sábado, 27 de dezembro de 2008

São João Evangelista a Face de Futuro de Janus

Segundo o calendário litúrgico, no dia 27 de Dezembro é evocada a passagem pela Terra de João, apóstolo de Jesus e autor de um dos evangelhos que contam a vida e morte do profeta palestino. Além do texto evangélico, é a João que se atribui a autoria de um dos textos mais profundos, simbólicos, metafóricos e proféticos de sempre: «O Livro da Revelação» ou «Apocalipse».
De resto, o evangelho segundo João não é um texto menos encriptado e esotérico. Pleno de uma poesia extrema, as suas alegorias são sempre envoltas num mistério desarmante tornando mesmo a sua leitura quase incompreensível quando não lida com os olhos do coração e apenas com o intelecto. Dele se dizia ser o discípulo amado de Jesus e, de facto, ao percorrermos as linhas dos textos que de João chegaram aos nossos dias, facilmente somos encantados com as suas demonstrações de um intenso Amor Universal.

Para a Maçonaria e para os Maçons a tradição revelou João Baptista e João Evangelista como duas das suas grandes referências. Profundamente ligado às celebrações do Solstício de Inverno do paganismo ocidental – mais tarde convertido nas comemorações do Natal de Jesus – João Evangelista é frequentemente chamado São João de Inverno. Se, por analogia, os conectarmos à iconografia de Janus, João Evangelista está à direita olhando o futuro, corajosamente e sem baixar os olhos, enquanto João Baptista, à esquerda neste rosto de duas faces, olha o passado, o verão, a experiência. Os dois completando-se entre passado e futuro, num simples olhar situam-nos no presente. A vida, aqui e agora. E esse é um dos fundamentais alicerces do simbolismo maçónico posto em prática: cada dia é um dia, cada hora uma hora, cada segundo um segundo e em cada um desses momentos está nas nossas mãos desbastar a pedra bruta para que o presente seja o resultado da construção, ética, moral e social de cada livre-pedreiro, que ao bater na justa proporção com o malho e cinzel almeja chegar à flecha da catedral e aí ver, por fim a Luz. A Liberdade última. Ao desbastar a primeira pedra disforme o pedreiro sabe que não será ele a concretizar o fechar das abóbadas da catedral, mas confia que unidos numa cadeia sem traço de mácula, outros virão e não deixarão o trabalho por incompleto.

Essa é a mensagem maior de João. Ele olha de frente para o escuro do Inverno, para as sombras que o rodeiam, para o sofrimento que o rodeia mas, baseado na experiência vinda da observação do passado (simbolizada pela outra face de Janus) ele pratica um quotidiano – o presente – onde, mesmo na obscuridade mais profunda a luz brilha, nem que seja numa pequena candeia.
Na realidade não há distinção entre Maçonaria Operativa e Maçonaria Especulativa (salvo os dados históricos que separam os construtores ancestrais de templos e aqueles que seguem hoje os seus símbolos de forma gradual: iniciática. Todos nos podemos converter em Maçons Operativos. Basta que, nestes dias de invernia e desalento que o clima nos traz, olhemos, como João/Janus, em frente e sem baixar os olhos. Basta que acendamos a Luz do Oriente, a Luz de uma pequena candeia que nos guiará à próxima primavera. Ao símbolo e à prática de um Verão que está para vir. Assim nos diz a experiência desse rosto à esquerda que alicerçado na experiência do passado traz o testemunho de que sobre nós, no céu, brilharão sempre as duas supremas luminárias: o Sol e a Lua.

Autor: Hugo Pratt

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

In memoriam José Joaquim Pascoal Gomes

No quadro, da evocação da memória do José Joaquim Pascoal Gomes, quero associar-me a tão justificada homenagem e, traçar esta singela mas sentida evocação.
Conheci o Pascoal Gomes na infância, pois era amigo dos meus pais, e a sua influência foi tal que adoptei o nome simbólico, de Pascoal Gomes.
Durante a minha adolescência, marcada por incessantes conflitos familiares, foi frequentemente o meu “advogado de defesa”, tendo sempre manifestado uma cúmplice tolerância e uma grande compreensão perante os excessos e exageros a que uma revolta mais sentida do que pensada frequentemente me conduziu.
Abril chegou e, por entre afazeres e responsabilidades múltiplas, conseguiu sempre preservar a nossa relação, que intensificou ainda, depois da morte de meu pai: ele e sua esposa Maria Teresa passaram a ser os mais próximos amigos de minha mãe – e assim se mantiveram até ao fim.
Os caprichos da vida trouxeram-me para Paris, onde durante mais de duas décadas ele veio regularmente forjar armas para combater o polvo que o tinha enlaçado: fui a testemunha privilegiada do titânico combate que, com o amor, o desvelo e a total solidariedade da Maria Teresa, travou contra a besta. E que venceu, depois de ter assistido às obsequias de Salazar e de Franco, o Pascoal Gomes condenado aos 50 anos, faleceu com quase 80, levado por doença distinta do cancro linfático que o queria vitimar.

Todos conhecemos o percurso exemplar do antifascista, que o levou aos calabouços da PIDE. Todos estamos cientes da rota Maçónica que seguiu, atravessando décadas de clandestinidade, transformando a sua casa, ele, o ex-preso político, em sede de reunião e arquivo do Grémio Lusitano. Todos conhecemos o papel inestimável que desempenhou, na preservação da memória e das instituições Maçónicas e Para-Maçónicas de Portugal.
Não é minha intenção transformar esta curta evocação numa “apologia da vida exemplar de São Pascoal Gomes”: o Zé Pascoal não era santo nenhum, e as velas que aqui ardem são as chamas da Luz. Tinha uma personalidade complexa e, até, polémica: era um homem de convicção, inteiro e impulsivo, que não recuava perante um confronto. Exigente consigo próprio e detestando a complacência, não era homem de compromissos: para falar maçónicamente, era uma Pedra de denso minério, talhada a direito pela percussão repetida do Malhete da Razão sobre o Cinzel da Vontade, com ângulos rectos, ásperos e rugosos.
Todos conhecemos episódios em que ele se exaltou, tendo nalguns casos chegado a ser acintoso e, mesmo, injusto: era um Maçom formado pelos nossos antepassados da Primeira República, que não praticavam compromissos, e nunca foi “politicamente correcto”.

Quero testemunhar da existência de uma outra faceta, apenas conhecida dos seus íntimos: a contínua vigilância e a inquietação que o assolava quando alguém atravessava dificuldades. Posso, podemos, assegurar que o Pascoal Gomes ajudou, intercedeu e até apoiou financeiramente todos os carentes, inclusive aqueles com quem estava zangado, graças à fraternal intersecção de terceiros.
Recordo-me de um caso concreto, em que indirectamente auxiliou um Irmão com quem tinha deixado de falar há vários anos, comentando, perante a minha perplexidade, que a eventual diferença das mães em nada altera a obrigação de Fraternidade: diga-se em abono da verdade e respeitando-lhe a memória, que a formulação era mais abrupta, mas a ideia era esta!

Lembremo-nos de que foi o antifascista e socialista histórico, o homem das tomadas de posição abruptas, das rupturas assumidas e das intervenções acutilantes, que decisivamente contribuiu para que muitos regressassem ao Grémio Lusitano, restabelecendo assim a pluralidade das sensibilidades que deve caracterizar uma Obediência.
Essa mesma Fraternidade levou-o a passar sob silêncio episódios menos gloriosos de certos membros, durante o anterior regime e, principalmente, após a queda deste.
Daí um certo desencanto, característico de quem, em situação de grande desconforto, sonhou com um mundo melhor e com uma Maçonaria composta por homens perfeitos. Ele sabia não o ser, mas nunca aceitou que nós também não o fossemos.
O nosso Pascoal Gomes foi um Pedreiro-Livre da clandestinidade, iniciado por membros que privilegiavam o “ser” ao “parecer”, para os quais o critério de ingresso era a excelência do Homem e não o seu estatuto social, a sua escolaridade, ou a sua fluência discursiva. Era um homem de acção e não um retórico, cuja perspicácia foi frequentemente subestimada entre estas paredes, por ouvidos que confundem palavreado e a Palavra do Mestre, escutar e entender. Curiosamente, nos últimos anos, as suas tomadas de posição Maçónicas tinham mais impacto em Paris, não obstante não falar o francês, do que em Lisboa.
Acontece que foi pela mão do nosso Pascoal Gomes que fui iniciado há mais de vinte anos no e foi sob a sua insistência que me disponibilizei para ocupar o cargo de Garante de Amizade.

