Carolina Beatriz Ângelo nasceu na Guarda em 1877. Foi a primeira mulher a votar em Portugal em 1911; no ano anterior tinha sido implantada a República. O seu marido Januário Barreto era um activista republicano.
Após a sua conclusão do curso de medicina, foi a partir de 1906 que conseguiu conciliar a sua profissão com a sua actividade de defensora da igualdade, do direito das mulheres, da paz, do direito ao voto, pelo direito ao divórcio, alertou para a insuficiência das leis da família, do alargamento do serviço militar às mulheres, integrando movimentos femininos, da implantação da República, da Maçonaria.
Aderiu, com outras quatro médicas – Adelaide Cabete, Domitila de Carvalho, Emília Patacho, Maria do Carmo Lopes, ao Comité Português da agremiação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes; Grupo Português de Estudos Feministas, Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Participou nos Centros Escolares Republicanos. Fez parte do I Congresso Nacional do Livre Pensamento, ocorrido em Abril de 1908. Fundou com Ana de Castro Osório a Associação de Propaganda Feminista, considerada a primeira organização sufragista portuguesa.
O ambiente político a partir de 5 de Outubro de 1910 inspirado por valores da Revolução Francesa oferecia agora uma maior liberdade e um contexto propício para a luta por direitos que até então tinham sido abafados pela Igreja e pela Monarquia.
A republicana Dr.ª Carolina Beatriz Ângelo, tornou-se neste ambiente uma defensora de causas nobres pela liberdade e pela igualdade. Pode-se bem imaginar o esforço acrescido de uma mulher em conseguir não só uma licenciatura em medicina e primeira cirurgiã portuguesa (3), constituindo uma das profissões masculinas da altura, como também pela luta de direitos numa época em que as mulheres não tinham voz.
É assim neste contexto em que vivia Carolina Beatriz que fez despertar a sociedade em que vivia nos seus primeiros passos de República para a Liberdade, Igualdade e Fraternidade, não fosse ela Maçom adoptada pela Loja Humanidade.
Neste ambiente político ou social conturbado desta época, importa exactamente referir que a Carolina é uma excepção deste ambiente e fora do seu tempo histórico. E isto porque ao lutar pelo direito ao voto das mulheres não o fez somente pela luta por um direito como também contra um preconceito. Possivelmente hoje lutaria pelos direitos dos homossexuais à igualdade por exemplo. E porque não, lutar também, por uma voz mais expressiva da Maçonaria.
Importa agora referir na sua vida curta, alucinante e activa, alguns momentos de luta e de conquista, numa altura em que a VOZ da mulher não se ouvia. Numa época em que as mulheres tinham poucas oportunidades e eram tratadas como objectos. De facto pertencia a um grupo necessariamente minoritário não no sentido numérico mas no sentido do sexo fraco com menores direitos e deveres na sociedade.
Desta actividade podemos aferir que Carolina Beatriz lutou pela liberdade e defesa dos direitos de todas as pessoas: à educação, mas sobretudo pela igualdade entre o homem e a mulher pelos direitos e deveres iguais para ambos os sexos.
Esta actividade que Carolina conseguiu conciliar com a sua carreira médica e com sucesso, para mim o que mais se destaca foi o fato de ter conseguido o direito a voto, sendo esse direito retirado logo depois e que só veio a recuperar-se em condições de igualdade mais de 60 anos depois.
Vale a pena ler o seu requerimento efectuado no dia 4 de Abril de 1911 com o seu pedido de inclusão nos cadernos eleitorais na Comissão de Recenseamento. As suas alegações foram remetidas para o ministro do Interior, António José de Almeida, responsável pela legislação eleitoral:
“Carolina que enviuvou cedo, essencialmente justificava no seu requerimento os seguintes requisitos previstos na lei:”
(…) Não só sabe ler e escrever, mas é chefe de família, vivendo nessa qualidade com uma filha menor, a cujo sustento e educação prevê com o seu trabalho profissional, bem como aos demais encargos domésticos (…)”
- Em sequência de indeferimento, apresentou recurso, entregue em 24 de Abril de 1911 no Tribunal da Boa-Hora e invocava quer o decreto, com força de lei, de 14 de Março de 1911, quer artigos do Código Civil.” .
