Vale a pena começar por perceber
qual é, em língua portuguesa, o significado, ou significados, da palavra Tolerância. Retirando então os diversos significados relacionados com a
Medicina ou a Engenharia, temos então que a Tolerância pode ser:
- ato
de admitir sem reação agressiva ou defensiva;
-
atitude que consiste em deixar aos outros a liberdade de exprimirem opiniões
divergentes e de atuarem em conformidade com tais opiniões; aceitação.
Ora esta última
definição faz menção a um outro direito que, sem dúvida, está intimamente
ligado à Tolerância, que é a Liberdade. Achei, por isso, que seria igualmente
interessante olhar para a definição de liberdade, neste contexto, tendo
selecionado os seguintes significados:
- direito que qualquer cidadão tem de agir sem coerção ou
impedimento, segundo a sua vontade, desde que dentro dos limites da lei;
- capacidade própria do ser humano de escolher de forma
autónoma, segundo motivos definidos pela sua consciência; ou ainda,
- garantia que todos os cidadãos têm de não serem impedidos
do exercício dos seus direitos, exceto nos casos determinados pela lei.
E é aqui que as coisas se tornam mais complicadas, pois se
por um lado qualquer pessoa tem o direito e a liberdade de manifestar a sua
forma diferente de estar perante os outros e perante a sociedade, não é menos
verdade que quem fica perante essa manifestação de diferença pode igualmente
ver a sua liberdade invadida e diminuída se essa manifestação de diferença de
alguma forma o perturbar.
Dando exemplos concretos. Se eu me sentir impressionado por
ver alguém profusamente coberto de piercings no rosto e com um alfinete de ama
de grandes dimensões espetado na bochecha, vou ter uma atitude de afastamento e
de eventual repulsa perante essa pessoa, porque fico impressionado, arrepiado,
o que lhe quiserem chamar. E agora? Estou a ser intolerante perante uma pessoa
que gosta de marcar a diferença mutilando-se, ou tenho a liberdade de me sentir
incomodado e impressionado com isso, podendo chegar a manifestar-lhe esse
sentimento? É que se o fizer essa pessoa vai dizer que
sou intolerante, entre outras coisas.
Um outro exemplo diferente que aconteceu realmente comigo:
há uns anos atrás estava à espera de ser atendido numa loja do cidadão quando
vejo um indivíduo entrar com uma t-shirt que tinha escrito “Jesus is a cunt”. É
claro que me senti profundamente incomodado com aquela frase e interpelei o
indivíduo em causa. Onde se aplica a tolerância aqui?
A questão crucial é: teremos nós de aceitar todas as
diferenças e afirmações que cada um quiser assumir (de aspeto, de sexualidade,
de vestimenta, de abuso de substâncias) só porque a sociedade nos obriga a ser
tolerantes em nome do direito à diversidade? E o meu direito pessoal a querer
ser diferente dessas pessoas? Não estaremos cada vez mais a caminho de uma
ditadura das minorias, em que os governos decretam leis sem o mínimo de lógica,
só para que esses grupos, normalmente barulhentos e persistentes na
contestação, deixem de se manifestar e não causem perturbação na sociedade?
Mas vamos um pouco mais além e vejamos onde chega esse
impingimento da diferença e, para muitos, do mau gosto e do ridículo. Vamos
falar um pouco de Cultura.
Durante séculos vários artistas enriqueceram a sociedade
ocidental com os seu trabalhos de beleza surpreendente, como a Mona Lisa de da
Vinci, a Pietá de Michelangelo, a Ronda Noturna de Rembrandt, o Pensador de
Rodin, obras que nos inspiraram, elevaram e nos terão levado até a alguma introspeção. E isto porque estes e outros artistas procuraram os mais altos
níveis de excelência, melhorando os ensinamentos dos seus mestres e aspirando à
mais alta qualidade possível para os seus trabalhos. E o resultado disso é que
ainda hoje, tantos séculos após, ainda nos deslumbramos com alguns desses
trabalhos.
Mas ao longo do século XX algo aconteceu. O profundo, o
inspirador e o belo foram substituídos pelo novo, o diferente e o feio. Hoje, o
ridículo, o sem sentido e o puramente ofensivo é tido como o melhor da arte
moderna. Lembro-me, por exemplo de uma exposição subordinada ao tema “O Cu é
Lindo” que esteve em exposição há uns anos no Centro Cultural de Belém, só para
dar um exemplo. Michelangelo esculpiu a sua estátua de David a partir de uma
única pedra. Em contrapartida o Museu de Arte Contemporânea de Los Angeles tem
exposta uma pedra com 340 toneladas como sendo uma obra de arte. E não
esqueçamos a Petra, do escultor alemão Marcel Walldorf que representa
uma mulher polícia de choque agachada a urinar, com direito a poça de urina e
tudo, que ganhou um prémio da Academia de Belas artes de Dresden em 2011. Estes são alguns exemplos de como os nossos padrões de
exigência e qualidade baixaram. Mas como é que isto aconteceu? Como é que a
busca milenar da perfeição artística e da excelência se perdeu?