Foi este o homem que perdemos, mas é esta a Luz que nos ilumina. E tu, Meu Querido Zé, se afinal nos enganámos e sempre houver um Deus qualquer, não te prives de Lhe dizer o que pensas da injustiça, da miséria e do sofrimento, das trevas, em que mantém este mundo mergulhado.

Choremos, Choremos….e Esperemos !

Autor: Pascoal Gomes

sábado, 13 de dezembro de 2008

O Centenário do Grémio Estrela D’Alva

No passado dia 13 de Dezembro de 2008 comemorou-se o Centenário do Grémio Estrela
D’Alva, culminando uma série de iniciativas que visaram marcar o ano, ora corrente, com aquela efeméride.
As celebrações iniciaram-se naquele dia, às 15:00h, com a inauguração do Gabinete de Cuidados de Saúde e Bem-Estar nas instalações do palácio do Grémio Lusitano, a que foi decidido atribuir o nome José Pascoal Gomes, procurando com isto, relembrar aquele membro e a forma indelével de todos os que nele encontraram o reflexo de conduta sob os ideais com que sempre pautou a sua vida. Assim, as mãos do Presidente do Grémio Lusitano, da nossa muito estimada Teresa Pascoal Gomes viúva do nosso amado homemageado e do Presidente do Grémio Estrela D’Alva, o avental de aprendiz deixou a descoberto a placa onde se registou o momento e o nome atribuído àquele novo órgão de serviço social destinado a todos que nele queiram ajudar os demais e aos que nele procurem ajuda. Ali, passou a estar disponível também, equipamento destinado a primeiros socorros, oferta dos membros do Grémio Estrela D’Alva, que para o efeito reuniram esforços.
Às 16:00h, num Templo do Palácio, deu-se início a sessão, sob o tema “Conhecer a Loja e a Maçonaria”, na qual, entre os vários momentos alusivos ao momento, o silêncio e os corações dos presentes uniram-se na emoção, durante a chamada pelos membros ausentes por terem falecido, mas que nem por isso, deixam de ser uma recordação constante de quem lhes prosseguiu a obra. Entre as intervenções que tiveram lugar, recebeu a do Prof. Dr. João Alves Dias subordinada ao tema da sessão, particular interesse por parte dos presentes e convidados, que alí puderam ouvir resposta a questões que habitualmente se colocam sobra a Maçonaria, avivadas sobretudo pela acção discreta que caracteriza os Maçons. Após a distribuição de placa comemorativa aos Dignitários presentes, em particular aos de outros Grémios e Instituições que ali se fizeram representar e a oferta de flores a todos os presentes, a sessão foi encerrada pelo Prof. Dr. António Reis.
Às 18:00h realizou-se a visita guiada ao Museu Maçónico, conduzida à voz do seu director, o Prof. Dr. António Lopes.
Pelas 21:00h, teve início o banquete fraternal, onde os membros e demais convidados tiveram a oportunidade de confraternizar, numa celebração abrilhantada pelo momento musical, ao som de trechos tocados à guitarra portuguesa, acompanhada à viola.
Foi decerto uma celebração, de que estão de parabéns, todos os maçons, por nela constatarem o quão perene é a obra maçónica por anos e séculos.

Autor: Grémio Estrela D'Alva

domingo, 30 de novembro de 2008

Exposição Grémio Estrela D'Alva

No ciclo de Comemorações do Centenário do Grémio Estrela D’Alva, inaugurou-se no passado dia 13 de Novembro de 2008 nos paços perdidos do palácio do Grémio Lusitano uma exposição alusiva àquela efeméride, podendo-se observar parte do espólio desta Instituição distribuído ao longo de três expositores em conjunto com alguns textos reflectindo a visão da Maçonaria elaborados por pessoas não afectas à Ordem.
Ainda no âmbito das Comemorações, no dia 27 de Novembro de 2008 passaram também a estar expostas várias obras da artista Sílvia Soares, alusivas ao tema “Essência Maçónica”.

Estas exposições estão patentes e podem ser visitadas até ao próximo dia 31 de Dezembro de 2008.

Autor: Grémio Estrela D’Alva

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A Ciência, a Ética e a Moral

No ciclo de Comemoração do Centenário do Grémio Estrela D’Alva, realizou-se no passado dia 27 de Novembro de 2008 na sala Magalhães Lima do palácio do Grémio Lusitano uma palestra subordinada ao tema “A Ciência, a Ética e a Moral”, na qual interveio o Prof. Dr. Nuno Crato.
Nuno Crato é Professor Associado com Agregação de Matemática e Estatística no Instituto Superior de Economia e Gestão, em Lisboa. É próreitor para a Cultura Científica da Universidade Técnica de Lisboa.
Licenciou-se em Economia no ISEG. Doutorou-se em Matemática Aplicada nos Estados Unidos e trabalhou depois nesse país muitos anos, como investigador e professor universitário. O seu trabalho de investigação incide sobre processos estocásticos e séries temporais com
aplicações várias, nomeadamente computacionais, climatéricas e financeiras. É presidente e coordenador científico do Centro FCT Cemapre e membro de várias sociedades científicas internacionais, nomeadamente da American Statistical Association e do International Institute of Forecasters.
Foi Presidente do International Symposium on Forecasting em 2000. Tem trabalhos de investigação publicados em diversas revistas internacionais da especialidade, nomeadamente Statistical Papers, Communications in Statistics, Journal of Econometrics, Economic Letters, International Journal of Forecasting e Journal of Forecasting.
É presidente da Sociedade Portuguesa de Matemática (SPM) e membro dos corpos gerentes do Fórum Internacional de Investigadores Portugueses (FIIP).
Em paralelo com o seu trabalho académico, está empenhado na divulgação científica. Colabora regularmente na imprensa e tem colaborado com vários programas de televisão e de rádio.
É autor de Zodíaco: Constelações e Mitos (Gradiva, 2001) e Passeio Aleatório (Gradiva, 2007); é co-autor de Eclipses (Gradiva, 1999), deTrânsitos de Vénus (Gradiva, 2004), de A Espiral Dourada (Gradiva, 2006), de Relógios de Sol (CTT, 2007), Passeio Aleatório (Gradiva, 2007), Matemática das Coisas (SPM/Gradiva, 2008) e de outras obras de divulgação.
A Sociedade Europeia de Matemática atribuiu-lhe em 2003 o Primeiro Prémio do concurso Public Awareness of Mathematics pelo seu trabalho de divulgação. A Comissão Europeia galardoou-o em 2008 com um European Science Award, ficando em segundo lugar na categoria de Science Communicator of the Year.
Em 10 de Junho de 2008 foi agraciado com o grau de comendador da Ordem do Infante D. Henrique.
Depois da apresentação da palestra existiu um vivo e participativo debate sobre o tema com grande relevância pelo interesse demonstrado pelos presentes e a sessão foi encerrada por um alto Dignitário do Grémio Lusitano.