Em 28 de Abril, numa decisão histórica, João Baptista de Castro (pai de Ana de Castro Osório), Juiz da 1.ª Vara Cível de Lisboa, proferiu sentença favorável à médica, mandando incluí-la nos cadernos eleitorais. Eis o considerando final da sentença, citado por Magalhães Lima numa entrevista ao jornal A Vanguarda, poucos dias após o acto eleitoral:
“Considerando que excluindo a mulher, apesar de ser uma ilustração, como a reclamante, de ser eleitora e ter intervenção nos assuntos políticos – só por ser mulher, como se diz a folhas n.º 6, verso – é simplesmente absurdo e iníquo e em oposição com as próprias ideias da democracia e justiça proclamadas pelo partido republicano, porquanto desde que a reclamante tem todos os predicados para ser eleitora não pode arbitrariamente ser excluída do recenseamento eleitoral, porque onde a lei não distingue não pode o julgador distinguir; por isso, em obediência aos verdadeiros princípios da moderna justiça social: Julgo procedente e provada a presente reclamação e mando que a reclamante seja incluída no recenseamento eleitoral em preparação no lugar e com os requisitos precisos. Intime-se”.
Foi assim que Carolina Beatriz se tornou a primeira mulher a exercer o direito de voto em Portugal, ou em qualquer outro país da Europa do Sul. Segundo a Revista Alma Feminina (Janeiro-Fevereiro de 1922): «Não foi uma vitória feminista, mas foi um ato de rebeldia contra o preconceito da superioridade de sexo.» No entanto esse direito, que ainda por cima era restrito, foi-lhe mais tarde negado assim como a todas as mulheres:
“A lei foi alterada a 3 de Julho de 1913 e ratificada em 1 de Julho de 1915. Deste modo, foi eliminada radicalmente do sufrágio universal a possibilidade de voto aos analfabetos e aos cidadãos portugueses do sexo feminino.”
Em 1916, o Senado defendeu o voto para as mulheres diplomadas, o que foi recusado pela Câmara dos Deputados. Nova insistência em 1918, pelo deputado Jacinto Nunes, teve igual fim. Só em 1931, o direito de voto foi concedido a algumas mulheres, as que possuíssem um curso secundário ou superior”. Mais tarde o Estado Novo viria a quebrar os sonhos dos portugueses e os ideais da democracia. Deixou de existir a igualdade e com ela a liberdade.
A República comprovou ser sinónimo de liberdade e de igualdade, sem a qual muito possivelmente hoje não poderia proferir estas palavras, no entanto, a história continua a mostrar-nos que um preconceito se sobrepõe aos princípios adquiridos pela própria República, e parece que ignoramos todos os momentos da nossa história em que conseguimos vence-lo.
É importante lembrar neste ano em que se celebra o centenário da República que a revolução republicana defende os valores democráticos e de igualdade e de cidadania para todos.
Esperamos que a Carolina Beatriz Ângelo continue a ser lembrada como uma maçon que lutou pela liberdade das mulheres, e pelos caminhos de luta que abriu pela igualdade, e consigamos que a humanidade seja uma! Sem ser dividida em preconceitos, em raças ou sexo.
É importante lembrar neste ano em que se celebra o centenário da República que a revolução republicana defende os valores democráticos e de igualdade e de cidadania para todos.
Esperamos que a Carolina Beatriz Ângelo continue a ser lembrada como uma maçon que lutou pela liberdade das mulheres, e pelos caminhos de luta que abriu pela igualdade, e consigamos que a humanidade seja uma! Sem ser dividida em preconceitos, em raças ou sexo.
In "A Republicana Dr.ª Carolina Beatriz Ângelo, a Liberdade, a Igualdade, ou só um Quadro na Parede? G. R. G. Rodrigues"
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