição social; e a Maçonaria como instituição progressista, no pressuposto de que é possível conceber um homem melhor, através da sua elevação espiritual, capaz de contribuir para o aperfeiçoamento da humanidade, encurtando desigualdades e reduzindo as injustiças sociais.
Mas, sendo a Maçonaria um espaço que se qualifica como de diálogo e de tolerância, de que forma deve, ou pode exercer a sua influência no mundo profano de modo a contribuir de forma resoluta para a fraternidade universal e para o progresso da humanidade?
Vivendo num regime democrático, não serão os partidos o veículo privilegiado para realizar as transformações político-sociais que nós Maçons tanto almejamos? Na verdade, não, pois os partidos são em geral máquinas de poder, praticamente esvaziadas dos seus princípios programáticos e assolados por um carreirismo desenfreado e tentacular, que por vezes parece ameaçar e subverter o próprio ideal democrático.
Sendo a Ordem Maçónica um espaço de diálogo fraterno entre pessoas de todas as ideologias, esta pode e deve continuar a desempenhar por esta via, um papel de relevo no aperfeiçoamento das instituições, inclusive das instituições democráticas, insuflando-lhes os valores morais que são o apanágio de um verdadeiro Maçon.
Parece, assim inquestionável que a influência da Maçonaria no mundo profano não se exerce diretamente, pois não estabelece diretivas nem impõe qualquer tipo de intervenção concreta, mas apenas indiretamente, através do exemplo, da pedagogia e da influência individual dos seus membros nos locais onde exercem a sua atividade, sejam nos seus no empregos, partidos políticos, organizações cívicas e sociais. Não esqueçamos o início deste parágrafo… “parece inquestionável”.
Não obstante, entendo que este preceito não desresponsabiliza a Maçonaria enquanto instituição; se não mais exemplos houvesse, vejamos como a Maçonaria foi, não só útil, mas como cardeal na abolição da escravatura, na reconstrução de uma sociedade destroçada pelo terramoto de 1755, na instauração da república em 1910, e mesmo na manutenção dos ideais maçónicos na sociedade durante a clandestinidade no período do estado novo.
Ainda neste contexto, recordemos as organizações ditas para-maçónicas, existentes desde o século XVIII e fomentadas e dirigidas por Maçons, e que atuaram sobre múltiplos aspetos da atividade social, seja na cultura, na beneficência, na política, nos direitos do homem ou nas relações internacionais.
Ao longo da sua vetusta história a Maçonaria em Portugal criou, dinamizou e deixou extinguir mais de 400 organizações para-maçónicas, das quais se enaltecem a Academia das Ciências, as Escolas Livres, a Voz do Operário os Jardins-Escolas João de Deus e das quais apenas perduram a Escola Oficina Nº 1 e o Internato de São João, ainda que de forma com tanto de modesto como de desvirtuada no seu objeto.
Retornando ao século XXI, e agora que está abolida a escravatura, reconstruída a metrópole, conquistada a liberdade, instaurada a república, escrita a constituição, reivindicada a igualdade, pelo menos na sua forma mais basilar, garantidos cuidados de saúde para todos, instituída a luta pela igualdade social, que contendas nos restam? Estaremos condenados ao esquecimento ou pior, a sermos apenas recordados nas parangonas das polémicas dos jornais?
Por certo questionar-se-ão como se pode sequer propor a hipótese da extinção de uma instituição com um percurso de mais de dois séculos como o Grande Oriente Lusitano? Vetada à cessação por uma qualquer lei arbitrária de um qualquer governo? Fruto de desentendimentos internos que promovem a sua dissolução? Alvo de perseguições de uma Igreja velada por antigos ofícios? Saqueada por populares revoltosos?
Talvez num passado longínquo, mas não hoje; não, hoje a Maçonaria sucumbe por mérito de uma única palavra, utilidade; a Maçonaria falece porque deixa de ter um papel relevante para a sociedade, porque deixa de ter préstimo para os homens.