Autor: Grémio Estrela D'Alva

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

A Economia e a Responsabilidade Social

No ciclo de Comemoração do Centenário do Grémio Estrela D’Alva realizou-se no passado dia 13 de Novembro de 2008 na sala Magalhães Lima do palácio do Grémio Lusitano uma palestra sobre a “Economia social e responsabilidade social das empresas como respostas à conjuntura económica internacional”, na qual interveio o Dr. Gonçalo Pernas.
Gonçalo Pernas tem 35 anos e é licenciado em Gestão de Recursos Humanos pela ULHT e pós-graduado em Gestão pelo ISCTE desempenha, entre outras, as funções de:
· Director da RSE Portugal – Associação Portuguesa para a Responsabilidade Social das Empresas;
· Assistente Convidado na ISCTE Business School, onde é docente nas cadeiras de Empreendedorismo; Gestão de Recursos Humanos; e Ética, Responsabilidade e Sustentabilidade Empresarial;
· Coordenador Executivo do Microsoft Innovation Centre/ISCTE;
· Director do Ciriec Portugal/CEEPS – Centro de Estudos sobre Economia Pública e Social.
A nível internacional, exerce as seguintes funções:
· Membro da CSR Europe – The European Business Network for Corporate Social Responsibility; · Membro do Academic Board da EABIS – The European Academy of Business in Society.
A sessão contou ainda com diversas intervenções dos presentes numa viva e sã manifestação de pontos de vista sobre o tema e foi encerrada por um alto Dignitário do Grémio Lusitano.

Autor: Grémio Estrela D’Alva

terça-feira, 21 de outubro de 2008

A circulação da palavra

Mais uma vez circulou entre o Templo a total liberdade de pensamento e de expressão que constitui uma das maiores riquezas do enorme espólio maçónico na nossa Ordem.
Sem condicionamento outro que não seja o exercício da sua característica de homens livres e de bons costumes, todos os que o desejaram puderam, como sempre podem, expressar-se, deixando o pensamento fluir no sentido do livre arbítrio que caracteriza o trabalho em Maçonaria.
Com efeito, a Maçonaria, concedendo uma relevância muito específica ao livre arbítrio, confere ainda maior dignidade à expressão do pensamento, porquanto, ao fazê-lo de pé os obreiros adoptam uma postura que contribui para controlar as paixões e as emoções profanas e que, ao proporcionar considerável amplitude ao livre arbítrio, mantém-no, todavia, nos limites das liberdades individuais de cada membro.
Neste magnífico espaço de liberdade protagonizado pela nossa Augusta Ordem, e no cumprimento de uma ritualística cada vez mais aperfeiçoada, os trabalhos decorrem, pois, de forma justa e perfeita!

Autor: Álvaro

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Grande Arquitecto do Universo

Quando se pretende assimilar plenamente o espírito maçónico é necessário conhecer cada um dos símbolos usados pela Maçonaria e meditar sobre eles. De todos esses símbolos, o Grande Arquitecto do Universo (GADU) é não só um dos mais importantes como um dos mais difíceis e delicados de abordar, pois, mais do que qualquer outro, interfere com aspectos do foro íntimo das pessoas, ou seja, com as suas crenças.
Na minha opinião as dificuldades de um tema não nos devem fazer fugir dele e menos ainda nos devem levar a esconder a cabeça na areia. Pelo contrário, tornam de primordial importância ponderá-lo serena e cuidadosamente. Julgo que, no caso do GADU será mesmo uma excelente forma de avaliarmos a nossa capacidade de diálogo e tolerância, virtudes que os maçons devem cultivar.
A avaliar pelos trabalhos que tenho lido, sejam eles de maior ou menor profundidade, a análise directa do tema é em geral evitada, mas é por demais evidente que o conceito não é igual para todos os maçons. De facto, é frequente encontrar trabalhos onde são dirigidas preces mais ou menos fervorosas ao GADU (nalguns casos expressamente a Deus). Mas também não é raro encontrar trabalhos onde são feitas apenas referências genéricas, do género «à glória do GADU», ou até em que não lhe é feita qualquer alusão.
Por outras palavras, parece-me que, independentemente de se referirem ou não ao GADU nas seus trabalhos, a maioria dos maçons evita fazer uma análise frontal sobre o significado da expressão.
Ao procurar textos dedicados ao tema encontrei de tudo um pouco. Por exemplo, no Dicionário de Termos Maçónicos de José Castellani, essa entrada nem sequer existe; já no “dicionário maçónico” um trabalho anónimo com grafia típica do Brasil e que me foi oferecido na altura da minha Iniciação, o GADU é definido como «Título da Divindade Suprema em todos os Ritos e Sistemas maçónicos de todo o mundo, significado de DEUS, o criador de todas as coisas».
Há contudo quem apresente perspectivas muito diferentes e certamente mais abrangentes. É o caso do Irmão José Martins Jurado no seu livro Introdução ao Rito Adonhiramita e que passo a citar também textualmente: «O G.A.D.U. não é senão uma fórmula, quase um símbolo, quase uma frase. Uma ideia para que cada ser aprove uma medida de sua inteligência, de sua concepção deísta, ou puramente literária, ou intui­tiva; por isso não a definimos. Tanto é assim que G.A.D.U. pode ser uma ideia, um princípio. Para uns, a Revolução. Para outros, a Evolução. Para todos, a encarnação do próprio pensamento de cada um, sem forma nem figura; sem culto nem adoração; sem amor nem te­mor; sem esperança nem dissolução.»
Também o Irmão René Guenon se refere ao assunto dizendo: «O Grande Arquitecto do Universo constitui unicamente um símbolo iniciático, que se deve tratar como todos os outros símbolos, e do qual se deve acima de tudo procurar criar uma ideia racional; ou seja, que esta concepção nada pode ter em comum com o Deus das religiões antropomórficas, que é não só irracional, mas inclusivamente anti-racional. No entanto, se pensarmos que cada um pode dar a este símbolo o significado da sua própria concepção filosófica ou metafísica, estamos longe de o associar a uma ideia tão vaga e sem significado como "o Incognoscível" de Herbert Spencer, ou, noutros termos, ao "que a ciência não pode alcançar"; e também é certo que, como diz com razão o Irmão Nergal, "se ninguém contesta que existe o desconhecido, absolutamente nada nos autoriza a pretender, como alguns fazem, que esse desconhecido represente um espírito, uma vontade".»

Em suma, parece haver uma considerável variedade de formas de entender a noção de GADU e em maior ou menor grau essa noção parece depender da crença de quem fala. No entanto o Irmão Jurado assume-se logo de início como cristão, mas mostra claramente que a sua crença religiosa não determina a sua forma de abordar o conceito de GADU.
Considerando que o espírito da Maçonaria é aberto e tolerante, parece-me que a noção de GADU deve ser suficientemente vaga para ser unificadora de todas as crenças e de todas as maneiras de pensar e sentir. Do mesmo modo, seria completamente alheio ao espírito maçónico que o nosso ideal de Liberdade fosse descrito como sendo o de um qualquer partido político. A Maçonaria, deve ser um navio cuja rota o leva a um mundo melhor onde reinem a Justiça, a Paz, o Amor e a Liberdade e da qual não deve ser desviado por ventos de cariz religioso ou político.

Autor: Carl Sagan

terça-feira, 7 de outubro de 2008

A pedra em Maçonaria

Quando cada um de nós franqueou as portas desta Augusta Obediência tinha da pedra o conhecimento profano: uma expressão do reino mineral que se apresenta de forma ora extremamente rígida ora singularmente moldável.
Na altura de recebermos as Luzes e de termos feito simbolicamente o nosso primeiro trabalho na Pedra Bruta, apercebemo-nos então que esta é dura como o granito, pois só assim poderá servir de alicerce sobre o qual repousa a construção do Templo Iniciático.
Todavia, se relancearmos o olhar para os primórdios da história da humanidade logo nos apercebemos que cedo o homem viu na pedra um precioso instrumento, primeiro para a sua sobrevivência, depois para o seu desenvolvimento.
Ao ser proposto a cada Maçom o nobilitante objectivo de limar as arestas da pedra imperfeita, está-se a significar que ele tem em si capacidades, por vezes até então ocultas, para progredir no caminho do conhecimento, da justiça, da liberdade.
Cada um de nós deve constituir exemplo, para a comunidade maçónica e para si própria, de obreiro incansável na prossecução da árdua e interminável tarefa de desbastar a pedra bruta.
Os trabalhos da Resp.'. L.'. Estrela D'Alva têm-no atestado de forma iniludível, pelo que se faz Maçonaria!

