Foi na manhã do meu décimo segundo aniversário.
Antes de sair, o meu irmão, tinha deixado a minha prenda. Uma fábula, uma aventura, um conhecimento muito especial protagonizado pela personagem que todos gostaríamos de ser: Corto Maltese. Falo do livro «Fábula de Veneza», da autoria de um dos maiores romancistas e desenhadores de banda desenhada do séc. XX – Hugo Pratt.
Era Verão, uma manhã quente de Agosto. Eu, sem sequer imaginar a viagem que aquele livro me iria proporcionar, sentei-me displicente num sofá a desfolhá-lo. Página a página fui tomando conhecimento de um mundo de cuja existência nem suspeitava, numa Veneza ocupada pelo exército torcionário de Mussolini.
Num labirinto oculto nos subterrâneos da cidade, «Corto Maltese», o homem impoluto, corajoso, implacavelmente justo e bom, tem por missão encontrar um objecto, um objecto que é um símbolo, um sinal: a «Clavícula de Salomão». Perseguido pelos «guardas negros» de Mussolini, «Corto» refugia-se no secreto gueto judaico de Veneza. Inadvertidamente, «Maltese» vê-se literalmente caído num templo Maçónico enquanto decorre uma sessão de Loja. São estes homens que o hão-de conduzir até à «Clavícula de Salomão», ao mesmo tempo que o protegem e acolhem fraternalmente, mesmo não sendo ele Maçon.
Nessa manhã de Agosto, viajando pelas palavras e desenhos de Hugo Pratt, começaram a formular-se no meu pensamento todas as perguntas sobre esta associação de homens, revestidos de estranhos paramentos, dispostos a combater a tirania de um ditador, organizados em segredo na críptica parte de uma cidade, prontos a ajudar um outro homem a combater pela justiça e pela liberdade. Quem seriam eles? Quem seriam afinal os Maçons e a Maçonaria?
Sem Hugo Pratt talvez não tivessem surgido tão cedo as primeiras pesquisas, os encontros com os primeiros maçons que conheci e que afinal eram os mais próximos familiares, talvez a estante do adolescente que fui não se tivesse composto com os poucos livros disponíveis que então se encontravam sobre a «Construção do Templo».
Nunca mais esta marca se apagou e foi para Hugo Pratt que dirigi o meu primeiro pensamento na «Câmara de Reflexões», no dia da minha Iniciação. É possível que nesse momento, enquanto redigia o «Testamento Filosófico», tenha voltado a ser o menino de doze anos no dia do seu aniversário.
Mais tarde soube da filiação Maçónica de Pratt. Reconheci outros sinais noutros dos seus escritos, como no romance «A Balada do Mar Salgado». Fui, enfim, sabendo da sua relação com os mais altos valores Maçónicos.
Agora que Pratt já partiu para o Grande Oriente Eterno, retomo em sua homenagem a lembrança do primeiro momento de encontro com a Maçonaria. E, não só em homenagem a ele, mas a todos os que resistiram a uma Europa nazi, mantendo acesas as chamas da Sabedoria, da Força e da Beleza, chamo a mim o simbolismo do seu nome. Tomo eu a missão do viajante que procura, mesmo sob as maiores dificuldades, o sublime «Selo de Salomão».
Autor: Hugo Pratt
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