Na verdade foi forçada a desaparecer. No final do século
XIX um grupo denominado de Impressionistas rebelou-se contra a Academia Francesa
de Belas Artes, que seguia os padrões clássicos. Qualquer que fosse a sua
intenção, estes novos modernistas lançaram as sementes do relativismo estético:
“A beleza está nos olhos de quem vê”. De acordo com esta corrente, na pintura as
cores e tonalidades não devem ser obtidas pela mistura das tintas na paleta do
pintor. É o observador que, ao admirar a pintura, combina as várias cores,
obtendo o resultado final. A mistura deixa, portanto, de ser técnica para ser
óptica. Na escultura a obra inacabada é o exemplo ideal do processo criativo do
artista. Ora se alguns dos primeiros seguidores do
impressionismo produziram trabalhos de grande beleza, como Monet, Degas ou
Renoir, a cada nova geração os padrões de qualidade foram baixando até deixarem
de existir.
Tudo o que restou foi a arte reduzida à expressão pessoal. O
historiador de arte Jakob Rosenberg disse uma vez que “A qualidade na arte não é
meramente uma questão de opinião pessoal, mas em grande parte analisável
objetivamente”. Eu estou de acordo. Mas a ideia de um padrão universal na arte
é atualmente muito contestado, quando não ridicularizada abertamente. Mas sem
padrões estéticos não é possível determinar a qualidade ou a inferioridade.
Muitos dos artistas da atualidade apenas usam a sua “arte”
para fazer declarações, frequentemente sem qualquer outra intenção a não ser
chocar. Os artistas da antiguidade também faziam afirmações através do seus
trabalhos, mas nunca à custa da excelência visual do seu trabalho. Mas não são
os artistas os culpados por este estado de coisas. A culpa é sobretudo da
chamada “Comunidade Artística”: os curadores de museus, proprietários de
galerias e os críticos, que encorajam e financiam a criação deste lixo
artístico. São eles os “reis nus” da arte, pois quem mais gastaria 10 milhões
de dólares numa pedra de 340 toneladas e lhe chamaria arte?
E é aqui que voltamos de novo ao tema da tolerância. Porque
é que temos de ser vítimas de todo este mau gosto? Não temos! Ao não frequentar
estas exposições, ao não comprar ou promover estas obras estamos a expressar a
nossa opinião, pois uma galeria de arte é um negócio como qualquer outro e a
continuidade de um museu também assenta nas receitas que obtém dos seus
visitantes. Se o produto não vender deixa de ser produzido. E também podemos
fazer pressão para que as escolas ensinem padrões de qualidade visual que se
perderam por terem sido abafados por este nova vaga de modernismo. No entanto
esta minoria da “Comunidade Artística” tenta condicionar-nos e obrigar-nos a
mudar os nossos gostos e os nossos padrões estéticos ao ponto de cairmos no
ridículo por não apreciarmos uma peça de arte contemporânea que esteja na
berra. Mais uma vez uma minoria está a condicionar a liberdade dos demais.
Mas não deixo de concordar que o Status Quo, ou o
Establishment, podem também eles ser nefastos para a nossa perceção do que é
certo, aceitável e defensável, versus o que devemos evitar ou condenar. E num
vídeo recentemente partilhado no nosso grupo de whatsapp, retirado de um
episódio de uma série da RTP, pude ver isso bastante bem explicado e
demonstrado de uma forma inequívoca. Para quem não se lembre, a cena passava-se
numa escola e o professor falava de três candidatos a uma eleição, perguntando
aos alunos quem escolheriam:
- o primeiro candidato está parcialmente paralisado com
poliomielite, tem hipertensão, anemia e uma série de outras doenças graves. Mas
segue a sua ideologia e consulta astrólogos sobre a sua política. Engana a
mulher, fuma muito e bebe demasiados martinis;
- o segundo tem peso a mais, já perdeu três eleições, sofre
de depressão, teve dois enfartes, é irascível e fuma charutos sem parar. À
noite quando regressa a casa bebe grandes quantidades de champanhe, conhaque,
Porto e whisky, e toma dois comprimidos para dormir;
- o terceiro é um
herói de guerra muito condecorado, trata as mulheres com respeito, gosta de
animais, nunca fumou e bebe uma cerveja em raras ocasiões.
Obviamente que todos os alunos votavam no terceiro
candidato, não sabendo eles que estariam a rejeitar Franklin D. Roosevelt (o
primeiro candidato) e Winston Churchill (o segundo), ambos estadistas
marcantes, estando a colocar o seu voto em Hitler.
Sabemos que o mundo nunca é como esperamos, mas isso é algo
que temos de aceitar. A veleidade que os humanos têm de que podem mudar o mundo
não passa disso mesmo, uma boa intenção utópica, especialmente se a nossa forma
de o fazer é chocando os outros e obrigando-os a aceitar tudo o que fazemos,
pois estamos eventualmente a tirar-lhes também a sua liberdade de serem como
são. Há uma frase feita que diz “Todos Iguais, Todos Diferentes”, mas o facto
de sermos diferentes não implica que tentemos impor aos outros essas
diferenças, que tentemos quebrar regras, em nome de uma suposta liberdade
pessoal que todos devem ser obrigados a respeitar.
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