Autor: Álvaro

domingo, 5 de outubro de 2008

Da madrugada libertadora à noite sangrenta

Machado Santos era lisboeta, dum meio social modesto, nasceu a 10 de Janeiro de 1875, ali, na velha rua da Inveja, entre a Mouraria e o Campo Sant’Ana, filho de D. Maria de Assunção de Azevedo Machado Santos e Maurício Paula Vitória Santos. Aos 16 anos, em 1891, o nosso António Maria de Azevedo Machado Santos (e não “Machado dos Santos” como em geral é ortografado o seu nome) alista-se na Marinha, fazendo posteriormente carreira na administração naval. Ei-lo sucessivamente 2.º comissário em 1892, 3.º comissário em 1895 e 2.º tenente, posto que detinha na altura da Revolução.
Começou por militar nas fileiras dos “dissidentes” de José Alpoim, o grupo de “esquerda” monárquica que progressivamente se ia arredando das hostes da realeza para se aproximar das fileiras republicanas. O seu feitio intrépido valera-lhe já, por parte dos camaradas de escola, a alcunha de “Presidente da República do Cartaxo”… a sua adesão à causa republicana e a sua rápida e fulgurante carreira de conspirador e carbonário resultaram da oposição à ditadura franquista, iniciada em 1907 e rematada com o regicídio de 1 de Fevereiro de 1908. Pela mão de um oficial chamado Serejo Júnior entra para a Carbonária Portuguesa ficando logo em contacto com os chefes máximos da conspiração que se avolumava, entre eles Cândido dos Reis e João Chagas. Machado Santos, introduz por seu turno, centenas de recrutas, civis, nas lojas carbonárias, as chamadas “choças” onde os “bons primos” tramam activa e tenazmente a insurreição armada geral.
Membro da Alta Venda Carbonária, o comissário naval esteve na preparação de toda acção conspirativa contra o regime monárquico nestes dois anos que se seguiram. Nas vésperas de se ordenar o início da acção revolucionária, está ausente da reunião decisiva, por considerar que o desentendimento entre os chefes levaria a uma resistência acobardada ou a um novo adiamento inglório, por isso, prepara-se para encetar sozinho o plano combinado.
Veste-se de uniforme de gala como quem vai para uma festa ou para a morte. Chegado ao centro republicano de Santa Isabel, ali encontra os revolucionários que aguardam o começo da acção. Encabeça o grupo de carbonários civis que caminham para o seu objectivo, tomar o quartel de Infantaria 16. De madrugada, o quartel é tomado sem grande dificuldade. Com uma centena de soldados de Infantaria 16, dirige-se então para o segundo objectivo – O Regimento de Artilharia 1, de Campolide, sublevado pelo capitão Pala. Com estas forças conjuntas, a coluna revoltosa segue para a “Rotunda da Avenida da Liberdade” e é doravante aqui, como no Tejo, que se há-de jogar o essencial do duelo entre monárquicos e republicanos.
Uma vez na Rotunda, os revoltosos preparam-se para ser atacados, com as noticias que a revolução tinha falhado, os oficiais tomam a decisão de abandonar o campo fortificado, deixando Machado Santos na chefia dos revoltosos. Efectivamente assim foi, ao mandar tocar a sargentos, quando se viu privado de oficiais, condensou num punhado de civis, de sargentos, de cadetes, de praças, de marujos e de soldados rasos, o nó inquebrantável duma determinação popular que se iria traduzir, no dia seguinte, pela queda da monarquia.
Triunfante o regime republicano, a vida daquele que o fundara foi cheia de vicissitudes, rematando a sua curta carreira terrena, aos 46 anos de idade, alvejado pelas espingardas do “comando” de um outro marujo, o cabo Abel Olímpio, O Dente de Oiro, criminoso a soldo de monárquicos que não perdoaram a Machado Santos a madrugada redentora do 5 de Outubro de 1910. O marujo que vencera a monarquia na Rotunda pagava com a sua própria vida o ter feito baquear o rei. Um comando monárquico, fazendo-se transportar na “camioneta fantasma” durante a “noite sangrenta” que sucedeu à revolução radical de 19 de Outubro de 1921, procedia a algumas liquidações de proeminentes figuras republicanas como o herói da Rotunda, António Granjo e Carlos Maia. Levado de casa Machado Santos foi fuzilado no Largo do Intendente, sendo o seu cadáver transportado depois para a Morgue de Lisboa!

Como disse o seu honrado pai, que, ao irem dizer-lhe, no dia 4 de Outubro, quem comandava as tropas da Rotunda, encolheu os ombros, sorrindo, teve esta frase profética: - Então temo-la tramada, porque quando ele se mete numa coisa leva-a ao fim… Mas é maluco, o meu António, porque, ou deixa lá a pele, ou vai servir de degrau aos outros, pensando em todos e esquecendo-se de si.

Autor: Júlio Verne - Baseado em: Machado Santos, o republicano recalcitrante, por João Medina, História Crítica, Lisboa 1980

terça-feira, 23 de setembro de 2008

O herói da Rotunda

Se observarmos com atenção esta figura política que os historiadores parecem esquecer, não podemos deixar de sentir uma espécie de embaraço misturado com muita perplexidade, já que se mostra contraditório e por vezes mesmo paradoxal no destino e na alma do homem que fundou a República, que foi o braço armado que, na hora decisiva em que todos desanimavam e alguns já desertavam, fez pender a balança da História para o campo dos revoltosos e, no reduzido acampamento da Rotunda, com uns quantos sargentos, praças e civis, verdadeiramente arrebatou a vitória nos dias 4 e 5 de Outubro de 1910. Contraditório destino, estranha actuação a deste marinheiro da administração naval que vence no campo militar, quando os verdadeiros combatentes se suicidam (como o almirante Cândido dos Reis, julgando tudo perdido) ou se retiram (como os oficiais que decidem abandonar as barricadas do Marquês de Pombal, na manhã de 4, por considerarem que a Revolução falhara)!
Simples comissário naval, com 35 anos na altura dos eventos revolucionários, toma assim a seu cargo a estratégia e o plano decisivo, donde resultaria por fim o triunfo da República, sendo ele, em terra, e Mendes Cabeçadas, no mar, os que de facto fizeram vingar o 5 de Outubro de 1910. E não era combatente, mas um administrador, um simples burocrata da Marinha… Depois, tendo ele sido quem fundou a República, nunca se sentiu bem dentro dela e não parou de conspirar contra todos os que se aproveitaram da Revolução.
Outro paradoxo ainda está na acção política e jornalística seguida por Machado Santos depois do triunfo de 1910, fundando em Novembro desse ano, um jornal mantido, em parte, graças à pensão que a Assembleia lhe concede, o marinheiro Machado Santos converte-se em jornalista, revela dotes inesperados na sua nova actividade, serve-se da sua tribuna para, em obediência ao título do seu órgão, mostrar uma isenção que o inclina a criticar com especial virulência os homens e as formações partidárias que o carbonário nunca tolerou.
O antigo dirigente da Carbonária, o herói da Rotunda, viveu desconfortavelmente na República que ajudara a criar. Triunfante o regime republicano, a vida daquele que a fundara foi cheia de vicissitudes, eleito para as Constituintes como candidato por Lisboa, teve o desgosto de ser escolhido com a votação menos expressiva, o que já traduzia a enorme baixa de popularidade. Feito jornalista, dirigiu o Intrasigente, um jornal onde escreveram homens de talento como Cunha Leal, Humberto Ataíde. Tentou ainda criar um partido onde todos os portugueses se reconciliassem acima das divisões partidárias, a Federação Nacional Republicana. Deixou importantes depoimentos sobre a revolução – A Revolução Portuguesa, 1907-1910 (Lisboa, 1911) e A Ordem Pública (Lisboa, 1916).
Homem recto, coriáceo, intransigente, de grande lisura e integridade moral, um homem livre e de bons costumes, o comissário naval que deu o triunfo à revolução republicana passou pelo regime como um meteoro incandescente e contraditório, desfazendo-se por fim no sangue da noite ignóbil de 1921. O esquecimento a que, em geral, a historiografia portuguesa da República o tem votado, ocultam cuidadosamente as mazelas sobre tais figuras e adensam o halo de maldição sobre esta personalidade tão rica e complexa como a deste Machado Santos que quisemos evocar, passado o seu feito glorioso na Rotunda!

