O Estado moderno nasce com Maquiavel. O pensamento político medieval, herdeiro dos conceitos do Império Romano e da romanização dos Bárbaros, era subordinado à teologia, à filosofia e ao direito. Do ponto de vista social tinha gerado o Feudalismo. Com Maquiavel inaugura-se a ideia de estado absoluto, de predomínio do Príncipe sobre os cidadãos exercendo o poder de forma pragmática. Deste modo, o pensamento maquiavélico – historicista, antropocêntrico, pessimista, autoritário, laico e por vezes antirreligioso – separou historicamente a Igreja do Estado.
Do séc. XVI ao
séc. XVIII o absolutismo foi-se desenvolvendo, a ponto de se chegar a legitimar
de forma transcendente, pelo direito divino dos reis. A evolução política da
França, a partir das guerras da religião do séc. XVI, documenta este processo:
depois de Richelieu e Mazarino terem lançado os fundamentos do Estado central e
enfrentado os resquícios das feudalidades, Luís XIV, ele próprio temperado
pelas dificuldades da Fronda, traçou e cumpriu uma estratégia de
engrandecimento e reforço do poder do estado sobre a sociedade e a nação
francesas e do poder absoluto do monarca sobre o Estado.
Ao longo do séc.
XVIII este modelo vem a vigorar na Áustria, Rússia, Prússia, Suécia, Dinamarca,
Espanha, Portugal e Nápoles, em réplicas mais ou menos conseguidas. Esta
asfixia dos povos e das nações deu origem a movimentos filosóficos de repúdio e
a novas formas conceptuais de organização política, de que é exemplo modelar a
teoria da separação de poderes de Montesquieu. É o início do Iluminismo, a
entrada no Século das Luzes, no qual a Maçonaria tem um papel importante, senão
o mais importante.
Da Revolução
Francesa saem os três valores, que no fundo são nossos e ainda hoje celebramos:
Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Assim, o séc. XIX vem a ser o século dos
Estados constitucionais liberais, os quais assumem uma forte neutralidade
ideológica, porém num quadro jurídico de humanismo laico, ainda que, como
observa Jaime Nogueira Pinto, se lhe possa assacar uma certa componente
ideológica, ao defenderem “uma certa concepção de individualismo liberal
oligárquico, uma espécie de democracia de notáveis em que a liberdade e a
propriedade eram os valores fundamentais”.
No entanto, a
partir de meados do séc. XIX a Revolução Industrial vem criar enormes
concentrações de riqueza, possibilitando que famílias, ou mesmo indivíduos,
tenham condições de concorrer com os Estados em importância e sobretudo em
Poder. Por contraponto, e apercebendo-se do que será o futuro com esta receita
(capitalismo selvagem, por um lado, Estado não intervencionista, por outro),
Marx e Engels publicam em 1848 o Manifesto Comunista, propondo uma organização
dos estados nova e completamente revolucionária.
Estas duas novas
forças vão digladiar-se na primeira metade do séc. XX. Na Europa, Itália,
Alemanha, Espanha e Portugal caem em regime de ditadura de Direita. E embora
fascismo, nazismo, conservadorismo rural e corporativismo sejam realidades
diferentes, às vezes mesmo muito diferentes, elas são organizáveis numa mesma
categoria: regimes ditatoriais com prevalência do económico sobre o político.
Por seu lado, a Rússia segue a via do comunismo, integrando como União
Soviética uma série de Estados satélites. A França, como de costume,
experimenta de tudo, desde Léon Blum à República de Vichy e à ocupação
hitleriana.
No rescaldo da
Segunda Guerra Mundial, no entanto, saem triunfantes os valores da liberdade,
os nossos valores, os valorespor que lutaram os nossos irmãos antigos. Durante
os trinta anos seguintes, os chamados anos dourados, a Europa é governada por
forças moderadas, herdeiras do liberalismo democrático, com alternância entre a
democracia cristã e a social-democracia.
