Adelaide Cabete é uma das figuras femininas mais importantes da história portuguesa do início do século XX.
Nasceu em Elvas, a 25 de Janeiro
de 1867. Oriunda de uma família muito modesta, desde cedo foi obrigada a trabalhar
na apanha da ameixa e em casas de famílias ricas, o que a impediu de frequentar
a escola primária. Certa madrugada, no campo onde trabalhava, acordou assustada
por uns gemidos abafados. Tendo consciência de que algo estranho acontecia,
foi, pé ante pé, espreitar. Viu então uma sua companheira que acabada de parir,
sufocava com uma almofada a criança que lhe nascera. Adelaide recuou cheia de terror.
Guardou na sua alma a dor e o pasmo do que presenciara. Adelaide era analfabeta. No entanto, era extraordinariamente inteligente e
sensível. Percebeu que só a desgraça e o desespero podiam arrastar alguém ao
crime hediondo que testemunhara. Mas, já nessa idade, apesar destes
condicionalismos, era um ser livre. Não perdeu de vista o essencial e aprendeu,
praticamente sozinha, a ler e a escrever.
Em 1885, aos 18 anos, casou-se
com Manuel Ramos Fernandes Cabete, sargento da Polícia Municipal, com
qualidades invulgares para aquela época, que a ajudava nas tarefas domésticas e
que a incentivou nos estudos e na militância republicana e feminista. Com ele
aprendeu a olhar politicamente o mundo e a condição feminina. Por detrás desta
grande mulher houve, sem dúvida, um homem grande que, ao contrário do que era,
e às vezes ainda é habitual, não a ofuscou, mas apagou-se para que brilhasse. Aos 22 anos (1889) concluiu a instrução
primária, na altura em que a percentagem de analfabetismo era de 75%. Segue-se
o liceu, auxiliada pelo marido que lhe explicava as matérias e, incentivada por
este, para que não parasse Adelaide corresponde com agrado, e entra para a
Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa com 29 anos. Sempre muito aplicada e
trabalhadora incansável, Adelaide enquanto lavava, de rastos, o lajedo da sua grande
cozinha, colocava o livro de Anatomia encostado ao balde e assim ia revendo as
matérias. Acaba a Licenciatura em medicina no ano de 1900, na Escola
Médico-Cirúrgica de Lisboa, aos 33 anos de idade, com a tese “A Protecção às
Mulheres Grávidas Pobres como meio de promover o Desenvolvimento físico das
novas gerações”. Foi a terceira mulher a formar-se em medicina em Portugal.
No início da tese, faz um pequeno historial sobre a mortalidade infantil
nalguns países da Europa e as alterações legislativas de apoio à mulher
grávida verificadas nestes países. Faz uma avaliação dos efeitos destas
alterações sobre a diminuição da mortalidade infantil, até então
bastante elevada nalguns países, como Suíça, França e Bélgica entre
outros. Os investigadores da época apontavam como medidas protectoras da mulher
e da criança a importância do repouso no último mês de gravidez que
conduzia a um aumento do peso dos recém-nascidos à nascença. Depois de
várias considerações acerca destes estudos feitos em Portugal e no estrangeiro,
Adelaide apela aos poderes do Estado os seguintes direitos:
“1.º A promulgação de uma lei, em que se estatua para as mulheres grávidas
empregadas em fábricas ou outros lugares de dependência particular, ou
do Estado, o repouso de um mês antes do parto.
2.º A criação de maternidades, a começar pela capital, onde a
instalação de uma em condições adequadas está sendo há muito tempo reclamada.
3.º A criação de sanatórios de gravidez, creches e asilos para
a infância, fomentação de mutualidades maternas ou outras denominações
tendentes a auxiliar as mulheres pobres na sua gravidez e ministrando-lhes
socorros nos domicílios.
4.º Arbitramento às mulheres das fábricas ou outros lugares de
dependência particular ou do Estado, de um abono ou subsídio pecuniário durante
um mês antes dos seus partos, saído de um fundo que poderá ser constituído
parte por um quantum tirado dos proventos da fábrica, parte pelo Estado e parte
de uma quotização mensal imposta ao pessoal da fábrica de ambos os sexos.
5.º Encarecer às autoridades municipais e administrativas a
conveniência de promover conferências públicas nas suas áreas sobre este
assunto.
6.º Finalmente exigir o rigoroso cumprimento do disposto na lei já como um dever da humanidade, já como medida puramente de interesse nacional e finalmente como satisfação ao decoro do poder.”
Boa oradora, participou em Congressos e Conferências. Escreveu dezenas de artigos, de temática diversa, essencialmente de carácter médico-sanitário e cariz feminista onde manifestou as suas preocupações sociais, apresentando soluções e medidas profiláticas de doenças e epidemias, publicando sobre o assunto as obras Papel que o Estudo da Puericultura, da Higiene Feminina, etc. Deve Desempenhar no Ensino Doméstico (1913), Protecção à Mulher Grávida (1924) e A Luta Anti-Alcoólica nas Escolas (1924).
Também escrevia artigos onde demonstrava as suas reivindicações de carácter feminista, esse campo fundou e dirigiu a revista Alma Feminina (entre 1920 e 1929), e colaborou com numerosas publicações periódicas como: Educação; Educação Social; O Globo; A Mulher e a Criança; Pensamento; O Rebate.
Como Republicana e Feminista, desenvolveu intensa actividade
militante a favor do estabelecimento daquele regime político e pela
dignificação do estatuto da mulher. Em 1910, com Beatriz Ângelo, coseu e bordou
a bandeira nacional hasteada na implantação da República, na Rotunda, em
Lisboa. Em 1912 reivindicou o voto para as mulheres. A sua vida associativa
passou pelo Grupo português de Estudos Feministas (1907) e pela Liga
Republicana das Mulheres Portuguesas (1908). Humanista, aplaudiu o encerramento
das tabernas e manifestou-se contra a violência nas touradas, o uso de
brinquedos bélicos e outros assuntos que se revelariam temas vanguardistas para
a época, temas esses que ainda mantêm a sua actualidade.