Autor: Júlio Verne - Baseado em Machado Santos e a Revolução de Outubro, História Crítica, Lisboa, 1980

terça-feira, 16 de setembro de 2008

A carroça

Certa manhã, meu pai convidou-me a dar um passeio. Em dada altura deteve-se e, depois de um pequeno silêncio, perguntou-me:
- Além do cantar dos pássaros nas árvores, ouves mais alguma coisa? Apurei os ouvidos durante mais alguns segundos e respondi:
- Sim, oiço uma carroça.
- Isso mesmo – disse o meu pai. É uma carroça vazia.
Perguntei-lhe:
- Como sabes que está vazia, se ainda não a vimos?
- Ora – respondeu-me. É muito fácil saber que uma carroça vai vazia por causa do barulho. Quanto mais vazia, mais barulho faz.
Tornei-me adulto e, até hoje, quando oiço uma pessoa a falar demais, a gritar, a intimidar, a tratar o próximo com grosseria, prepotente, a interromper as conversas de toda a gente e a querer demonstrar que é a dona da razão e da verdade absoluta, parece que ainda me ecoa nos ouvidos a voz do meu pai:
- Quanto mais a carroça está vazia, mais barulho faz.
E a sabedoria dessa voz, que o tempo não consegue esbater, junta-se ao conforto que sinto a partir do momento em que franqueei as colunas da nossa Augusta Ordem, por onde perpassam o silêncio sábio, a fraternidade, a tolerância no sentido da compreensão, a igualdade entre todos os Irmãos, a procura dos caminhos da verdade que antecipadamente sabemos não poder alcançar mas que porfiadamente perseguimos.

Conto simbólico por: Álvaro

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Casamento Maçónico

- Aqui, com os pés no Sol, minha rainha, com o braço direito te estendo o meu ramo duas vezes florido.
- Aqui, com os pés na Lua, meu rei, com o braço esquerdo te estendo o meu ramo duas vezes florido.
Pela estrela que nos ilumina e que o somos, pela pomba que nos despe o espírito velado e consciente, que do quatro florido na luz espelhado, animus / anima e nos projecta.
- Oh Lua, permite que se torne minha!
- Oh Sol, permite que eu o seja! Que caiam as convenções, que me dispa e me reveja na tua nudez, que a sombra dos dois uma só seja e assim exprima a nossa vigília consciente. Somos um na sombra negra, só o espírito nos une.
- Nossos corpos em Mercúrio mergulhados, como se mar fosse este amar de morrer, por morte não haver, o renascer.

Texto alusivo a um casamento maçónico por: Jónatas

terça-feira, 2 de setembro de 2008

A Romã

Apesar de ser a única fruta relacionada a Maçonaria, a romã pouco é estudada. E, no entanto, revela-se uma verdadeira maravilha da natureza: por fora é esférica, mas por dentro é formada por blocos cúbicos, o que poderá ser passível de três interpretações distintas: contradição, dualidade ou complementaridade. Por mais que digamos que representam as Lojas, os Maçons, a fraternidade, um único propósito, a união, a prosperidade e a abundância, que são o adorno das Colunas, tudo isso soa a pouco, pois a simples observação da romã nos remete para profundas reflexões. Muitos consideram que o seu simbolismo é um legado judaico à nossa Ordem, porque antes mesmo de Salomão as usar para decorar o templo, já faziam parte dos adornos das vestes do sacerdote Aarão. Por outro lado, a romãzeira é a primeira planta a florescer e a frutificar após o inverno na Terra Prometida. No livro sagrado dos judeus – o Tora –, há a descrição das sete frutas que consagram Israel (trigo, azeitona, cevada, uva, figo, tâmara e romã). Para além disso, no dia 15 do mês de Shevát – que corresponde ao nosso 13 de Fevereiro –, os judeus comemoram-no com uma ritualística própria, em que são consumidas romãs e as outras frutas citadas. Talvez possamos, assim, com os olhos de Maçom, observar a romã e incorporar na nossa conduta os ensinamentos que ela nos transmite: apesar de diferentes, as sementes mantêm-se unidas "ombro a ombro"; apesar de terem vários ângulos (visões diferentes), apoiam-se em perfeita união; são centenas e, como nós, espalham-se pelos quatro cantos da terra. Como somos livres-pensadores e se os Irmãos permitirem, trago a interpretação do Talmud quanto ao simbolismo da romã: "Mesmo o mais vazio entre vocês estará cheio de boas acções, assim como uma romã está sempre cheia de sementes". Ou seja, não importa o tamanho (componente material) da romã: haverá sempre dentro dela dezenas de sementes (componente espiritual). No nosso caso, não importa o que somos, qual o nosso grau ou o nosso cargo (aspectos materiais): há dentro de nós dezenas de bons princípios (aspectos espirituais), que devem ser semeados e cultivados em nós próprios e na sociedade em que vivemos.

Autor: Álvaro

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Recreação

Caros Leitores, Amigos e Irmãos, votos de Saúde e Fraternidade.

Este vosso/nossso Blog esteve em pausa de trabalhos e publicações, sim, que em Maçonaria os trabalhos nunca acabam, ficam suspensos para serem retomados nos momentos ou na data seguinte, simbolizando o trabalho contínuo e o constante aperfeiçoamento do eu interior de cada um e da Ordem em geral.Terminado o período da recreação os trabalhos tomam de novo força e vigor!

terça-feira, 29 de julho de 2008

Vozes Gravadas na Pedra

Sento-me nos degraus da grande entrada da Catedral de Santa Maria em Évora. Sobre mim as doze preciosas esculturas com os apóstolos. Estranhas figuras. Cada uma olha num sentido diferente. Para onde se dirigem os seus olhares? Encontramos apóstolos de várias raças, negros, árabes, hebreus. Que mensagem teriam os escultores medievais querido deixar ao futuro esculpindo as imagens dos apóstolos de Cristo num registo tão diferente de todas as outras representações?
Soterrada nas fundações da catedral estará o que resta da grande mesquita de Évora. Gerações e gerações de culturas ergueram os seus templos naquele mesmo lugar. Mas hoje, o que nos fica é a romano-gótica Catedral dedicada a Santa-Maria que dentro da igreja podemos encontrar por duas vezes em estátuas onde está sempre representada grávida: a Senhora do Ó.
Todos os degraus da escadaria principal estão gravados com misteriosos símbolos: esquadro, nível, prumo, assinaturas encriptadas, marcações das passagens solsticiais. Mesmo abaixo do olhar dos apóstolos, em Pedras Cúbicas e Polidas, os Mestres da Grande Construção Operativa dos Templos deixaram subtis sinais para que fossem reconhecidos por outros que ao chegar e sendo detentores dos segredos dos seus significados se soubessem guiar no gigantesco projecto de construção de «Santa-Maria».
À entrada da catedral eis os sinais deixados ao futuro pelos Maçons, que ao trabalharem nas partes inferiores da edificação, confiavam que mesmo depois da sua morte outros viriam e continuariam, pedra a pedra, a construção até que no zénite do edifício a flecha da catedral flamejasse sobre a cidade.

Cá fora o calor aperta. Quarenta graus. Num movimento lento percorro as marcas gravadas com os dedos. Os símbolos parecem despertar sob as minhas mãos. Com surpresa, descubro um pequeno sol e uma lua. Percorridos todos os sinais da escadaria diríamos estar preparados para dar entrada no templo. Estaremos? A porta abre-se, ao fundo, sobre o altar, um triângulo radioso com um olho pintado. Não somos nós que o olhamos mas «ele» que nos olha.
Mais uma vez, pelo chão, mais sinais gravados fazem-nos baixar a cabeça. Como se cegássemos. Vinda do interior da terra uma voz faz-se ouvir: «Que queremos para este nosso irmão?» depois de uma pausa, olhando de novo o triângulo, outra voz se ergue dos Elementos: «A Luz!».

