terça-feira, 7 de maio de 2019

Adelaide Cabete – mulher, portuguesa e progressista

“Àqueles timoratos que perguntam onde irá o feminismo parar, responder-lhes-remos: o feminismo terminará onde acabam todas as ideias de progresso e toda a esperança generosa; terminará onde acabam todas as aspirações justas”. A. Cabete, 1924.
Adelaide Cabete é uma das figuras femininas mais importantes da história portuguesa do início do século XX.

Nasceu em Elvas, a 25 de Janeiro de 1867. Oriunda de uma família muito modesta, desde cedo foi obrigada a trabalhar na apanha da ameixa e em casas de famílias ricas, o que a impediu de frequentar a escola primária. Certa madrugada, no campo onde trabalhava, acordou assustada por uns gemidos abafados. Tendo consciência de que algo estranho acontecia, foi, pé ante pé, espreitar. Viu então uma sua companheira que acabada de parir, sufocava com uma almofada a criança que lhe nascera. Adelaide recuou cheia de terror. Guardou na sua alma a dor e o pasmo do que presenciara. Adelaide era analfabeta. No entanto, era extraordinariamente inteligente e sensível. Percebeu que só a desgraça e o desespero podiam arrastar alguém ao crime hediondo que testemunhara. Mas, já nessa idade, apesar destes condicionalismos, era um ser livre. Não perdeu de vista o essencial e aprendeu, praticamente sozinha, a ler e a escrever.
Em 1885, aos 18 anos, casou-se com Manuel Ramos Fernandes Cabete, sargento da Polícia Municipal, com qualidades invulgares para aquela época, que a ajudava nas tarefas domésticas e que a incentivou nos estudos e na militância republicana e feminista. Com ele aprendeu a olhar politicamente o mundo e a condição feminina. Por detrás desta grande mulher houve, sem dúvida, um homem grande que, ao contrário do que era, e às vezes ainda é habitual, não a ofuscou, mas apagou-se para que brilhasse.  Aos 22 anos (1889) concluiu a instrução primária, na altura em que a percentagem de analfabetismo era de 75%. Segue-se o liceu, auxiliada pelo marido que lhe explicava as matérias e, incentivada por este, para que não parasse Adelaide corresponde com agrado, e entra para a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa com 29 anos. Sempre muito aplicada e trabalhadora incansável, Adelaide enquanto lavava, de rastos, o lajedo da sua grande cozinha, colocava o livro de Anatomia encostado ao balde e assim ia revendo as matérias. Acaba a Licenciatura em medicina no ano de 1900, na Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, aos 33 anos de idade, com a tese “A Protecção às Mulheres Grávidas Pobres como meio de promover o Desenvolvimento físico das novas gerações”. Foi a terceira mulher a formar-se em medicina em Portugal.

No início da tese, faz um pequeno historial sobre a mortalidade infantil nalguns países da Europa e as alterações legislativas de apoio à mulher grávida verificadas nestes países. Faz uma avaliação dos efeitos destas alterações sobre a diminuição da mortalidade infantil, até então bastante elevada nalguns países, como Suíça, França e Bélgica entre outros. Os investigadores da época apontavam como medidas protectoras da mulher e da criança a importância do repouso no último mês de gravidez que conduzia a um aumento do peso dos recém-nascidos à nascença. Depois de várias considerações acerca destes estudos feitos em Portugal e no estrangeiro, Adelaide apela aos poderes do Estado os seguintes direitos:

1.º A promulgação de uma lei, em que se estatua para as mulheres grávidas empregadas em fábricas ou outros lugares de dependência particular, ou do Estado, o repouso de um mês antes do parto.

2.º A criação de maternidades, a começar pela capital, onde a instalação de uma em condições adequadas está sendo há muito tempo reclamada.

3.º
A criação de sanatórios de gravidez, creches e asilos para a infância, fomentação de mutualidades maternas ou outras denominações tendentes a auxiliar as mulheres pobres na sua gravidez e ministrando-lhes socorros nos domicílios.

4.º
Arbitramento às mulheres das fábricas ou outros lugares de dependência particular ou do Estado, de um abono ou subsídio pecuniário durante um mês antes dos seus partos, saído de um fundo que poderá ser constituído parte por um quantum tirado dos proventos da fábrica, parte pelo Estado e parte de uma quotização mensal imposta ao pessoal da fábrica de ambos os sexos.