Prova disso será talvez o continuado despovoamento das fileiras do Grande Oriente Lusitano, seja sob o pretexto de cisões realizadas sob duvidosos subterfúgios, seja pelo abandono de Irmãos desalentados, seja pela pouca adesão de novos Irmãos.
Seguramente que todos os Ir que hoje coabitam comigo neste templo têm no seu íntimo a honra e o privilégio que é ser Maçon, uma qualidade que não está ao alcance de todos. Mas se todo o homem livre e de bons costumes pode almejar juntar-se à nossa Ordem, seja por sua iniciativa ou por convite, porque não temos à nossa ombreira essa turba de homens de moral irrepreensível, que por certo os haverá?
É desses mesmos homens, aqueles que mais teriam para oferecer à sociedade, que é recorrente ouvir o discurso da falta de disponibilidade, da vergonha de represálias ou até mesmo da dificuldade em compreender a nossa utilidade na sociedade moderna.
E se dissertamos sobre o futuro, porque não são os mais jovens mais diligentes na sua aproximação à Maçonaria, da mesma forma que se entrincheiram nos meandros da política e de outras organizações apartidárias?
Não será este um claro prenuncio que algo deveria mudar?
Há um vocábulo que ouço recorrentemente no seio do Grande Oriente Lusitano e que me atemoriza tanto quanto decepciona; recrutamento. A Nossa Ordem não tem, não deve e não pode caminhar sobre a égide de crescer através da angariação de membros, como se de uma vulgar coletividade se tratasse. A Maçonaria é tudo menos vulgar; e sim, tem de crescer, não só em número como também, e perdoem-me a frontalidade, nas qualidades morais desses novos Irmão. A Maçonaria tem de florescer cativando, conquistado, fascinando, envolvendo, empolgando, e isso não se realiza com discrição, mas pelo contrário com presença, visibilidade, participação e intervenção social.
Se é verdade que somos por excelência uma organização discreta e nos reservamos o conhecimento de certas práticas e saberes, é também verdade que isto não pode ser sinónimo de displicência; não podemos ficar à margem da sociedade como se dela não fizéssemos parte, não podemos olhar o mundo com tanto desprendimento; não é esse o propósito da Maçonaria; não é esse o propósito de ser Maçon.
habitamos numa era despojada de valores ético-morais, dominada por um capitalismo infrene, sem alma nem regras, que enredou o homem em novas e mais sofisticadas servidões, privando-o da liberdade e da igualdade; urge pois a nossa intervenção na sociedade.
Nós, Maçons, somos muito mais do que carregadores de paramentos, anéis, luvas e símbolos; somos os filhos da viúva, os eternos aprendizes; temos e mantemos viva nas nossas mentes, esta condição, este estado que é perene e que constitui o nosso próprio ser, como ser fraterno.
Como podemos então impugnar tal desígnio?
Em primo e lugar de destaque estará sempre o Grande Oriente Lusitano, pois enquanto instituição jamais se poderá desresponsabilizar do seu propósito e do seu dever para com a humanidade, independentemente do subterfúgio, inclusive o da circunspeção. Repliquemos algumas das sugestões alvitradas por esta mesma Loja no XV Congresso do GOL:
- Reunir as obediências maçónicas seja por meio de tratados de amizade, de seminários, de conferências ou de simples encontros, para debater os temas prementes da sociedade e gerar as diretrizes para a ação no mundo profano.
- Exortar as lojas ao debate sobre as já referidas problemáticas da sociedade, procurando que as conclusões provenientes dessas demandas se traduzam em ações concretas.
- Fomentar uma imagem de maior transparência e abertura para o exterior, incentivando também a sociedade civil a participar ativamente em algumas das iniciativas de discussão organizadas.
- Reabilitar o nosso património, tornando-o útil à sociedade, seja através de novas instituições para-maçónicas que atuem na área do apoio social ou da educação, seja através da sua alocação para fins de beneficência.
- Revitalizar a Escola Oficina Nº1, reatribuindo-lhe o seu verdadeiro papel na educação em Portugal, assim como o recuperar do verdadeiro sentido e rumo do Internato de São João no apoio aos órfãos, crianças e jovens desamparados.