Autor: Hugo Pratt

terça-feira, 22 de julho de 2008

Aprender a voar entre o simbolismo

Quando acordei como Ícaro um mundo novo tornou-se parte integrante da minha vida, o mundo profano deixou de ser o que era, uma nova forma de o ver começou a fazer parte do novo eu que estou a reconstruir. Pensei em várias formas de trazer aqui a importância do simbolismo na Maçonaria, mas não quis que fosse algo repetido ou uma dissertação teórica, mas sim uma experiência pessoal, partilhar com todos a forma como estou a sentir esta fase da minha vida.
Sou Aprendiz e os meus voos agora são pelo conhecimento e pela reconstrução do que eu sou, sinto-me num processo de transmissão de doutrina e ensinamentos, em que a ansiedade invade o meu espírito e uma vontade imediata de conseguir interpretar e sentir a forma como a Maçonaria se expressa. Para mim a aprendizagem é um processo pessoal e de introspecção e toda a carga simbólica é sentida através das formas ritualistas, quer de iniciação ou de passagem de um grau para outro. Os símbolos tornam-se instrumentos do nosso trabalho e são reflectidos em objectos colocados na loja que os sentimos e que se tornam parte de cada um de nós, do nosso Mundo. O nosso simbolismo torna-se assim, num laço exterior de todos os Irmãos, uma linguagem adequada à Maçonaria, específica e compreendida em todas as línguas que nos permite voar dentro do espírito universal desejado de fraternidade um passaporte que nos permite levar ao Mundo Profano os valores de homens livres e de bons costumes tornando-nos capazes de combater a ignorância e os preconceitos alicerçados pela força, sabedoria e beleza.

Quando reflicto o simbolismo recordo-me sempre de umas palavras de Fernando Pessoa no seu livro a “Mensagem”, palavras essas que me orientam o momento que vivo e que quero partilhar, pois considero um legado precioso para a humanidade e foi uma importante ajuda neste meu voo. Para Fernando Pessoa, "o entendimento e a assimilação de mensagens contidas num símbolo dependem de cinco qualidades: a simpatia, intuição, inteligência, compreensão e revelação", as quais estão sempre presentes em mim.
Estou a aprender a conhecer-me a mim mesmo, e quando sinto o nosso simbolismo desta forma, torna-se parte de mim a renovação constante, a revolução de ideias, de conhecimento e altruísmo sem detenção no tempo.
Agora sim, começo a sentir a Maçonaria, torna-se parte de mim, entra em mim e começa a orientar-me e a sustentar os meus voos.

Autor: Ícaro

terça-feira, 15 de julho de 2008

A cor dos sonhos

O pequeno Nianzu vivia numa pequena aldeia que deuses e homens fizeram plantar num dos imensos vales que se aninham submissos nos sopés das montanhas dos Himalaias.
A necessidade de sobreviver e a perda precoce da família fizera-o percorrer o caminho pedregoso das montanhas para chegar ao mosteiro budista mais próximo, que o destino lhe fizera escolher como recurso na vontade. Os pequenos olhos escuros percorriam atentos todo o espaço à entrada do templo, como duas pequenas rodas dos desejos, que as faces rosadas faziam elevar como dois pequenos altares da descoberta do mundo. Naquele dia, ele era um entre outros que como ele, procuravam ingressar no templo que a vida fizera como a opção que à maioria seria negada, fosse na sorte ou na vocação.
Na sala onde se encontrava e fora conduzido por um jovem monge de cabeça rapada, haviam sido colocadas tintas de várias cores, pincéis e folhas de papel pardo, que o monge fizera distribuir cerimoniosamente no respeito antecipado e igual. Entre o silêncio que dava a mesma cor às palavras e aos pensamentos daquelas caritas de olhar brilhante, deu entrada na sala o lama, que a idade aparente procurava acompanhar na sabedoria que se lhe adivinhava na expressão e modos que ia dispensando a todos e a cada um dos presentes. Sentados e acomodados, convidou o lama que cada criança pintasse a folha de papel que lhe fora distribuída, com a cor que aquela achasse ser a dos sonhos. De imediato, cada criança tomou nas mãos uma folha de papel e o pincel, escolhendo entre as cores das tintas à disposição e pouco foi o tempo quanto demorou que diante delas repousassem folhas de papel de cores diversas como uma pequena roda multicolor em torno do velho lama que olhava atento cada uma das obras expostas diante dele.

Perguntando a cada criança o porquê de cada cor escolhida, entre tantas que faziam justiça fosse ao sol, ao céu ou à neve e às montanhas, não tardou que fosse chegada a vez do pequeno Nianzu justificar a sua escolha. Diante dele repousava uma folha onde várias eram as cores, entre as quais imprimira noutras tantas a sua mão.
- De que cor são dos teus sonhos ? Perguntou o sábio lama.
- São da cor das minhas mãos. Respondeu o pequeno Nianzu.
O velho lama, baixou-se diante dele e numa reverência simples tomou-lhe o pincel e na cor da vontade lhe ensinou a escrever aquele que lhe reconhecia no verdadeiro nome ancestral, “Zhiqiang” lembrando que “a vontade é forte” e que assim, os sonhos não são mais que a realização dos nossos desejos pelas mãos.

Conto Simbólico por: Sheikh

terça-feira, 8 de julho de 2008

O Segredo Maçónico

Para qualquer Maçom regressar ao Templo, no amplexo fraternal dos seus Irmãos: homens de todas as idades, experiências de vida, classes sociais, etc. – é retornar a uma casa-mãe onde, iluminados pela luz dos grandes signos da Maçonaria, todos se ligam por um fio fino e invisível de inexplicável união fraterna.
Em Templo ninguém é mais importante que ninguém. É sabido que a Maçonaria trabalha de forma iniciática, gradual, das trevas para a Luz. Da morte para o renascimento. Da terra para o fogo. Mas esses graus em que cada um vai ascendendo funcionam como se se subisse uma escada em que em cada degrau constitui um ensinamento para que, de forma segura se possa colocar os pés no degrau seguinte e nunca como uma forma de ostentar diferenças ou exercer desigualdades.
É por isto que se torna tantas vezes doloroso para um Maçom ver-se impossibilitado por um motivo profano de comparecer aos trabalhos da sua oficina. A sua Loja.
Durante as sessões «os metais ficam à porta do templo». A energia de cada Irmão expande-se apoiada pelas qualidades dos outros Maçons. O seu campo de «mundivisão» amplia-se. Ali já não são só os seus olhos que vêem, os seus ouvidos que ouvem, os seus sentidos vulgares que respondem. Conduzidos pelo Ritual, passam os Irmãos a viver/vivenciar uma percepção sensorial conjunta sem risco para a sua individualidade, até pelo contrário, a sua individualidade só pode sentir-se reforçada. Eis o que podemos chamar (parcialmente, há outros aspectos) o Segredo Maçónico. Trata-se dessa vivência etérea e física e, principalmente, ética, que renasce em cada sessão o sagrado Segredo dos Maçons.

Talvez haja quem pense (certamente há) que os Maçons guardam segredos de outro tipo, materiais por exemplo. Ou que se juntam para «maquinar» uma perversa influência de cada um no exterior. Enfim, haverá quem pense e faça passar essa sua crença infundada a outros, dando a entender com intuitos de perjúrio que na Maçonaria o segredo é a alma de um qualquer negócio.
Pois não poderiam estar mais enganados os que assim pensam. Na realidade, o Segredo Maçónico é um segredo interno. Uma forma de comunhão com o que há de mais sagrado no coração de cada Irmão e que a iniciação na Franco-Maçonaria (a Livre-Maçonaria) proporciona. É essa Verdade imensa e bela que se faz revolucionária em cada iniciado. Essa experiência de trabalho interior é de facto um segredo próprio dos Maçons. Verdade que vibra no coração de cada um até que a vida o conduza ao Grande Oriente Eterno, denominação dada ao mistério da passagem pela porta da morte. E, todos os dias, o Maçom, na sua meditação e trabalho aprende a lidar com essa fronteira. A morte e o seu simbolismo é uma poderosa ferramenta de trabalho para os maçons desde o dia das suas iniciações.
Ser detentor deste segredo é certamente um privilégio incomensurável, mas mais do que isso é uma responsabilidade que jamais deve ser descuidada.
Pensemos, pois, no Segredo Maçónico como a própria Vida em transmutação que o Maçom recebe no dia da sua iniciação que se manterá aceso seja qual for o grau que venha a atingir no seu percurso, sejam quais forem as responsabilidades temporais que assuma. O seu segredo é a união de luzes que a cada instante da sua vida profana e Maçónica o seu intimo de aprendiz lhe vai ensinando.

