terça-feira, 19 de março de 2019

O Templo Ecuménico Universalista

Nos arrabaldes de Miranda do Corvo, depois de um bonito trajecto por estradas de terra, encontramos no meio da floresta, no topo da colina do Parque Biológico da Serra da Lousã, o Templo Ecuménico Universalista; trata-se de um espaço idealizado, financiado e erguido pela ADFP, a Fundação para a Assistência e Desenvolvimento e Formação Profissional, uma instituição de solidariedade social laica com sede no mesmo concelho. Tendo a sua primeira pedra lançada a 11 de Setembro de 2015 e inauguração celebrada a 11 de Setembro do ano seguinte, este templo pretende ser um monumento de homenagem às vítimas do fundamentalismo, não só às que pereceram no mesmo 11 de Setembro, mas de uma forma geral a todas as pessoas que ao longo de séculos e milénios morreram devido ao fundamentalismo e às ortodoxias religiosas.

A entrada do recinto é efectuada por um portão em ferro, suportado por entre duas colunas de pedra, fazendo lembrar a entrada de um templo maçónico, pese embora a ausência de inscrições e gravuras alusivas. Transposto o portão vemos uma longa escadaria e à sua esquerda e à sua direita principiam dois percursos pedonais. No percurso pedonal a bombordo encontramos um espaço adornado com o símbolo do Taoísmo, seguindo-se um altar hindu com três divindades, Ram, Sita e Laxman; surge já perto do seu final um queima velas na forma de uma imagem simbólica de duas mãos erguidas em prece. Já no percurso a estibordo, deparamo-nos três rochas com uma escultura lembrando o deus Endovélico dos nossos ancestrais Lusitanos, seguindo-se-lhe uma imagem de Buda e finalmente uma mesa da igualdade, de forma circular, numa homenagem aos Siks; de notar que a referida mesa possui 13 bancos, numa referência simbólica à última ceia de Cristo.
De regresso à escadaria da entrada do templo, não deixamos de notar a irregularidade dos lanços de degraus, sempre em número ímpar de 3, 5 e 7 e 9, números mais simbólicos das tradições espirituais e místicas ocidentais e, em parte, da própria maçonaria. Neste percurso pelos diversos degraus da maçonaria, interrompemo-nos perante um cubo em pedra com uma esfera, também ela do mesmo material, com a intenção de estar a girar sobre água, remetendo-nos para o positivismo científico de Galileu Galilei, julgado e condenado pela Inquisição há precisamente 400 anos, por defender que a Terra se movia em redor do sol. No cubo, pode ler-se a célebre frase que Galileu terá proferido à saída do tribunal do Santo Ofício: “Contudo ela move-se”. Simbolicamente, recorda também que nenhuma crença pode silenciar ou travar a ciência na sua permanente busca da verdade. 


Ainda antes de terminarmos a ascensão pela escadaria, algures no meio do trajecto, surge a palavra Paz, escrita em 12 dialectos distintos. A escadaria termina num espaço estranhamento familiar; de forma rectangular com 8,9m de largura e 17,8m de comprimento, as mesmas medidas da base do antigo Templo de Salomão, o seu pavimento é em calçada em quadrados brancos e pretos e nos três cantos surgem em número igual colunas em pedra, cada uma no seu estilo clássico (jónico, coríntio e dórico), representando a sabedoria, a força e a beleza. Neste instante terminam as coincidências metafóricas com a maçonaria e sentimo-nos como que estando verdadeiramente num templo maçónico; não só e apenas pela simbologia envolvente, mas porque essa envolvente, no seu contexto mais lato, nos conduz ao recolhimento da reflexão, da paz, da harmonia com nós próprios e com o mundo.