Em 1914, fundou o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas,
secção portuguesa do International Council of Women e mais tarde também da
“Aliança Internacional para o Sufrágio Feminino”, sem o apoio dos partidos
republicanos, tomando parte no Congresso Internacional de Roma, em 1923, no qual
obteve grandes êxitos nos temas apresentados, abordando a condição social da
mulher portuguesa e tendo feito um apelo de auxílio internacional para que a
emancipação da mulher passasse a ser um realidade em Portugal. Em 1925 está
presente no Congresso Feminista de Washington, pela segunda vez em
representação do Governo Português, chamando a atenção do mundo inteiro da
necessidade de renovar as legislações caducas e cheias de preconceitos
respeitantes à mulher.
Adelaide promove em 1924 o 1.º Congresso Feminista como forma
de comemorar o décimo aniversário do CNMP e quatro anos mais tarde o 2.º, com
enorme sucesso pelas teses apresentadas. Todavia, a propósito do 2.º Congresso,
a imprensa reaccionária faz referência à “terrível” inovação de as mulheres portuguesas
virem a público apresentar as suas razões.
Em 1929 vai com o sobrinho Arnaldo Brasão para Luanda,
desiludida com a nova situação política do país que levará à implantação do
Estado Novo. Aí, dedicou-se sobretudo à medicina e envolve-se em polémicas pela
defesa dos indígenas. Em 1933 foi a primeira e única mulher a votar a
Constituição Portuguesa, que instala o Estado Novo ao qual se opunha
fortemente. Regressa em 1934, já doente e debilitada.
Além dos seus fortes ideais Feministas e Republicanos, Adelaide Cabete abraça os ideais Maçónicos, sendo iniciada em 1 de Março de 1907, em Lisboa na Loja Feminina Humanidade (n.º 276) do Rito Escocês Antigo e Aceito, e depois do Rito Francês, com o nome simbólico de Louise Michel, na qual se conservou enquanto aquela oficina laborou sob os auspícios do Grande
Oriente Lusitano Unido, até 1914, tendo atingido o grau 18.º em 10 de Julho de
1911. Entre 1920 e 1923, pertence à Loja Humanidade que funciona com
independência em rito francês, mas devido às polémicas no interior da
maçonaria, vivencia sucessivos afastamentos e recomeços. Apesar de várias
manifestações de solidariedade por algumas Lojas masculinas, em 1923, o Grande Oriente
Lusitano Unido retira a igualdade de tratamento, exigindo que a Loja Humanidade
ficasse como Loja de Adoção, isto é, sem os plenos direitos que antes detinha
em igualdade com as Lojas masculinas. Depois desse acto de despromoção, esta
então Venerável Mestre da Loja Humanidade (exclusivamente feminina), retirou a
Loja da Obediência e pede ao Supremo Conselho Universal Misto do “Le Droit Humain”
e à Ordem Maçónica Mista Internacional – “Le Droit Humain” a filiação desta
Loja o que vem a suceder ainda nesse ano de 1923, fundando a Jurisdição
Portuguesa da Ordem Maçónica Mista Internacional “Le Droit Humain” – O Direito
Humano.
Após esta ruptura, Adelaide Cabete em conjunto com outros
Irmãos e Irmãs, e lutando sempre com dificuldades de local de reunião, mas
perseguindo tenazmente o objectivo de criar uma Federação autónoma em Portugal,
criou pelo menos mais três Lojas a saber: a Loja Humanidade a Oriente de Lisboa;
a Loja Fiat Lux a Oriente de Lisboa e a Loja Trindade Leitão a Oriente de
Alcobaça, bem como pelo menos dois triângulos maçónicos, o Triangulo
“Solidariedade” a Oriente de Beja e “Amaia” a Oriente de Portalegre, e duas Lojas
de Altos Graus do Rito Escocês Antigo e Aceite, um Capítulo “Humanidade” e o Areópago
“Teixeira Simões” ambos a Oriente de Lisboa, dando assim origem à Jurisdição
Portuguesa de que foi Presidente até 1935 e por inerência Venerável Mestre do
Areópago “Teixeira Simões”, chegando ao 20.º Grau. Não conseguiu, porém, as 7 Lojas nem os 150 membros para fundar uma Federação.
A actividade da maçonaria mista na sociedade foi grande,
sendo de sublinhar as Ligas de Bondade, criadas em 1923, o 1.º Congresso
Feminista e de Educação em 1924, já referido e o 1.º Congresso Abolicionista em
1926, resultante de meses de trabalho na Loja Humanidade. Neste último,
Adelaide apresentou a tese sobre a Polícia Feminina, onde defendia a criação de
secções de agentes femininos nos serviços policiais, como meio de protecção à
criança, aos jovens e à mulher, no combate à prostituição, devendo ter uma
função essencialmente educativa. Morre em Lisboa, a 14 de Setembro de 1935, com
68 anos.
Mulher dinâmica, de forte personalidade e grande frontalidade,
o seu dinamismo não a deixou repousar sobre os louros conquistados. A sua acção
não se limitou a teorias, traduziu-se em realidades práticas. Carinhosa e
bondosa, de estilo simples, objectiva, de linguagem clara, mostrou que nem o
berço nem o sexo limitam o ser.
Adelaide Cabete foi durante muitos anos a imagem progressista da mulher
portuguesa no mundo.
In Grande Loja Feminina de Portugal - G L F P
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