Pela Liberdade
Pela Igualdade
Pela Fraternidade

Autor: Hugo Pratt

terça-feira, 1 de julho de 2008

O Aprendiz

É aquele que aprende, e sempre em aprendizagem vai tirando as suas conclusões:
Aprendi.... que ninguém é perfeito
Aprendi....que a vida é dura mas eu sou mais que ela!!
Aprendi que...as oportunidades nunca se perdem, aquelas que desperdiças... alguém as aproveita
Aprendi que...quando te importas com rancores e amarguras a felicidade vai para outra parte.
Aprendi que...devemos sempre dar palavras boas...porque amanhã nunca se sabe as que temos que ouvir.
Aprendi que...um sorriso é uma maneira económica de melhorar o teu aspecto.
Aprendi que... não posso escolher como me sinto...mas posso sempre fazer alguma coisa.
Aprendi que...quando o teu filho recém-nascido segura o teu dedo na sua mão têm-te preso para toda a vida
Aprendi que...todos querem viver no cimo da montanha...mas toda a felicidade está durante a subida.
Aprendi que...temos que gozar da viagem e não apenas pensar na chegada.
Aprendi que...o melhor é dar conselhos só em duas circunstâncias...quando são pedidos e quando deles depende a vida.
Aprendi que...quanto menos tempo se desperdiça...mais coisas posso fazer.

Autor: Gonçalves Lêdo

terça-feira, 24 de junho de 2008

Os solstícios e as religiões

Há indicações de que o homem primitivo desde cedo soube relacionar o dia com o Sol e a noite com a sua ausência, e nos casos dos povos que viviam mais afastados do equador, decerto distinguiriam duas épocas principais ao longo do ano, uma de frio e outra de calor. Estes conceitos ter-lhe-ão servido não só como base para organizar as suas diversas actividades, mas também dado origem aos cultos solares, com o Sol, a nossa grande fonte de calor e de luz, a ser proclamado como “rei dos céus” e “soberano do mundo”. Estes primeiros conceitos religiosos deverão ter tido influência marcante sobre todas as religiões e crenças posteriores.
Por outro lado, desde os tempos das antigas civilizações, o homem imaginou os solstícios como aberturas opostas do céu, semelhantes a portas, por onde o Sol entrava e saía, ao terminar o seu curso, em cada ciclo tropical.
No panteão romano, a personificação de tal conceito foi o deus Janus, representado como uma divindade bifásica; o seu próprio nome mostra essa implicação, já que deriva de «janua», palavra latina que significa “porta”. Por isso, ele era também conhecido como Janitur, ou seja, porteiro, sendo representado com um molho de chaves na mão simbolizando ser ele o guardião das portas do céu. Posteriormente, essa alegoria passaria, através da tradição popular cristã, para São Pedro, mas já sem qualquer relação com os solstícios.
Janus era um deus bicéfalo, com duas faces simetricamente opostas. Tal representação simbolizava a ideia de que estaria a olhar com uma das faces para o passado e com a outra para o futuro.
Os solstícios ocorrem cerca de 21 de Junho e de 21 de Dezembro e correspondem aos pontos em que vemos o Sol mais afastado da vertical do equador. Os paralelos terrestres em que nessas datas o Sol, ao meio-dia, é visto na vertical recebem respectivamente os nomes de trópico de Câncer e de trópico de Capricórnio, apesar de actualmente nada terem a ver com as constelações do mesmo nome.
Desde há milhares de anos que os mais diversos povos assinalam os solstícios como datas importantes. Nuns casos as celebrações revestiam-se de carácter festivo, enquanto noutras as cerimónias mostravam preocupação. É o caso dos Incas que vendo o Sol cada vez mais a norte no solstício de Junho, receavam que não regressasse e imploravam-lhe que retrocedesse.
Com o tempo, essas tradições terão sido influenciadas e assimiladas pela Igreja, tendo acabado por se confundir. É o caso do solstício de Junho, pois ocorre em data muito próxima da comemorativa de São João Baptista (24 de Junho). Mas onde essa conjugação é mais evidente é na celebração do solstício de Dezembro, que se confunde não só com as festividades de S. João Evangelista (27 de Dezembro), mas em especial com as do dia de Natal (25 de Dezembro).

Autor: Carl Sagan

terça-feira, 17 de junho de 2008

Coluna Harmonia

A Jóia do Cargo do Intendente de Harmonia é a Lira, um instrumento musical de corda dedilhada dos mais antigos que há memória, tocada por Fenícios, Egípcios, Assírios, Gregos e Romanos . As cordas eram feitas de tripa ou de tendões de boi ou carneiro. Há quem afirme que os braços primitivos deste instrumento eram feitos com chifres de cabra.Da Lira evoluíram vários instrumentos musicais de corda dedilhada. Vemos este instrumento ligado a vários episódios da História e da Mitologia - de Nero a Orfeu e outros. Tornou-se o Símbolo da Música Universal. Não tendo qualquer significado próprio que a relacione exclusivamente com a Maçonaria, foi adoptada como Jóia do Cargo do Intendente de Harmonia.
A Música e os Efeitos Sonoros durante as Sessões, são um complemento indispensável, inspirando os trabalhos, tornando o ambiente mais harmónico e solene, convidando à meditação. Cabe ao Intendente de Harmonia, a tarefa de embelezar a Sessão com músicas inerentes aos trabalhos em Loja, seleccionar as músicas adequadas à Sessão, manter em perfeitas condições de funcionamento o equipamento de reprodução sonora, bem como os suportes de registo e reprodução sonora; Ao interromper a música deve fazê-lo no final da frase, respeitando o sentido da mesma, preferir sempre músicas Maçónicas ou de Autores Maçons. O uso de temas com outras conotações, além de inadequadas, pode melindrar Crenças particulares de outros membros.
Pode o Intendente de Harmonia organizar uma sequência musical para cada tipo de Sessão, no entanto, este trabalho nunca será de carácter definitivo. A "banda sonora" das Sessões, como tudo na nossa Ordem deve sempre evoluir e responder a novas situações.Assim, além da "banda sonora standard" - com temas clássicos de Mozart, Beethoven, Handel, Haydn e outros, podemos também recorrer a autores Portugueses como João Domingos Bontempo, José Vianna da Motta e tantos outros que além de sublimes músicos, foram também defensores dos grandes Valores da Humanidade. É também uma Homenagem aos compositores e ao seu trabalho.

Autor: José Francisco Esteves

sexta-feira, 13 de junho de 2008

Fernando Pessoa

Tenho o dever de me fechar em casa no meu espírito e trabalhar
quanto possa e em tudo quanto possa, para o progresso da
civilização e o alargamento da consciência da humanidade.”

Nasce a 13 de Junho, dia de Santo António, num prédio em frente do teatro de S. Carlos, filho de Maria Madalena Nogueira e de Joaquim Pessoa. A família do pai é oriunda de Tavira e a família da mãe tem raízes nos Açores. Viveu intensamente, e no dia 29 de Novembro de 1935 é internado no Hospital de S. Luís dos Franceses. Escreve aí o seu último verso, onde se lê, além de inquietação, a terrível e insaciável curiosidade do esotérico: «I know not what tomorrow will bring», ("Eu não sei o que o amanhã trará"). Morre no dia seguinte, a 30 de Novembro.
A sua obra começará a ser publicada sistematicamente, em livro, só a partir de 1942, e a primeira versão de O Livro do Desassossego apenas chegará a sair em 1982. Assim, atravessa todo o século XX, de que fica a ser um dos nomes maiores. Na comemoração do centenário do seu nascimento em 1988, seu corpo foi transladado para o Mosteiro dos Jerónimos, confirmando o reconhecimento que não teve em vida.