Deste pátio já se vislumbra o templo verdadeiramente dito, mas ainda antes de chegar à sua porta eis que se nos depara um caminho com sete voltar em espiral, em afinidade com o número de giros que o crente faz na Peregrinação a Meca em torno da Caaba; este trilho principia-se irregular e vai sendo facilitado à medida que é percorrido, em analogia ao percurso da vida e às dificuldades que enfrentamos; o caminho do nosso aperfeiçoamento pessoal, como tão bem está inscrito na iniciação maçónica. Neste percurso encontramos ainda inscritos em pedras no pavimento os sete Pecados Mortais, que aqui representam as dificuldades e as armadilhas que nos afastam da inatingível perfeição pessoal. 
Findo o percurso, e circundado o templo as ditas sete vezes, podemos ver a bandeira portuguesa, hasteada a 15,24 metros de altura, a mesma da Caaba muçulmana, numa homenagem à religião que chegou a ser maioritária em Portugal. E eis-nos perante o templo, com uma característica forma piramidal, numa homenagem arquitectónica ao Antigo Egipto; com 13,4 metros de altura, presta-se também, e mais uma vez, homenagem ao Templo de Salomão, construído no século IX a.C. em Jerusalém. As faces que ladeiam a entrada desta pirâmide detêm os símbolos de um dos monoteísmos abraâmicos, quer num baixo-relevo, quer gravados nos óculos de vidro estrategicamente posicionados de forma a catalisarem a luz do sol para o interior do Templo. Na face orientada a sudeste encontra-se o “crescente”, símbolo do Islão, lado onde também temos incrustada uma pedra negra indicando a direcção de Meca. Na fachada orientada a sudoeste inscreve-se o símbolo judaico, a estrela de David. Na parede virada a noroeste, observa-se a cruz, símbolo dos cristãos. Também na fachada onde se encontra o pórtico de entrada podemos encontrar, impresso em baixo-relevo, três palavras e três letras maiúsculas: Bondade (M), Moral (R) e Verdade (J). 
A entrada do edifício em si faz-se por uma porta ladeada por uma pequena corrente de água, um gesto simbólico de purificação, simbolismo tão transversal a várias crenças e religiões. Transposta a entrada surge uma nova porta, encimada por um triângulo em pedra, com um olho no centro; esta imagem do olho que tudo vê não só representa a figura do Grande Arquitecto do Universo existente nos templos maçónicos, mas também invoca a imagem de muitas igrejas católicas dos séculos XVIII e XIX, especialmente a Santíssima Trindade, onde eram frequentes estas representações de Deus. No seu interior o templo abriga um observatório de religiões que representa e trata de forma igualitária o Cristianismo, o Islamismo, o Judaísmo, o Hinduísmo, o Xintoísmo, o Jainismo, o Budismo, o Confucionismo, o Taoísmo, o Sikhismo, o Zoroastrismo, a Fé Bahaí e a religião dos Orixás; de frisar que é dado igual destaque e importância ao Ateísmo e ao Agnosticismo. 
E é nesse mesmo contexto que, já no interior da pirâmide, mas no espaço entre as paredes exteriores e o espaço central, encontramos um percurso designado por Observatório de Religiões; seguindo um misto cronológico e geográfico, vislumbramos um vasto grupo de posicionamentos e de tradições de relação coo transcendente, onde se encontram marcantes datas religiosas, filosóficas, espirituais e mesmo maçónicas. Em simultâneo, na parede exterior a este percurso, está exposta uma cronologia comparada da história mundial das religiões, ainda que no momento da visita se encontrasse inactiva. 

Transitando para âmago do templo, damos com um espaço de forma cilíndrica, rematado no seu topo por uma abóbada azul de calote esférica ladeada por estrelas, tal como nos templos maçónicos, em representação do céu estrelado. No topo zenital, uma estrela de nove pontas remete-nos para a Fé Bahá’í, e do seu centro cai, como se de um fio-de-prumo se tratasse, um candeeiro com luz. A Sul, um rasgo contínuo nesta abóbada permite que diariamente, ao meio-dia solar, o Sol crie um ponteiro de luz a iluminar o centro do Templo, numa clara referência à ancestral adoração do Sol. No pavimento está desenhado um quadrado com um labirinto em calçada portuguesa, nos tradicionais tons de preto e branco; este labirinto, como que plagia representações dos Templários, nomeadamente nas Catedrais de Chartres e Amiens, sugerindo uma reflexão sobre a vida e a nossa busca pela Verdade.
No seu centro, um paralelepípedo de pedra de granito polido serve de suporte a uma pedra bruta, invocando a principal metáfora da maçonaria e que nos remete para a imagem de construção que é cada um; o trabalho sobre a pedra bruta que somos até se conseguir a pedra polida e geometricamente perfeita que desejamos ser. Simbolicamente, o paralelepípedo tem as dimensões de 1,11m x 0,666m a possível medida da Arca da Santa Aliança, peça que faz parte do nosso imaginário colectivo.

Em jeito de conclusão, e seguindo a retórica do próprio autor do roteiro desta construção, este espaço começa por ser um Templo porque o queremos como um local de pensamento e de sentimento, um espaço em que somos transportados para a profundidade da criação e do criador, seja do ponto de vista da religião seja do ponto de vista da ciência. 
Este é um espaço que remete para o recolhimento na busca dos valores absolutos de cada um; o sagrado deste Templo é a capacidade de quem o visita se espantar, de criar, de olhar para a realidade e, sem perder nada da sua concepção de sagrado, se centrar no Homem e no que este faz de bom e de mau. É por esta razão que o Templo é Ecuménico, no sentido em que é das espiritualidades da Humanidade, onde tudo e todos têm lugar, até os não crentes. Por fim, este templo é Universalista pois remete-nos para um olhar de respeito e de tomada de consciência; todos os conteúdos, os textos, os signos e os símbolos correspondem a uma dimensão universalista da Humanidade, a uma procura e a um desejo de explicar o todo. Seja através do mais longo extenso trajecto pedonal, onde o caminhante vai sendo confrontado com frases de filósofos e pensadores, seja na maior ligeireza do automóvel, não posso deixar de recomendar a visita a este local, de certa forma único em Portugal. Este é um local onde só podemos ir propositadamente, num gesto de vontade pessoal, na busca da espiritualidade e da verdade interior.

Autor: Álvaro de Campo

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