5.º
Encarecer às autoridades municipais e administrativas a conveniência de promover conferências públicas nas suas áreas sobre este assunto.

6.º Finalmente exigir o rigoroso cumprimento do disposto na lei já como um dever da humanidade, já como medida puramente de interesse nacional e finalmente como satisfação ao decoro do poder.”

Viria a ser obstetra, ginecologista, lutadora pelos direitos das mulheres, pela República, pelos direitos das crianças e dos animais. A sua militância também se centrou na causa anti-alcoólica. No instituto de Odivelas foi médica e professora, regendo a disciplina de Higiene e Puericultura. Esta inovação foi controversa, pois os pais das alunas censuraram a ideia, dirigindo uma carta ao diretor em que manifestavam o seu receio por estes ensinamentos poderem despertar nas suas filhas o desejo de serem mães!
No entanto, refere Adelaide Cabete que “algum tempo depois as coisas mudaram e agora os pais das alunas ao visitarem o colégio, aquando do internamento das filhas, ficam radiantes ao verem o bebé que elas ali vestem e tratam”. Este ensino foi uma inovação em Portugal pois segundo Adelaide Cabete “no estrangeiro não há ensino de puericultura na escola”. Adelaide pretende que o ensino da puericultura na escola conduza a uma diminuição da mortalidade infantil, referindo: “Não basta ser mãe, é preciso sabê-lo ser”, “Quanto menor é a ignorância das mães menor é a mortalidade infantil”, “A mortalidade infantil diminui com o estudo da puericultura”; “O estudo da puericultura deve principiar a fazer-se na escola infantil”.
Boa oradora, participou em Congressos e Conferências. Escreveu dezenas de artigos, de temática diversa, essencialmente de carácter médico-sanitário e cariz feminista onde manifestou as suas preocupações sociais, apresentando soluções e medidas profiláticas de doenças e epidemias, publicando sobre o assunto as obras Papel que o Estudo da Puericultura, da Higiene Feminina, etc. Deve Desempenhar no Ensino Doméstico (1913), Protecção à Mulher Grávida (1924) e A Luta Anti-Alcoólica nas Escolas (1924).
Também escrevia artigos onde demonstrava as suas reivindicações de carácter feminista, esse campo fundou e dirigiu a revista Alma Feminina (entre 1920 e 1929), e colaborou com numerosas publicações periódicas como: Educação; Educação Social; O Globo; A Mulher e a Criança; Pensamento; O Rebate.

Como Republicana e Feminista, desenvolveu intensa actividade militante a favor do estabelecimento daquele regime político e pela dignificação do estatuto da mulher. Em 1910, com Beatriz Ângelo, coseu e bordou a bandeira nacional hasteada na implantação da República, na Rotunda, em Lisboa. Em 1912 reivindicou o voto para as mulheres. A sua vida associativa passou pelo Grupo português de Estudos Feministas (1907) e pela Liga Republicana das Mulheres Portuguesas (1908). Humanista, aplaudiu o encerramento das tabernas e manifestou-se contra a violência nas touradas, o uso de brinquedos bélicos e outros assuntos que se revelariam temas vanguardistas para a época, temas esses que ainda mantêm a sua actualidade.
Em 1914, fundou o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, secção portuguesa do International Council of Women e mais tarde também da “Aliança Internacional para o Sufrágio Feminino”, sem o apoio dos partidos republicanos, tomando parte no Congresso Internacional de Roma, em 1923, no qual obteve grandes êxitos nos temas apresentados, abordando a condição social da mulher portuguesa e tendo feito um apelo de auxílio internacional para que a emancipação da mulher passasse a ser um realidade em Portugal. Em 1925 está presente no Congresso Feminista de Washington, pela segunda vez em representação do Gov
erno Português, chamando a atenção do mundo inteiro da necessidade de renovar as legislações caducas e cheias de preconceitos respeitantes à mulher.
Adelaide promove em 1924 o 1.º Congresso Feminista como forma de comemorar o décimo aniversário do CNMP e quatro anos mais tarde o 2.º, com enorme sucesso pelas teses apresentadas. Todavia, a propósito do 2.º Congresso, a imprensa reaccionária faz referência à “terrível” inovação de as mulheres portuguesas virem a público apresentar as suas razões.