Legado
Pode-se dizer que a vida do poeta foi dedicada a criar e que, de tanto criar, ''criou outras vidas através de seus heterónimos'', o que foi sua principal característica e motivou o interesse pela sua pessoa, aparentemente tão pacata. Alguns críticos questionam se Pessoa realmente teria transparecido seu verdadeiro ''eu'', ou se tudo não tivesse passado de mais um produto de sua vasta criação. Ao tratar de temas subjectivos e usar a heteronímia, Pessoa torna-se enigmático ao extremo. Esse facto é o que move grande parte das buscas para estudar sua obra. O poeta e crítico brasileiro Frederico Barbosa declara que Fernando Pessoa foi "o enigma em pessoa". Escreveu desde sempre, com seu primeiro poema aos sete anos e pondo-se a escrever até mesmo no leito de morte. Importava-se com a intelectualidade do homem, e pode-se dizer que sua vida foi uma constante divulgação da língua portuguesa, visto que, nas próprias palavras do poeta, ditas pelo heterónimo Bernardo Soares, "minha pátria é a língua portuguesa".
Analogamente a Pompeu disse que "navegar é preciso; viver não é preciso", Pessoa diz, no poema Navegar é Preciso, que "viver não é necessário; o que é necessário é criar". Outra interpretação comum deste poema diz respeito ao facto de que a navegação foi resultado de uma atitude racionalista do mundo ocidental (a navegação exigiria ''precisão'') enquanto a vida poderia dispensar tal precisão.
Sobre Fernando Pessoa, o poeta mexicano Nobel de Literatura Octávio Paz diz que "os poetas não têm biografia. A sua obra é a sua biografia". O crítico literário Harold Bloom considerou-o, no seu livro ''The Western Canon'', o mais representativo poeta do século XX, ao lado do chileno Pablo Neruda.

Pessoa e o esoterismo Fernando Pessoa possuía ligações com o esoterismo e o misticismo, salientando-se a Maçonaria e Rosa-Cruz (embora não se conheça qualquer filiação concreta em Loja ou Fraternidade destas escolas de pensamento), havendo inclusive defendido publicamente as organizações iniciáticas, no seu artigo no Diário de Lisboa, de 4 de Fevereiro de 1935, contra os ataques por parte da ditadura do Estado Novo. O seu poema hermético mais conhecido e apreciado entre os estudantes de esoterismo intitula-se "No Túmulo de Christian Rosenkreutz". Tinha o hábito de fazer consultas astrológicas para si mesmo (de acordo com a sua certidão de nascimento, nasceu às 15h20; tinha ascendente Escorpião e o Sol em Gémeos. Realizou mais de mil horóscopos. Certa vez, lendo uma publicação inglesa do famoso ocultista Aleister Crowley, encontrou erros no horóscopo e escreveu ao inglês para corrigi-lo, já que era um conhecedor e praticante da astrologia, conhecimentos estes que impressionaram Crowley e, como gostava de viagens, o fizeram vir até Portugal para conhecer o poeta.
Na ficha pessoal, também referida como "Nota autobiográfica", intitulada no original “Fernando Pessoa”, dactilografada e assinada pelo escritor em 30 de Março de 1935, afirma: “Ter sempre na memória o mártir Jacques de Molay, Grão-Mestre da Ordem dos Templários, e combater, sempre e em toda a parte, os seus três assassinos - a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania”.
Por fim, o poema de Fernando Pessoa/Alberto Caeiro; Poemas Inconjuntos; Escrito entre 1913-15; Publicado em Atena nº 5, Fevereiro de 1925, diz:
“Se depois de eu morrer, quiserem escrever a minha biografia, não há nada mais simples, tem só duas datas — a da minha nascença e a da minha morte. Entre uma e outra cousa todos os dias são meus.”

Autor: Júlio Verne (baseado em várias fontes: livros, biografias e internet)

terça-feira, 3 de junho de 2008

a mim filhos da viúva!

viu-se de relâmpago e era negra
e como se uma chave fosse
uma chave foi
abrindo a porta do grande
palácio das buganvílias e dos loendros
lá dentro
sobre um pavimento de mosaicos
brancos e negros
duas colunas
suportavam sem esforço um globo celeste
e outro terrestre
duas esferas romãs
abertas e expostas à sua multitude
era uma espada de ferro quente
ondulada:
flamejante a invocadora de todos os sortilégios
entre colunas –
onde reinava o silêncio,
soprou o verbo: «eis a minha espada, aqui
não haverá espaço para a defesa porque
não haverá espaço para o ataque»
nisto uma bicéfala águia branca pousou
sobre a coroa do trono
e no tecto do palácio se escreveu
num ouro muito azul: «ordo ab chao»

Autor: Hugo Pratt, M.'. M.'.,tempo do verão da era vulgar de 2006

terça-feira, 27 de maio de 2008

Tolerância

Na análise de ponto de vista da sociedade, a tolerância é no fundo a capacidade de uma pessoa ou até de um grupo social de aceitar, noutra pessoa ou também no outro grupo social, uma atitude diferente das atitudes que são norma no seu próprio grupo. Ser tolerante, tem muito a ver com a auto-estima que habita em cada um de nós, e alguém que necessite de se auto-afirmar a cada momento não poderá nunca praticar a tolerância. Admitir as diferenças com a tolerância em nós é aceitar que existam tantas verdades quantas pessoas existam. Não devemos confundir a verdade do outro com a nossa realidade, porque cada um tem a sua realidade, ou seja, aquilo que vive. O que outro vive é a realidade para o outro, para mim é apenas verdade e não é o que eu vivo.
Às vezes é comum ouvir-se: «A minha realidade é outra». Aceitar que outras pessoas possam pensar, agir e até viver diferente de si mesmo, é compreender isso e principalmente, respeitar o outro na sua forma de ser. Ser tolerante trás consigo a benevolência, que é sempre expressa de uma forma positiva e benéfica de ver as coisas e as pessoas. No fundo ser tolerante é ter uma visão positiva da vida e do ser humano, é compartilhar em todos os sentidos, em todos os segmentos das nossas vidas. Ser tolerante é uma das condições básicas para que ocorra uma boa comunicação entre duas pessoas ou mais pessoas, entre várias comunidades, credos etc.
O tolerante deve expor sempre com cuidado as suas ideias, buscando assim o convencimento e a persuasão. O tolerante deve estar sempre apto a receber ideias diferentes e aproveitá-las, fazendo enriquecer assim o seu mundo experimental, e até aproveitar para mudar a sua forma de viver em Sociedade ou até consigo próprio. Nos meios em que a tolerância predomina, as pessoas crescem de uma forma constante e convivem harmoniosamente entre si, é a pura prática da cooperação colectiva, assim nunca haverá espaço para posições individualistas e egoístas. Mas, atenção, ser tolerante não é admitir ou permitir qualquer tipo de situação ou comportamento, mas sim não ser intransigente e intolerante com tudo e todos, sem nem mesmo reflectir no que se está a ser debatido. Quem possuir uma visão tolerante das coisas e das pessoas, possui também calma e maior domínio de si mesmo para lidar com os obstáculos da vida, com isso busca superá-los sem actos de desespero e age sempre sem ferir outros.

Faça uma experiência: Levante-se com uma postura tolerante, olhe para os acontecimentos diários da sua vida em sociedade e pense que você está ali preparado para resolver todos os obstáculos que outrora o incomodavam e constate a diferença nos resultados que irá obter.
Tolerância, é viver com harmonia, alegria e respeito pelo próximo.

Autor: Gonçalves Ledo