Porém, com o
advento da revolução tecnológica aconteceu algo semelhante ao que já acontecera
na revolução industrial. O centro moderado esbateu-se. A Democracia Cristã,
personalista e solidária, desapareceu algures no tempo, permitindo uma deriva
para um liberalismo, ou neoliberalismo, desenfreado e novamente selvagem. A
social-democracia, socialista e igualitária, em contraponto com a ditadura do
proletariado do chamado socialismo científico, paradoxalmente perde a voz com a
implosão da União Soviética, a que se seguiu a mudança de regime também na
China, e deixa de contar como força política relevante, reduzindo-se a mero
porta-voz de temas menores, embora importantes, como os direitos dos animais ou
os direitos das minorias. A revolução tecnológica está a conduzir-nos, nestes
tempos, de novo à prevalência do económico sobre o político, levando-nos a
novas formas de exploração selvagem que nenhum modelo anterior pode ou sabe
combater.
Estamos, portanto,
num momento de transição em que iremos sair da Idade Contemporânea em direcção
ao desconhecido. Ora, é neste momento que mais uma vez a Maçonaria, que sempre
iluminou os grandes saltos históricos da evolução da Humanidade, tem uma
palavra a dizer e um papel principal a desempenhar.
Observe-se que dos
nossos valores iniciais, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, a Liberdade está
felizmente conquistada. A Fraternidade está disponível. Resta-nos cumprir a
Igualdade. E a globalização pôs a nu o enorme atraso da Humanidade na promoção
da Igualdade.Já foi aqui em Loja referido, há pouco tempo, como a revolução
tecnológica, a robótica, a inteligência artificial e todas estas conquistas
científicas estão a destruir milhões de postos de trabalho. Tentar defender os
postos de trabalho contra o avanço tecnológico será como tentar desviar o curso
de um rio com uma tábua.
Se, nesta
conformidade queremos glorificar o direito e a justiça, queremos, enfim, fazer
Maçonaria, temos de invocar um novo valor para nos nortear: a solidariedade.
Este será o novo valor essencial para a promoção da igualdade entre os Homens.
Falta
solidariedade quando se fecham fronteiras a quem, fugindo da guerra, só deseja
uma oportunidade para, em paz, reiniciar a sua vida; Falta solidariedade quando
se luta cinicamente na parte rica do mundo por 35 horas de trabalho semanal e
nunca se tem uma palavra acerca daqueles que, na China, são obrigados a
trabalhar 60 horas por semana para, apenas, sobreviver; Falta solidariedade
quando se não critica o autêntico esbulho de matérias-primas a um continente
inteiro – a África – sem que se promova que lá sejam instalados meios de
produção que permitam um modo de vida condigno aos seus habitantes, aliás até
há pouco chamados depreciativamente indígenas.
O mundo actual
está a sofrer de um vergonhoso défice de solidariedade. É aqui que eu penso que
nós, maçons, honrando os nossos antigos, temos uma palavra a dizer e nos
devemos colocar na primeira fila da solidariedade, como forma privilegiada de
combater pela igualdade contra a tirania, como é nossa obrigação.
Aqui têm, meus
irmãos, as minhas reflexões acerca da viragem que o mundo enfrenta nos nossos
dias. Infelizmente, porém, embora seja para mim claro que só através de uma
porfiada lutaa favor da solidariedade poderemos cumprir os nossos ideais, não
tenho mérito nem talento para ousar indicar um caminho, e por isso me desculpo
por estas reflexões conterem mais dúvidas do que conclusões. Penso, no entanto,
que estas reflexões são úteis para que todos possamos contribuir para aquilo
que aqui nos reúne: combater a tirania, a ignorância, os preconceitos e os
erros, e glorificar o direito, a justiça, a verdade e a razão.
Com poucas
certezas, estou porém certo e seguro relativamente à importância que o valor
solidariedade hoje tem e continuará a ter para nós.
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