Em 1929 vai com o sobrinho Arnaldo Brasão para Luanda, desiludida com a nova situação política do país que levará à implantação do Estado Novo. Aí, dedicou-se sobretudo à medicina e envolve-se em polémicas pela defesa dos indígenas. Em 1933 foi a primeira e única mulher a votar a Constituição Portuguesa, que instala o Estado Novo ao qual se opunha fortemente. Regressa em 1934, já doente e debilitada.

Além dos seus fortes ideais Feministas e Republicanos, Adelaide Cabete abraça os ideais Maçónicos, sendo iniciada em 1 de Março de 1907, em Lisboa na Loja Feminina Humanidade (n.º 276) do Rito Escocês Antigo e Aceito, e depois do Rito Francês, com o nome simbólico de Louise Michel, na qual se conservou enquanto aquela oficina laborou sob os auspícios do Grande Oriente Lusitano Unido, até 1914, tendo atingido o grau 18.º em 10 de Julho de 1911. Entre 1920 e 1923, pertence à Loja Humanidade que funciona com independência em rito francês, mas devido às polémicas no interior da maçonaria, vivencia sucessivos afastamentos e recomeços. Apesar de várias manifestações de solidariedade por algumas Lojas masculinas, em 1923, o Grande Oriente Lusitano Unido retira a igualdade de tratamento, exigindo que a Loja Humanidade ficasse como Loja de Adoção, isto é, sem os plenos direitos que antes detinha em igualdade com as Lojas masculinas. Depois desse acto de despromoção, esta então Venerável Mestre da Loja Humanidade (exclusivamente feminina), retirou a Loja da Obediência e pede ao Supremo Conselho Universal Misto do “Le Droit Humain” e à Ordem Maçónica Mista Internacional – “Le Droit Humain” a filiação desta Loja o que vem a suceder ainda nesse ano de 1923, fundando a Jurisdição Portuguesa da Ordem Maçónica Mista Internacional “Le Droit Humain” – O Direito Humano.
Após esta ruptura, Adelaide Cabete em conjunto com outros Irmãos e Irmãs, e lutando sempre com dificuldades de local de reunião, mas perseguindo tenazmente o objectivo de criar uma Federação autónoma em Portugal, criou pelo menos mais três Lojas a saber: a Loja Humanidade a Oriente de Lisboa; a Loja Fiat Lux a Oriente de Lisboa e a Loja Trindade Leitão a Oriente de Alcobaça, bem como pelo menos dois triângulos maçónicos, o Triangulo “Solidariedade” a Oriente de Beja e “Amaia” a Oriente de Portalegre, e duas Lojas de Altos Graus do Rito Escocês Antigo e Aceite, um Capítulo “Humanidade” e o Areópago “Teixeira Simões” ambos a Oriente de Lisboa, dando assim origem à Jurisdição Portuguesa de que foi Presidente até 1935 e por inerência Venerável Mestre do Areópago “Teixeira Simões”, chegando ao 20.º Grau. Não conseguiu, porém, as 7 Lojas nem os 150 membros para fundar uma Federação.

A actividade da maçonaria mista na sociedade foi grande, sendo de sublinhar as Ligas de Bondade, criadas em 1923, o 1.º Congresso Feminista e de Educação em 1924, já referido e o 1.º Congresso Abolicionista em 1926, resultante de meses de trabalho na Loja Humanidade. Neste último, Adelaide apresentou a tese sobre a Polícia Feminina, onde defendia a criação de secções de agentes femininos nos serviços policiais, como meio de protecção à criança, aos jovens e à mulher, no combate à prostituição, devendo ter uma função essencialmente educativa. Morre em Lisboa, a 14 de Setembro de 1935, com 68 anos.

Mulher dinâmica, de forte personalidade e grande frontalidade, o seu dinamismo não a deixou repousar sobre os louros conquistados. A sua acção não se limitou a teorias, traduziu-se em realidades práticas. Carinhosa e bondosa, de estilo simples, objectiva, de linguagem clara, mostrou que nem o berço nem o sexo limitam o ser.
Adelaide Cabete foi durante muitos anos a imagem progressista da mulher portuguesa no mundo.

In Grande Loja Feminina de Portugal -  G L F P

Sem comentários: