
Já me não lembro quando me terão ensinado o nome da rua, mas não tardei a sentir que havia ali algo de estranho. De facto havia muita gente que se enganava e lhe chamava 31 de Janeiro. Cá por mim, tanto me fazia, afinal o nome Santo António dizia-me tanto como aquela data. Acabaram por me dizer que, todos os anos nesse mesmo dia, a minha avó queria a loja fechada mais cedo por causa da tinta azul. Tive de insistir para que me explicassem o que era isso da tinta azul. Lá fiquei a saber, no maior dos segredos, que era a polícia que atirava jactos de água com tinta azul às pessoas que eram do “contra”. E a água, para mais com tinta, estragava as revistas e os jornais… Além disso, as pessoas, ao fugirem apavoradas, podiam esconder-se na loja e, se os polícias lá entrassem, o mais certo era partirem tudo e baterem em toda a gente. Por isso estava decretado: «31 de Janeiro, dia de fechar cedo».
Também me lembro do meu tio, impressionado, descrever ao meu pai a violência com que a polícia batia nas pessoas que lá na rua gritavam «Viva a República». Fiquei calado, mas confuso. Então Portugal não era uma República? Até tinha um Presidente. É verdade que, quando davam os discursos dele na televisão, ninguém prestava a menor atenção… Havia qualquer coisa que não batia certo, mas eu, com os meus 10 anos, tinha mais com que me entreter.
Um dia, já eu era mais crescido, ia a descer a rua, quando notei alguma agitação. Motas da polícia abriam caminho e, logo atrás, ia um carro muito grande. Lá dentro, o tal Presidente. Nunca me esquecerei de que muitos transeuntes, só de o verem, começaram a bater palmas. Eu, que nada percebia de política, achei que não tinha qualquer lógica aplaudir só porque um sujeito ia a passar… Quando contei isto à minha avó, ela disse-me que era melhor a gente bater palmas, porque nunca se sabia quem nos estava a ver. Isto ainda me impressionou mais…
Viva o 25 de Abril
Autor: Carl Sagan
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