- Não mais expectar pela exposição desregrada na imprensa dos assuntos internos o Grande Oriente Lusitano mas, ao invés, criar uma figura que articule e potencie as comunicações com o mundo profano, em continuidade uma política de maior abertura ao exterior e de ensejo de uma contribuição palpável para o progresso da sociedade em particular e da humanidade em geral.
Ainda antes de voltar ao papel do Maçon enquanto indivíduo, cabe enfatizar o dever das lojas, cujo ofício é não só congregador e organizativo, mas também orientativo. A loja é tida como a união dos Maçons, e é precisamente quando estes se reúnem num qualquer templo para empreender os trabalhos maçónicos, que esta resplandece e enaltece em valor e significado.
A Maçonaria, quando bem compreendida, educa, instrói e orienta, contribuindo para elevar o nível moral e intelectual da sociedade, na prossecução dos trabalhos meditados dentro do templo maçónico. Este trabalho intelectual das oficinas deverá pôr em atividade os irmãos que tenham vocação para as letras, ciências, artes, etc., estimulando-os não só ao aprofundar desse saber como também à sua difusão.
E nesse sentido, para que os que não sabem possam aprender, e os que sabem possam ensinar, que todos os irmãos devem participar nos trabalhos da sua loja, sem falhas, sem mácula, sem desânimo; a loja não pode sentir-se abandonada pelos seus obreiros, sob pena de se tornar insignificante e inútil.
Mas o estar em loja é algo mais do que cumprir os desígnios do ritual da sessão; é no interior desta célula orgânica, deste cérebro pensante, que as mentes se devem agitar, que a inquietude deve reinar, que a vivacidade deve prevalecer; o Maçon deve honrar-se a si e a todos os irmãos que já passaram pela sua loja nunca se remetendo ao silêncio, à inépcia, à prostração, à resignação, à sujeição.
Por vezes penso se o benefício de já não estarmos sujeitos aos perigos do passado não se arrisca a tornar-se no pior dos desígnios, conduzindo muitos irmãos a um conformismo desolador. A tarefa maçónica contemporânea requer por isso um trabalho mais metódico e constante do que em épocas ancestrais bem mais conturbadas; é mais fácil treinar combatentes para derrubar um qualquer regime absolutista do que instruir obreiros para as conquistas por meio do discurso do conhecimento.
E eis pois que regressamos ao elo mais importante desta cadeia, o Maçon. E sobre o próprio, pronunciamos em Maçonaria que alguém que foi iniciado, nunca perde a sua qualidade de Maçon; ainda que seja forçado a concordar com o estrito das palavras, questiono a sua latitude… pode o crente ser católico se não praticar, tão só e apenas por ser batizado? Pode o mestre manter seu título, sem nunca erguer nenhuma obra, somente por ter escritos num papiro? E o Maçon, pode ser Maçon se não praticar as virtudes que tanto enaltece, apenas por ter sido iniciado?
Só desta forma, afirmando um ideal moral de solidariedade e justiça, podemos ambicionar em algum momento poder mudar o homem e a sociedade; e sim, acredito que apenas um homem com um simples gesto pode mudar o mundo… e se ao invés de apenas um só indivíduo, formos numerosos Maçons, indubitavelmente que, sob o cunho das virtudes que nos ligam, sob a égide da sabedoria, da força e da beleza que comungamos, como elos dessa cadeia que nos une pelo amor fraterno, que seremos verdadeiramente capazes de transfigurar a humanidade.
Vide comigo as palavras de Álvaro de Campos, em dois trechos do seu poema Tabacaria, e talvez apreendendo o caminho que não devemos trilhar, saibamos que rumo seguir, que Maçon ambicionar:
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
…
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
Façamos pois propósitos, tracemos objetivos, esquadrinhemos intenções, sejamos ambiciosos e, acima de tudo, sejamos constantemente irrequietos, obstinadamente irreverentes, incansavelmente inconsoláveis… apenas porque, só assim se muda o Mundo.